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Document 52013IE3000

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Acessibilidade como um direito humano para as pessoas com deficiência» (parecer de iniciativa)

OJ C 177, 11.6.2014, p. 15–23 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

11.6.2014   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 177/15


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Acessibilidade como um direito humano para as pessoas com deficiência» (parecer de iniciativa)

(2014/C 177/03)

Relator: Ioannis VARDAKASTANIS

Em 14 de fevereiro de 2013, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre a

Acessibilidade como um direito humano para as pessoas com deficiência.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Transportes, Energia, Infraestruturas e Sociedade da Informação, que emitiu parecer em 19 de novembro de 2013.

Na 495.a reunião plenária de 21 e 22 de janeiro de 2014 (sessão de 21 de janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 152 votos a favor e 3 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE insta as instituições da UE a reconhecerem que o artigo 9.o da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) constitui um direito humano em si mesmo e, por conseguinte, que a sua plena implementação deve levar à criação das condições necessárias para, através de medidas jurídicas e políticas, proporcionar às pessoas com deficiência acesso a todos os tipos de ambientes e fruição de todos os aspetos da vida. Isto é indispensável para o pleno gozo dos direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais. A acessibilidade traz benefícios a toda a sociedade.

1.2

O CESE insta todas as instituições da UE, órgãos políticos e organismos, incluindo o CESE, a elaborarem, em consulta com o Movimento Europeu das Pessoas com Deficiência, um plano concreto que garanta acessibilidade, nomeadamente às respetivas instalações, sítios Web e documentos.

1.3

O CESE reconhece que a acessibilidade é uma condição fundamental da sustentabilidade e da sua dimensão social para combater a pobreza e a marginalização e promover a coesão social.

1.4

O CESE reconhece que foram dados passos importantes em áreas como os transportes e as telecomunicações (por exemplo, a Agenda Digital), mas são necessárias mais medidas, inclusivamente no mercado interno.

1.5

O CESE reconhece que a falta de acessibilidade constitui em si uma discriminação e, por conseguinte, sublinha que a União Europeia precisa de legislar em matéria de não discriminação e insta o Conselho a acionar a proposta de diretiva que aplica o princípio da igualdade de tratamento das pessoas independentemente da religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual COM(2008) 426 final (artigo 19.o do TFUE).

1.6

O CESE insta a Comissão Europeia a honrar o seu compromisso de longa data e a apresentar legislação sobre acessibilidade juridicamente vinculativa.

1.7

O CESE insta o Parlamento Europeu e o Conselho da UE a ultimar a presente proposta de uma diretiva relativa à acessibilidade dos sítios Web dos organismos do setor público, em conformidade com o parecer do CESE TEN/507 (1) e as propostas do Fórum Europeu das Pessoas com deficiência.

1.8

O CESE apela às instituições da UE para que cheguem a acordo acerca da inclusão de condições ex ante em matéria de acessibilidade e deficiência no atual regulamento sobre disposições comuns relativas aos Fundos Estruturais e em instrumentos de ajuda externa e demais instrumentos de financiamento.

1.9

O CESE considera que a crise e as medidas de austeridade que dela decorrem não deveriam ser utilizadas pela UE e os Estados-Membros como pretexto para impedir que a acessibilidade faça parte dos direitos humanos.

1.10

O CESE observa que, ao garantir a acessibilidade como um direito humano, há que ter em conta os seguintes princípios fundamentais: liberdade de escolha e de movimentos, autonomia de vida, adaptação razoável, participação, desenho universal e obrigação de antecipação.

1.11

O CESE exorta a UE e os seus Estados-Membros a criarem mecanismos de acompanhamento e de controlo de execução com a participação das organizações representativas das pessoas com deficiência.

1.12

O CESE salienta que se deve imprimir uma dimensão de acessibilidade às seguintes áreas políticas da UE: capacidade jurídica, participação política, emprego, auxílios estatais, transportes, educação, acesso a bens e serviços, investigação, política externa e habitação.

1.13

O CESE entende que as instituições da UE, ao aplicarem as disposições da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, deverão incluir a acessibilidade nos seguintes instrumentos: normalização, harmonização, requisitos técnicos, incentivos para as empresas, políticas sindicais e convenções coletivas.

