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Document 62018CJ0762

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 25 de junho de 2020.
QH contra Varhoven kasatsionen sad na Republika Bulgaria e CV contra Iccrea Banca SpA.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Rayonen sad Haskovo e pela Corte suprema di cassazione.
Reenvio prejudicial — Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Trabalhador despedido ilicitamente e reintegrado nas suas funções por decisão judicial — Exclusão do direito a férias anuais remuneradas não gozadas no período compreendido entre o despedimento e a reintegração — Inexistência do direito a uma retribuição financeira pelas férias anuais não gozadas no mesmo período em caso de cessação posterior da relação laboral.
Processos apensos C-762/18 e C-37/19.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:504

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

25 de junho de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Trabalhador despedido ilicitamente e reintegrado nas suas funções por decisão judicial — Exclusão do direito a férias anuais remuneradas não gozadas no período compreendido entre o despedimento e a reintegração — Inexistência do direito a uma retribuição financeira pelas férias anuais não gozadas no mesmo período em caso de cessação posterior da relação laboral»

Nos processos apensos C‑762/18 e C‑37/19,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rayonen sad Haskovo (Tribunal Regional de Haskovo, Bulgária) (C‑762/18) e pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) (C‑37/19), por Decisões de 26 e 27 de novembro de 2018, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 4 de dezembro de 2018 e 21 de janeiro de 2019, nos processos

QH

contra

Varhoven kasatsionen sad na Republika Bulgaria,

sendo intervenientes:

Prokuratura na Republika Bulgaria (C‑762/18),

e

CV

contra

Iccrea Banca SpA (C‑37/19),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, L. Bay Larsen, C. Toader e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: M. Aleksejev, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 11 de dezembro de 2019,

considerando as observações apresentadas:

em representação de QH, por S. Lateva e A. Slavchev, advokati,

em representação do Varhoven kasatsionen sad na Republika Bulgaria, por M. Hristova‑Nikolova, Z. Stoykov e L. Panov, na qualidade de agentes,

em representação de CV, por F. Proietti, avvocato,

em representação da Iccrea Banca SpA, por A. Maresca e F. Boccia, avvocati,

em representação do Governo búlgaro, por E. Petranova e L. Zaharieva, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por L. Fiandaca, avvocato dello Stato,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, D. Lutostańska e A. Siwek‑Ślusarek, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek, C. Zadra e Y. G. Marinova, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de janeiro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9), e do artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Esses pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios entre, por um lado, QH e o Varhoven kasatsionen sad na Republika Bulgaria (Supremo Tribunal de Cassação, Bulgária) (a seguir «Supremo Tribunal de Cassação»), relativamente à aplicação, por parte deste último, de uma jurisprudência alegadamente incompatível com o direito da União e que tem como efeito privar QH de uma indemnização pelas férias anuais remuneradas não gozadas no período compreendido entre a data do seu despedimento ilícito e a da sua reintegração no seu posto de trabalho (processo C‑762/18) e, por outro, CV e a Iccrea Banca SpA, a propósito de factos semelhantes (processo C‑37/19).

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 5 da Diretiva 2003/88 enuncia:

«Todos os trabalhadores devem beneficiar de períodos de descanso suficientes. O conceito de “descanso” deve ser expresso em unidades de tempo, ou seja, em dias, horas e/ou suas frações. Os trabalhadores da Comunidade devem beneficiar de períodos mínimos de descanso — diários, semanais e anuais — e de períodos de pausa adequados. Assim sendo, é conveniente prever igualmente um limite máximo para o horário de trabalho semanal.»

4

Sob a epígrafe «Férias anuais», o artigo 7.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.   O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

Direito búlgaro

Código do Trabalho

5

Nos termos do artigo 155.o, n.o 1, do Kodeks na truda (Código do Trabalho), «[t]odos os trabalhadores têm direito a férias anuais remuneradas».

6

Em conformidade com o artigo 224.o, n.o 1, deste código:

«Em caso de cessação da relação laboral, o trabalhador tem direito a uma retribuição financeira pelas férias anuais remuneradas não gozadas […]»

7

O artigo 225.o do referido código prevê:

«1.   Em caso de despedimento ilícito, o trabalhador tem direito ao pagamento pelo empregador de uma indemnização no montante igual ao da sua remuneração ilíquida pelo período durante o qual continuou sem posto de trabalho devido a esse despedimento, sendo, no entanto, o limite máximo seis meses.

2.   Se, durante o período referido no número anterior, o trabalhador tiver ocupado um posto de trabalho pior remunerado, tem direito ao pagamento da diferença salarial. Este direito é igualmente concedido ao trabalhador que tenha sido ilicitamente transferido para outro posto de trabalho pior remunerado.

[…]»

8

O artigo 354.o, n.o 1, do mesmo código tem a seguinte redação:

«Considera‑se tempo de trabalho o período em, nas seguintes situações, que não existiu uma relação laboral porque:

1.   O trabalhador ficou desempregado devido a um despedimento que as autoridades competentes declararam ilícito: desde a data do despedimento até à data da reintegração no posto de trabalho do trabalhador em causa.

[…]»

Código de Processo Civil

9

Nos termos do artigo 290.o do grazhdanski protsesualen kodeks (Código de Processo Civil):

«(1)   O recurso é examinado por uma formação de três juízes [do Supremo Tribunal de Cassação] em audiência pública.

(2)   [O Supremo Tribunal de Cassação] verifica a regularidade da sentença recorrida apenas à luz dos fundamentos invocados no recurso.»

