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Document 62016CJ0542

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 31 de maio de 2018.
Länsförsäkringar Sak Försäkringsaktiebolag contra Dödsboet efter Ingvar Mattsson e Jan-Erik Strobel e o. contra Länsförsäkringar Sak Försäkringsaktiebolag.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Högsta domstolen.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2002/92/CE — Âmbito de aplicação — Conceito de “mediação de seguros” — Diretiva 2004/39/CE — Âmbito de aplicação — Conceito de “consultoria para investimento” — Consultoria prestada durante uma mediação de seguros para o investimento de capital no âmbito de um seguro de vida de capital — Qualificação da atividade de um mediador de seguros quando este não tenha tido a intenção de celebrar efetivamente um contrato de seguro.
Processo C-542/16.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:369

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

31 de maio de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2002/92/CE — Âmbito de aplicação — Conceito de “mediação de seguros” — Diretiva 2004/39/CE — Âmbito de aplicação — Conceito de “consultoria para investimento” — Consultoria prestada durante uma mediação de seguros para o investimento de capital no âmbito de um seguro de vida de capital — Qualificação da atividade de um mediador de seguros quando este não tenha tido a intenção de celebrar efetivamente um contrato de seguro»

No processo C‑542/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Högsta domstolen (Supremo Tribunal, Suécia), por decisão de 18 de outubro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de outubro de 2016, no processo

Länsförsäkringar Sak Försäkringsaktiebolag

contra

Dödsboet efter Ingvar Mattsson,

e

Jan‑Erik Strobel e o.,

Lisa Bergström e o.,

Ann‑Christin Jönsson e o.,

Daniel Röme e o.,

contra

Länsförsäkringar Sak Försäkringsaktiebolag,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda (relator), E. Juhász, K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de setembro de 2017,

considerando as observações apresentadas:

em representação da Länsförsäkringar Sak Försäkringsaktiebolag, por P. Sjödin e K. Blomkvist, advokater, e por A. Martin, C. Waering e P. Öhrn, juristas,

em representação de J.‑E. Strobel e o., por J. Larsson, advokat,

em representação de L. Bergstöm e o., por L. Bengtsson, A. Elison e C. Kronström, advokater,

em representação de A.‑Ch. Jönsson e o., por H. Asklund, advokat,

em representação de D. Röme e o., por T. Eliasson, advokat,

em representação do Governo sueco, por H. Shev, C. Meyer‑Seitz, A. Falk, L. Swedenborg e F. Bergius, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, O. Serdula e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por K.‑Ph. Mölls e K. Simonsson, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de novembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Diretiva 2002/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de dezembro de 2002, relativa à mediação de seguros (JO 2003, L 9, p. 3).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que agrupa dois processos que opõem, por um lado, a Länsförsäkringar Sak Försäkringsaktiebolag (a seguir «Länsförsäkringar») à Dödsboet efter Ingvar Mattsson (herança de Ingvar Mattsson) e, por outro, Jan‑Erik Strobel e o., Lisa Bergstöm e o., Ann‑Christin Jönsson e o. e Daniel Röme e o. (a seguir, conjuntamente, «Strobel e o.») à Länsförsäkringar, a respeito da perda de quantias investidas em produtos no âmbito de seguros de vida de capital subscritos junto de sociedades de mediação de seguros que, por sua vez, tinham subscrito um seguro de responsabilidade civil junto da Länsförsäkringar.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2002/92

3

Os considerandos 8, 9 e 17 da Diretiva 2002/92 enunciam:

«(8)

A coordenação das disposições nacionais relativas aos requisitos profissionais e ao registo de pessoas que iniciam a atividade de mediação de seguros ou exercem essa atividade pode assim contribuir para a realização do mercado único dos serviços financeiros e para o reforço da proteção dos consumidores neste domínio.

