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Document 62014TJ0677
Acórdão do Tribunal Geral (Nona Secção) de 12 de dezembro de 2018.
Biogaran contra Comissão Europeia.
Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado do perindopril, medicamento destinado ao tratamento de doenças cardiovasculares, nas suas versões original e genéricas — Decisão que declara a existência de uma infração aos artigos 101.° e 102.° TFUE — Acordos que visam atrasar, ou mesmo impedir, a entrada no mercado de versões genéricas do perindopril — Participação de uma filial na infração praticada pela sociedade‑mãe — Imputação da infração — Responsabilidade solidária — Limite máximo da coima.
Processo T-677/14.
Acórdão do Tribunal Geral (Nona Secção) de 12 de dezembro de 2018.
Biogaran contra Comissão Europeia.
Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado do perindopril, medicamento destinado ao tratamento de doenças cardiovasculares, nas suas versões original e genéricas — Decisão que declara a existência de uma infração aos artigos 101.° e 102.° TFUE — Acordos que visam atrasar, ou mesmo impedir, a entrada no mercado de versões genéricas do perindopril — Participação de uma filial na infração praticada pela sociedade‑mãe — Imputação da infração — Responsabilidade solidária — Limite máximo da coima.
Processo T-677/14.
Processo T‑677/14
Biogaran
contra
Comissão Europeia
«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado do perindopril, medicamento destinado ao tratamento de doenças cardiovasculares, nas suas versões original e genéricas — Decisão que declara a existência de uma infração aos artigos 101.° e 102.° TFUE — Acordos que visam atrasar, ou mesmo impedir, a entrada no mercado de versões genéricas do perindopril — Participação de uma filial na infração praticada pela sociedade‑mãe — Imputação da infração — Responsabilidade solidária — Limite máximo da coima»
Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Nona Secção) de 12 de dezembro de 2018
Processo judicial — Petição inicial — Requisitos formais — Exposição sumária dos fundamentos invocados — Remissão global para outros documentos não juntos com a petição — Remissão para a petição apresentada por outro recorrente contra a mesma decisão adotada em matéria de concorrência — Inadmissibilidade
[Estatuto do Tribunal de Justiça, artigos 21.°, primeiro parágrafo, e 53.°, primeiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal Geral (1991), artigos 43.°, n.o 1, e 44.°, n.o 1]
Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Decisão de aplicação das regras de concorrência — Regularização de uma falta de fundamentação na fase contenciosa do processo — Inadmissibilidade — Indícios adicionais destinados a completar uma fundamentação já suficiente e a responder aos argumentos do recorrente — Admissibilidade
(Artigos 102.° e 263.°, TFUE; Regulamento n.o 1/2003 do Conselho, artigo 2.o)
Processo judicial — Regime linguístico — Apresentação de peças processuais ou de documentos numa língua diferente da língua do processo — Regularização
(Regulamento de Processo do Tribunal Geral (1991), artigo 35.o, n.o 3; instruções ao secretário do Tribunal Geral, artigo 7.o, n.o 5, segundo parágrafo; instruções práticas às partes perante o Tribunal Geral, n.os 64 e 68)
Acordos, decisões e práticas concertadas — Infração contra a concorrência — Transações em matéria de patentes — Acordo celebrado entre um laboratório de medicamentos originais e uma empresa de medicamentos genéricos — Acordo com cláusulas de não impugnação de patentes e de não comercialização de produtos — Pagamento compensatório de incentivo recebido pela empresa de medicamentos genéricos — Restrição pelo objetivo
(Artigo 101.o, n.o 1, TFUE)
Acordos, decisões e práticas concertadas — Infração à concorrência — Transações em matéria de patentes — Acordo celebrado entre um laboratório de medicamentos originais e uma empresa de medicamentos genéricos — Acordo com cláusulas de não impugnação de patentes e de não comercialização de produtos — Acordo acessório que estipula uma transferência de valores para a empresa de medicamentos genéricos — Qualificação de pagamento compensatório de incentivo — Requisitos
(Artigo 101.o, n.o 1, TFUE)
Acordos, decisões e práticas concertadas — Infração à concorrência — Acordo que visa restringir a concorrência — Prossecução simultânea de objetivos legítimos — Falta de incidência