10

O artigo 291.o do Código de Processo Civil prevê:

«Quando a sentença recorrida tiver sido proferida num contexto de jurisprudências divergentes:

1.   [O Supremo Tribunal de Cassação] indica, numa decisão fundamentada, qual das jurisprudências divergentes considera adequada; neste caso, profere uma decisão no processo com base nessa jurisprudência;

2.   Quando declare que, nas decisões, a jurisprudência é errada, indica a razão numa decisão fundamentada; neste caso, profere uma decisão interpretando a lei com base nas circunstâncias do caso concreto;

3.   Quando declare que as jurisprudências divergentes não são aplicáveis ao litígio, indica a razão numa decisão fundamentada; neste caso, profere uma decisão interpretando a lei com base nas circunstâncias do caso concreto.»

Direito italiano

11

O artigo 36.o, terceiro parágrafo, da Costituzione della Repubblica Italiana (Constituição da República Italiana) dispõe:

«O trabalhador tem direito a um período de descanso semanal e a férias anuais remuneradas, aos quais não pode renunciar.»

12

O artigo 10.o do decreto legislativo n.o 66 — Attuazione delle direttive 93/104/CE e 2000/34/CE concernenti taluni aspetti dell’organizzazione dell’orario di lavoro (Decreto Legislativo n.o 66, que transpõe as Diretivas 93/104/CE e 2000/34/CE, relativas a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho), de 8 de abril de 2003 (GURI n.o 87, de 14 de abril de 2003, Supplemento Ordinario n.o 61), na sua versão aplicável aos factos no processo C‑37/19, tem a seguinte redação:

«[…] [O] trabalhador tem direito a férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas. Sem prejuízo das disposições das convenções coletivas ou das regras específicas relativas às categorias referidas no artigo 2.o, n.o 2, o trabalhador deve gozar pelo menos duas semanas deste período, consecutivas mediante pedido, durante o ano em que esse direito foi adquirido, e, relativamente às duas semanas restantes, nos 18 meses seguintes ao fim do ano em que esse direito foi adquirido.

Este período mínimo de quatro semanas não pode ser substituído pela indemnização por férias não gozadas, salvo em caso de cessação da relação laboral […]»

13

Sob a epígrafe «Férias», o artigo 52.o do Contratto collettivo nazionale di lavoro per le Banche di Credito Cooperativo, Casse Rurali ed Artigiane (Convenção Coletiva Nacional para os Bancos de Crédito Cooperativo, Caixas de Crédito Agrícolas e Artesanais), de 7 de dezembro de 2000, na sua versão aplicável aos factos no processo C‑37/19, prevê:

«[…]

O direito a férias é irrenunciável. As férias devem ser gozadas durante o ano civil partia que se referem.

Em caso de cessação da relação laboral, ao trabalhador que não tenha gozado total ou parcialmente as férias relativas ao ano civil em curso, vencidas […], à razão de um duodécimo do período de férias anuais por cada mês completo de serviço prestado a partir de 1 de janeiro, tem direito a uma compensação correspondente à retribuição dos dias de férias anuais não gozados.

Em caso de ausência do trabalhador no serviço, o período de férias remuneradas devido é reduzido em tantos duodécimos quantos os meses completos de ausência.

[…]»

14

O artigo 53.o desta convenção coletiva, sob a epígrafe «Licenças especiais por feriados abolidos», dispõe:

«Atendendo às normas jurídicas em matéria de dias feriados, são atribuídos dias de férias e/ou de licença especial que deverão ser gozados durante o ano civil, incluindo em prolongamento dos períodos de férias.

[…]

Os dias de licença acima referidos que não tiverem sido gozados durante o ano civil, seja qual for a razão, […] são liquidados com base na última retribuição auferida no ano de referência».

15

Resulta, em substância, do pedido de decisão prejudicial no processo C‑37/19 que, na sua versão em vigor à data dos factos no processo principal, o artigo 18.o da legge n.o 300/1970 (Lei n.o 300/1970), de 20 de maio de 1970 (GURI n.o 131, de 27 de maio de 1970), sob a epígrafe «Proteção do trabalhador em caso de despedimento ilícito», previa que, nesse caso, o juiz, na decisão em que declare a nulidade do despedimento considerado discriminatório, ordena ao empregador a reintegração do trabalhador no local de trabalho, independentemente do motivo formal invocado e do número de trabalhadores empregados pelo empregador. O juiz condena igualmente o empregador a pagar ao trabalhador uma indemnização pelo prejuízo causado pelo despedimento cuja nulidade ou invalidade foi declarada.

Litígios do processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

Processo C‑762/18

16

QH, trabalhadora numa escola, foi despedida por decisão de 29 de abril de 2004. Por sentença do Rayonen sad Plovdiv (Tribunal de Primeira Instância de Plovdiv, Bulgária), transitada em julgado, esse despedimento foi declarado ilícito e QH foi reintegrada no seu posto de trabalho em 10 de novembro de 2008.

17

Por decisão de 13 de novembro de 2008, QH foi novamente despedida. Este último não foi objeto de recurso.

18

Em 1 de julho de 2009, QH intentou, no Rayonen Sad Plovdiv (Tribunal de Primeira Instância de Plovdiv), uma ação contra a escola que a empregava, pedindo, nomeadamente, o pagamento do montante de 7125 levs búlgaros (BGN) (cerca de 3641 euros), a título de 285 dias de férias anuais remuneradas não gozadas, ou seja, 57 dias por ano relativamente ao período compreendido entre 30 de abril de 2004 e 13 de novembro de 2008, bem como do montante de 1100 BGN (cerca de 562 euros), a título do atraso no pagamento dessas indemnizações relativamente ao período compreendido entre 13 de novembro de 2008 e 1 de julho de 2009.

