EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62006TJ0193

Acórdão do Tribunal Geral (Quinta Secção) de 13 de Septembro de 2010.
Télévision française 1 SA (TF1) contra Comissão Europeia.
Auxílios de Estado - Regimes de auxílios à produção cinematográfica e audiovisual - Decisão de não suscitar objecções - Recurso de anulação - Não afectação substancial da posição concorrencial - Inadmissibilidade.
Processo T-193/06.

European Court Reports 2010 II-04967

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2010:389

Processo T‑193/06

Télévision française 1 SA (TF1)

contra

Comissão Europeia

«Auxílios de Estado – Regimes de auxílios à produção cinematográfica e audiovisual – Decisão de não suscitar objecções – Recurso de anulação – Não afectação substancial da posição concorrencial – Inadmissibilidade»

Sumário do acórdão

1.      Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito – Decisão da Comissão que declara a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum sem dar início ao procedimento formal de investigação – Recurso dos interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE – Admissibilidade – Requisitos

(Artigos 88.°, n.os 2 e 3, CE e 230.°, quarto parágrafo, CE)

2.      Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito – Decisão da Comissão que declara a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum sem dar início ao procedimento formal de investigação – Recurso de uma empresa concorrente que não demonstre que a sua posição no mercado foi substancialmente afectada – Inadmissibilidade

(Artigos 88.°, n.os 2 e 3, CE e 230.°, quarto parágrafo, CE)

1.      Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

No âmbito do procedimento de controlo dos auxílios de Estado previsto no artigo 88.° CE, é preciso distinguir entre, por um lado, a fase preliminar de exame dos auxílios instituída pelo n.° 3 deste artigo, que tem apenas por objectivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase de investigação a que se refere o n.° 2 do mesmo artigo. É apenas no âmbito desta fase, que se destina a permitir à Comissão obter uma informação completa sobre todos os dados do caso, que o Tratado prevê a obrigação de a Comissão dar aos interessados a oportunidade de apresentarem as suas observações.

Quando, sem iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão concluir, através de uma decisão adoptada com base no n.° 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado comum, os beneficiários dessas garantias processuais só podem conseguir que elas sejam respeitadas se tiverem a possibilidade de impugnar essa decisão perante o juiz comunitário. Por estas razões, o juiz comunitário julga admissível um recurso de anulação de tal decisão, interposto por um interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, quando o recorrente pretenda, com a sua interposição, salvaguardar os direitos processuais que lhe são conferidos por esta última disposição.

Estes interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, são as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão de um auxílio, isto é, em particular, as empresas concorrentes dos beneficiários desse auxílio e as organizações profissionais.

(cf. n.os 64, 69‑71)

2.      Os sujeitos que não sejam destinatários de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se os prejudicar em razão de determinadas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma idêntica à do destinatário dessa decisão.

No domínio dos auxílios de Estado, quando um recorrente põe em causa os fundamentos em que assenta a decisão de apreciação do auxílio enquanto tal, o simples facto de poder ser considerado interessado, na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, não basta para a que o recurso seja julgado admissível. Deve também demonstrar que tem um estatuto específico, nomeadamente, se a posição do recorrente no mercado for substancialmente afectada pelo auxílio objecto da decisão em causa. A este propósito, uma empresa não pode invocar unicamente a sua qualidade de concorrente da empresa beneficiária da medida em causa, mas deve provar, além disso, a importância da afectação da sua posição no mercado.

(cf. n.os 66, 72, 76‑78)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

13 de Setembro de 2010 (*)

«Auxílios de Estado – Regimes de auxílios à produção cinematográfica e audiovisual – Decisão de não suscitar objecções – Recurso de anulação – Não afectação substancial da posição concorrencial – Inadmissibilidade»

No processo T‑193/06,

Télévision française 1 SA (TF1), com sede em Boulogne‑Billancourt (França), representada por J.‑P. Hordies e C. Smits, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por C. Giolito, T. Scharf e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Francesa, representada por G. de Bergues e L. Butel, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C (2006) 832 final da Comissão, de 22 de Março de 2006, relativa às medidas de apoio ao cinema e ao audiovisual em França (auxílios NN 84/2004 e N 95/2004 – França, Regimes de auxílios ao cinema e ao audiovisual),

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, M. Prek e V. M. Ciucă (relator), juízes,

secretário: T. Weiler, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de Abril de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 87.°, n.° 1, CE, dispõe que «[s]alvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções».

2        O artigo 87.°, n.° 3, alínea d), CE prevê que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum os auxílios destinados a promover a cultura e a conservação do património, quando não alterem as condições das trocas comerciais e da concorrência na Comunidade num sentido contrário ao interesse comum.

3        A comunicação da Comissão de 26 de Setembro de 2001 ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, sobre certos aspectos jurídicos respeitantes às obras cinematográficas e outras obras audiovisuais (JO 2002, C 43, p. 6) indica os critérios específicos com base nos quais a Comissão avalia os auxílios de Estado à produção cinematográfica e audiovisual, no quadro da derrogação prevista no artigo 87.°, n.° 3, alínea d), CE. A Comissão indica igualmente que, quando procede à avaliação dos regimes de auxílios à produção cinematográfica e audiovisual, deve verificar que respeitam o «princípio de legalidade geral», ou seja, a Comissão deve verificar se o regime não inclui cláusulas que possam ser contrárias às disposições do Tratado CE em domínios diferentes dos auxílios estatais (incluindo as suas disposições fiscais). Em 2004, a Comissão alargou a validade destes critérios de compatibilidade específicos para os auxílios à produção cinematográfica e audiovisual até 30 de Junho de 2007 (JO C 123, p. 1).

4        A lei francesa n.° 86‑1067, de 30 de Setembro de 1986, relativa à liberdade de comunicação (JORF de 1 de Outubro de 1986, p. 11755), conforme alterada, designadamente, pela lei n.° 2000‑719, de 1 de Agosto de 2000 (JORF de 2 de Agosto de 2000, p. 11903), estabelece as regras aplicáveis as serviços de comunicação audiovisual.

5        A regulamentação francesa comporta medidas de apoio à produção cinematográfica e audiovisual. Trata‑se, por um lado, de mecanismos de apoio aos produtores, implementados pelo Centre national de la cinématographie (CNC). O financiamento destes mecanismos é assegurado, designadamente, através de um imposto sobre o volume de negócios dos editores de serviços de televisão (a seguir «Imposto»). Trata‑se, por outro lado, de obrigações impostas aos editores de serviços de televisão de efectuarem investimentos na produção cinematográfica e audiovisual.

6        Os mecanismos de apoio à produção cinematográfica e audiovisual pelo CNC são regulados:

–        no domínio cinematográfico, pelo decreto n.° 99‑130, de 24 de Fevereiro de 1999, relativo ao apoio financeiro da indústria cinematográfica (JORF de 25 de Fevereiro de 1999, p. 2902), conforme alterado,

–        no domínio audiovisual, pelo decreto n.° 95‑110, de 2 de Fevereiro de 1995, relativo ao apoio financeiro do Estado à indústria dos programas audiovisuais (JORF de 3 de Fevereiro de 1995, p. 1875), completado pelo decreto n.° 98‑35, de 14 de Janeiro de 1998, relativo ao apoio financeiro do Estado à indústria audiovisual (JORF de 17 de Janeiro de 1998, p. 742), conforme alterados.