(Artigo 101.o TFUE)
Acordos, decisões e práticas concertadas — Infração à concorrência — Critérios de apreciação — Intenção das partes num acordo em restringir a concorrência — Critério não necessário
(Artigo 101.o, n.o 1, TFUE)
Concorrência — Empresa — Conceito — Unidade económica — Imputação das infrações — Sociedade‑mãe e empresas filiais — Filial detida a 100 % pela sua sociedade‑mãe — Participação da filial na conduta ilícita da sua sociedade‑mãe — Responsabilidade solidária da filial — Violação do princípio da responsabilidade pessoal — Inexistência
(Artigo 101.o, n.o 1, TFUE)
Acordos, decisões e práticas concertadas — Proibição — Infrações — Acordos e práticas concertadas constitutivos de uma infração única — Imputação de responsabilidade a uma empresa por toda a infração — Pressupostos — Práticas e atuações ilícitas inseridos num plano de conjunto — Apreciação — Critérios — Contribuição para o objetivo único da infração — Conhecimento ou previsibilidade de plano global de cartel e dos seus elementos principais
(Artigo 101.o, n.o 1, TFUE)
Direitos fundamentais — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Princípio da legalidade dos crimes e das penas — Alcance — Previsibilidade do caráter ilícito da conduta punida — Transação em matéria de patentes celebrada entre um laboratório de medicamentos originais e uma empresa de medicamentos genéricos — Acordo de licença e de fornecimento celebrado entre uma filial do laboratório de medicamentos originais e a empresa de medicamentos genéricos — Acordos contrários ao direito da concorrência — Filial que não podia ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento e do comportamento da sua sociedade‑mãe
(Artigo 101.o, n.o 1, TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 49.o, n.o 1)
Concorrência — Empresa — Conceito — Unidade económica — Imputação das infrações — Sociedade‑mãe e empresas filiais — Responsabilidade solidária pelo pagamento da coima — Responsabilidade solidária da filial — Violação do princípio da igualdade de tratamento — Inexistência
(Artigo 101.o, n.o 1, TFUE; Regulamento n.o 1/2003 do Conselho, artigo 23.o, n.o 2)
Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Montante máximo — Cálculo — Volume de negócios a tomar em consideração — Volume de negócios acumulado de todas as sociedades que constituem a entidade económica que atua como empresa
(Artigo 101.o, n.o 1, TFUE; Regulamento n.o 1/2003 do Conselho, artigo 23.o, n.o 2)
V. texto da decisão.
(cf. n.os 47‑51)
V. texto da decisão.
(cf. n.os 57‑61)
Nos termos do artigo 35.o, n.o 3, primeiro e segundo parágrafos, do Regulamento do Processo do Tribunal Geral, a língua do processo é utilizada, nomeadamente, nos escritos e intervenções orais das partes, incluindo as peças processuais e documentos anexos, e qualquer peça processual ou documento apresentados ou juntos em anexo redigidos em língua diferente devem ser acompanhados de tradução na língua do processo. O artigo 7.o, n.o 5, segundo parágrafo, das Instruções ao secretário do Tribunal Geral prevê que, quando peças anexas a um ato processual não forem acompanhadas por uma tradução na língua do processo, o secretário pede à parte em questão que proceda à respetiva regularização, se se verificar que essa tradução é necessária para a boa marcha do processo. Resulta dos n.os 64 e 68 das Instruções práticas às partes perante o Tribunal Geral que, se a contestação não estiver em conformidade com os requisitos de forma relativos à tradução na língua do processo de uma peça redigida numa língua diferente da língua do processo, é fixado um prazo razoável para a sua regularização.
Em face destas disposições, importa observar que, quando uma parte tiver junto documentos numa língua diferente da língua de processo, não acompanhados de tradução, e a parte contrária tenha tido a possibilidade de requerer ao Tribunal uma regularização desses documentos, mas não formulou expressamente esse requerimento, limitando‑se a opor‑se à admissibilidade desses anexos alegando que não estavam redigidos na língua do processo, só quando a tradução na língua do processo seja necessária para a boa marcha do processo deve o secretário pedir a sua regularização à parte que juntou os documentos.