19

Essa ação foi julgada improcedente por Sentença de 15 de abril de 2010, que foi confirmada em sede de recurso por Sentença de 10 de fevereiro de 2011 do Okrazhen sad Plovdiv (Tribunal Regional de Plovdiv, Bulgária).

20

QH interpôs recurso desta última sentença no Supremo Tribunal de Cassação. Por Despacho de 25 de outubro de 2011, o referido órgão jurisdicional não admitiu esse recurso e confirmou o mérito da Sentença de 15 de abril de 2010, proferida em primeira instância pelo Rayonen Sad Plovdiv (Tribunal de Primeira Instância de Plovdiv), tal como confirmada em sede de recurso.

21

Em especial, o Supremo Tribunal de Cassação considerou que a declaração, pelos juízes que conhecem do mérito da causa, de improcedência do pedido que lhes foi submetido por QH e que visava, em substância, obter o reconhecimento de que um trabalhador despedido ilicitamente pudesse beneficiar de uma indemnização pelas férias anuais remuneradas não gozadas relativamente ao período compreendido entre a data do despedimento e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho por força de uma sentença transitada em julgado, era conforme à sua jurisprudência vinculativa.

22

Segundo essa jurisprudência, durante o período entre a cessação da relação laboral e a anulação do despedimento por uma sentença transitada em julgado e a reintegração do trabalhador despedido ilicitamente no seu posto de trabalho anterior, deve considerar‑se que este último não prestou um verdadeiro trabalho a título da relação laboral, de forma que, relativamente a esse período, não se constitui nenhum direito a férias anuais remuneradas na esfera do trabalhador e, em caso de novo despedimento, o empregador não deve ao trabalhador, relativamente ao referido período, nenhuma indemnização pelas férias anuais remuneradas não gozadas, conforme prevista no artigo 224.o, n.o 1, do Código do Trabalho.

23

QH intentou no órgão jurisdicional de reenvio, o Rayonen Sad Haskovo (Tribunal Regional de Haskovo, Bulgária), uma ação de indemnização contra o Supremo Tribunal de Cassação, destinada à reparação dos prejuízos que considera ter sofrido devido ao facto de esse órgão jurisdicional ter violado o direito da União no seu Despacho de 25 de outubro de 2011. Em apoio dessa ação, QH alega, designadamente, que o Supremo Tribunal de Cassação devia ter aplicado o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e ter‑lhe reconhecido o direito a férias anuais remuneradas relativamente ao período durante o qual não pôde beneficiar das mesmas devido ao seu despedimento ilícito. QH acrescenta que, caso o Supremo Tribunal de Cassação tivesse dúvidas quanto à possibilidade de aplicar essa disposição, enquanto órgão jurisdicional supremo, devia ter submetido um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267.o TFUE, relativamente à interpretação dessa disposição de direito da União. Assim, segundo QH, o incumprimento da obrigação de submeter o reenvio que incumbia ao Supremo Tribunal de Cassação deve ser considerado um ato ilícito que causou um dano a QH, nos montantes reclamados.

24

Nessas condições, o Rayonen Sad Haskovo (Tribunal Regional de Haskovo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 7.o, n.o 1, da [Diretiva 2003/88] ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime jurídico e/ou a uma jurisprudência nacionais segundo os quais um trabalhador que foi despedido ilicitamente e posteriormente reintegrado no seu posto de trabalho por decisão judicial não tem direito a férias anuais remuneradas durante o período compreendido entre a data do despedimento e a data da reintegração no posto de trabalho?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: deve o artigo 7.o, n.o 2, da [Diretiva 2003/88] ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime jurídico e/ou uma jurisprudência nacionais segundo os quais, caso a relação laboral desse trabalhador cesse novamente, este não tem direito a uma compensação financeira pelas férias anuais remuneradas não gozadas entre a data do anterior despedimento e a data da reintegração no posto de trabalho?»

Processo C‑37/19

25

CV, trabalhadora da Iccrea Banca, foi despedida por carta de 11 de julho de 2002, na sequência de um despedimento coletivo. No entanto, por Despacho de 4 de setembro de 2003, o Tribunale di Roma (Tribunal de Primeira Instância de Roma, Itália) ordenou a reintegração de CV no seu posto de trabalho, a partir de 6 de outubro de 2003.

26

Por cartas de 13 de outubro e de 15 de novembro de 2003, a Iccrea Banca rescindiu, novamente, o contrato de trabalho de CV com efeitos imediatos. No entanto, os dois atos de despedimento foram declarados ilícitos por decisões judiciais transitadas em julgado e CV foi reintegrada no seu posto de trabalho a partir de 26 de setembro de 2008.

27

Em 17 de setembro de 2010, o contrato de trabalho de CV foi novamente rescindido.

28

Entretanto, CV intentou duas ações no Tribunale di Roma (Tribunal de Primeira Instância de Roma) e obteve deste último dois decretos que condenaram a Iccrea a pagar, primeiro, a quantia de 3521 euros, acrescido de despesas acessórias, a título do montante devido por 30,5 dias de férias e cinco dias de licença vencidos e não gozados a título de feriados abolidos, relativamente ao ano de 2003, e, segundo, a quantia de 2596,16 euros, acrescido de despesas acessórias, a título do montante devido por 27 dias de férias e cinco dias de licença vencidos e não gozados, relativamente ao ano de 2004, a título de feriados abolidos.

