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Document 52016AE6003

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Estabelecimento de um novo Quadro de Parceria com os países terceiros ao abrigo da Agenda Europeia da Migração» [COM(2016) 385 final]

OJ C 173, 31.5.2017, p. 66–72 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

31.5.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 173/66


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Estabelecimento de um novo Quadro de Parceria com os países terceiros ao abrigo da Agenda Europeia da Migração»

[COM(2016) 385 final]

(2017/C 173/12)

Relator:

Cristian PÎRVULESCU

Consulta

Comissão, 17.8.2016

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

 

 

Competência

Secção Especializada de Relações Externas

Adoção em secção

31.1.2017

Adoção em plenária

22.2.2017

Reunião plenária n.o

523

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

225/4/2

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

A Agenda Europeia da Migração deve ser concebida de forma a ter em plena consideração a dimensão humanitária do seu âmbito. Além disso, a UE não deve esquecer os seus compromissos fundamentais e as suas regras juridicamente vinculativas de proteger as vidas humanas e os direitos humanos, em especial das pessoas em perigo.

1.2.

O Comité Económico e Social Europeu apoia a visão definida na Cimeira de Valeta, realizada em novembro de 2015, cujo principal objetivo era fornecer uma resposta de longo prazo à migração, atacando as suas causas profundas e criando um diálogo com os países terceiros baseado na cooperação e na responsabilidade partilhada. O CESE espera que o Diálogo Euro-Africano sobre Migração e Desenvolvimento (o «Processo de Rabat») e o Processo de Cartum contribuam para a rápida execução do Plano de Ação de Valeta.

1.3.

O CESE apoia a celebração de acordos adaptados e específicos com cada país, no pleno respeito dos direitos humanos. A flexibilidade proporciona a perspetiva adequada e a combinação certa de ações e incentivos.

1.4.

Embora a necessidade de coordenação e racionalização das políticas seja evidente, a Agenda da Migração parece estar a tornar-se uma política global, substituindo-se a outras políticas na prossecução das suas ações e dos seus objetivos (por exemplo, política de vizinhança, de ajuda ao desenvolvimento e de comércio). Embora reconheça a importância da política de migração, o CESE considera também que as demais políticas são igualmente importantes e merecedoras de serem concretizadas e recomenda que a participação na política de migração não condicione a cooperação noutros domínios de intervenção. O principal objetivo da coordenação é promover sinergias, complementaridade e exaustividade entre os vários domínios de intervenção.

1.5.

Deve ser feita uma distinção entre a inexistência de cooperação com países terceiros com base na falta de vontade política e a inexistência de cooperação com base na falta de capacidade e de recursos. Ambas carecem de resolução, mas através de meios diferentes. Para assegurar a sustentabilidade e a capacidade de resistência, as atenções devem ser centradas, em primeiro lugar, no reforço das capacidades. A assistência não deve, em caso algum, estar condicionada à readmissão e a controlos nas fronteiras.

1.6.

A economia é decisiva para combater as causas profundas da migração, mas tal não deve significar que se ignorem as dimensões política, institucional e administrativa da estabilidade e da prosperidade. A estratégia deve ser reajustada de forma a incluir um apoio mais empenhado e especificamente direcionado em três domínios: resolução de conflitos e construção de Estados, promoção da democracia e dos direitos humanos e desenvolvimento da sociedade civil.

1.7.

Para tratar as causas profundas da migração a longo prazo, um país precisa de um governo viável e legítimo, de instituições representativas sólidas, de partidos políticos eficazes, de meios de comunicação social e de organizações da sociedade civil. A UE deve considerar a possibilidade de conceder uma atenção e apoio adequados à assistência democrática e não tratar as questões relacionadas com a democracia como o «ambiente empresarial geral», dado que é referido no terceiro pilar do Plano de Investimento Externo.

1.8.

A criação de vias legais de migração e de capacidades institucionais para apoiar a migração legal deve constituir uma prioridade no âmbito do Quadro de Parceria com os países terceiros para a UE, os Estados-Membros e países terceiros.