(cf. n.os 63‑65)
A qualificação de restrição à concorrência por objetivo de uma transação num litígio relativo a patentes farmacêuticas, celebrada entre uma sociedade de medicamentos originais, enquanto titular das patentes, e uma sociedade de genéricos pressupõe que na transação estejam simultaneamente presentes uma vantagem incentivadora em relação à sociedade de genéricos e uma limitação correlativa dos seus esforços para fazer concorrência à sociedade de medicamentos originais. Quando estes dois pressupostos estiverem preenchidos, há que concluir por uma restrição da concorrência pelo objetivo nos termos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, atendendo ao grau de nocividade dessa transação para o bom funcionamento do jogo normal da concorrência.
Assim, na celebração dessa transação, a simples presença de cláusulas de não comercialização e de não impugnação cujo alcance se limita ao da patente em causa, não permite, apesar de essas cláusulas terem caráter restritivo por si próprias, concluir por uma restrição da concorrência com suficiente grau de nocividade para ser qualificada de restrição pelo objetivo, quando essa transação se baseia no reconhecimento da validade da patente pelas partes. Em contrapartida, a presença dessas cláusulas é problemática quando a sujeição da sociedade de genéricos a essas cláusulas não se baseia no seu reconhecimento da validade da patente. Assim, no caso de um pagamento compensatório não justificado da sociedade de medicamentos originais à sociedade de genéricos ocorrer na celebração da transação, deve considerar‑se que a sociedade de genéricos foi incentivada por esse pagamento a sujeitar‑se às cláusulas de não comercialização e de não impugnação e há que concluir pela existência de uma restrição pelo objetivo.
Quando se verifica a existência de um incentivo, as partes deixam de poder invocar, no âmbito da transação, o seu reconhecimento da validade da patente. O facto de a validade da patente ser confirmada por uma instância jurisdicional ou administrativa é, a este respeito, irrelevante. Assim, é o incentivo, e não o reconhecimento da validade da patente pelas partes na transação, que deve ser considerado a verdadeira causa das restrições da concorrência introduzidas pelas cláusulas de não comercialização e de não impugnação, as quais, sendo neste caso desprovidas de legitimidade, apresentam, desse modo, suficiente grau de nocividade para o bom funcionamento do jogo normal da concorrência para se poder aceitar uma qualificação de restrição pelo objetivo.
(cf. n.os 112‑114, 116, 120, 121, 123)
A qualificação de restrição da concorrência pelo objetivo da celebração de uma transação em litígios relativos a patentes farmacêuticas, celebrada entre uma sociedade de medicamentos originais como titular de patentes e uma sociedade de genéricos, pressupõe que estejam presentes, na celebração da transação, simultaneamente uma vantagem incentivadora para a sociedade de genéricos e uma limitação correlativa dos seus esforços para fazer concorrência à sociedade de medicamentos originais.
A esse respeito, a presença de um acordo comercial comum «associado» a uma transação num litígio que inclui cláusulas que têm, em si mesmas, caráter restritivo é suscetível de constituir um indício sério da existência de um incentivo e, por conseguinte, de uma restrição da concorrência pelo objetivo, quando esse acordo acessório estipule transferências de um valor da sociedade de medicamentos originais para a sociedade de genéricos. Todavia, o indício sério referido no número anterior não é suficiente e, por isso, a Comissão deve confirmá‑lo através da apresentação de outros elementos concordantes que permitam concluir pela existência de um pagamento compensatório. Tal pagamento, no contexto específico dos acordos acessórios, corresponde à parte do pagamento efetuado pela sociedade de medicamentos originais que excede o valor «normal» do bem trocado.
Daí resulta que, em face dos elementos de que disponha e, eventualmente, na falta de qualquer explicação ou na falta de qualquer explicação plausível fornecida pelas partes nos acordos, a Comissão pode ter fundamento para concluir, no termo de uma apreciação global, que o acordo acessório não foi celebrado em condições normais de mercado, ou seja, que o pagamento efetuado pela sociedade de medicamentos originais excede o valor do bem trocado (ou que o valor do bem cedido à sociedade de genéricos excede o pagamento por ela efetuado). A Comissão pode, assim, concluir que existe um pagamento compensatório. Ora, um pagamento compensatório, se não tiver por objetivo compensar os custos inerentes à transação, constitui uma vantagem incentivadora. Todavia, as partes nos acordos podem ainda invocar o caráter insignificante da vantagem em causa, cujo montante é insuficiente para ser considerado correspondente a um incentivo significativo à aceitação das cláusulas restritivas da concorrência estipuladas na transação.