29

Na sequência da oposição deduzida pela Iccrea Banca, o Tribunale di Roma (Tribunal de Primeira Instância de Roma) revogou o primeiro decreto de injunção e condenou‑a a pagar o montante ilíquido de 3784,82 euros, com o mesmo fundamento, mas no limite do período anterior à data do segundo despedimento. Por outro lado, o Tribunale di Roma (Tribunal de Primeira Instância de Roma) revogou o segundo decreto de injunção relativamente aos direitos reclamados para o ano de 2004.

30

CV recorreu dessas sentenças. A Corte d’appello di Roma (Tribunal de Recurso de Roma, Itália), remetendo para jurisprudência precedente da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), negou provimento a esses recursos, com o fundamento de que, durante o período objeto do pedido de CV, esta não tinha prestado um trabalho efetivo e que o direito à retribuição substitutiva das férias e das licenças só podia ser reconhecido se tivesse sido exercida a atividade profissional durante o período de referência.

31

CV interpôs recurso dessas decisões da Corte d’appello di Roma (Tribunal de Recurso de Roma) no órgão jurisdicional de reenvio, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação).

32

O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que o pedido objeto do processo que lhe foi submetido está limitado à declaração do direito de CV à retribuição substitutiva das férias e licenças não gozadas relativamente ao período entre 15 de novembro de 2003 e 31 de dezembro de 2004. Em especial, segundo esse órgão jurisdicional, no que se refere a este período, coloca‑se a questão de saber se, com base no artigo 31.o da Carta e do artigo 7.o da Diretiva 2003/88, o trabalhador despedido ilicitamente e posteriormente reintegrado no seu posto de trabalho tem direito à retribuição substitutiva das férias anuais remuneradas não gozadas relativamente ao período entre o seu despedimento e a sua reintegração.

33

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera, antes de mais, que, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 7.o da Diretiva 2003/88, não se pode excluir que o exercício da atividade profissional durante o período de referência não seja uma condição sine qua non do direito às férias anuais remuneradas e que, em todo o caso, a influência de fatores externos não imputáveis ao trabalhador possa ser pertinente para efeitos do reconhecimento de uma retribuição substitutiva das férias anuais remuneradas não gozadas.

34

Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha determinados aspetos pertinentes da jurisprudência italiana em matéria de despedimento, de reintegração no posto de trabalho e do direito à indemnização por férias não gozadas em caso de reintegração.

35

Em especial, por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que a jurisprudência italiana é constante no que se refere a considerar que, quando o juiz declara a ilicitude da rescisão, o trabalhador tem, em princípio, direito à reintegração no seu posto de trabalho. A decisão judicial que ordena a reintegração do trabalhador tem como efeito restabelecer a relação laboral, devendo esta, por conseguinte, ser considerada reconstituída para todos os efeitos jurídicos e económicos apenas com base na decisão do juiz, sem que seja necessário o empregador proceder a uma nova contratação. Por outro lado, a declaração pelo juiz da ilicitude do despedimento e a injunção de reintegração que se segue, nos termos do artigo 18.o da Lei n.o 300/1970, implica a reconstituição de jure da relação laboral que, por conseguinte, desse deve considerar que nunca foi rescindida.

36

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio refere a sua jurisprudência segundo a qual, em caso de despedimento declarado ilícito, a atribuição ao trabalhador das remunerações auferidas no período entre a data de comunicação do despedimento e a data do exercício do direito de opção pela retribuição substitutiva da reintegração não inclui a retribuição substitutiva das férias não gozadas nem a relativa às licenças especiais pela redução mensal do horário de trabalho. Segundo indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta solução é justificada à luz do caráter híbrido dessas retribuições, destinadas ao mesmo tempo à reparação de um prejuízo e ao pagamento de uma remuneração, pelo que só são devidas no caso de o trabalhador, em situação de serviço efetivo, ter exercido a sua atividade durante todo o ano sem gozar as férias. O trabalhador despedido não está na mesma situação, uma vez que, durante o período compreendido entre a rescisão do seu contrato de trabalho e o exercício da opção pela retribuição, esteve numa situação de descanso, ainda que «forçada».

37

Nestas circunstâncias, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 7.o, n.o 2 da Diretiva 2003/88 e 31.o, n.o 2, da [Carta], mesmo considerados separadamente, ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições ou práticas nacionais segundo as quais, após a cessação da relação de trabalho, o trabalhador não tem direito a que lhe seja paga uma compensação pecuniária pelas férias vencidas e não gozadas [e por um instituto jurídico como as chamadas “Festività soppresse” (dias de licença correspondentes a feriados abolidos), equiparáveis pela natureza e função às férias anuais], num contexto em que não pôde exercer o referido direito, antes da cessação da relação de trabalho, por facto ilícito imputável ao empregador (despedimento declarado ilícito pelo órgão jurisdicional nacional por sentença transitada em julgado que determinou a repristinação da relação laboral com efeitos retroativos), no tocante ao período compreendido entre a conduta do empregador e a posterior reintegração?»

38

Por decisão do presidente da Primeira Secção de 2 de março de 2020, os processos C‑762/18 e C‑37/19 foram apensados para efeitos do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à competência do Tribunal de Justiça no processo C‑762/18

39

Em primeiro lugar, o Governo búlgaro alega que o Tribunal de Justiça não tem competência para analisar as questões submetidas no âmbito do processo C‑762/18, na medida em que a ação de responsabilidade de QH está diretamente ligada ao seu primeiro despedimento e esse despedimento ocorreu em 29 de abril de 2004, ou seja, antes da adesão da República da Bulgária à União Europeia, a saber, em 1 de janeiro de 2007.

