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Document 62017CJ0713

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 21 de novembro de 2018.
Ahmad Shah Ayubi contra Bezirkshauptmannschaft Linz-Landd.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landesverwaltungsgericht Oberösterreich.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2011/95/UE — Normas relativas ao conteúdo da proteção internacional — Estatuto de refugiado — Artigo 29.o — Proteção social — Tratamento diferente — Refugiados que beneficiam de um direito de residência temporária.
Processo C-713/17.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:929

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

21 de novembro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2011/95/UE — Normas relativas ao conteúdo da proteção internacional — Estatuto de refugiado — Artigo 29.o — Proteção social — Tratamento diferente — Refugiados que beneficiam de um direito de residência temporária»

No processo C‑713/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landesverwaltungsgericht Oberösterreich (Tribunal Administrativo Regional da Alta Áustria, Áustria), por decisão de 18 de dezembro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de dezembro de 2017, no processo

Ahmad Shah Ayubi

contra

Bezirkshauptmannschaft Linz‑Land,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J. Malenovský, L. Bay Larsen (relator), M. Safjan e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de A. S. Ayubi, por H. Blum, Rechtsanwalt,

em representação do Governo austríaco, por G. Hesse, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande e M. Wasmeier, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 29.o da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Ahmad Shah Ayubi, nacional de um país terceiro, à Bezirkshauptmannschaft Linz‑Land (Autoridade administrativa do distrito de Linz‑Land, Áustria) a propósito da decisão desta última que confere a A. S. Ayubi e à sua família um auxílio com vista a suprir as suas necessidades de subsistência e de habitação, sob a forma de uma prestação de base e de uma majoração provisória.

Quadro jurídico

Convenção de Genebra

3

A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 137, n.o 2545 (1954)], entrou em vigor em 22 de abril de 1954. Foi completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»).

4

O artigo 23.o desta convenção, com a epígrafe «Assistência pública», prevê:

«Os Estados Contratantes concederão aos refugiados que residam regularmente nos seus territórios o mesmo tratamento que aos seus nacionais em matéria de assistência e auxílio público.»

Direito da União

5

Nos termos do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2011/95, entende‑se por «proteção internacional»«o estatuto de refugiado e o estatuto de proteção subsidiária».

6

O artigo 24.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva dispõe:

«Logo que possível após a concessão da proteção internacional, os Estados‑Membros devem emitir aos beneficiários do estatuto de refugiado uma autorização de residência válida pelo menos durante três anos e renovável, a menos que motivos imperiosos de segurança nacional ou ordem pública exijam o contrário, e sem prejuízo do artigo 21.o, n.o 3.»

7

O artigo 29.o da referida diretiva, com a epígrafe «Segurança social», tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que os beneficiários de proteção internacional recebam, no Estado‑Membro que lhes concedeu essa proteção, a assistência social necessária, à semelhança dos nacionais desse Estado‑Membro.

2.   Em derrogação da regra geral estabelecida no n.o 1, os Estados‑Membros podem limitar a assistência social a conceder aos beneficiários do estatuto de proteção subsidiária às prestações sociais de base, que nesse caso serão prestadas ao mesmo nível e segundo os mesmos critérios de elegibilidade dos respetivos nacionais.»

Direito austríaco

8

O § 3, n.o 4, da Asylgesetz 2005 (Lei de 2005, relativa ao direito de asilo) tem a seguinte redação:

«Um nacional estrangeiro a quem for concedido o estatuto de beneficiário do direito de asilo obtém um direito de residência temporária na qualidade de beneficiário do direito de asilo. O direito de residência é válido por três anos e é prorrogado por tempo indeterminado, se os requisitos para a apresentação de um procedimento de retirada do estatuto de beneficiário do direito de asilo não estiverem preenchidos ou se o procedimento de retirada for encerrado. […]»

9

O § 4 da Gesetz über die bedarfsorientierte Mindestsicherung in Oberösterreich (Lei relativa ao rendimento mínimo garantido da Alta Áustria) prevê:

«(1)   Um rendimento mínimo garantido só pode ser atribuído, desde que a presente lei regional não disponha diferentemente, às pessoas que:

1.

têm a sua residência habitual na Alta Áustria […] e

2.

[…]

b)

os beneficiários do direito de asilo ou os beneficiários de proteção subsidiária,

[…]

(3)   Em derrogação ao disposto no n.o 1, as pessoas […] referid[a]s no n.o 1, ponto 2, alínea b), que não beneficiam de um direito de residência permanente na Áustria […], designadamente os beneficiários do direito de asilo titulares de um direito de residência temporária […] e as pessoas que beneficiam de proteção subsidiária, recebem, para cobrir as suas necessidades de subsistência e de habitação, uma prestação de base e uma majoração provisória ao abrigo do § 13.»