7        O Imposto é regulado pelo artigo 302 bis KB do code général des impôts, inserido pelo artigo 28, A, da lei de finanças rectificativa para 1997, n.° 97‑1239, de 29 de Dezembro de 1997 (JORF de 30 de Dezembro de 1997, p. 19101), e alterado pela lei de finanças para 2006, n.° 2005‑1719, de 30 de Dezembro de 2005, (JORF de 31 de Dezembro de 2005, p. 20597), e pela lei de finanças rectificativa para 2005 n.° 2005‑1720, de 30 de Dezembro de 2005, (JORF de 31 de Dezembro de 2005, p. 20654).

8        O mecanismo das obrigações de investimento é regulado:

–        pelo decreto n.° 2001‑609, de 9 de Julho de 2001, adoptado com vista à aplicação do ponto 3 do artigo 27 e do artigo 71 da lei n.° 86‑1067, e relativo à contribuição dos editores de serviços de televisão difundidos em sinal aberto por via hertziana terrestre em modo analógico para o desenvolvimento da produção de obras cinematográficas e audiovisuais (JORF de 11 de Julho de 2001, p. 11073), conforme alterado,

–        pelo decreto n.° 2001‑1332, de 28 de Dezembro de 2001, adoptado com vista à aplicação dos artigos 27, 28 e 71 da lei n.° 86‑1067 e relativo à contribuição dos editores de serviços de televisão difundidos por via hertziana terrestre em modo analógico cujo financiamento exige uma remuneração por parte dos utilizadores para o desenvolvimento da produção de obras cinematográficas e audiovisuais (JORF de 29 de Dezembro de 2001, p. 21310), conforme alterado,

–        pelo decreto n.° 2001‑1333, de 28 de Dezembro de 2001, adoptado com vista à aplicação dos artigos 27, 70 e 71 da lei n.° 86‑1067 e que estabelece os princípios gerais relativos à difusão dos serviços não radiofónicos por via hertziana terrestre em modo digital (JORF de 29 de Dezembro de 2001, p. 21315), conforme alterado,

–        pelo decreto n.° 2002‑140, de 4 de Fevereiro de 2002, adoptado com vista à aplicação dos artigos 33, 33‑1, 33‑2 e 71 da lei n.° 86‑1067 e que estabelece o regime aplicável às diferentes categorias de serviços de radiodifusão sonora e de televisão distribuídos por cabo ou difundidos por satélite (JORF de 6 de Fevereiro de 2002, p. 2412), conforme alterado.

9        As referidas obrigações de investimento devem ser, em pelo menos dois terços no domínio audiovisual e em pelo menos três quartos no domínio cinematográfico, consagradas à produção independente, entendendo‑se o conceito de produção independente, como foi confirmado na audiência, como a independência do produtor da obra em relação ao editor de serviços de televisão que faculta o financiamento dessa obra e sendo definido segundo critérios relativos, designadamente, à detenção recíproca de capital social ou de direitos de voto pelo produtor e pelo editor de serviços em causa e à parte desse editor na actividade recente do referido produtor.

10      As medidas de apoio à produção audiovisual do CNC devem igualmente aproveitar às empresas de produção independentes, sendo o conceito de produtor independente definido nos mesmos termos que no domínio das obrigações de investimento.

 Antecedentes do litígio

11      Em 15 de Julho de 1992, através da decisão relativa ao auxílio N 7/92 (JO C 203, p. 14), a Comissão das Comunidades Europeias aprovou, por tempo indeterminado, certas modalidades do regime francês de apoio à produção cinematográfica e audiovisual.

12      Através da decisão relativa ao auxílio N 3/98, de 3 de Junho de 1998, conforme alterada em 29 de Julho de 2008 (JO C 279, p. 4), a Comissão aprovou, por dois anos, certas modificações introduzidas no sistema de apoio automático à produção cinematográfica. Em 7 de Agosto de 1998, a validade dessa aprovação foi prorrogada até 3 de Junho de 2004.

13      Por carta de 3 de Outubro de 2001, a recorrente, Télévision française 1 SA (TF1), apresentou à Comissão duas denúncias relativas a certas modalidades do sistema de apoio francês ao cinema e ao audiovisual.

14      Por carta de 16 de Fevereiro de 2004, as autoridades francesas notificaram o regime de auxílios selectivos às obras cinematográficas que apresentassem interesse para o ultramar (N 95/2004). A Comissão pediu informações complementares às autoridades francesas, que responderam a essa solicitação. As autoridades francesas enviaram igualmente à Comissão uma nota relativa ao início da aplicação do regime, que retiraram em Janeiro de 2005.

15      Por cartas de 13 e 27 de Abril de 2004, o CNC transmitiu à Comissão informações relativas às denúncias da recorrente.

16      Por carta de 24 de Maio de 2004, as autoridades francesas notificaram o conjunto dos regimes de auxílios ao cinema e ao audiovisual à Comissão, pedindo‑lhe que prorrogasse temporariamente a validade dos regimes abrangidos pelas decisões relativas aos auxílios N 7/92 e N 3/98, o que a Comissão recusou. Por carta de 27 de Julho de 2004, a Comissão pediu às autoridades francesas que completassem a notificação que tinham apresentado, o que estas fizeram através de diversas cartas em 2004 e 2005. Em 14 de Dezembro de 2004, o conjunto dos regimes de auxílios notificados foi registado sob a referência NN 84/2004.

17      Por carta de 22 de Dezembro de 2004, a Comissão informou as autoridades francesas de que, uma vez que os regimes de apoio notificados já estavam a ser aplicados, os considerava ilegais na acepção do artigo 88.°, n.° 3, CE.

18      Por carta de 10 de Janeiro de 2006, a recorrente apresentou um complemento às suas denúncias de 3 de Outubro de 2001.

19      Através da decisão C (2006) 832 final, de 22 de Março de 2006, relativa às medidas de apoio ao cinema e ao audiovisual em França (auxílios NN 84/2004 e N 95/2004 – França, Regimes de auxílios ao cinema e ao audiovisual) (a seguir «Decisão»), a Comissão decidiu não suscitar objecções em relação às medidas em causa na sequência da fase preliminar de exame prevista no artigo 88.°, n.° 3, CE.

20      Em 14 de Dezembro de 2006, a Decisão foi objecto de uma publicação sumária no Jornal Oficial da União Europeia (JO C 305, p. 12), com um reenvio para o sítio Internet da Comissão que permite o acesso ao texto integral da mesma decisão.

 Decisão

21      Resulta da Decisão que a mesma visava o regime de apoio à produção cinematográfica e audiovisual, designadamente as medidas de apoio financeiro concedidas por intermédio do CNC e o mecanismo das obrigações de investimento.

22      No que respeita, em primeiro lugar, às medidas de apoio à produção cinematográfica e audiovisual concedidas por intermédio do CNC, a Comissão descreve este último como um estabelecimento público de carácter administrativo, dotado de personalidade jurídica e de autonomia financeira e que actua sob a autoridade do ministério da Cultura e da Comunicação francês (ponto II, n.° 20, da Decisão). O orçamento gerido pelo CNC está dividido em duas secções: a secção «Indústrias audiovisuais» [que engloba a conta de apoio à indústria dos programas audiovisuais (COSIP)] e a secção «Indústrias cinematográficas» (ponto II, n.° 21, da Decisão). A Comissão indica em seguida que o orçamento do CNC é financiado por imposições parafiscais, entre as quais o Imposto (ponto II, n.° 22, da Decisão). A Comissão recorda que, segundo o artigo 302 bis KB do code général des impôts francês, o Imposto é devido pelos operadores estabelecidos em França de serviços de televisão recebidos na França metropolitana e nos departamentos ultramarinos que tiverem programado, no ano anterior, uma ou várias obras audiovisuais ou cinematográficas elegíveis para as medidas de apoio do CNC e assenta, em substância, no volume de negócios desses editores de serviços de televisão (ponto II, n.os 23 e 24, da Decisão).