(9)

Vários tipos de pessoas e de instituições, tais como agentes, corretores e operadores de banca‑seguros, podem distribuir produtos de seguros. A igualdade de tratamento dos operadores e a proteção dos consumidores requerem que todas estas pessoas e instituições sejam abrangidas pela presente diretiva.

[…]

(17)

A cooperação e a troca de informações entre autoridades competentes constitui um fator essencial para a proteção dos consumidores e para assegurar a solidez das atividades de seguros e de resseguros no mercado único.»

4

O artigo 1.o desta diretiva, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 1:

«A presente diretiva estabelece normas relativas ao acesso à atividade de mediação de seguros ou de resseguros e ao seu exercício por pessoas singulares ou coletivas estabelecidas num Estado‑Membro ou que nele pretendam estabelecer‑se.»

5

O artigo 2.o da referida diretiva, com a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

3.

“Mediação de seguros”, as atividades que consistem em apresentar, propor ou praticar outro ato preparatório da celebração de um contrato de seguro, ou em celebrar esses contratos, de apoiar a gestão e execução desses contratos, em especial em caso de sinistro.

[…]

[…]

5.

“Mediador de seguros”, qualquer pessoa singular ou coletiva que inicie ou exerça, mediante remuneração, a atividade de mediação de seguros;

[…]»

6

Nos termos do artigo 4.o, n.os 3 e 4, da mesma diretiva:

«3.   Os mediadores de seguros ou de resseguros devem estar cobertos por um seguro de responsabilidade civil profissional, que abranja todo o território da Comunidade, ou por qualquer outra garantia equivalente que cubra as responsabilidades resultantes de negligência profissional, pelo menos até ao montante de 1000000 de euros por sinistro e, globalmente, de 1500000 euros para todos os sinistros que ocorram durante um ano, salvo se esse seguro ou uma garantia equivalente lhes forem já fornecidos por uma empresa de seguros, empresa de resseguros ou outra empresa por conta da qual atuem ou pela qual estejam mandatados ou se essa empresa tiver assumido plena responsabilidade pelos atos dos mediadores.

4.   Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para proteger os clientes face à incapacidade de um mediador de seguros para transferir o prémio da empresa de seguros ou para transferir o montante da indemnização ou do estorno do prémio para o segurado.

[…]»

7

O artigo 12.o da Diretiva 2002/92, com a epígrafe «Informações a prestar pelo mediador de seguros», prevê, nos seus n.os 2 e 3:

«2.   Quando o mediador de seguros informar o cliente que baseia os seus conselhos numa análise imparcial, é obrigado a dar esses conselhos com base na análise de um número suficiente de contratos de seguro disponíveis no mercado que lhe permita fazer uma recomendação, de acordo com critérios profissionais, quanto ao contrato de seguro mais adequado às necessidades do cliente.

3.   Antes da celebração de qualquer contrato de seguro, o mediador de seguros deve, tendo em conta especialmente as informações fornecidas pelo cliente, especificar pelo menos as exigências e as necessidades do cliente e as razões que nortearam os conselhos dados quanto a um determinado produto. Essas informações são ajustadas de acordo com a complexidade do contrato de seguro proposto.»

Diretiva 2004/39/CE

8

O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho (JO 2004, L 145, p. 1), dispõe:

«A presente diretiva aplica‑se às empresas de investimento e aos mercados regulamentados.»

9

O artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«A presente diretiva não se aplica:

[…]

c)

Às pessoas que prestam um serviço de investimento, se essa atividade for exercida de forma esporádica no âmbito de uma atividade profissional e se esta última for regulada por disposições legais ou regulamentares ou por um código deontológico da profissão que não excluam a prestação desse serviço;

[…]

j)

Às pessoas que prestam consultoria para investimento no contexto do exercício de outra atividade profissional não abrangida pela presente diretiva, desde que a prestação desse aconselhamento não seja especificamente remunerada;

[…]»

10

No artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva figuram as seguintes definições:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)

“Empresa de investimento”: qualquer pessoa coletiva cuja ocupação ou atividade habitual consista na prestação de um ou mais serviços de investimento a terceiros e/ou na execução de uma ou mais atividades de investimento a título profissional.