40

A este respeito, há que salientar que, como resulta dos n.os 21 a 23 do presente acórdão, o pedido de QH visa o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes da alegada violação, pelo Supremo Tribunal de Cassação, do artigo 7.o da Diretiva 2003/88, na medida em que esse órgão jurisdicional aplicou uma jurisprudência nacional, relativa aos efeitos jurídicos da anulação desse primeiro despedimento e da reintegração do interessado no seu posto de trabalho, incompatível com esta disposição do direito da União. No processo C‑762/18, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se assim sobre a compatibilidade dessa jurisprudência nacional com a referida disposição, pelo que as questões que submete estão relacionadas com as consequências jurídicas decorrentes da anulação do primeiro despedimento de QH e com a sua reintegração no seu posto de trabalho.

41

Como resulta do artigo 2.o do Ato relativo às condições de adesão da República da Bulgária e da Roménia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2005, L 157, p. 203), as disposições dos Tratados originários e os atos adotados pelas instituições antes da adesão, nomeadamente a Diretiva 2003/88, vinculam a República da Bulgária a partir da data da sua adesão, sendo por isso aplicáveis aos efeitos futuros de situações surgidas antes da adesão (v., por analogia, Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Milivojević, C‑630/17, EU:C:2019:123, n.o 42 e jurisprudência referida).

42

Ora, embora o primeiro despedimento de QH tenha ocorrido antes da adesão da República da Bulgária à União, a sua anulação e a reintegração de QH no seu posto de trabalho, cujas consequências jurídicas são objeto do processo principal, ocorreram ambas depois dessa data. Por conseguinte, o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 aplica‑se ratione temporis aos efeitos desta anulação e desta reintegração, na medida em que estes efeitos se produziram depois de 1 de janeiro de 2007.

43

Em segundo lugar, no âmbito do processo C‑762/18, tanto o Supremo Tribunal de Cassação como o Governo búlgaro alegam que, durante o período compreendido entre a data do primeiro despedimento de QH e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho, esta não tinha a qualidade de «trabalhador» na aceção da Diretiva 2003/88 e, por isso, não estava abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva nem, em geral, pelo âmbito de aplicação do direito da União, pelo que o Tribunal de Justiça não tem competência para se pronunciar sobre as questões submetidas neste processo.

44

A este respeito, há que salientar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a Diretiva 2003/88 é apenas aplicável aos trabalhadores e que deve ser considerada «trabalhador» uma pessoa que realiza, durante um certo tempo, em benefício de outra e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (v., neste sentido, Acórdão de 20 de novembro de 2018, Sindicatul Familia Constanţa e o., C‑147/17, EU:C:2018:926, n.os 40 e 41).

45

No caso em apreço, as questões submetidas no âmbito do processo C‑762/18 são relativas ao direito a férias anuais remuneradas no contexto de um despedimento ilícito de um trabalhador e da sua reintegração no seu posto de trabalho, nos termos do direito nacional, por força de uma decisão judicial.

46

Ora, resulta da decisão de reenvio que, nos termos do direito búlgaro, a declaração da ilicitude de um despedimento implica que o período compreendido entre a data do despedimento e a data da reintegração da pessoa em causa no seu posto de trabalho deve ser considerado, retroativamente, parte da duração de serviço desta pessoa no seu empregador.

47

Por conseguinte, a Diretiva 2003/88 aplica‑se ratione materiae ao litígio principal neste processo.

48

Decorre das considerações precedentes que o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar as disposições do direito da União aplicáveis a esse litígio no processo principal, pelo que tem competência para responder às questões submetidas no processo C‑762/18.

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial no processo C‑37/19

49

A Iccrea Banca e o Governo italiano duvidam da admissibilidade do pedido de decisão prejudicial no processo C‑37/19, pelo facto de a decisão de reenvio neste processo estar viciada de uma falta de precisão e de clareza no que se refere aos factos e à regulamentação ou práticas nacionais que são eventualmente contrárias ao direito da União.

50

A este respeito, há que declarar que o órgão jurisdicional de reenvio identifica de forma juridicamente suficiente as disposições do direito da União cuja interpretação é necessária e a jurisprudência nacional que pode ser incompatível com essas disposições. Por outro lado, os elementos contidos no pedido de decisão prejudicial permitem compreender a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, bem como o contexto no qual foi colocada.

51

Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial no processo C‑37/19 é admissível.

Quanto à primeira questão no processo C‑762/18

52

Com a sua primeira questão no processo C‑762/18, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma jurisprudência nacional por força da qual um trabalhador despedido ilicitamente e posteriormente reintegrado no seu posto de trabalho, em conformidade com o direito nacional, na sequência da anulação do seu despedimento por uma decisão judicial, não tem direito a férias anuais remuneradas no período compreendido entre a data do despedimento e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho, pelo facto de, durante este período, o referido trabalhador não ter realizado um trabalho efetivo ao serviço do empregador.

53

A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que, como resulta da própria redação do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, todos os trabalhadores beneficiam de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas. Este direito a férias anuais remuneradas deve ser considerado um princípio do direito social da União que reveste especial importância, cuja aplicação pelas autoridades nacionais competentes apenas pode ser efetuada dentro dos limites expressamente enunciados pela própria Diretiva 2003/88 (Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 32 e jurisprudência referida).