23      Quanto às medidas de apoio do CNC à produção cinematográfica e audiovisual contestadas no quadro do presente recurso, a Comissão descreve na Decisão as medidas de «apoio à produção cinematográfica de longas metragens» (ponto II, n.os 29 a 95), de «apoio à promoção no estrangeiro das obras cinematográficas» (ponto II, n.os 121 a 126), de «apoio às obras cinematográficas de curta duração» (ponto II, n.os 127 à 149) e de «apoio à produção audiovisual» (ponto II, n.os 186 a 219), bem como o seu modo de financiamento (ponto II, n.os 19 a 24).

24      Após análise das referidas medidas na decisão, a Comissão conclui que algumas dessas medidas constituem auxílios de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, e são compatíveis com o mercado comum ao abrigo do artigo 87.°, n.° 3, alínea d), CE, até ao final do ano de 2011, ao passo que outras não foram qualificadas de auxílios de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, em aplicação do Regulamento (CE) n.° 69/2001 da Comissão, de 12 de Janeiro de 2001, relativo à aplicação dos artigos 87.° [CE] e 88.° [CE] aos auxílios de minimis (JO L 10, p. 30) (ponto III, n.os 38 a 124, da Decisão para o «apoio ao cinema – apoio à produção cinema de longas metragens», ponto III, n.os 158 a 193, da Decisão para o «apoio à promoção no estrangeiro das obras cinematográficas», ponto III, n.os 194 a 223, da Decisão para o «apoio às obras cinematográficas de curta duração», ponto III, n.os 257 a 331, da Decisão para o «apoio à produção audiovisual»). Relativamente às medidas declaradas compatíveis com o mercado comum ao abrigo do artigo 87.°, n.° 3, alínea d), CE, a Comissão chega a esta conclusão quer aplicando os critérios estabelecidos na comunicação de 2001 citada no n.° 3, supra, quer aplicando esses critérios por analogia ou como referência pertinente. Por conseguinte, a Comissão decide não suscitar objecções a respeito das mesmas.

25      No que respeita, em segundo lugar, às obrigações de investimento (ponto II, n.os 246 a 255, da decisão), a Comissão indica que estas são impostas, com algumas diferenças nas suas modalidades, aos editores de serviços de televisão difundidos em sinal aberto por via hertziana terrestre em modo analógico ou digital, por cabo ou satélite, aos editores de serviços de televisão pagos difundidos por via hertziana terrestre em modo analógico e aos editores de serviços ditos «de pagamento por sessão» difundidos por via hertziana terrestre em modo digital.

26      A Comissão precisa que o montante das obrigações de investimento é determinado aplicando uma percentagem ao volume de negócios do editor de serviços de televisão em causa no ano anterior (ponto II, n.° 250, da Decisão). O referido montante difere em função do modo de difusão dos serviços de televisão e das características do editor (ponto II, n.os 251 a 254, da Decisão). De uma maneira geral, a Comissão salienta que a percentagem do volume de negócios que deve ser investida na produção cinematográfica é mais elevada se a programação do serviço de televisão tiver como eixo principal o cinema e que é menos elevada se tal programação não tiver como eixo principal o cinema (ponto II, n.° 251, da Decisão).

27      A Comissão considera que tais obrigações de investimento não envolvem recursos do Estado e não constituem portanto auxílios de Estado na acepção do artigo 87.° CE (ponto III, n.os 390 a 398, da Decisão).

28      No ponto IV da Decisão, a Comissão «lamenta que a França tenha dado execução à maior parte das medidas examinadas na presente decisão, em violação do artigo 88.°, n.° 3, [CE]». A Comissão declara em seguida que as medidas de auxílios de Estado, contestadas no quadro do presente recurso, que lhe foram notificadas e que são objecto da Decisão, são compatíveis com o mercado comum, até final do ano de 2011, com base no artigo 87.°, n.° 3, alínea d), CE. Finalmente, é igualmente precisado neste mesmo ponto o seguinte:

«A Comissão insiste no facto de que esta duração é concedida tendo em consideração o compromisso oferecido pelas autoridades francesas ‘em proceder às adaptações eventualmente necessárias para se conformar com as evoluções das regras em matéria de auxílios de Estado ao cinema e ao audiovisual após 30 de Junho de 2007’. A Comissão recorda às autoridades francesas que lhes incumbe apresentar um relatório anual sobre a aplicação das medidas notificadas. Esse relatório deverá fornecer indicações pormenorizadas para permitir à Comissão verificar se tais mecanismos falseiam a concorrência em medida contrária ao interesse comum.»

 Tramitação processual e pedidos das partes

29      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de Julho de 2006, a recorrente interpôs o presente recurso.

30      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de Outubro de 2006, a República Francesa pediu para intervir no presente processo em apoio da Comissão. Por despacho de 14 de Novembro de 2006, o presidente da Primeira Secção do Tribunal admitiu essa intervenção. A interveniente apresentou o seu articulado de intervenção e as outras partes apresentaram observações sobre o mesmo nos prazos estabelecidos.

31      Tendo a composição das secções do Tribunal sido alterada, o juiz‑relator foi afectado à Quinta Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

32      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Quinta Secção) decidiu dar início à fase oral. Na audiência de 22 de Abril de 2010, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal.

33      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso admissível;

–        anular a Decisão;

–        decidir nos termos legais quanto às despesas;

34      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        subsidiariamente, julgar o recurso manifestamente desprovido de fundamento jurídico;

–        condenar a recorrente nas despesas.

35      A República Francesa concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

–         julgar o recurso inadmissível;

–        subsidiariamente, negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

36      Não suscitando formalmente uma questão prévia de inadmissibilidade na acepção do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal, a Comissão contesta a admissibilidade do recurso, invocando a falta de legitimidade da recorrente.

 Argumentos das partes

37      A Comissão contesta a admissibilidade do recurso, sustentando que a Decisão não diz individualmente respeito à recorrente. Em primeiro lugar, na medida em que põe em causa os fundamentos em que assenta a Decisão, a recorrente deveria provar, segundo a jurisprudência, o seu estatuto particular, demonstrando que a sua posição no mercado é substancialmente afectada, e não apenas a sua posição de concorrente da empresa beneficiária do auxílio.

38      A recorrente deveria ter efectuado uma análise de mercado para determinar os produtos específicos ou os mercados geográficos nos quais está em concorrência com os beneficiários do auxílio (conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo em que foi proferido o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2005, Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, C‑78/03 P, Colect. p. I‑10737, I‑10741, n.os 117 e 118). Assim, a recorrente deveria ter demonstrado que não pode beneficiar de nenhuma das medidas de auxílio visadas pela Decisão e que essa desvantagem afecta substancialmente a sua posição concorrencial.