10

Os montantes respetivos das prestações concedidas às pessoas abrangidas pelo § 4, n.o 3, desta lei e às pessoas não abrangidas por esta disposição são fixados por disposições distintas.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

Em 30 de setembro de 2016, foi concedido a A. S. Ayubi o estatuto de refugiado pelo Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl (Instituto Federal para o Direito dos Estrangeiros e o Asilo, Áustria). Este instituto atribuiu‑lhe, ao abrigo do asilo, uma autorização de residência com uma duração de três anos.

12

Em 9 de março de 2017, A. S. Ayubi apresentou um pedido de auxílio com vista a suprir as suas necessidades e as da sua família em matéria de subsistência e de habitação.

13

Por decisão notificada em 10 de abril de 2017, a Autoridade administrativa do distrito de Linz‑Land atribuiu‑lhe um auxílio, sob a forma de prestações mensais em dinheiro, constituído por uma prestação de base e uma majoração provisória. O órgão jurisdicional de reenvio expõe que resulta desta decisão que A. S. Ayubi, na sua qualidade de beneficiário de uma autorização de residência temporária ao abrigo do asilo, só podia beneficiar, em aplicação da regulamentação austríaca, do pagamento de prestações mínimas com vista a assegurar a cobertura das suas necessidades.

14

Em 3 de junho de 2017, A. S. Ayubi recorreu desta decisão, alegando nomeadamente que o tratamento desfavorável reservado, por esta regulamentação, aos refugiados que não beneficiam de um direito de residência permanente era incompatível com o direito da União.

15

O órgão jurisdicional de reenvio constata que, na sequência de uma reforma da regulamentação nacional pertinente, ocorrida em 2015, esta categoria de refugiados é equiparada, em matéria de assistência social, aos beneficiários do estatuto conferido pela proteção subsidiária e que estes recebem, por este motivo, auxílios de um montante consideravelmente inferior ao dos auxílios previstos para os nacionais austríacos. Só os refugiados que beneficiam de um direito de residência permanente são equiparados aos nacionais austríacos.

16

Esse órgão jurisdicional considera que esta regulamentação leva a adiar a concessão aos refugiados que beneficiam de um direito de residência temporária dos direitos previstos, de maneira precisa e incondicional, pelo artigo 29.o da Diretiva 2011/95, quando estes refugiados se encontram numa situação comparável à dos refugiados que beneficiam de um direito de residência permanente.

17

Nestas condições, o Landesverwaltungsgericht Oberösterreich (Tribunal Administrativo Regional da Alta Áustria, Áustria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 29.o da Diretiva [2011/95], que prevê a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem que os beneficiários de proteção internacional recebam, no Estado‑Membro que lhes concedeu essa proteção, a assistência social necessária, à semelhança dos nacionais desse Estado‑Membro, ser interpretado no sentido de que preenche os critérios da aplicabilidade direta desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça […] na sua jurisprudência?

2)

Deve o artigo 29.o da Diretiva [2011/95] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que prevê a concessão de assistência social sob a forma de rendimento mínimo garantido, na totalidade e, portanto, em medida idêntica à dos nacionais do Estado‑Membro apenas aos beneficiários do estatuto de asilo titulares de autorizações de residência permanentes, prevendo, contudo, a redução das prestações sociais de rendimento mínimo garantido para os beneficiários do estatuto de asilo titulares de autorizações de residência temporárias, equiparando‑os, por conseguinte, no que se refere ao montante da assistência social, aos beneficiários do estatuto da proteção subsidiária?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à segunda questão

18

Com a sua segunda questão, que há que analisar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 29.o da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que sejam concedidas aos refugiados que beneficiam de um direito de residência temporária num Estado‑Membro prestações de assistência social de um montante inferior ao das prestações atribuídas aos nacionais desse Estado‑Membro e aos refugiados que beneficiam de um direito de residência permanente no referido Estado‑Membro.

19

O artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95 estabelece uma regra geral segundo a qual os beneficiários de proteção internacional, entre os quais figuram, em conformidade com o artigo 2.o, alínea a), desta diretiva, os refugiados, recebem, no Estado‑Membro que concedeu essa proteção, a mesma assistência social que a prevista para os nacionais desse Estado‑Membro (Acórdão de 1 de março de 2016, Alo e Osso, C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.o 48).

20

Embora o artigo 29.o, n.o 2, da referida diretiva permita aos Estados‑Membros derrogar esta regra geral, limitando a assistência social concedida aos beneficiários do estatuto conferido pela proteção subsidiária às prestações de base, resulta da própria redação desta disposição que esta derrogação só é aplicável aos beneficiários desta proteção e não aos refugiados.