1.14

O CESE assinala que as estratégias de sensibilização são um meio essencial para que a sociedade, nomeadamente os próprios cidadãos e os principais atores (por ex. escolas e meios de comunicação social) respeitem a acessibilidade como um direito humano, em conformidade com o artigo 8.o da referida convenção.

1.15

O CESE considera que a acessibilidade deve passar a fazer parte dos programas de disciplinas científicas (por ex. arquitetura, engenharia, informática).

1.16

O CESE entende que os instrumentos estatísticos para apoiar a observância do princípio da acessibilidade como direito humano são insuficientes e, por isso, exorta o Eurostat a desenvolvê-los.

1.17

O CESE reitera o compromisso já assumido em pareceres anteriores de criar um comité de direção para acompanhar a aplicação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

2.   Introdução

2.1

Abordar a deficiência na perspetiva dos direitos humanos pressupõe que a UE, enquanto parte na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e todos os cidadãos têm a responsabilidade de construir uma sociedade em que todos os seres humanos, e portanto também as pessoas com deficiência, possam exercer os seus direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais.

2.2

A definição da Convenção segundo a qual «as pessoas com deficiência incluem aqueles que têm incapacidades duradouras físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais, que em interação com várias barreiras podem impedir a sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros» confirma a abordagem da deficiência como direito humano.

2.3

A UE juntou à conclusão desta convenção uma lista de competências de que a acessibilidade faz parte integrante. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é o único tratado sobre direitos humanos até hoje celebrado pela União Europeia.

2.4

O relatório mundial sobre a deficiência (2011) apresentado pela Organização Mundial da Saúde e o Banco Mundial destaca que os edifícios, os transportes, a informação e as comunicações são muitas vezes inacessíveis às pessoas com deficiência (2).

2.5

O acesso ao ambiente físico e aos transportes públicos é um pressuposto da liberdade de movimentos das pessoas com deficiência, consagrada no artigo 13.o da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 12.o do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP). Do mesmo modo, o acesso aos sistemas de informação e comunicação foi encarado como um pressuposto da liberdade de opinião e de expressão, consagrada no artigo 19.o da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 19.o, n.o 2, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (3).

2.6

O ponto de contacto da Convenção (situado na Comissão Europeia) desempenha um papel fundamental na sua implementação e este papel deve ser exercido de forma muito proativa.

2.7

O Conselho da UE aprovou, em 29 de outubro de 2012, o estabelecimento de um quadro para proteger, promover e fiscalizar a aplicação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, composto pelo Provedor de Justiça Europeu, a Comissão das Petições do Parlamento Europeu, a Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais, o Fórum Europeu das Pessoas com deficiência e a Comissão Europeia.

2.8

O CESE congratula-se com a plena participação do Fórum Europeu das Pessoas com Deficiência nessa instância e insiste na necessidade de a sociedade civil ser estreitamente associada a este processo.

2.9

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência reconhece no artigo 9.o, n.o 3, e no artigo 21.o a acessibilidade como um direito.

2.10

Os artigos desta convenção relativos à acessibilidade estabelecem um importante programa político e jurídico que não pode ser considerado isoladamente e, por isso, a acessibilidade deve ser encarada como um fator que permite e facilita o exercício de todos os outros direitos civis, económicos, sociais e culturais.

2.11

Nos últimos anos, o legislador da UE deu enorme atenção à acessibilidade, que foi integrada, nomeadamente, em áreas políticas como os contratos públicos, os fundos estruturais e outros instrumentos de financiamento, os direitos dos passageiros, o setor das normas técnicas específicas (TSI-PRM) e o emprego. Trata-se de um passo importante, atendendo sobretudo ao envelhecimento da população europeia.

2.12

Ao adotar a Estratégia Europeia para a Deficiência — o principal instrumento político específico sobre deficiência — a Comissão Europeia estabeleceu objetivos concretos nesta área. Neste contexto, a Comissão comprometeu-se a apresentar medidas juridicamente vinculativas para garantir a acessibilidade dos sítios Web e o Ato Europeu em matéria de Acessibilidade (4).