54

Por outro lado, importa assinalar que o direito a férias anuais remuneradas não só reveste, enquanto princípio do direito social da União, uma especial importância, como está também expressamente consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta, à qual o artigo 6.o, n.o 1, TUE reconhece o mesmo valor jurídico que os Tratados (Acórdão de 21 de junho de 2012, ANGED, C‑78/11, EU:C:2012:372, n.o 17 e jurisprudência referida).

55

Além disso, como já declarou o Tribunal de Justiça, o direito a férias anuais remuneradas não pode ser interpretado de forma restritiva (Acórdão de 30 de junho de 2016, Sobczyszyn, C‑178/15, EU:C:2016:502, n.o 21 e jurisprudência referida).

56

Por último, resulta dos termos da Diretiva 2003/88 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora caiba aos Estados‑Membros definir as condições de exercício e de execução do direito a férias anuais remuneradas, estes devem abster‑se de sujeitar a qualquer condição a própria constituição do referido direito, que resulta diretamente desta diretiva (Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 34 e jurisprudência referida).

57

Em segundo lugar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito a férias anuais, consagrado no artigo 7.o da Diretiva 2003/88, tem uma dupla finalidade, a saber, permitir ao trabalhador dispor de um período de descanso em ligação com a execução das tarefas que lhe incumbem nos termos do seu contrato de trabalho, por um lado, e de um período de descontração e de lazer, por outro (Acórdão de 20 de julho de 2016, Maschek, C‑341/15, EU:C:2016:576, n.o 34 e jurisprudência referida).

58

Esta finalidade, que distingue o direito a férias anuais remuneradas de outros tipos de licenças que prosseguem finalidades diferentes, baseia‑se na premissa de que o trabalhador efetivamente trabalhou durante o período de referência. Com efeito, o objetivo de permitir ao trabalhador descansar pressupõe que esse trabalhador tenha exercido uma atividade que justifique, para assegurar a proteção da sua segurança e da sua saúde pretendida pela Diretiva 2003/88, o benefício de um período de descanso, de descontração e de lazer. Por conseguinte, os direitos a férias anuais remuneradas devem em princípio ser determinados em função dos períodos de trabalho efetivo cumpridos nos termos do contrato de trabalho (Acórdão de 4 de outubro de 2018, Dicu, C‑12/17, EU:C:2018:799, n.o 28 e jurisprudência referida).

59

No entanto, em determinadas situações específicas em que o trabalhador é incapaz de cumprir as suas funções, o direito a férias anuais remuneradas não pode ser subordinado por um Estado‑Membro à obrigação de ter efetivamente trabalhado (v., neste sentido, Acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 20 e jurisprudência referida).

60

Tal se aplica, designadamente, no que diz respeito aos trabalhadores ausentes do trabalho devido a licença por doença durante o período de referência. Com efeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, relativamente ao direito a férias anuais remuneradas, esses trabalhadores são equiparados aos trabalhadores que trabalharam efetivamente durante esse período (Acórdão de 4 de outubro de 2018, Dicu, C‑12/17, EU:C:2018:799, n.o 29 e jurisprudência referida).

61

Assim, segundo o artigo 7.o da Diretiva 2003/88, nenhum trabalhador que esteja de licença por doença durante o referido período de referência pode ser afetado no seu direito a férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas (v., neste sentido, Acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 30).

62

Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou a práticas nacionais segundo as quais o direito a férias anuais remuneradas se extingue no termo do período de referência e/ou de um período de transferência previsto no direito nacional, quando o trabalhador tenha estado de licença por doença durante todo ou parte do período de referência e, por conseguinte, não tenha efetivamente tido a possibilidade de exercer esse direito (Acórdão de 30 de junho de 2016, Sobczyszyn, C‑178/15, EU:C:2016:502, n.o 24 e jurisprudência referida).

63

Nos termos da jurisprudência assim recordada, está, portanto, excluído que o direito do trabalhador a férias anuais mínimas remuneradas, garantido pelo direito da União, seja reduzido numa situação caracterizada pelo facto de o trabalhador não ter podido cumprir a sua obrigação de trabalhar, devido a doença, durante o período de referência (Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack, C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.o 34 e jurisprudência referida).

64

Assim, a Diretiva 2003/88 não permite que os Estados‑Membros excluam a própria constituição do direito a férias anuais remuneradas nem que prevejam que o direito a férias anuais remuneradas de um trabalhador que tenha estado impedido de exercer esse direito se extingue no termo do período de referência e/ou de um período de transferência previsto no direito nacional (Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 51 e jurisprudência referida).

65

Por conseguinte, há que verificar se os princípios decorrentes da jurisprudência relativa ao direito a férias anuais remuneradas de um trabalhador que, por razões de doença, não estava em condições de exercer o seu direito às referidas férias durante o período de referência e/ou o período de transferência fixado pelo direito nacional são transponíveis, mutatis mutandis, para uma situação como a que está em causa nos litígios nos processos principais, na qual um trabalhador despedido ilicitamente e posteriormente reintegrado no seu posto de trabalho, nos termos do direito nacional, na sequência da anulação do seu despedimento por uma decisão judicial, não realizou, durante o período compreendido entre a data do despedimento ilícito e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho, um trabalho efetivo ao serviço do seu empregador.

66

A este respeito, há que observar que para derrogar, no que diz respeito aos trabalhadores ausentes do trabalho devido a licença por doença, o princípio de que os direitos a férias anuais remuneradas devem ser determinados em função dos períodos de trabalho efetivo, o Tribunal de Justiça baseou‑se no facto de a ocorrência de uma incapacidade para o trabalho por doença ser, em princípio, imprevisível e independente da vontade do trabalhador (v., nomeadamente, neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Dicu, C‑12/17, EU:C:2018:799, n.o 32 e jurisprudência referida).