39      Na tréplica, a Comissão salienta que a recorrente não trata de demonstra o seu interesse directo e individual em agir no que respeita as medidas de apoio à produção do CNC. A Comissão conclui que a recorrente admite implicitamente que o seu recurso apenas é admissível na medida em que visa as obrigações de investimento. Isto explica‑se facilmente pelo facto de a recorrente poder beneficiar das medidas de apoio à produção do CNC. Para a produção cinematográfica, a recorrente beneficia designadamente dos apoios automáticos à produção e à distribuição bem como dos auxílios à edição videográfica. Para a produção audiovisual, a recorrente beneficia directamente do apoio do COSIP, por intermédio das suas filiais de produção, e beneficia indirectamente de tal apoio para os programas que o canal pré‑financia a produtores delegados. Segundo a Comissão, por força de jurisprudência constante, um recurso de anulação apenas é admissível na medida em que a parte recorrente tenha um interesse existente e efectivo na anulação do acto impugnado. Ora, não é o que acontece no caso vertente, na medida em que, mesmo admitindo que o Tribunal venha a dar provimento ao recurso da recorrente e a anular a Decisão, na medida em que tem por objecto as medidas de apoio declaradas compatíveis, a recorrente seria impedida de beneficiar dos auxílios em causa e ficaria numa situação menos favorável do que a resultante da Decisão.

40      Em segundo lugar, no que respeita às obrigações de investimento, na hipótese de a Comissão ter cometido um erro ao declarar a ausência de recursos de Estado, a recorrente deveria igualmente ter demonstrado a afectação substancial da sua posição concorrencial pelo facto de não beneficiar, mesmo potencialmente, das medidas visadas.

41      Primeiramente, a Comissão recorda que as obrigações de investimento obrigam, com algumas diferenças nas suas modalidades, os editores de serviços de televisão a despender anualmente certos montantes no financiamento da produção cinematográfica e audiovisual. Dado que tais obrigações incumbem a todos os editores de serviços de televisão, o recurso da recorrente não é, consequentemente, admissível na medida em que visa a qualificação dessa medida como não constituindo um auxílio. A este respeito, a referência pela recorrente à situação regulamentar em vigor no momento em que apresentou as suas denúncias em 2001 não é pertinente para a análise da admissibilidade do recurso, dado que a legalidade de um acto é apreciada, segundo jurisprudência assente, em função dos elementos de facto e de direito existentes na data da sua adopção. Além disso, quanto à diferença de tratamento alegada pela recorrente, baseada no facto de apenas certos editores de serviços de televisão difundidos por via hertziana em modo digital estarem sujeitos às obrigações de investimento, o que, segundo a recorrente, implica uma discriminação e implicitamente a afectação da sua posição concorrencial, a Comissão sustenta que tal diferença se justifica por circunstâncias objectivas ligadas ao volume de negócios. Por outro lado, os editores de serviços de televisão que beneficiam de um tratamento diferente são os que não difundem ou difundem poucas obras audiovisuais e que, por conseguinte, não estão em concorrência com editores de serviços de televisão como a recorrente, cujos programas são constituídos, numa parte substancial, por obras audiovisuais.

42      Seguidamente, em resposta à recorrente, a Comissão e a República Francesa alegam que as autoridades francesas optaram, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23), conforme alterada, por adoptar disposições mais estritas do que as da referida directiva e por calcular o montante das obrigações de investimento em função do volume de negócios do editor de serviços de televisão. De qualquer modo, em aplicação da regulamentação francesa, todos os editores de serviços de televisão franceses estão sujeitos às obrigações de investimento nas mesmas proporções. Por conseguinte, segundo a Comissão, o facto de as despesas da recorrente a este título excederem as despesas dos seus concorrentes, em razão da sua posição no mercado francês da radiodifusão televisiva e da importância do seu volume de negócios, não basta para a individualizar, o que a recorrente parece admitir na réplica. Com efeito, dado que a recorrente reconhece que a medida prejudica um grupo alargado de operadores, a Comissão alega que, se numerosos outros operadores se encontram na mesma situação que a recorrente, isso demonstra que esta não se encontra numa situação particular, contrariamente às exigências do acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, Colect. 1962‑1964, p. 279).

43      A Comissão e a República Francesa contestam ainda a alegação da recorrente segundo a qual as medidas de apoio do CNC e as obrigações de investimento beneficiam grandes grupos de comunicação, em vez de favorecer a produção independente. Por força da regulamentação francesa, todos os editores de serviços de televisão deveriam consagrar dois terços das suas obrigações de investimento à produção audiovisual independente, segundo os mesmos critérios. Na prática, a maioria desses investimentos, sob a forma de aquisições e de pré‑aquisições, é feita a produtores independentes de qualquer grupo de comunicação audiovisual. De qualquer forma, mesmo admitindo que o dispositivo francês beneficia esses grupos de comunicação, a recorrente seria desfavorecida do mesmo modo que os outros editores de serviços de televisão submetidos às mesmas obrigações. Os efeitos do regime francês para a recorrente apenas estão ligados à sua posição concorrencial, na medida em que, sendo o editor de serviços de televisão que tem o volume de negócios mais importante, financia, através das obrigações de investimento na produção independente, outros produtores de obras audiovisuais em proporções mais importantes do que os seus concorrentes, mas sempre em função de um elemento objectivo, ou seja, o volume de negócios.

44      Em terceiro lugar, à luz do direito à tutela jurisdicional, a Comissão sublinha que lhe incumbe respeitar o direito positivo e a jurisprudência consolidada, tal como resulta, nomeadamente, do acórdão do Tribunal Geral de 13 de Setembro de 2006, British Aggregates/Comissão (T‑210/02, Colect. p. II‑2789) (v., igualmente, acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C‑50/00 P, Colect. p. I‑6677, n.° 40). Assim, em teoria, a recorrente poderia recusar conformar‑se com o regime vinculativo das obrigações de investimento e alegar perante o juiz nacional a incompatibilidade de tal regime com o direito comunitário, incumbindo ao juiz nacional, sendo caso disso, submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça sobre a validade da Decisão.

45      A República Francesa partilha da conclusão da Comissão segundo a qual o recurso interposto pela recorrente é inadmissível, uma vez que a Decisão não lhe diz individualmente respeito.

46      Em primeiro lugar, como a Comissão, a República Francesa sustenta que, em conformidade com jurisprudência constante, dado que a recorrente contesta os fundamentos em que assenta a Decisão, o seu recurso só será admissível se demonstrar que a sua posição concorrencial é substancialmente afectada pela medida em causa. A República Francesa sublinha igualmente, no que respeita à referência feita pela recorrente às conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo em que foi proferido o acórdão Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, n.° 38 supra, que basta recordar que o Tribunal de Justiça confirmou, nesse acórdão, a exigência de uma afectação substancial da posição concorrencial da parte recorrente. A este respeito, como a Comissão, a República Francesa assinala que a recorrente não pode invocar unicamente a qualidade de parte interessada na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, e a existência de uma relação de concorrência, mas que deve demonstrar a importância do prejuízo causado à sua posição no mercado. Por fim, contrariamente às afirmações da recorrente, a Comissão adoptou a Decisão em resposta à notificação pelas autoridades francesas, em 24 de Maio de 2004, do conjunto dos regimes de auxílios ao cinema e ao audiovisual, e não na sequência da denúncia da recorrente de 3 de Outubro de 2001.

47      Em segundo lugar, a recorrente não demonstrou a afectação substancial da sua posição concorrencial pela Decisão. Antes do mais, em resposta à recorrente, a República Francesa alega, como a Comissão, que as autoridades francesas optaram por calcular o montante das obrigações de investimento em função do volume de negócios do editor de serviços de televisão e que o facto de as despesas da recorrente excederem as dos seus concorrentes, em razão da sua posição no mercado francês da radiodifusão televisiva e da importância do seu volume de negócios, não basta para a individualizar, o que a recorrente parece admitir na réplica (v. n.° 42 supra).