2.13

A Estratégia Digital para a Europa é um bom modelo para a introdução de estratégias políticas gerais, incluindo também ações específicas para garantir o acesso das pessoas com deficiência. Os avanços em matéria de acessibilidade terão repercussões positivas na sociedade e na economia em geral, criando novos empregos e produzindo valor acrescentado. A aplicação integral desta agenda resultará numa Europa digital sem barreiras para as pessoas com deficiência.

2.14

É necessário utilizar o potencial da acessibilidade para o mercado interno, uma vez que reforçará a mobilidade transnacional na Europa, facilitando, ao mesmo tempo, a mobilidade dos trabalhadores e das pessoas com deficiência. Deve ser assegurado o acesso a programas de aprendizagem ao longo da vida. As estratégias europeias para o emprego deveriam também ter em conta a necessidade de salvaguardar os postos de trabalho e requalificar os trabalhadores que adquiram uma deficiência durante a sua vida profissional.

2.15

A Estratégia Europa 2020 poderia ter proposto uma abordagem mais abrangente da deficiência que incluísse a acessibilidade e a participação das pessoas portadoras de deficiência e das organizações que as representam. A falta de indicadores abrangentes para a deficiência nesta estratégia traduziu-se na falta de atenção, de informação e de recursos destinados à deficiência. A criação de emprego é uma estratégia fundamental para assegurar a inclusão social.

2.16

O CESE salienta que é necessário fazer muito mais e, portanto, acolhe com agrado a proposta de diretiva da Comissão Europeia relativa à acessibilidade dos sítios Web dos organismos do setor público.

2.17

O CESE insta a Comissão a honrar, sem mais demora ou adiamentos, o seu compromisso de propor um ato legislativo sobre acessibilidade juridicamente vinculativo.

2.18

A crise económica tem consequências muito graves para o exercício dos direitos humanos das pessoas com deficiência, inclusivamente em matéria de acessibilidade. Os níveis de acessibilidade estão a piorar e, por isso, as sociedades estão a tornar-se mais inacessíveis. Importa assinalar que a crise económica, embora atinja todas as famílias, se faz sentir muito mais duramente nas famílias com crianças portadoras de deficiência (5).

2.19

A Europa tem de adotar um programa específico que garanta às crianças com deficiência acesso a todos os ambientes e aspetos da vida.

2.20

A Europa precisa de crescimento inclusivo e acessibilidade como pressuposto básico para realizar a sustentabilidade, designadamente no respeitante à implementação da sua vertente social, combatendo a pobreza e a marginalização e promovendo a coesão social através da inclusão das pessoas com deficiência.

3.   A Acessibilidade como um Direito Humano

3.1

O CESE defende que a «acessibilidade como um direito humano» precisa de ser transformado num conceito político e operacional. Trata-se de um conceito que se aplica a toda a sociedade e não apenas às pessoas com deficiência.

3.2

O CESE realça que o direito de acessibilidade como um direito humano, e em ligação com uma agenda política, deve ser entendido de duas formas:

como um direito humano enquanto tal, designa a possibilidade de participar, agir, comunicar e ser informado de forma autónoma e segura; e

como um direito humano inerente à execução de outros direitos humanos, transformando-o num dinamizador e facilitador deste processo.

3.3

O CESE regista as orientações da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no sentido de desenvolver o conceito de acessibilidade e entende que o processo de elaboração das políticas neste domínio deveria:

permitir que as pessoas com deficiência possam viver autonomamente e participar plenamente em todos os aspetos da vida; e

prever a adoção de medidas que compreendam a prevenção, identificação e eliminação de obstáculos e de barreiras à acessibilidade.

3.4

O CESE reconhece a necessidade de garantir autonomia de vida (em sociedade e na comunidade) de acordo com o artigo 19.o da Convenção, agindo a três níveis:

assegurando que as pessoas com deficiência têm a oportunidade de escolher o seu local de residência;

dando o apoio necessário para que possam usufruir dos mesmos direitos que os demais membros da sociedade; e

assegurando que os serviços em geral são disponibilizados, em condições de igualdade, às pessoas com deficiência.

3.5

O CESE assinala que as pessoas com deficiência devem poder exercer o direito de escolha com total independência e autonomia, em pé de igualdade com os outros cidadãos.