1.9.

As organizações da sociedade civil desempenham um papel importante no que se refere a tornar mais seguros e humanos os processos de reinstalação, de deslocação e de acolhimento dos migrantes e refugiados. A proposta deve reconsiderar o papel e o apoio conferidos às suas atividades, desde as organizações locais nos países de origem e de trânsito às que participam nas operações de salvamento e gerem o acolhimento e a integração. Além disso, as organizações da sociedade civil devem ser envolvidas no acompanhamento e na avaliação das ações de todas as autoridades competentes envolvidas na gestão da migração.

1.10.

O CESE incentiva as autoridades públicas, ao nível nacional, regional e local, a participarem na aplicação da política de migração e asilo, de acordo com as obrigações legais internacionais e a fim de defender os direitos humanos e facilitar a integração.

1.11.

A UE e os Estados-Membros devem, direta ou indiretamente e com base na Convenção de Genebra, respeitar os direitos humanos e observar o princípio da não repulsão durante a execução destas ações e procedimentos.

1.12.

A UE não pode ter qualquer dúvida quando concede o estatuto de «país seguro» a países de origem e de trânsito, de forma a não violar o princípio da não repulsão (1).

1.13.

A Comissão delineou a sua visão estratégica acerca do modo como a ação externa da UE pode fomentar a resistência e a autossuficiência das pessoas deslocadas à força em locais situados o mais próximo possível dos países de origem dos refugiados. Embora esta visão apresente algumas vantagens, importa salientar que a UE, enquanto interveniente internacional responsável e dotado de recursos, também possui a obrigação moral e jurídica de ajudar quem procura proteção internacional, nos termos dos acordos internacionais.

1.14.

O CESE apoia o aumento dos números de regressos e de readmissão, com preferência dada ao regresso voluntário e um enfoque na reintegração. O regresso voluntário com um enfoque na reintegração deve ser uma das principais escolhas estratégicas da UE e dos Estados-Membros na gestão do processo de migração.

1.15.

Em todos os pactos e acordos, a UE deve garantir que são principalmente utilizados incentivos positivos, que a assistência está bem estruturada e organizada e que esta aborda também as capacidades institucionais e administrativas do governo, promove a democracia e os direitos humanos e inclui as organizações da sociedade civil em todos os processos, em especial nos processos locais e nacionais.

1.16.

O CESE incita as instituições da UE, os Estados-Membros e os governos dos países terceiros a envolverem e a apoiarem, tanto quanto possível, os grupos da diáspora, que podem constituir um recurso valioso para o desenvolvimento a longo prazo dos países de origem e de trânsito e, além disso, podem dar um contributo valioso para a sociedade e a economia europeias. A promoção da diversidade e da abertura ao mundo tem estado na base da sociedade europeia, e a política de migração tem de se alinhar por estes dois princípios.

1.17.

O CESE exorta os Estados-Membros a participarem plenamente nos esforços de coordenação da política de migração da UE. A solidariedade e a cooperação entre os Estados-Membros constituem dois requisitos prévios para uma aplicação eficaz do Quadro de Parceria com os países terceiros.

1.18.

O CESE incentiva a Comissão Europeia a lançar a plataforma de diálogo prevista para incluir os contributos das empresas, dos sindicatos e de outros parceiros sociais, a fim de maximizar os benefícios da migração para a economia europeia e para os próprios migrantes (2). O CESE está disposto a contribuir para o seu lançamento e funcionamento adequado.

2.   Enquadramento geral (com base na comunicação da CE)

2.1.

Desde a adoção da Agenda Europeia da Migração, muito tem sido alcançado, particularmente fora das fronteiras da UE. Centenas de milhares de pessoas foram salvas no mar (3). A Cimeira de Valeta, realizada em novembro de 2015, trouxe as questões relativas à migração para o centro das relações da UE com os países africanos.

2.2.