48      Em seguida, no que respeita à alegação da recorrente segundo a qual as medidas de apoio do CNC e as obrigações de investimento beneficiam grandes grupos de comunicação, em vez de favorecerem a produção independente, a República Francesa acrescenta que, em relação a um terço das suas obrigações de investimento, a recorrente é livre, como os outros editores de serviços de televisão, de investir no produtor por si escolhido, designadamente nas suas próprias filiais. A título de exemplo, a República Francesa cita números relativos a 2005 no que respeita aos investimentos da recorrente em produções audiovisuais e cinematográficas.

49      Acresce que, no quadro das suas obrigações de investimento na produção independente, a recorrente poderia deter direitos exclusivos por um período relativamente longo, de 42 meses, e não de 18 meses, como afirma. Além dessas obrigações, os editores de serviços de televisão mantêm o controlo económico das obras que financiam, dispondo de uma grande margem de manobra tanto na fase da produção, através da escolha das formas de intervenção para o financiamento, como na fase da exploração, no que toca à duração dos direitos, das reaquisições e da exploração em vários suportes.

50      Em terceiro lugar, a recorrente não está de modo nenhum em condições de demonstrar a afectação substancial da sua posição concorrencial. No que respeita às obrigações de investimento na produção audiovisual e cinematográfica, a recorrente está a elas sujeita do mesmo modo que o conjunto dos editores de serviços de televisão franceses, em função do seu volume de negócios. Por outro lado, a República Francesa, como a Comissão, interroga‑se sobre o interesse da recorrente, que beneficia das medidas de apoio ao cinema e ao audiovisual, em obter a anulação da Decisão que declara essas medidas compatíveis (v. n.° 39 supra).

51      A recorrente sustenta que a Decisão lhe diz directa e individualmente respeito. No que respeita ao seu interesse directo em interpor um recurso contra a Decisão, a recorrente afirma que qualquer empresa concorrente da que beneficia de um auxílio tem interesse em obter a anulação da decisão da Comissão que declara esse auxílio compatível com o mercado comum, dado que tal anulação conduz à reabertura do exame da compatibilidade do auxílio. Além disso, o auxílio em causa já foi concedido, pelo que a Decisão permite manter um auxílio cuja supressão é requerida pela recorrente desde 2001. A recorrente sublinha, na réplica, que este interesse directo não é contestado pela Comissão.

52      Por outro lado, segundo a jurisprudência, o interesse individual da recorrente está estabelecido a partir do momento em que a sua posição no mercado é afectada pelas medidas de auxílio que são objecto da Decisão. Em primeiro lugar, a recorrente considera que os dois requisitos estabelecidos pela Comissão, na contestação, vão além dos impostos pela jurisprudência. Antes do mais, no que respeita ao requisito relativo à a circunstância de a recorrente não ter beneficiado das medidas de auxílio visadas pela Decisão, a recorrente afirma que tem legitimidade, dado ser uma parte interessada na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE e do artigo 1.°, alínea h), do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.° CE] (JO L 83, p. 1). Em seguida, quando a petição se baseia em motivos ligados ao fundamento da Decisão, um recorrente deve provar a sua situação particular, podendo esta ser deduzida da afectação da sua posição concorrencial e, eventualmente, da sua intervenção no procedimento administrativo prévio. Qualquer outra solução traduzir‑se‑ia em ignorar o facto de que uma medida de auxílio aparentemente genérica pode na realidade favorecer apenas certos operadores ou determinadas actividades, mesmo podendo teoricamente aproveitar a todos.

53      Em segundo lugar, a recorrente sustenta que, no caso vertente, a sua posição concorrencial é afectada no mercado da radiodifusão televisiva em sinal aberto e no mercado da aquisição dos direitos e conteúdos audiovisuais. Com efeito, em sua opinião, a Decisão mantém um sistema de contribuições obrigatórias a favor da produção audiovisual, declarando simultaneamente que as obrigações de investimento não constituem um auxílio de Estado e que as medidas de apoio do CNC constituem um auxílio compatível com o mercado comum. Estas dificuldades estão na origem das denúncias da recorrente.

54      Em primeiro lugar, as medidas de apoio denunciadas, avalizadas na Decisão, criam, segundo a recorrente, uma desvantagem concorrencial, ao limitarem a possibilidade de a recorrente desenvolver a sua actividade de produção, no que respeita a dois terços das despesas ligadas às obrigações de investimento, e contribuem para favorecer os grupos de comunicação concorrentes da recorrente. Relativamente ao pretenso controlo económico das obras que financia, a recorrente alega, em resposta à República Francesa, que o nível das suas obrigações de investimento é tal que estrutura, de facto, a utilização do conjunto das suas capacidades de investimento.

55      Em segundo lugar, como a recorrente considera ter amplamente explicado nas suas denúncias, o regime francês de apoio à indústria cinematográfica e audiovisual leva a que ela, recorrente, contribua, através do pagamento do Imposto que financia o COSIP e da subvenção concedida por este último a produtores independentes, para financiar os seus próprios concorrentes. Na verdade, em virtude da definição do «produtor independente» pela regulamentação francesa, um número importante desses produtores são controlados pelos concorrentes da recorrente e um número significativo de entre eles é detido por grandes grupos de comunicação com uma actividade de radiodifusão (cabo, satélite, hertziana terrestre em modo digital, televisão por Internet), ou que operam na produção audiovisual, ou ainda que conjugam estes dois tipos de actividades.

56      A este respeito, a requerente contesta os números, relativos ao ano de 2005, avançados pela República Francesa. Dos 26 produtores qualificados de independentes à luz da regulamentação francesa, e com os quais a recorrente terá contratado no ano de 2005, só nove eram produtores verdadeiramente independentes de qualquer editor de serviços de televisão. Dos 17 outros, oito são filiais de grupos audiovisuais e nove são empresas integradas em grupos industriais que lhes conferem um peso económico significativo, a maior parte dos quais acumulam as qualidades de produtor e de distribuidor. A recorrente salienta que a maioria destes 17 parceiros comerciais são empresas importantes e economicamente fortes, que não correspondem à definição de «produtor independente», estabelecida no considerando 23 da Directiva 89/552. Para a recorrente, basta assinalar que, na classificação dos produtores de ficção para a primeira parte do serão no ano de 2005, o primeiro beneficiário da regulamentação francesa relativa às medidas de apoio à produção e às obrigações de investimento é, através das suas cinco filiais, um grupo. Esta mesma classificação revela igualmente que, entre os dez produtores mais importantes no ano de 2005, não figura nenhum produtor verdadeiramente independente na acepção da letra e do espírito da Directiva 89/552.

57      Em terceiro lugar, esses grandes grupos de comunicação podem beneficiar do regime de apoio, sem terem necessáriamente participado no seu financiamento. Além do benefício do apoio do COSIP por intermédio dos seus produtores integrados, podem deter, sobre as obras produzidas, direitos de co‑produção ilimitados no tempo, que podem seguidamente revender, designadamente à recorrente. Por conseguinte, esses grandes grupos são largamente beneficiados na constituição de catálogos de obras e na difusão das obras noutras plataformas, designadamente por via hertziana terrestre em modo digital, por satélite, Internet e telefonia da terceira geração. Alguns grupos, graças a esses catálogos já constituídos, podem passar a difundir por via hertziana terrestre em modo digital, em concorrência directa com a recorrente.