67

Ora, há que observar que, tal como a ocorrência de uma incapacidade para o trabalho por doença, o facto de um trabalhador ter sido privado da possibilidade de trabalhar devido a um despedimento posteriormente declarado ilícito é, em princípio, imprevisível e independente da vontade desse trabalhador.

68

Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 48 das suas conclusões, o facto de o trabalhador em causa não ter, durante o período compreendido entre a data do seu despedimento ilícito e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho, nos termos do direito nacional, na sequência da anulação desse despedimento por uma decisão judicial, realizado um trabalho efetivo ao serviço do seu empregador resulta dos atos deste último que levaram ao despedimento ilícito, sem os quais o referido trabalhador poderia ter trabalhado durante o referido período e exercido o seu direito a férias anuais.

69

Por conseguinte, numa situação como a que está em causa nos litígios nos processos principais, o período compreendido entre a data do despedimento ilícito e data da reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho, nos termos do direito nacional, na sequência da anulação desse despedimento por uma decisão judicial, deve ser equiparado a um período de trabalho efetivo para efeitos da determinação do direito a férias anuais remuneradas.

70

Portanto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao direito a férias anuais remuneradas de um trabalhador que, por motivos de doença, não estava em condições de exercer o seu direito às referidas férias durante o período de referência e/ou o período de transferência fixado pelo direito nacional é transponível, mutatis mutandis, para uma situação, como a que está em causa em cada dos presentes litígios nos processos principais, em que um trabalhador despedido ilicitamente e posteriormente reintegrado no seu posto de trabalho, nos termos do direito nacional, na sequência da anulação do seu despedimento por uma decisão judicial, não realizou, durante o período compreendido entre a data desse despedimento ilícito e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho, um trabalho efetivo ao serviço do seu empregador.

71

Em terceiro lugar, há que recordar que, nas circunstâncias específicas em que se encontra um trabalhador incapacitado para o trabalho durante vários períodos de referência consecutivos, o Tribunal de Justiça declarou que, à luz não só da proteção do trabalhador que a Diretiva 2003/88 prossegue mas também da do empregador, confrontado com um risco de cumulação significativa de períodos de ausência do trabalhador e com as dificuldades que estes poderiam implicar para a organização do trabalho, o artigo 7.o desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a disposições ou práticas nacionais que limitam, através de um período de transferência de quinze meses, no termo do qual o direito a férias anuais remuneradas se extingue, a cumulação dos direitos a essas férias de um trabalhador incapacitado para o trabalho durante vários períodos de referência consecutivos (Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 55 e jurisprudência referida).

72

No entanto, como salientou o advogado‑geral no n.o 49 das suas conclusões, em circunstâncias como as dos litígios nos presentes processos principais, não se justifica uma derrogação do princípio estabelecido pelo artigo 7.o da Diretiva 2003/88, de que o direito às férias anuais remuneradas vencidas não se pode extinguir no termo do período de referência e/ou de um período de transferência fixado pelo direito nacional, quando o trabalhador não estava em condições de gozar as suas férias.

73

Com efeito, por um lado, nos termos da jurisprudência recordada no n.o 55 do presente acórdão, o direito a férias anuais remuneradas não pode ser interpretado de forma restritiva.

74

Assim, quaisquer derrogações ao regime da União em matéria de organização do tempo de trabalho previsto pela Diretiva 2003/88 devem ser objeto de uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que essas derrogações permitem proteger (Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 58 e jurisprudência referida).

75

Ora, em circunstâncias como as que estão em causa nos litígios nos processos principais, a proteção dos interesses do empregador não se afigura estritamente necessária e, portanto, não é, a priori, suscetível de justificar uma derrogação ao direito do trabalhador a férias anuais remuneradas.

76

Por outro lado, como salientado no n.o 68 do presente acórdão, também nessas circunstâncias, foi devido aos atos do próprio empregador, na medida em que despediu ilicitamente o trabalhador em causa, que, durante o período compreendido entre a data desse despedimento e a data da reintegração do referido trabalhador no seu posto de trabalho, este último não pôde trabalhar nem, em consequência, de exercer o seu direito a férias anuais.

77

Ora, há que recordar que cabe ao empregador assegurar que o trabalhador possa exercer o direito a férias anuais (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Kreuziger, C‑619/16, EU:C:2018:872, n.o 51 e jurisprudência referida). A este respeito, contrariamente a uma situação de cumulação de direitos a férias anuais remuneradas de um trabalhador impedido de gozar as referidas férias por motivo de doença, o empregador que não dá condições a um trabalhador para que este exerça o seu direito a férias anuais remuneradas deve assumir as respetivas consequências (Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 63).

78

Por conseguinte, um trabalhador despedido ilicitamente e posteriormente reintegrado no seu posto de trabalho, nos termos do direito nacional, na sequência da anulação do seu despedimento por uma decisão judicial, tem o direito de invocar todos os direitos a férias anuais remuneradas vencidas durante o período compreendido entre a data do despedimento ilícito e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho, na sequência dessa anulação.

79

Por último, há que precisar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 59 das suas conclusões, que, no caso de o trabalhador em causa ocupar outro posto de trabalho durante o período entre a data do despedimento ilícito e a data da reintegração no seu primeiro posto de trabalho, esse trabalhador não pode reclamar ao seu primeiro empregador o direito a férias anuais correspondente ao período no qual ocupou outro posto de trabalho.

80

Com efeito, nessas circunstâncias, é perante o seu novo empregador que o trabalhador em causa deve invocar o seu direito a férias anuais remuneradas correspondente a este último período.