[…]

2)

“Serviços e atividades de investimento”: qualquer dos serviços e atividades enumerados na secção A do anexo I e que incida sobre qualquer dos instrumentos enumerados na secção C do anexo I.

[…]

[…]

4)

“Consultoria para investimento”: a prestação de um aconselhamento personalizado a um cliente, quer a pedido deste quer por iniciativa da empresa de investimento, relativamente a uma ou mais transações respeitantes a instrumentos financeiros;

[…]

17)

“Instrumento financeiro”: qualquer dos instrumentos especificados na secção C do anexo I;»

[…]»

11

Entre os serviços e as atividades de investimento enumerados no anexo I, secção A, da mesma diretiva figura, no ponto 5 dessa secção, a consultoria para investimento.

12

O artigo 19.o da Diretiva 2004/39, com a epígrafe «Normas de conduta a seguir na prestação de serviços de investimento aos clientes», prevê no seu n.o 9:

«No caso de um serviço de investimento ser proposto no quadro de um produto financeiro que já esteja sujeito a outras disposições da legislação comunitária ou a normas europeias comuns relativas às instituições de crédito e aos créditos ao consumidor no que respeita à avaliação de risco dos clientes e/ou aos requisitos de informação, esse serviço não deve ser adicionalmente sujeito às obrigações estabelecidas no presente artigo.»

Diretiva 2014/65/UE

13

O considerando 87 da Diretiva 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, relativa aos mercados de instrumentos financeiros e que altera a Diretiva 2002/92/CE e a Diretiva 2011/61/UE (JO 2014, L 173, p. 349), enuncia:

«Os investimentos que envolvam contratos de seguro são frequentemente disponibilizados aos consumidores como potenciais alternativas ou substitutos dos instrumentos financeiros abrangidos pela presente diretiva. Para garantir uma proteção coerente dos clientes não profissionais e assegurar um nível equitativo de concorrência entre produtos similares, é importante que os produtos de investimento com base em seguros estejam submetidos a exigências apropriadas. Embora as exigências da presente diretiva em matéria de proteção dos investidores devessem consequentemente ser também aplicadas aos produtos de investimento vendidos sob a forma de contratos de seguros, as suas diferentes estruturas de mercado e características de produto, tornam mais apropriado que a fixação dos requisitos pormenorizados tenha lugar na revisão em curso da Diretiva 2002/92/CE e não na presente diretiva. A futura legislação da União que regula as atividades dos mediadores e empresas de seguros deverá assegurar de forma apropriada uma abordagem regulatória coerente em relação à distribuição de diferentes produtos financeiros que satisfaçam necessidades semelhantes dos investidores e que suscitam desafios comparáveis em matéria de proteção dos investidores. […] Esses novos requisitos aplicáveis a produtos de investimento com base em seguros deverão ser estabelecidos na Diretiva 2002/92/CE.»

14

O artigo 91.o da Diretiva 2014/65 contém alterações à Diretiva 2002/92. O artigo 2.o, ponto 3, segundo parágrafo, desta última diretiva passa a ter a seguinte redação:

«Com exceção do capítulo III, secção A, da presente diretiva, estas atividades, quando exercidas por uma empresa de seguros ou por um empregado de uma empresa de seguros que atue sob a responsabilidade dessa empresa, não são consideradas como mediação ou distribuição de seguros.»

15

Ao referido artigo 2.o é aditado um ponto 13 que define o conceito de «produto de investimento com base em seguros» como «um produto de seguros que oferece um valor de reembolso ou resgate e em que esse valor de reembolso ou resgate está total ou parcialmente exposto, direta ou indiretamente, às flutuações do mercado», salvo determinadas exceções.