58      Em contrapartida, os editores de serviços de televisão não podem, na prática, segundo a recorrente, constituir catálogos de direitos, na medida em que não podem deter participações de co‑produção nas obras audiovisuais financiadas ao abrigo das suas obrigações de investimento junto de empresas de produção independentes, as quais representam dois terços das suas despesas por força de tais obrigações de investimento. Apenas podem adquirir «participações de transmissão», ou seja, direitos de difusão sobre certas obras, limitados a um certo número de transmissões num período reduzido.

59      Além disso, face à pressão constante desses grupos de comunicação concorrentes, a recorrente e os outros editores de serviços de televisão estão comercialmente obrigados, ao expirarem os seus direitos de difusão, cuja duração de exclusividade é limitada a 18 meses, a readquirirem as obras audiovisuais que financiaram. Com efeito, uma vez que as séries com mais êxito dos canais franceses continuam a ser produzidas ao longo de períodos que ultrapassam a duração inicial dos direitos de difusão dos primeiros episódios, a reaquisição desses direitos é indispensável para evitar que esse episódios sejam difundidos em canais concorrentes. Em resposta à República Francesa, que invoca a grande margem de manobra dos editores de serviços de televisão na fase de exploração das obras e a duração dos direitos de difusão, a recorrente afirma que essa duração e o número de difusões permitidas ao longo desta estão rigorosamente enquadrados pela regulamentação francesa.

60      Em quarto lugar, na réplica, a recorrente acrescenta que, por força da regulamentação francesa, o montante das obrigações de investimento é calculado a partir do volume de negócios, e não do orçamento de programação do canal, como prevê o artigo 5.° da Directiva 89/552. Por conseguinte, as despesas da recorrente a este título excedem largamente as despesas dos seus concorrentes, designadamente a France 2, a France 3 e a M6, em detrimento da liberdade de afectação do seu orçamento e das suas opções em matéria de programação, o que contribui para a individualizar relativamente aos seus concorrentes. A recorrente recorda igualmente que a contribuição para o desenvolvimento da produção de obras audiovisuais apenas tinha por objecto, na data de apresentação da sua denúncia em 2001, os editores de serviços de televisão difundidos em sinal aberto por via hertziana terrestre em modo analógico, ou seja, a recorrente, os dois canais públicos e a M6, escapando a este tipo de obrigações os outros grupos de comunicação activos em França que não exploravam canais deste tipo. Embora a legislação tenha progressivamente evoluído no sentido de impor o mesmo tipo de obrigações aos outros editores de serviços de televisão, a verdade é que as obrigações impostas a estas não foram tão vinculativas nem os montantes investidos tão importantes como os impostos à recorrente. De qualquer modo, o facto de a Decisão poder afectar igualmente outros operadores e de ser susceptível de causar um maior prejuízo constitui uma razão suplementar para julgar o recurso admissível.

61      Em quinto lugar, no que respeita ao benefício directo e indirecto que supostamente retira do regime de apoio à produção audiovisual, a recorrente contesta as afirmações da República Francesa. A este respeito, afirma que não beneficia indirectamente das medidas de apoio do CNC. Por um lado, o apoio financeiro do CNC para uma dada produção aproveita exclusivamente ao produtor, designadamente através de um crédito na sua conta aberta no CNC e da possibilidade de gerar automaticamente novos auxílios. Em contrapartida, não atenua o peso das obrigações de investimento do editor de serviços de televisão. Por conseguinte, o apoio financeiro concedido aos produtores que não são filiais da recorrente não lhe traz nenhum benefício. Por outro lado, a concessão deste apoio do CNC, baseado no compromisso financeiro de um editor de serviços de televisão, como a recorrente, no montante mínimo de 25% do montante do orçamento da produção, de modo nenhum reduz as obrigações regulamentares nem atenua os encargos desse editor. A recorrente qualifica ainda de marginal o montante do benefício directo recebido, através das suas filiais, do regime de apoio à produção audiovisual. Apenas um terço das obrigações investimento pode eventualmente ser realizado com as suas filiais de produção, das quais apenas um pequeno número produz obras de stock, só duas de entre elas tendo beneficiado, em 2005, de um apoio financeiro do CNC, num montante total muito inferior ao montante do Imposto que a recorrente teve de pagar no mesmo ano.

62      Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que, segundo a jurisprudência, o estatuto particular de uma parte recorrente, na acepção do acórdão Plaumann/Comissão, n.° 42 supra, não decorre exclusivamente da afectação substancial da sua posição concorrencial no mercado (acórdão do Tribunal Geral de 10 de Maio de 2006, Air One/Comissão, T‑395/04, Colect. p. II‑1343, n.° 32). Além disso, salienta que o advogado‑geral F. G. Jacobs, nas suas conclusões no processo Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, n.° 38 supra, nos n.os 141 e 142, preconiza claramente a aplicação do critério do interesse individual que já não estaria exclusivamente circunscrito a essa afectação. Outras considerações poderiam ser tomadas em conta, como o facto de as denúncias da recorrente em 2001 e o seu complemento em Janeiro de 2006 estarem, contrariamente às afirmações da República Francesa, na origem da Decisão. Segundo a recorrente, a Comissão não o contesta e, de resto, a Decisão faz referência a essas denúncias e responde‑lhes directamente.

63      Em quarto lugar, uma interpretação excessivamente restritiva do conceito de interesse individual em agir, como a proposta pela Comissão, teria como consequência privar a recorrente do seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva. Com efeito, se não dispusesse de um recurso para o Tribunal Geral, a recorrente ficaria privada da possibilidade de debater em detalhe a natureza de auxílio de Estado das obrigações de investimento.

 Apreciação do Tribunal Geral

64      Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

65      No presente caso, sendo a Decisão dirigida à República Francesa, importa examinar se diz directa e individualmente respeito à recorrente.

66      Quanto ao requisito relativo à afectação individual, segundo jurisprudência assente, os sujeitos que não sejam destinatários de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se os prejudicar em razão de determinadas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma idêntica à do destinatário dessa decisão (acórdãos do Tribunal de Justiça Plaumann/Comissão, n.° 42, supra, p. 284; de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C‑198/91, Colect., p. I‑2487, n.° 20; de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, Colect. p. I‑3203, n.° 14; Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, n.° 38 supra, n.° 33, e de 22 de Dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, Colect. p. I‑10505, n.° 26).

67      Consequentemente, incumbe ao Tribunal verificar se, no caso vertente, se pode considerar que a Decisão diz individualmente respeito à recorrente.

68      No presente processo, a recorrente pede que o Tribunal anule uma decisão adoptada na sequência do procedimento prévio de exame previsto no artigo 88.°, n.° 3, CE.

69      A este respeito, recorde‑se que, no âmbito do procedimento de controlo dos auxílios de Estado previsto no artigo 88.° CE, é preciso distinguir entre, por um lado, a fase preliminar de exame dos auxílios instituída pelo n.° 3 deste artigo, que tem apenas por objectivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase de investigação a que se refere o n.° 2 do mesmo artigo. É apenas no âmbito desta fase, que se destina a permitir à Comissão obter uma informação completa sobre todos os dados do caso, que o Tratado prevê a obrigação de a Comissão dar aos interessados a oportunidade de apresentarem as suas observações (acórdãos Cook/Comissão, n.° 66 supra, n.° 22; Matra/Comissão, n.° 66 supra, n.° 16; Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, n.° 38 supra, n.° 34, e de 22 de Dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, n.° 66 supra, n.° 27).