No entanto, há muito mais a fazer. A UE enfrenta ainda uma crise humanitária. Os países terceiros e os parceiros da UE acolhem hoje refugiados, muitos dos quais menores não acompanhados, que foram forçados a abandonar as suas casas, bem como migrantes económicos que aspiram a chegar à Europa.

2.3.

O objetivo final do Quadro de Parceria é alcançar um compromisso coerente e adaptado por meio do qual a União e os seus Estados-Membros atuem de forma coordenada, reunindo instrumentos, ferramentas e incentivos para estabelecer parcerias abrangentes (pactos) com países terceiros, a fim de fazer uma melhor gestão da migração, respeitando plenamente as suas obrigações humanitárias e de direitos humanos.

2.4.

Deverão ser tomadas medidas imediatas com parceiros-chave nos seguintes domínios, definindo objetivos específicos e mensuráveis: trabalhar com parceiros-chave para melhorar a moldura legislativa e institucional para a migração; dar um apoio concreto ao reforço das capacidades em matéria de gestão de fronteiras e de gestão das migrações, nomeadamente dando proteção aos refugiados; incrementar os números de regressos e de readmissão com preferência dada ao regresso voluntário e um enfoque na reintegração; conter os fluxos irregulares, propondo paralelamente vias legais de migração, nomeadamente intensificando os esforços de reinstalação.

3.   Observações na generalidade

3.1.

O CESE acredita que uma migração bem gerida representa uma oportunidade para a UE, para os países de origem e para os migrantes e respetivas famílias. A migração é uma característica inerente à sociedade humana e é muito importante na história recente dos povos europeus.

3.2.

Os problemas surgem quando as pessoas não partem voluntariamente, quando muitos migrantes são forçados a abandonar o seu local de residência devido a pobreza extrema, à guerra ou a catástrofes naturais. Estas pessoas encontram-se numa situação de grande vulnerabilidade. Se os países europeus não lançarem processos de gestão e legislação para facilitar a canalização da migração através de procedimentos legais e transparentes, muitas pessoas que migram por vias irregulares, muitas vezes correndo sérios riscos de vida, continuarão a ser exploradas por redes criminosas envolvidas no tráfico e na introdução clandestina de seres humanos.

3.3.

O CESE adverte que as políticas e a legislação para organizar a migração e os controlos nas fronteiras devem respeitar plenamente as convenções relativas aos direitos humanos e a Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

3.4.

A proposta da Comissão proporciona a coordenação e a harmonização indispensáveis dos procedimentos e instrumentos utilizados para gerir o cada vez mais complexo processo de migração. Tendo em conta a natureza e a dinâmica das recentes tendências migratórias, é conveniente efetuar uma revisão das prioridades e dispor de uma agenda de prioridades mais clara.

3.5.

O CESE considera que o enfoque no salvamento dos viajantes em risco é plenamente justificado. Esta deve ser uma prioridade absoluta para a UE e para os Estados-Membros. Embora ainda se continuem a perder vidas no mar, a Comissão louva o papel dos cidadãos comuns, das organizações da sociedade civil e do pessoal militar e civil envolvidos nas operações de salvamento.

3.5.1.

Para além dos objetivos declarados de curto prazo dos pactos, a saber, salvar vidas no mar Mediterrâneo, aumentar o número de regressos para países de origem e de trânsito, permitir aos migrantes e aos refugiados permanecer o mais próximo possível dos seus locais de origem, a fim de evitar empreender viagens perigosas, o CESE encoraja igualmente a Comissão a incluir a proteção dos migrantes ao longo da chamada rota dos Balcãs, cujas vidas e segurança poderão estar em risco, e a criação de vias legais de migração.

3.6.

O CESE reitera que a UE e os seus Estados-Membros constituem o maior doador de ajuda ao desenvolvimento e de ajuda humanitária do mundo e que a UE presta um apoio significativo aos refugiados, às pessoas deslocadas internamente e às comunidades de acolhimento, por exemplo nas regiões do Corno de África e do lago Chade (Quénia, Somália, Uganda, Etiópia e Sudão).