16

É inserido na Diretiva 2002/92 um capítulo III‑A, intitulado «Requisitos adicionais de proteção dos clientes no que se refere aos produtos de investimento com base em seguros». Nos termos do artigo 13.o‑A deste capítulo, com a epígrafe «Âmbito de aplicação»:

«Sujeito à exceção prevista no artigo 2.o, n.o 3, segundo parágrafo, o presente capítulo estabelece requisitos adicionais às atividades de mediação de seguros e às vendas diretas efetuadas por empresas de seguros no que se refere à venda de produtos de investimento com base em seguros. Essas atividades devem ser referidas como atividades de distribuição de seguros.»

Direito sueco

17

Nos termos do capítulo 1, artigo 1.o, segundo parágrafo, da lagen (2005:405) om försäkringsförmedling [Lei (2005:405) relativa à mediação de seguros, a seguir «Lei relativa à mediação de seguros»]:

«Entende‑se por mediação de seguros qualquer atividade exercida a título profissional que consista em

1)

apresentar, propor ou praticar outro ato preparatório da celebração de um contrato de seguro,

2)

celebrar esses contratos em nome de terceiros ou

3)

apoiar a gestão e execução desses contratos.»

18

Por força do disposto no capítulo 2, artigo 1.o, desta lei, com ressalva de certas exceções, a atividade de mediação de seguros só pode ser exercida com autorização prévia da Autoridade de Supervisão Financeira. Tal autorização está sujeita a determinados requisitos. Resulta do artigo 5.o, n.o 4, e do artigo 6.o, n.o 2, deste capítulo que um desses requisitos é que exista um seguro que cubra a responsabilidade do mediador de seguros que cause um dano por incumprimento das suas obrigações.

19

O capítulo 5, artigo 4.o, da Lei relativa à mediação de seguros prevê que o mediador de seguros deve adaptar os conselhos dados aos desejos e às necessidades do cliente, e recomendar soluções adequadas para este último. Ao mediador compete também dissuadir os seus clientes que sejam pessoas singulares e se dirijam a ele para fins predominantemente não comerciais de subscreverem produtos que não possam ser considerados adequados às suas necessidades, à sua situação económica ou a outras circunstâncias.

20

Em conformidade com o capítulo 5, artigo 7.o, desta lei, um mediador de seguros que, intencionalmente ou por negligência, não cumpra as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o está obrigado a reparar os prejuízos de natureza estritamente patrimonial que o cliente, designadamente, tenha sofrido devido a esse incumprimento.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

Processo Strobel e o./Länsförsäkringar

21

A Connecta Fundo och försäkring AB (a seguir «Connecta»), uma sociedade de mediação de seguros registada, exerceu principalmente as suas atividades durante os anos de 2004 a 2010, tendo obtido a autorização da Autoridade de Supervisão Financeira. Tinha subscrito junto da Länsförsäkringar um seguro de responsabilidade civil profissional conforme exigido pela Lei relativa à mediação de seguros.

22

Ao longo dos anos, várias pessoas confiaram montantes à Connecta para serem investidos em «Produtos obrigacionistas da Connecta» que deviam ser associados a um seguro de vida de capital. Em contrapartida, receberam da Connecta determinados documentos. Todavia, verificou‑se posteriormente que o diretor‑geral da Connecta se tinha apropriado dos montantes em questão. Este foi denunciado à polícia e a autorização concedida à Connecta foi retirada. O diretor‑geral faleceu em novembro de 2010. A sua herança e a Connecta foram declaradas insolventes em dezembro de 2010. Durante os anos de 2004 a 2010, a Connecta tinha também exercido uma verdadeira atividade de mediação de seguros.

23

Strobel e o., que perderam assim quantias em dinheiro, intentaram uma ação de indemnização contra a Länsförsäkringar a título do seguro de responsabilidade civil subscrito pela Connecta, com o fundamento de que esta última tinha uma obrigação de indemnização na aceção do capítulo 5, artigo 7.o, da Lei relativa à mediação de seguros. Alegaram que tinham dado instruções a esta para investir o seu dinheiro em seguros de vida de capital e que, portanto, estava em causa uma mediação de seguros.