3.6

O CESE regista o «Relatório global sobre viver na comunidade de forma inclusiva» (6) elaborado pela federação Inclusion International, no qual se assinala que são negados às pessoas com deficiência intelectual direitos basilares de acesso, como sejam possuírem as chaves da sua própria casa, acederem a serviços comerciais, decidirem onde sair para passear ou para ir a parques de jogos com colegas estudantes.

3.7

O CESE reconhece que a colocação em instituições é uma grave violação dos direitos humanos e uma lamentável consequência do desenvolvimento dos serviços sociais na Europa, em relação a outras partes do mundo, e afeta todos os países da União Europeia, independentemente do seu nível de vida. As estratégias de desinstitucionalização devem ser acompanhadas de serviços alternativos locais visto que sem serviços não pode haver nenhuma melhoria: as pessoas com deficiência transformam-se em «sem abrigo».

3.8

O CESE considera que por «barreira» se deve entender não apenas um obstáculo físico, mas também barreira ao nível das atitudes, da legislação, das políticas, dos comportamentos e dos costumes, da falta de sensibilização e da discriminação cultural. O Comité chama a atenção para o facto de a eliminação de todas estas barreiras beneficiar toda a sociedade.

3.9

O CESE assinala que se deveria prestar mais atenção ao reconhecimento da linguagem gestual e de outras formas de comunicação para pessoas surdas, bem como sistemas de conversão da fala em texto (speech-to-text) para pessoas com deficiências auditivas. Deveria haver também dispositivos que garantam a produção de documentos em braile e de leitores de ecrã para pessoas cegas, bem como de material de informação de leitura fácil para pessoas com deficiência intelectual e comportamental.

3.10

O CESE chama a atenção para o facto de a sinalização, a informação acessível e a comunicação, os serviços de apoio, orientação e deslocação entre edifícios e dentro destes é fundamental para muitas pessoas com deficiência, em especial para as que sofrem de fadiga cognitiva.

3.11

O CESE regista dois instrumentos essenciais a considerar na análise da acessibilidade como direito humano, a saber:

«Adaptação razoável» significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem um ónus desproporcional ou indevido, quando requeridos num determinado caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais (artigo 2.oda CDPD); A adaptação razoável não deve, em caso algum, substituir o dever de garantir a acessibilidade a infraestruturas, a áreas edificadas e a bens e serviços em conformidade com os princípios do desenho universal. A adaptação razoável visa garantir a justiça individual no sentido da não discriminação e da igualdade, tendo em consideração a dignidade, a autonomia e as escolhas da pessoa. O CESE entende que uma melhoria geral das normas de acessibilidade conduz a uma adaptação mais razoável;

O CESE crê que se deve aplicar o princípio da «carga desproporcionada ou indevida» de acordo com a legislação atual e, por esta razão, incita as instâncias públicas a controlarem e apoiarem a aplicação da adaptação razoável através de meios alternativos (fundos, contratos públicos, etc.). Essa ação deve incluir uma avaliação do impacto na qual os direitos dos cidadãos devem prevalecer sobre as necessidades dos prestadores. Na aplicação do princípio da adaptação razoável, importa garantir o menor número possível de exceções.

3.12

O CESE considera que o desenho universal deve constituir um princípio orientador, com vista a garantir o pleno acesso à sociedade, e passar a ser um requisito político operacional no processo de definição das políticas, por exemplo, com a sua inclusão no articulado de um regulamento (7). Além do desenho universal, há que desenvolver dispositivos e tecnologias de assistência que o complementem.

3.13

O cumprimento da obrigação de antecipação pode trazer enormes benefícios às pessoas com deficiência, na medida em que antecipa as suas necessidades antes de estas se fazerem sentir. No que respeita a um produto ou serviço, isso exigirá que as potenciais necessidades sejam tidas em conta durante a fase de desenho/conceção do mesmo.