3.6.1.

A Agenda da Migração deve ser concebida de forma a ter em plena consideração o âmbito da dimensão humanitária. A UE tem dificuldade em gerir os atuais fluxos de migrantes e de refugiados. Contudo, não deve esquecer os seus compromissos fundamentais e as suas regras juridicamente vinculativas de proteger as vidas humanas e os direitos humanos, em especial das pessoas em perigo.

3.7.

A Agenda da Migração só será bem sucedida na medida em que os países terceiros tiverem a vontade e a capacidade de cooperar estreitamente com a UE e os Estados-Membros. Cada país tem o seu próprio perfil migratório. Vários são países de origem e são assolados por conflitos, tensões e privações severas, enquanto outros são países de trânsito, mais estáveis mas também mais vulneráveis. Alguns são confrontados com um número excessivo de refugiados e migrantes que procuram segurança e assistência nos seus territórios, de entre os quais se destacam o Líbano, a Turquia e a Jordânia. A disponibilidade e a capacidade destes países para aplicar as medidas decorrentes desta parceria em matéria de migração dependem de vários fatores históricos, políticos, económicos, securitários e culturais complexos. É, por conseguinte, necessário encontrar a perspetiva adequada e a combinação certa de ações e incentivos em relação a cada um deles. Ao mesmo tempo, os pactos devem ter um enfoque comum, nomeadamente um que estimule o desenvolvimento institucional, democrático, social e económico dos países terceiros.

3.8.

A Agenda da Migração carece de um reforço suplementar e de uma maior coordenação com os demais domínios políticos pertinentes. Na proposta da Comissão, são abordadas três dessas políticas: vizinhança, ajuda ao desenvolvimento e comércio. No âmbito da política europeia de vizinhança, cerca de metade do financiamento disponível será afetado a assuntos relacionados com a migração. No que se refere à política de desenvolvimento, a proposta prevê a introdução de incentivos positivos e negativos que recompensam os países que cumprirem a obrigação internacional de readmitir os seus nacionais e os que cooperarem na gestão dos fluxos de migrantes irregulares de países terceiros, bem como os que tomarem medidas para acolher adequadamente os que fogem de conflitos e da perseguição. Estão também previstas consequências para os que não cooperarem com as políticas de readmissão e de regresso. No que diz respeito à política comercial, nos casos em que a UE possa dar um tratamento preferencial aos seus parceiros, a CE propõe que a cooperação no âmbito das políticas de migração seja um parâmetro na avaliação das preferências comerciais ao abrigo do SPG+.

3.9.

Para além destes, todos os domínios de intervenção, incluindo a educação, a investigação, as alterações climáticas, a energia, o ambiente e a agricultura, devem, em princípio, fazer parte de um pacote, ser concebidos de modo a terem em conta as questões relativas à migração e impulsionar fortemente o debate.

3.10.

Embora a necessidade de coordenação e racionalização das políticas seja evidente, esta estratégia suscita algumas preocupações. A Agenda da Migração parece estar a tornar-se uma política global, substituindo-se a outras políticas na prossecução das suas atividades e dos seus objetivos. Tal poderá afetar essas outras políticas, que possuem, cada uma delas, objetivos e âmbitos de aplicação legítimos. A política de vizinhança deve trazer estabilidade e prosperidade à fronteira da UE, e um enfoque desproporcionado na migração poderá deixar de lado outras regiões pertinentes. A política de desenvolvimento também possui objetivos alargados, incluindo a prestação de auxílio às comunidades vulneráveis e a criação de melhores perspetivas económicas e sociais para dezenas de milhares de pessoas. A política comercial possui igualmente uma vertente de desenvolvimento significativa, proporcionando mais oportunidades tanto para os cidadãos da UE como para os cidadãos de países terceiros.

3.11.