21

A este respeito, importa salientar que a circunstância de o artigo 29.o, n.o 1, da mesma diretiva prever a concessão, aos beneficiários de proteção internacional, da assistência social «necessária» não implica que o legislador da União tenha pretendido autorizar os Estados‑Membros a conceder aos refugiados prestações sociais de um montante que estes considerem suficiente para dar resposta às suas necessidades, mas que seja inferior ao das prestações sociais atribuídas aos seus nacionais.

22

Com efeito, por um lado, resulta da própria estrutura do artigo 29.o da Diretiva 2011/95 que a menção do termo «necessária» no n.o 1 deste artigo deve ser entendida como visando simplesmente sublinhar a oposição entre as prestações abrangidas pelo princípio aí enunciado, de um lado, e as prestações «de base» a que a assistência social pode ser limitada ao abrigo do n.o 2 do referido artigo, de outro.

23

Esta conclusão é corroborada pelo facto de que este último número seria privado de qualquer efeito útil se o artigo 29.o, n.o 1, desta diretiva devesse ser interpretado no sentido de permitir, de uma maneira geral, aos Estados‑Membros fixar, com vista a limitá‑las ao estritamente necessário, as prestações atribuídas aos beneficiários de proteção internacional a um nível inferior ao das prestações asseguradas aos nacionais desses Estados‑Membros.

24

Por outro lado, conferir aos Estados‑Membros tal faculdade quanto às prestações concedidas aos refugiados seria incompatível com o princípio do tratamento nacional em matéria de assistência e de auxílio público destes últimos, enunciado no artigo 23.o da Convenção de Genebra, à luz do qual o artigo 29.o da Diretiva 2011/95 devia ser interpretado (v., neste sentido, Acórdão de 1 de março de 2016, Alo e Osso, C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.o 51).

25

Daqui decorre que o nível das prestações sociais atribuídas aos refugiados pelo Estado‑Membro que lhes concedeu esse estatuto, quer seja por tempo determinado ou indeterminado, deve ser o mesmo que o oferecido aos nacionais desse Estado‑Membro (v., por analogia, Acórdão de 1 de março de 2016, Alo e Osso, C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.os 48 e 50).

26

O princípio do tratamento nacional de que beneficiam, assim, os refugiados não pode ser posto em causa pelo artigo 24.o da Diretiva 2011/95, que permite aos Estados‑Membros emitir a favor dos refugiados um título de residência limitado, sendo caso disso, a três anos.

27

Com efeito, uma vez que os direitos conferidos pelo capítulo VII desta diretiva, no qual figura o seu artigo 29.o, são a consequência da concessão do estatuto de refugiado e não da emissão de um título de residência, estes só podem ser limitados no respeito das condições fixadas por esse capítulo, pelo que os Estados‑Membros não têm o direito de acrescentar restrições que não figuram aí (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2015, H. T., C‑373/13, EU:C:2015:413, n.o 97).

28

Além disso, tanto o artigo 29.o da Diretiva 2011/95 como o artigo 23.o da Convenção de Genebra visam todos os refugiados, e não fazem depender os direitos que lhes são reconhecidos da duração da sua presença no Estado‑Membro em causa ou da duração do título de residência de que estes dispõem.

29

Decorre do exposto que deve ser assegurado aos refugiados que beneficiam de um título de residência com uma duração limitada a três anos o mesmo nível de prestações sociais que é oferecido aos nacionais do Estado‑Membro que lhes concedeu o estatuto de refugiado.

30

Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento de que uma regulamentação como a que está em causa no processo principal é compatível com o artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, na medida em que os refugiados que residem há vários anos num Estado‑Membro estão colocados numa situação objetivamente diferente da dos refugiados recentemente entrados no território desse Estado‑Membro, que precisam de um apoio concreto mais significativo.

31

Em primeiro lugar, dado que esta disposição impõe uma igualdade de tratamento entre os refugiados e os nacionais do Estado‑Membro que lhes atribuiu proteção, só as diferenças objetivas de situações entre estas duas categorias de pessoas podem eventualmente ser pertinentes para efeitos da sua aplicação, com exclusão das diferenças de situação entre dois grupos distintos de refugiados (v., neste sentido, Acórdão de 1 de março de 2016, Alo e Osso, C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.os 54 e 59).

32

Em segundo lugar, admitindo que a particularidade da situação dos refugiados recentemente entrados no território de um Estado‑Membro possa permitir concluir que estes estão, de uma maneira geral, numa situação objetivamente mais precária do que os nacionais desse Estado‑Membro, não se pode considerar que uma medida que consiste em tratar desfavoravelmente estes refugiados, limitando o nível das prestações que lhes são concedidas, tenha em consideração essa diferença de situação, na medida em que uma medida deste tipo não é adequada para remediar essa precariedade.