3.14

Deve haver uma distinção entre, por um lado, a obrigação de assegurar o acesso a todos os objetos, infraestruturas, bens, produtos e serviços desenhados/concebidos, construídos e produzidos de novo e, por outro, a obrigação de eliminar barreiras e assegurar o acesso ao ambiente físico, ao transporte, à informação e comunicações já existentes e a serviços destinados ao público em geral. Os Estados Partes têm a obrigação de assegurar ambos os acessos mas, como isso deve ser aplicado gradualmente, os Estados Partes devem estipular prazos definidos e fixos e atribuir recursos adequados para a eliminação das barreiras existentes (8).

3.15

O CESE assinala que a assistência pessoal (incluindo a «assistência humana e/ou animal» nos termos da CDPD das Nações Unidas) é uma ação certeira essencial para assegurar às pessoas com deficiência o acesso a uma série de direitos.

3.16

O CESE reconhece que a não discriminação é um instrumento fundamental para assegurar o respeito pelos direitos humanos, mas só é suficiente se for acompanhada por outros instrumentos, como a ação positiva e a normalização, bem assim a formação e a promoção dos direitos das pessoas com deficiência junto dos empregadores, engenheiros civis, arquitetos, advogados, economistas, etc. O CESE considera que se devia avançar com a proposta de diretiva, atualmente abandonada, que aplica o princípio da igualdade de tratamento das pessoas independentemente da religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual COM(2008) 426 final (artigo 19.o do TFUE).

3.17

Só existirá uma aplicação fundamental das obrigações de acesso como direito humano quando houver uma participação substantiva e significativa das organizações de pessoas com deficiência na aplicação do artigo 4.o, n.o 3, e artigo 33.o no que respeita à acessibilidade. Esta participação pode ser assegurada se as organizações de pessoas com deficiência receberem os recursos financeiros necessários para desenvolverem as suas atividades de promoção. O CESE solicita que o programa «direitos fundamentais», que substituirá o programa PROGRESS, garanta o mesmo nível de apoio financeiro a organizações gerais ou específicas de pessoas com deficiência.

3.18

O CESE destaca que as pessoas com deficiência não usufruem da mesma maneira dos direitos humanos consoante vivam em zonas rurais ou urbanas e que este desequilíbrio deve ser combatido através de políticas eficazes e nível nacional e regional.

3.19

As empresas e os empregadores da UE deviam incluir a acessibilidade nas suas políticas em matéria de diversidade e promover a criação de planos de diversidade.

3.20

O CESE reconhece o impacto da acessibilidade sobre a coesão social e, por esta razão, as estratégias de sustentabilidade da UE deviam incluir a acessibilidade como meio para implementar os seus objetivos.

3.21

O CESE assinala que as mulheres com deficiência enfrentam restrições no acesso aos seus direitos, inclusivamente nos domínios da saúde, da inclusão social, da educação e do emprego. Estas restrições traduzem-se em piores condições de vida, problemas de saúde, desemprego e pobreza. O mesmo se aplica a outras pessoas vulneráveis com deficiência, como crianças, idosos e pessoas com especiais necessidades de apoio, que enfrentam graves restrições ao exercício dos seus direitos.

3.22

O CESE recorda que os jovens de hoje são o futuro e que é necessário criar condições de acessibilidade para permitir aos jovens com deficiência o pleno gozo dos seus direitos. O Comité insta a UE a garantir que as suas políticas da juventude incluem uma dimensão específica de apoio aos jovens com deficiência.

4.   Impacto na legislação e na elaboração de políticas da UE

4.1

O CESE assinala que a conclusão pela União Europeia da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, toda e qualquer política proporcionada ou iniciativa jurídica da UE devia ser analisada na ótica de garantir às pessoas com deficiência uma vida independente, plena participação e eliminação de barreiras e obstáculos. Este conceito devia ter impacto na legislação da UE em vigor, incluindo a especificada na declaração de competências.

4.2

O CESE considera que o mercado interno devia ser desenvolvido de modo a garantir que inclui a deficiência, a normalização e a harmonização da acessibilidade como forma de o modernizar e o tornar mais competitivo e inclusivo numa economia global. Existe uma economia da deficiência.

4.3

O CESE solicita a criação de uma agenda da UE baseada em dois fatores:

o direito humano de acessibilidade; e

a inclusão da acessibilidade noutras definições de políticas integradas.