Ao mesmo tempo que reconhece a importância da Agenda da Migração, o CESE considera todas as políticas igualmente importantes e merecedoras de serem concretizadas. O objetivo da coordenação é, em primeiro lugar, promover a sinergia, a complementaridade e a exaustividade entre os vários domínios de intervenção.

3.12.

A este respeito, o enquadramento específico da coordenação das políticas indica a possibilidade de uma abordagem condicional e coerciva, devendo os países terceiros cooperar com a UE e os Estados-Membros na readmissão e no regresso dos seus nacionais, gerindo os fluxos de migrantes nos seus territórios e nas suas fronteiras e acolhendo as pessoas que fogem de conflitos e da perseguição. De outro modo, o acesso ao financiamento e à assistência da UE, bem como ao mercado desta, poderá ficar comprometido. Esta opção poderá revelar-se problemática e, em última instância, ineficaz. A cooperação dos países terceiros no âmbito da Agenda da Migração é impulsionada por capacidades e preocupações internas. Deve ser feita uma distinção entre a inexistência de cooperação com base na vontade política e a inexistência de cooperação com base na falta de capacidade e de recursos. Ambas carecem de resolução, mas através de meios diferentes. Para assegurar a sustentabilidade e a capacidade de resistência, as atenções devem ser centradas, em primeiro lugar, no reforço das capacidades. É também muito importante distinguir entre a assistência ao desenvolvimento e a cooperação no domínio da migração. Esta não deve condicionar a primeira em circunstância alguma.

3.13.

Ao abordar as «causas profundas» da migração, a proposta da Comissão refere-se quase exclusivamente à economia. Também salienta o papel dos investidores privados que procuram novas perspetivas de investimento nos mercados emergentes. Conforme referido na proposta, «[e]m vez de deixar migrantes em situação irregular arriscar a vida tentando atingir os mercados de trabalho europeus, deviam ser mobilizados recursos europeus privados e públicos para investir nos países terceiros de origem».

3.14.

A Comissão também prevê um plano de investimento externo ambicioso com três pilares: «O primeiro pilar permitiria a utilização inovadora de recursos públicos escassos para mobilizar investimentos privados oferecendo garantias suplementares e fundos concessionais. O segundo pilar incidiria na assistência técnica, ajudando as autoridades e as empresas locais a desenvolverem um maior número de projetos suscetíveis de serem aceites para financiamento, dando a conhecê-los junto da comunidade de investidores internacionais. O terceiro pilar centrar-se-ia no ambiente empresarial em geral incentivando a boa governação, lutando contra a corrupção, eliminando os obstáculos ao investimento e as distorções de mercado.»

3.15.

A economia ocupa um lugar central no combate às causas profundas da migração e deve estar intimamente associada às dimensões política, institucional, administrativa e social da estabilidade e da prosperidade. Os ensinamentos retirados de décadas de trabalho nos domínios da assistência e do desenvolvimento indicam que as instituições são fundamentais e que, se não existir o enquadramento e a infraestrutura adequados, não se desencadeará a dinâmica pretendida. Os investidores privados não investirão em países de origem e de trânsito se estes forem instáveis. O financiamento do investimento, do desenvolvimento e de outros domínios de intervenção deve manter-se separado, mas possuir objetivos complementares.

3.16.

Muitos dos países terceiros, especialmente os que se tornaram países de origem de refugiados e migrantes, têm problemas de fundo em termos de estabilidade e eficácia do governo. As suas infraestruturas e economias são frágeis e os seus sistemas administrativos estão subdesenvolvidos. Consequentemente, deve considerar-se uma intensificação dos esforços no sentido da resolução dos conflitos e da construção dos Estados. Tal é válido não só para a Síria e a Líbia, como também para muitos outros países. O reconhecimento deste facto poderia ajudar ao estabelecimento de prioridades no que diz respeito às medidas e ações a empreender e à concentração dos esforços nas verdadeiras razões que levam as pessoas a fugir desses territórios ou a atravessá-los. Intervenções definidas de forma restrita, como por exemplo a formação de guardas de fronteira ou a transferência de tecnologia para os mesmos, o desmantelamento de redes de traficantes ou o fornecimento de incentivos ao regresso, terão um impacto positivo mas limitado. A migração é um fenómeno que está associado a insuficiências e falhas de diferentes naturezas e graus dos Estados.