33

Em terceiro lugar, na medida em que este argumento deva ser entendido no sentido de que, devido às dificuldades de acesso dos refugiados recentemente entrados na Áustria ao mercado livre da habitação, seria mais adequado disponibilizar a estes refugiados, num prazo muito breve, lugares em centros de acolhimento, em vez de conceder‑lhes um auxílio financeiro, basta salientar que, em todo o caso, não resulta da descrição da regulamentação nacional aplicável que figura na decisão de reenvio nem dos elementos trazidos pelo Governo austríaco que a redução do montante das prestações de assistência social asseguradas aos referidos refugiados em causa no processo principal seja efetivamente compensada pela concessão aos mesmos de outras formas de prestações sociais.

34

Por outro lado, embora o Governo austríaco evoque igualmente o considerável encargo resultante do pagamento de prestações sociais aos refugiados, importa recordar que a concessão de prestações sociais a determinada pessoa implica um encargo para a entidade chamada a fornecer tais prestações, independentemente de essa pessoa ser um refugiado ou um nacional do Estado‑Membro em questão. Não se pode, pois, constatar uma diferença de situação entre estas duas categorias de pessoas a este respeito (v., neste sentido, Acórdão de 1 de março de 2016, Alo e Osso, C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.o 55).

35

Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 29.o da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que sejam concedidas aos refugiados que beneficiam de um direito de residência temporária num Estado‑Membro prestações de assistência social de um montante inferior ao das prestações atribuídas aos nacionais desse Estado‑Membro e aos refugiados que beneficiam de um direito de residência permanente no referido Estado‑Membro.

Quanto à primeira questão

36

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se um refugiado pode invocar, nos órgãos jurisdicionais nacionais, a incompatibilidade de uma regulamentação como a que está em causa no processo principal com o artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, a fim de que a restrição dos seus direitos que esta regulamentação comporta seja afastada.

37

Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, sempre que as disposições de uma diretiva sejam, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, os particulares podem invocá‑las nos órgãos jurisdicionais nacionais contra o Estado, quando este não tenha transposto a diretiva para o direito nacional dentro do prazo ou quando a transposição tenha sido incorreta (Acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 33 e jurisprudência referida).

38

Embora seja verdade que o artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95 confere aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação, designadamente quanto à determinação do nível de assistência social que estes consideram necessário, não é menos certo que esta disposição impõe a cada Estado‑Membro, em termos inequívocos, uma obrigação de resultado precisa e incondicional, que consiste em assegurar a todos os refugiados aos quais concede proteção o benefício da mesma assistência social prevista para os seus nacionais.

39

Há, de resto, que recordar que o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar que disposições comparáveis ao artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, que impõem o benefício do tratamento nacional ou proíbem determinadas discriminações, têm efeito direto (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de maio de 1999, Sürül, C‑262/96, EU:C:1999:228, n.os 63 e 74; de 22 de dezembro de 2010, Gavieiro Gavieiro e Iglesias Torres, C‑444/09 e C‑456/09, EU:C:2010:819, n.o 78; e de 6 de março de 2014, Napoli, C‑595/12, EU:C:2014:128, n.os 48 e 50).

40

Neste contexto, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, não sendo possível efetuar uma interpretação e uma aplicação da regulamentação nacional conformes com as exigências do direito da União, os órgãos jurisdicionais nacionais e os órgãos da Administração têm a obrigação de aplicar integralmente o direito da União e de proteger os direitos que este confere aos particulares, deixando de aplicar, se necessário, qualquer disposição contrária de direito interno (Acórdão de 7 de setembro de 2017, H., C‑174/16, EU:C:2017:637, n.o 70 e jurisprudência referida).

41

Resulta do exposto que há que responder à primeira questão que um refugiado pode invocar, nos órgãos jurisdicionais nacionais, a incompatibilidade de uma regulamentação como a que está em causa no processo principal com o artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, a fim de que a restrição dos seus direitos que esta regulamentação comporta seja afastada.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 29.o da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que sejam concedidas aos refugiados que beneficiam de um direito de residência temporária num Estado‑Membro prestações de assistência social de um montante inferior ao das prestações atribuídas aos nacionais desse Estado‑Membro e aos refugiados que beneficiam de um direito de residência permanente no referido Estado‑Membro.

 

2)

Um refugiado pode invocar, nos órgãos jurisdicionais nacionais, a incompatibilidade de uma regulamentação como a que está em causa no processo principal com o artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, a fim de que a restrição dos seus direitos que esta regulamentação comporta seja afastada.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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