4.4

O CESE considera que o acesso é um direito fundamental, que requer uma agenda política específica, e insta a Comissão a apresentar uma proposta para uma agenda dos direitos ao acesso no que respeita à sua definição de políticas.

4.5

O CESE apela a que se analisem os seguintes domínios na ótica do acesso como direito humano:

o acesso a determinados serviços e políticas sociais implica o pleno gozo da capacidade jurídica. A União Europeia devia assegurar a harmonização dos princípios da capacidade jurídica para as pessoas com deficiência na UE. A União Europeia devia assegurar a harmonização dos princípios da capacidade jurídica para as pessoas com deficiência na UE;

a participação política e o direito de voto das pessoas com deficiência em todas as eleições (locais e nacionais), em especial nas eleições europeias, devia ser garantido por lei, assegurando o acesso às assembleias de voto, aos votos, à informação dos partidos políticos, etc.;

os direitos civis (direito de propriedade, direito à vida, à autonomia, à segurança, etc.). É necessário assegurar o acesso a estes direitos civis fundamentais através da ação da Europa, incluindo a assistência pessoal que proporciona às pessoas com deficiência liberdade de escolha no gozo da acessibilidade.

4.6

O CESE insta a que sejam tomadas medidas concretas nos seguintes domínios, na ótica da acessibilidade como direito humano: prevenção dos efeitos da crise económica sobre os padrões de acessibilidade e independência de vida das pessoas com deficiência; acesso à educação (9); um programa para o acesso aos direitos sociais e culturais (10) (relações sociais, recreação, turismo); cooperação internacional, acordos financeiros de comércio e posição da UE em domínios como os desastres naturais e a cooperação para o desenvolvimento, os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, os requerentes de asilo e as Nações Unidas, bem como o FMI; no domínio da investigação, deveria utilizar-se o programa Horizonte 2020; acesso a habitação, incluindo habitação social; o desporto, como meio de inclusão social, deve poder ser exercido, designadamente com acesso aos edifícios, instalações, programas, etc.

4.7

A inclusão pode ser realizada nomeadamente através de ações coletivas de todos os intervenientes numa série de domínios dos direitos fundamentais:

os partidos políticos da UE devem incluir nos procedimentos internos meios que permitam a participação de pessoas com deficiência. Os parceiros sociais devem assegurar que os acordos coletivos incluem as pessoas com deficiência e garantir meios de acessibilidade ao emprego e a adaptação razoável. O CESE acolhe favoravelmente o acordo-quadro sobre mercados de trabalho inclusivos e apela à plena aplicação deste acordo a nível nacional.

As organizações da sociedade civil deverão igualmente promover ações que integrem a acessibilidade para pessoas com deficiência nas suas exigências gerais de caráter social.

Todos os intervenientes referidos neste ponto devem assegurar a acessibilidade das suas instalações, sítios Web, procedimentos internos e políticas de recrutamento.

4.8

O CESE apela a que se desenvolva e reforce uma estratégia de normalização e acessibilidade no desenvolvimento da tecnologia.

4.9

Observa que a acessibilidade permitirá o desenvolvimento de atividades em setores novos, que requerem novas competências, nomeadamente no setor das TIC. As pessoas com deficiência devem poder ultrapassar o fosso digital com a ajuda de políticas europeias específicas.

4.10

O CESE está convicto de que é necessário desenvolver capacidades em todos os intervenientes: autoridades públicas, empresas privadas, sociedade civil e organizações de pessoas com deficiência. Há que prestar especial atenção às PME.

4.11

O CESE insta a Comissão Europeia a honrar o seu compromisso de longa data e a apresentar legislação sobre acessibilidade juridicamente vinculativa.

4.12

O CESE saúda a apresentação da proposta relativa à acessibilidade dos sítios Web dos organismos do setor público e reitera as recomendações que apresentou no parecer sobre a Acessibilidade dos sítios Web dos organismos do setor público (11):

a Web (serviços e conteúdos) já faz parte da natureza de procurar emprego, obter informações, aceder à educação, fazer compras e socializar;

o conteúdo web dos serviços deve ser franqueado a todos os operadores (empresas ou setor público).