(cf. n.os 123, 135, 137, 139, 141, 145‑147)
V. texto da decisão.
(cf. n.o 175)
V. texto da decisão.
(cf. n.o 178)
O conceito de empresa designa qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento. Por um lado, o conceito de empresa, situado nesse contexto, deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas. Por outro lado, quando uma tal entidade económica infringe as normas da concorrência, deve, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infração.
A Comissão tem razão, portanto, para considerar, pela aplicação do conceito de «empresa», que uma sociedade‑mãe e a filial por ela detida a 100 % são solidariamente responsáveis por uma infração ao artigo 101.o, TFUE que lhes é imputada, uma vez que os atos praticados por ambas se consideram, assim, praticados por uma só empresa.
O facto de a violação do artigo 101.o TFUE declarada pela Comissão resultar parcialmente da conduta da sociedade‑mãe e parcialmente da conduta da filial, enquanto, nas situações de responsabilidade solidária entre uma sociedade‑mãe e a sua filial mais frequentemente submetidas ao juiz da União, a infração resulta apenas do comportamento da filial, não põe em causa esta conclusão.
Com efeito, embora seja possível imputar a uma sociedade‑mãe a responsabilidade de uma infração cometida pela sua filial e, por conseguinte, considerar essas duas sociedades solidariamente responsáveis pela infração cometida pela empresa que constituem, sem violar o princípio da responsabilidade pessoal, o mesmo sucede a fortiori quando a infração cometida pela entidade económica constituída por uma sociedade‑mãe e pela sua filial resulta do concurso de condutas dessas duas sociedades.
(cf. n.os 212, 216‑218)
V. texto da decisão.
(cf. n.os 230‑233)
A repressão eficaz das infrações em matéria de direito da concorrência não pode ir ao ponto de se violar o princípio da legalidade dos crimes e das penas, consagrado no artigo 49.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Esse princípio não pode, pois, ser interpretado no sentido de que proscreve a clarificação gradual das regras da responsabilidade penal, pela interpretação judicial em cada processo, desde que o resultado seja razoavelmente previsível no momento em que a infração foi cometida, atendendo, designadamente, à interpretação então seguida na jurisprudência relativa à disposição legal em causa.
O alcance do conceito de previsibilidade depende em larga medida do conteúdo do texto em questão, do domínio que abrange, bem como do número e da qualidade dos seus destinatários. A previsibilidade da lei não se opõe a que a pessoa em causa recorra a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável nas circunstâncias do caso, as consequências que podem resultar de um determinado ato. Em especial, é o que acontece com os profissionais habituados a ter de dar provas de grande prudência no exercício da sua profissão e dos quais se pode esperar uma avaliação particularmente cuidada dos riscos que o ato comporta.
A esse respeito, uma sociedade de genéricos pode admitir que a sua sociedade‑mãe, uma sociedade de medicamentos originais, ao incentivar outras sociedades de genéricos a vincularem‑se, no âmbito de uma transação em matéria de patentes, a cláusulas de não comercialização e de não impugnação, só por si restritivas da concorrência, retira qualquer legitimidade à introdução de tais cláusulas na transação. Com efeito, tal introdução já não se baseia no reconhecimento da validade da patente pelas partes nos acordos e, portanto, revela uma utilização anormal da patente, não relacionada com o seu objeto específico. A filial pode igualmente admitir que o facto de dar um incentivo suplementar a uma sociedade de genéricos, através do acordo de licença e de fornecimento com ela celebrado, é suscetível de reforçar os efeitos restritivos do acordo celebrado pela sua sociedade‑mãe. Nestas circunstâncias, a filial pode razoavelmente prever que está a adotar um comportamento abrangido pela proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.
É certo que, embora, devido ao facto de os acordos em causa terem sido celebrados sob a forma de transação relativa a uma patente, o caráter ilícito desses acordos possa não se revelar de forma clara a um observador externo como a Comissão ou juristas especializados nos domínios em causa, o mesmo não sucede com as partes no acordo.
(cf. n.os 251, 252, 255, 260)
V. texto da decisão.
(cf. n.os 274‑280)
V. texto da decisão.
(cf. n.os 283, 284)