70      Quando, sem iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão concluir, através de uma decisão adoptada com base no n.° 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado comum, os beneficiários dessas garantias processuais só podem conseguir que elas sejam respeitadas se tiverem a possibilidade de impugnar essa decisão perante o juiz comunitário. Por estas razões, o juiz comunitário julga admissível um recurso de anulação de tal decisão, interposto por um interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, quando o recorrente pretenda, com a sua interposição, salvaguardar os direitos processuais que lhe são conferidos por esta última disposição (v. acórdãos Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, n.° 38 supra, n.° 35, e jurisprudência referida, e de 22 de Dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, n.° 66 supra, n.° 28).

71      O Tribunal de Justiça já teve ocasião de especificar que estes interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, são as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão de um auxílio, isto é, em particular, as empresas concorrentes dos beneficiários desse auxílio e as organizações profissionais (v. acórdãos Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, n.° 38 supra, n.° 36, e jurisprudência referida, e de 22 de Dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, n.° 66 supra, n.° 29).

72      Em contrapartida, se o recorrente puser em causa os fundamentos em que assente a decisão de apreciação do auxílio enquanto tal, o simples facto de poder ser considerado interessado, na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, não basta para a que o recurso seja julgado admissível. Deve também demonstrar que tem um estatuto específico na acepção da jurisprudência resultante do acórdão Plaumann/Comissão, n.° 42 supra. Será esse o caso, nomeadamente, se a posição do recorrente no mercado for substancialmente afectada pelo auxílio objecto da decisão em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, n.° 38 supra, n.° 37, e de 22 de Dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, n.° 66 supra, n.° 30; v. igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, Colect. p. 391, n.os 22 a 25).

73      Neste caso, importa assinalar desde já que o alcance geral da Decisão, que resulta do facto de esta ter por objecto, entre outros, autorizar regimes de auxílios, que se aplicam a uma categoria de operadores definidos de modo geral e abstracto, não é susceptível de pôr em causa a aplicação da jurisprudência acima referida (v., neste sentido, acórdão de 22 de Dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, n.° 66 supra, n.° 31).

74      Por outro lado, saliente‑se que a recorrente apresentou três fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo a uma violação do dever de fundamentação. O segundo à violação do artigo 87.°, n.° 1, CE. O terceiro fundamento é relativo à violação do artigo 87.°, n.° 3, alínea d), CE.

75      Há que reconhecer que nenhum destes fundamentos de anulação visa obter a declaração da existência de dificuldades sérias suscitadas pelas medidas de apoio em causa relativamente à sua qualificação de auxílio de Estado ou à sua compatibilidade com o mercado comum, dificuldades que teriam obrigado a Comissão a iniciar o procedimento formal. A recorrente não põe em causa a recusa da Comissão em abrir o procedimento formal de investigação referido no artigo 88.°, n.° 2, CE e não invoca a violação dos direitos processuais decorrentes desta disposição, mas pretende exclusivamente obter a anulação da Decisão por razões de fundo, como confirmou na audiência em resposta a uma pergunta do Tribunal, resposta que foi consignada na acta da audiência.

76      Assim, dado que o presente recurso não tem por objecto a tutela dos direitos processuais da recorrente, o simples facto de esta poder ser considerada interessada na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE não basta para julgar o recurso admissível. Assim, a recorrente deve demonstrar ter um estatuto particular na acepção da jurisprudência resultante do acórdão Plaumann/Comissão, n.° 42 supra, designadamente demonstrando que a sua posição no mercado seria substancialmente afectada pelas medidas que são objecto da Decisão.

77      A este propósito, importa recordar que uma empresa não pode invocar unicamente a sua qualidade de concorrente da empresa beneficiária da medida em causa, mas deve provar, além disso, a importância da afectação da sua posição no mercado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2000, Comité d’entreprise de la Société française de production e o./Comissão, C‑106/98 P, Colect. p. I‑3659, n.os 40 e 41, e de 22 de Novembro de 2007, Espanha/Lenzing, C‑525/04 P, Colect. p. I‑9947, n.° 33; acórdão do Tribunal Geral de 27 de Setembro de 2006, Werkgroep Commerciële Jachthavens Zuidelijke Randmeren e o./Comissão, T‑117/04, Colect. p. II‑3861, n.° 53).

78      Neste caso, como a recorrente confirmou na audiência em resposta a uma pergunta do Tribunal, a afectação da sua posição concorrencial deve ser examinada em relação aos beneficiários das medidas de auxílios em causa. Por conseguinte, dado que tais medidas visam o apoio à produção cinematográfica e audiovisual, deve considerar‑se que beneficiam operadores que têm uma actividade de produção nos domínios cinematográfico e audiovisual, ou pelo menos num destes domínios, segundo as medidas visadas. Por outro lado, é pacífico que a recorrente, que é editor de serviços de televisão, desenvolve igualmente actividades na produção de obras e pode, a este título, ser igualmente beneficiária das medidas de apoio em questão.

79      A recorrente identifica, como operadores relativamente aos quais a sua posição concorrencial seria afectada, os outros editores de serviços de televisão e grandes grupos de comunicação audiovisual. Além disso, a recorrente afirma que a sua posição seria afectada no mercado da radiodifusão televisiva de acesso livre e no mercado da aquisição dos direitos e conteúdos audiovisuais.

80      Todavia, há que reconhecer que a recorrente não demonstrou de maneira concreta e precisa em que é que a sua posição concorrencial é afectada de forma substancial, designadamente nestes dois mercados, em relação à posição desses concorrentes, editores de serviços de televisão e grandes grupos de comunicação audiovisual, beneficiários das medidas em causa.

81      Em primeiro lugar, a recorrente não apresentou elementos que permitam concluir que a sua posição concorrencial é afectada de maneira substancial em relação aos outros editores de serviços de televisão, tanto no que respeita às obrigações de investimento como às medidas de apoio do CNC que são contestadas.

82      No que respeita, antes de tudo, às obrigações de investimento, há que reconhecer, em primeiro lugar, que a recorrente não apresenta nenhum argumento susceptível de demonstrar que os outros editores de serviços de televisão – os quais podem beneficiar dessas medidas para a sua eventual actividade de produção – estão sujeitos a condições diferentes das impostas à recorrente para delas beneficiar e que são eventualmente passíveis de afectar de maneira substancial a sua posição concorrencial.

83      Em segundo lugar, a recorrente alega que o montante das suas despesas com as obrigações de investimento excede largamente o montante das despesas dos seus concorrentes, designadamente a France 2, a France 3 e a M6, em detrimento da liberdade de afectação do seu orçamento e das suas opções em matéria de programação, o que contribui para a individualizar em relação a estes últimos. Todavia, como a recorrente confirmou na audiência em resposta a uma pergunta do Tribunal, os editores de serviços de televisão com os quais está em situação de concorrência estavam, por força das medidas que são objecto da Decisão, igualmente sujeitos às obrigações de investimento. Além disso, deve salientar‑se que o montante dessas obrigações é determinado aplicando uma percentagem ao volume de negócios do editor de serviços de televisão em causa relativo ao ano anterior (v. n.° 26 supra). Por conseguinte, o facto de, por força da regulamentação francesa, os concorrentes citados pela recorrente estarem sujeitos às obrigações de investimento nas mesmas proporções que esta, em razão da aplicação da mesma percentagem aos respectivos volumes de negócios, permite concluir, à semelhança da Comissão e da República Francesa, que, mesmo admitindo que o montante das despesas da recorrente excede o montante das despesas dos referidos concorrentes, esta circunstância mais não é do que a consequência do facto de o seu volume de negócios ser superior ao deles. A recorrente não pode, portanto, invocar a referida circunstância para demonstrar possuir um estatuto particular na acepção da jurisprudência resultante do acórdão Plaumann/Comissão, n.° 42 supra. Acresce que a recorrente não apresentou nenhum elemento susceptível de demonstrar a afectação substancial da sua posição concorrencial, na data de adopção da Decisão, devido à aplicação de uma percentagem especial a outros editores de serviços de televisão.