81

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão no processo C‑762/18 que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma jurisprudência nacional por força da qual um trabalhador despedido ilicitamente e posteriormente reintegrado no seu posto de trabalho, em conformidade com o direito nacional, na sequência da anulação do seu despedimento por uma decisão judicial, não tem direito a férias anuais remuneradas no período compreendido entre a data do despedimento e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho, pelo facto de, durante este período, o referido trabalhador não ter realizado um trabalho efetivo ao serviço do empregador.

Quanto à segunda questão no processo C‑762/18 e à única questão no processo C‑37/19

82

Com a segunda questão no processo C‑762/18 e a única questão no processo C‑37/19, que há que analisar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma jurisprudência nacional por força da qual, em caso de cessação de uma relação laboral após o trabalhador em causa ter sido despedido ilicitamente e posteriormente reintegrado no seu posto de trabalho, em conformidade com o direito nacional, na sequência da anulação do seu despedimento por uma decisão judicial, esse trabalhador não tem direito a uma retribuição financeira pelas férias anuais remuneradas não gozadas durante o período compreendido entre a data do despedimento ilícito e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho.

83

Há que recordar que o direito a férias anuais constitui apenas o primeiro dos dois componentes do direito a férias anuais remuneradas enquanto princípio essencial do direito social da União refletido pelo artigo 7.o da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 1993, L 307, p. 18), e pelo artigo 7.o da Diretiva 2003/88, entretanto expressamente consagrado como direito fundamental no artigo 31.o, n.o 2, da Carta. Assim, o referido direito fundamental compreende igualmente um direito à obtenção de um pagamento, bem como, enquanto direito inerente a este direito a férias anuais «remuneradas», o direito a uma retribuição financeira a título das férias anuais não gozadas no momento da cessação da relação laboral (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Bauer e Willmeroth, C‑569/16 e C‑570/16, EU:C:2018:871, n.o 58).

84

O Tribunal de Justiça sublinhou que o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 não estabelece nenhuma condição para a aquisição do direito à retribuição financeira para além, por um lado, da cessação da relação laboral e, por outro, do facto de o trabalhador não ter gozado a totalidade das férias anuais a que tinha direito na data em que ocorreu a cessação (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Kreuziger, C‑619/16, EU:C:2018:872, n.o 31).

85

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a referida disposição deve ser interpretada no sentido de que se opõe a legislações ou práticas nacionais que preveem que, no momento da cessação da relação laboral, nenhuma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas é paga ao trabalhador que não pôde gozar a totalidade das férias anuais a que tinha direito antes da cessação dessa relação laboral, nomeadamente porque se encontrava de licença por doença durante todo ou parte do período de referência e/ou de um período de transferência (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Kreuziger, C‑619/16, EU:C:2018:872, n.o 32 e jurisprudência referida).

86

Ora, como resulta do n.o 78 do presente acórdão, um trabalhador despedido ilicitamente e posteriormente reintegrado no seu posto de trabalho, nos termos do direito nacional, na sequência da anulação do seu despedimento por uma decisão judicial, pode invocar todos os direitos a férias anuais remuneradas vencidas durante o período compreendido entre a data do despedimento ilícito e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho na sequência dessa anulação.

87

Por conseguinte, quando o trabalhador, à semelhança dos que estão em causa em cada um dos presentes processos, posteriormente à sua reintegração no seu posto de trabalho na sequência da anulação do seu despedimento ilícito, é novamente despedido, pode invocar, com base no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, uma indemnização pelas férias anuais não gozadas quando deste novo despedimento, incluindo as correspondentes ao período compreendido entre a data do despedimento ilícito e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho.

88

No entanto, como resulta do n.o 79 do presente acórdão, quando, durante esse período, o trabalhador em causa ocupou outro posto de trabalho, não pode invocar, perante o seu primeiro empregador, uma indemnização correspondente ao período em que ocupou esse outro posto de trabalho.

89

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão no processo C‑762/18 e à única questão no processo C‑37/19 que o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma jurisprudência nacional por força da qual, em caso de cessação de uma relação laboral após o trabalhador em causa ter sido despedido ilicitamente e posteriormente reintegrado no seu posto de trabalho, em conformidade com o direito nacional, na sequência da anulação do seu despedimento por uma decisão judicial, esse trabalhador não tem direito a uma retribuição financeira pelas férias anuais remuneradas não gozadas durante o período compreendido entre a data do despedimento ilícito e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho.

Quanto às despesas

90

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma jurisprudência nacional por força da qual um trabalhador despedido ilicitamente e posteriormente reintegrado no seu posto de trabalho, em conformidade com o direito nacional, na sequência da anulação do seu despedimento por uma decisão judicial, não tem direito a férias anuais remuneradas no período compreendido entre a data do despedimento e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho, pelo facto de, durante este período, o referido trabalhador não ter realizado um trabalho efetivo ao serviço do empregador.

 

2)

O artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma jurisprudência nacional por força da qual, em caso de cessação de uma relação laboral após o trabalhador em causa ter sido despedido ilicitamente e posteriormente reintegrado no seu posto de trabalho, em conformidade com o direito nacional, na sequência da anulação do seu despedimento por uma decisão judicial, esse trabalhador não tem direito a uma retribuição financeira pelas férias anuais remuneradas não gozadas durante o período compreendido entre a data do despedimento ilícito e a data da sua reintegração no seu posto de trabalho.

 

Assinaturas


( *1 ) Línguas do processo: búlgaro e italiano.

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