3.17.

A inclusão da governação no terceiro pilar do plano de investimento externo no âmbito do «ambiente empresarial em geral» não é suficiente para englobar o leque de questões que carecem de resolução. Para tratar as causas profundas da migração a longo prazo, um país precisa de um governo viável e legítimo, de instituições representativas sólidas, de partidos políticos eficazes, de meios de comunicação social e de organizações da sociedade civil. A UE deve considerar a possibilidade de conceder uma atenção e apoio adequados à assistência democrática. Tal é importante não apenas no quadro da migração, como também em outros domínios de intervenção, como a vizinhança e o comércio.

3.18.

Na proposta da Comissão, o papel da sociedade civil é reconhecido e apoiado de forma insuficiente. As organizações da sociedade civil têm um importante papel a desempenhar no que se refere a tornar mais seguros e humanos os processos de reinstalação, de deslocação e de acolhimento dos migrantes e refugiados. Dos campos de refugiados às rotas de migração, incluindo o mar, aos centros de acolhimento na UE, essas organizações prestam um contributo valioso, se não indispensável. A proposta deve reconsiderar o papel e o apoio conferidos às suas atividades, desde as organizações locais nos países de origem e de trânsito às que participam nas operações de salvamento e gerem o acolhimento e a integração. Além disso, as organizações da sociedade civil devem ser envolvidas no acompanhamento e na avaliação das ações de todas as autoridades competentes envolvidas na gestão da migração. O seu trabalho e as suas opiniões podem aproximar todo o processo dos padrões de direitos humanos que os tratados internacionais e da UE reconhecem e protegem.

4.   Observações na especialidade

4.1.

Na organização de todas as atividades e procedimentos, a UE e os Estados-Membros devem, direta ou indiretamente e com base na Convenção de Genebra, respeitar os direitos humanos e observar o princípio da não repulsão.

4.2.

O CESE está profundamente preocupado com o acordo entre a UE e a Turquia e com o seu impacto nos direitos fundamentais dos indivíduos por ele abrangidos. A Declaração UE-Turquia é contestada por grupos da sociedade civil e defensores dos direitos humanos, visto que trata a Turquia como um «país seguro». A UE não pode ter qualquer dúvida quando concede o estatuto de «país seguro» a países de origem e de trânsito, de forma a não violar o princípio da não repulsão.

4.3.

A Comissão delineou a sua visão estratégica acerca do modo como a ação externa da UE pode fomentar a resistência e a autossuficiência das pessoas deslocadas à força em locais situados o mais próximo possível dos países de origem dos refugiados (4). Embora esta visão apresente algumas vantagens, importa salientar que a UE, enquanto interveniente internacional responsável e dotado de recursos, também possui a obrigação moral e jurídica de ajudar quem procura proteção internacional.

4.4.

As medidas operacionais destinadas a combater a introdução clandestina de migrantes são bem-vindas. Os traficantes impõem custos muito elevados para ajudar os migrantes e expõem-nos a riscos graves. Ao mesmo tempo, combater a introdução clandestina de migrantes não resolverá as questões estruturais da migração. É, portanto, essencial criar vias legais de migração, o que reduziria a dependência dos migrantes face às redes de introdução clandestina de seres humanos.

4.5.

É necessário introduzir um mecanismo de coordenação entre o nível da UE e o nível dos Estados-Membros para concretizar os pactos. Caso alguns Estados-Membros possuam laços históricos com os países terceiros, poderão ser mobilizados para assegurar uma melhor cooperação.

4.6.