84      Em terceiro lugar, contrariamente às alegações da recorrente, o facto de o montante das obrigações de investimento ser calculado por referência ao volume de negócios do editor de serviços de televisão em causa, e não ao seu orçamento de programação, como prevê o artigo 5.° da Directiva 89/552, não permite concluir que o estatuto da recorrente tenha um carácter particular. Com efeito, por um lado, a recorrente não demonstrou de que forma este modo de cálculo a colocaria numa situação diferente da dos seus concorrentes, editores de serviços de televisão. De resto, a recorrente sublinha que outros editores de tais serviços podiam encontrar‑se numa situação semelhante à sua. Por outro lado, não compete ao Tribunal examinar, no quadro do presente recurso, a regulamentação francesa em causa na perspectiva da Directiva 89/552.

85      Em quarto lugar, no que respeita à obrigação de consagrar pelo menos dois terços das despesas impostas pelas obrigações de investimento na produção audiovisual, bem como pelo menos três quartos das despesas impostas pelas obrigações de investimento na produção cinematográfica, ao desenvolvimento da produção independente (v. n.° 9 supra), importa sublinhar que a definição da «produção independente» na regulamentação francesa implica, designadamente, que o produtor seja independente do editor de serviços de televisão que encomenda a obra em causa (ponto II, n.° 249, da Decisão), o que as partes confirmaram na audiência. Por conseguinte, embora tal contingência possa, como alega a recorrente, dar origem a uma limitação das possibilidades de desenvolver a sua actividade de produção, há que reconhecer que a recorrente não indica de que modo a sua situação difere da dos outros editores de serviços de televisão com os quais se encontra em situação de concorrência.

86      Consequentemente, decorre do que precede que a recorrente não demonstrou que, em relação às obrigações de investimento, a sua posição concorrencial seja afectada de maneira substancial relativamente à posição dos outros editores de serviços de televisão.

87      No que respeita, em seguida, às medidas de apoio do CNC contestadas no quadro do presente recurso, a recorrente não apresenta nenhum argumento destinado a demonstrar a sua situação particular relativamente aos outros editores de serviços de televisão. De resto, e para ser completo, cabe salientar que a obrigação de um produtor, para poder beneficiar dessas medidas, dispor do financiamento de um editor de serviços de televisão e o requisito correlativo de independência desse produtor em relação ao editor de serviços de televisão que concede esse financiamento impõem‑se da mesma maneira à recorrente e aos outros editores de serviços de televisão, o que esta não contesta.

88      Quanto ao financiamento dessas medidas de apoio do CNC, designadamente através do pagamento do Imposto pelos editores de serviços de televisão, a recorrente confirmou, na audiência e em resposta a uma pergunta do Tribunal, que os seus concorrentes, editores de serviços de televisão, estão sujeitos ao Imposto. Ora, há que reconhecer que este imposto é calculado com base no volume de negócios dos editores de serviços de televisão e que o montante devido é calculado aplicando uma percentagem a esse volume de negócios. Por conseguinte, não se pode considerar que a recorrente esteja individualizada relativamente aos outros editores de serviços de televisão com os quais se encontra numa relação de concorrência.

89      Deve portanto considerar‑se que a recorrente não demonstrou que a sua posição concorrencial seja afectada de maneira substancial relativamente aos outros editores de serviços de televisão no que respeita às medidas de apoio do CNC contestadas.

90      Em segundo lugar, no que toca à alegação da recorrente segundo a qual a sua posição concorrencial é afectada em relação a grandes grupos de comunicação audiovisual, deve salientar‑se que a recorrente não define precisamente os referidos grupos e não indica de maneira suficientemente precisa em que relação de concorrência se situa relativamente a eles.

91      Ora, importa recordar que a posição concorrencial da recorrente deve ser examinada relativamente à dos beneficiários das medidas em causa. Daqui decorre que os grandes grupos de comunicação audiovisual visados pela recorrente devem, pelo menos, ter actividades na produção de obras. Por outro lado, na medida em que esses grupos também operem no domínio da radiodifusão televisiva, há que reconhecer que a recorrente não especifica em que é que a situação desses grupos difere nesse particular da situação, examinada nos n.os 81 a 89 supra, dos editores de serviços de televisão com uma actividade de produção.

92      Nestas condições, deve considerar‑se que a evocação pela recorrente de uma afectação da sua posição concorrencial relativamente a grandes grupos de comunicação audiovisual não é suficientemente circunstanciada e fundamentada para permitir declarar a existência de uma afectação individual da recorrente. A este respeito, cabe recordar que não compete ao Tribunal proceder por meio de conjecturas quanto aos raciocínios e às considerações precisas, tanto factuais como jurídicas, que poderão ter estado na base das contestações do recurso (despacho do Tribunal Geral de 19 de Maio de 2008, TF1/Comissão, T‑144/04, Colect. p. II‑761, n.° 57).

93      Tendo em conta o que precede, deve concluir‑se que a recorrente não demonstrou suficientemente a afectação substancial da sua posição concorrencial e que não se pode considerar que a Decisão lhe diga individualmente respeito. Consequentemente, não tem legitimidade.

94      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento da recorrente segundo o qual, na hipótese de o presente recurso ser julgado inadmissível, não disporia de nenhum meio de contestar a Decisão. Com efeito, basta recordar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, os requisitos de admissibilidade de um recurso de anulação não podem ser afastados devido à interpretação feita pelo recorrente do direito a uma tutela jurisdicional efectiva. Deste modo, no que se refere especificamente ao domínio que é objecto do presente recurso, o Tribunal de Justiça teve ocasião de precisar que um particular, ao qual uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado não diz directa e individualmente respeito e que, consequentemente, não é eventualmente afectado nos seus interesses pela medida estatal objecto dessa decisão, não pode invocar o direito a uma tutela jurisdicional efectiva relativamente a essa decisão (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 2007, Sniace/Comissão, C‑260/05 P, Colect. p. I‑10005, n.os 64 e 65, e jurisprudência referida). Ora, resulta dos elementos expostos que um destes dois requisitos não está preenchido no caso vertente, uma vez que a recorrente não demonstrou que a Decisão lhe dizia individualmente respeito. Daqui resulta que a recorrente não tem fundamentos para afirmar que o facto de o presente recurso ser julgado inadmissível seria susceptível de prejudicar o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva.

95      Resulta do conjunto das considerações precedentes que o presente recurso deve ser julgado inadmissível.

 Quanto às despesas

96      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas e as despesas da Comissão, em conformidade com os pedidos desta última.

97      Por outro lado, nos termos do artigo 87.°, n.° 4, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros que intervieram no processo suportam as respectivas despesas. Por conseguinte, a República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      A Télévision française 1 SA (TF1) é condenada a suportar as suas próprias despesas e as despesas efectuadas pela Comissão Europeia.

3)      A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Vilaras

Prek

Ciucă

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Setembro de 2010.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.

Top