4.13

O CESE saúda a inclusão dos critérios de acessibilidade e das condições da deficiência nos regulamentos relativos aos fundos estruturais e noutros domínios, como os transportes e os direitos dos passageiros.

4.14

O CESE considera que a reunião dos chefes de Estado da UE sobre deficiência e a reunião das DG da Comissão sobre a aplicação da Convenção CDPD deveriam ter uma periodicidade regular, conforme fora anunciado, e prever a participação de representantes do movimento europeu de defesa das pessoas com deficiência, a fim de monitorizar e promover a implementação da referida Convenção, incluindo as suas disposições em matéria de acessibilidade.

4.15

O CESE assinala que, embora o financiamento para a acessibilidade seja manifestamente insuficiente, a inclusão da acessibilidade como critério para os atuais sistemas de financiamento produziria algumas melhorias em domínios como fundos estruturais, pacote de investimento social, futuras isenções por categoria nos auxílios estatais ao emprego e orientações para a RTE T.

4.16

O CESE considera ainda que é necessário reforçar a acessibilidade aos meios de comunicação social e a visibilidade das necessidades das pessoas com deficiência neste tipo de meios.

5.   Monitorização

5.1

O CESE apela ao desenvolvimento de uma estratégia de responsabilização dos próprios cidadãos como algo de fundamental para garantir a plena implementação da acessibilidade. É necessário realizar campanhas de sensibilização e instruir as pessoas com deficiências e os restantes cidadãos sobre os seus direitos em matéria de acessibilidade.

5.2

O CESE lamenta a falta de indicadores e solicita ao Eurostat que trace uma estratégia para desenvolver indicadores específicos, com base nos do Alto Comissariado para os Direitos do Homem (ACDH) e no Projeto de comentário geral sobre o art. 9.o da Comissão das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência.

5.3

O CESE apela à inclusão nas normas de critérios de acessibilidade claros e mecanismos de monitorização (áreas edificadas, infraestruturas, TIC modernas, nomeadamente sistemas operativos para tablets ou telemóveis inteligentes e mandato CE 376 sobre os requisitos de acessibilidade para os produtos e serviços TIC). As pessoas com deficiência devem participar plenamente e em todas as fases no desenvolvimento de normas.

5.4

O CESE considera que importa criar sistemas de aplicação robustos, uma vez que atualmente não estão a resultar na Europa.

5.5

O CESE salienta a necessidade de utilizar os mecanismos de monitorização incluídos no futuro regulamento sobre disposições comuns relativas aos Fundos Estruturais, a fim de assegurar que as condições ex ante em matéria de deficiência são cumpridas e que os parceiros sociais e as organizações de pessoas com deficiência participam plenamente na monitorização.

5.6

O Comité considera que as estratégias europeias e nacionais em matéria de educação devem incluir a acessibilidade das pessoas com deficiência nos programas de estudos escolares e universitários.

5.7

O CESE reitera o seu compromisso já assumido em pareceres anteriores de criar um comité de direção para acompanhar a aplicação da Convenção da ONU pelo CESE no exercício das suas atividades enquanto órgão político.

5.8

Importa ainda promover um sistema europeu de mecanismos de certificação da acessibilidade, em que as organizações de pessoas com deficiência devem participar.

5.9

Há que incluir a dimensão da acessibilidade nas avaliações de impacto jurídico e político da UE, sendo necessário definir os instrumentos para promover essa inclusão de modo uniforme em todos os Estados-Membros.

5.10

O CESE apela a que a aplicação da Estratégia Europeia para a Deficiência pelas instituições da UE (incluindo o CESE) seja monitorizada e chama a atenção para a necessidade de garantir a acessibilidade das instalações, das políticas de recrutamento e da informação (tanto em formato físico como eletrónico). A revisão da estratégia, em 2015, deve consagrar especial atenção a este domínio político.

Bruxelas, 21 de janeiro de 2014

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Henri MALOSSE


(1)  JO C 271, 19.9.2013, p. 116-121.

(2)  World Disability Report, Síntese, pág. 10.

(3)  Este pacto estabelece, no artigo 25.o, alínea c), o direito de todos os cidadãos a aceder, em condições de igualdade com os demais, aos serviços públicos nos seus países. As disposições deste artigo poderiam servir de base para incorporar o direito de acesso nos principais tratados sobre direitos humanos. Secção 2 e 3.

A Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial garante a todos o direito de aceder a todos os lugares e serviços à disposição do público em geral, tais como transportes, hotéis, restaurantes, cafés, teatros e parques (artigo 5.o, alínea f)). Deste modo, no quadro jurídico internacional em matéria de direitos humanos, foi estabelecido um precedente para considerar o direito de acesso como um direito enquanto tal. Projeto de observações gerais sobre o art. 9.o da Comissão das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência).

(4)  Como consta no ponto 99 do Programa da Comissão Europeia de 2012.

(5)  O Comité para os Direitos da Criança das Nações Unidas adotou observações gerais sobre o artigo 9.o (2006) relativo aos direitos das crianças com deficiência. Em 2013, o mesmo comité destacou a importância da acessibilidade nas suas observações gerais ao art. 17.o relativo o direito das crianças ao descanso, ao lazer, às atividades lúdicas, recreativas culturais e artísticas (art. 31.o).

(6)  http://inclusion-international.org/living-in-community/.

(7)  Construir um edifício acessível de raiz pode aumentar o custo total da construção em 0,5% (ou, em alguns caso, não aumentar), ao passo que o custo das adaptações posteriores pode ser mais elevado do que se for feito ab initio. A acessibilidade em matéria de informação e comunicação, incluindo as TIC, também deve ser feita desde o início, dado que as adaptações posteriores do acesso à Internet e das TIC pode aumentar os custos, pelo que será mais económico integrar os requisitos de acessibilidade obrigatórios para as TIC logo nas fases mais precoces do desenho e da construção. Projeto de observações gerais sobre o art. 9.o da Comissão das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência). A vida útil média de um edifício ou de outra infraestrutura física é superior a 50 anos, enquanto no caso de uma infraestrutura digital se fica pelos 3 ou 4 anos. É de referir que os custos de construção também são muito inferiores.

(8)  Projeto de observações gerais sobre o art. 9.o da Comissão das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência).

(9)  Sem transporte acessível para a escola, edifícios escolares acessíveis, informação e comunicações acessíveis, seria negada às pessoas com deficiência a possibilidade de exercerem o direito à educação (artigo 24.o da CDPD). Assim, é necessário que as escolas sejam acessíveis, como dispõe explicitamente o artigo 9.o, n.o 1, alínea a) da Convenção. Mas importa que seja acessível todo o processo de educação inclusiva, não apenas os edifícios mas toda a informação e comunicações, serviços de apoio e adaptação razoável nas escolas (Projeto de comentário geral sobre o art. 9.o da Comissão das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência).

(10)  O artigo 30.o da Convenção estabelece que os Estados Partes reconhecem o direito de todas as pessoas com deficiência a participar, em condições de igualdade com as demais, na vida cultural e adotam todas as medidas apropriadas para garantir que as pessoas com deficiência têm acesso:

(a)

a material cultural em formatos acessíveis;

(b)

a programas de televisão, filmes, teatro e outras atividades culturais, em formatos acessíveis;;

(c)

a locais destinados a atividades ou serviços culturais, tais como teatros, museus, cinemas, bibliotecas e serviços de turismo e, tanto quanto possível, a monumentos e locais de importância cultural nacional.

Proporcionar o acesso a monumentos culturais e históricos, classificados como património pode, efetivamente, ser um desafio, em determinadas circunstâncias, contudo, os Estados Partes têm obrigação de envidar esforços para criar a acessibilidade a esses locais, na medida possível. Muitos monumentos e locais com importância cultural a nível nacional foram adaptados neste sentido, preservando embora a sua identidade e singularidade cultural e histórica. Projeto de observações gerais sobre o art. 9.o da Comissão das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência).

O Tratado internacional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre o Direito de Autor com vista a facilitar o acesso a obras publicadas, adotado em junho de 2013, visava assegurar, sem barreiras irracionais ou discriminatórias, o acesso a materiais culturais por parte das pessoas com deficiência, em especial pessoas com dificuldades de acesso a materiais impressos tradicionais.

(11)  JO C 271, 19.9.2013, p. 116-121


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