O CESE saúda a próxima proposta de um sistema estruturado de reinstalação que proporcione uma abordagem comum à chegada segura e legal à União para pessoas que careçam de proteção internacional através da reinstalação como uma demonstração direta do empenho da UE em ajudar os países que sofrem as maiores pressões (5). O Plano de Ação de Valeta incluía um compromisso da UE e dos Estados-Membros relativo ao lançamento de projetos-piloto que agrupem ofertas de migração legal. No entanto, a proposta deveria ser muito mais clara e identificar projetos específicos a empreender.

4.7.

O CESE acolhe com agrado a reforma do Cartão Azul (6), apresentada em 7 de junho de 2016, que visa atrair os migrantes altamente qualificados para o mercado de trabalho da UE.

4.8.

O CESE saúda a conceção dos pactos destinados a aumentar a eficácia e a sustentabilidade do processo de regresso e a prestar apoio financeiro adequado aos países de readmissão e em especial às comunidades que irão reintegrar os repatriados. O fornecimento de incentivos às autoridades e aos indivíduos é indispensável para assegurar um processo eficaz.

4.9.

O CESE apoia o aumento dos números de regressos e de readmissão, com preferência claramente dada ao regresso voluntário e um enfoque na reintegração. Esta deve ser uma das principais escolhas estratégicas da UE e dos Estados-Membros na gestão do processo de migração. Aumenta a probabilidade de todos os envolvidos cooperarem e, mais importante ainda, transforma a migração num possível motor de desenvolvimento local.

4.10.

Os esforços da UE e dos Estados-Membros devem ser coordenados a nível mundial. O CESE concorda com a recomendação da Comissão Europeia de apoiar a criação de um sistema mundial de reinstalação apoiado pela ONU para permitir a reinstalação rápida e eficiente dos refugiados em países seguros. A UE possui os recursos e a experiência para fazer a diferença, inclusive através de um impulso no sentido de um processo mais global e multilateral de gestão da migração.

4.11.

O CESE apoia amplamente o sentido das parcerias específicas com países terceiros: celebração de pactos com a Jordânia e o Líbano e reforço da relação UE-Tunísia; lançamento e celebração de pactos com o Níger, a Nigéria, o Senegal, o Mali e a Etiópia; e apoio ao Governo de Consenso Nacional líbio. Em todos estes pactos e acordos, a UE deve garantir que são principalmente utilizados incentivos positivos, que a assistência está bem estruturada e organizada e que também aborda as capacidades institucionais e administrativas do governo, promove a democracia e os direitos humanos e inclui as organizações da sociedade civil em todos os processos, em especial nos processos locais e nacionais.

4.12.

O CESE reconhece os esforços de todas as partes para tornar o Quadro de Parceria operacional e eficaz, conforme apresentado no primeiro relatório intercalar publicado pela Comissão Europeia (7). O lançamento de projetos financiados pelo Fundo Fiduciário da UE para África nos cinco países prioritários é um sinal de que a cooperação é possível. O CESE incita as instituições da UE a continuarem a trabalhar no sentido da rápida adoção do Regulamento relativo ao Fundo Europeu para o Desenvolvimento Sustentável, um instrumento fundamental para a promoção do desenvolvimento sustentável, do crescimento inclusivo, do desenvolvimento económico e social e da integração regional fora da Europa.

Bruxelas, 22 de fevereiro de 2017.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Georges DASSIS


(1)  JO C 71 de 24.2.2016, p. 82.

(2)  Agenda Europeia da Migração, COM(2015) 240 final, p. 15-17.

(3)  Nas operações Mare Nostrum, só por si, foram resgatadas 140 000 pessoas do mar Mediterrâneo. Desde 2015, as operações no mar Mediterrâneo contribuíram para salvar mais de 400 000 pessoas.

(4)  COM(2016) 234 final, de 26 de abril de 2016.

(5)  Ver COM(2016) 197 final, de 6 de abril de 2016.

(6)  COM(2016) 378 final.

(7)  COM(2016) 700 final.


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