24

A Länsförsäkringar respondeu, nomeadamente, que os prejuízos sofridos não eram decorrentes da atividade segurada, uma vez que os produtos em questão eram fictícios. Em seu entender, os atos do diretor‑geral da Connecta não se enquadravam numa atividade de mediação de seguros.

25

Strobel e o. obtiveram ganho de causa no órgão jurisdicional de primeira instância. Este considerou que os demandantes tinham tido a intenção de contratar um seguro de vida de capital e que tinham tido razões para pensar que se tratava de uma mediação com vista à celebração de verdadeiros contratos de seguro. O órgão jurisdicional de primeira instância sublinhou que, tendo em conta a proteção dos consumidores, a perceção justificada de Strobel e o. sobre as intenções do diretor‑geral da Connecta advoga a favor da conclusão de que houve uma mediação de seguros. Esse órgão jurisdicional considerou ainda que, uma vez que tal mediação inclui os atos preparatórios e que a Connecta tinha também exercido uma verdadeira atividade de mediação de seguros, os factos, tal como tinham ocorrido, se enquadravam objetivamente no conceito de «mediação de seguros».

26

Em sede de recurso interposto contra essa decisão, o órgão jurisdicional de recurso declarou que o princípio de proteção dos consumidores não exige que seja dada importância à opinião subjetiva do consumidor sobre o que constitui a mediação de seguros e que, no caso em apreço, não podia objetivamente estar em causa uma mediação de seguros.

27

O Högsta domstolen (Supremo Tribunal, Suécia) salienta que, nos termos do artigo 2.o, ponto 3, da Diretiva 2002/92, o conceito de «mediação de seguros» inclui mesmo os atos preparatórios e, por conseguinte, para que esta diretiva seja aplicável, não se exige que tenha efetivamente sido celebrado um contrato de seguro. Esse tribunal interroga‑se, no entanto, sobre a pertinência, a este respeito, da intenção do mediador de seguros relativamente à celebração de tal contrato, bem como da perceção do consumidor.

Processo Länsförsäkringar/Dödsboet efter Ingvar Mattsson

28

Em janeiro de 2010, na sequência de um aconselhamento prestado por um empregado da European Wealth Management Group AB (a seguir «EWMG»), uma sociedade de mediação de seguros, Ingvar Mattsson investiu, no âmbito de um seguro de vida de capital, 500000 coroas suecas (SEK) (cerca de 50000 euros) num certificado de investimento, que é um instrumento financeiro estruturado. Subsequentemente, este investimento perdeu todo o seu valor.

29

A EWMG tinha subscrito junto da Länsförsäkringar um seguro de responsabilidade civil, conforme previsto pela Lei relativa à mediação de seguros. Segundo as condições deste seguro, o mesmo tem por objeto uma atividade como a prevista na referida lei e consiste numa obrigação de indemnização, na aceção do capítulo 5, artigo 7.o, desta lei.

30

Como a EWMG foi declarada em falência, I. Mattsson intentou uma ação contra a Länsförsäkringar. Alegou, por um lado, que a EWMG tinha intencionalmente ou por negligência incumprido as obrigações que lhe incumbiam por força do capítulo 5, artigo 4.o, da Lei relativa à mediação de seguros e estava, portanto, obrigada a pagar‑lhe uma indemnização. Por outro lado, este comportamento constituía um acontecimento seguro ao abrigo do seguro de responsabilidade civil que a EWMG tinha subscrito.

31

A Länsförsäkringar admitiu que a mediação do seguro de vida de capital se enquadrava, em si mesma, no âmbito de aplicação da Lei relativa à mediação de seguros. No entanto, alegou, nomeadamente, que a consultoria prestada pela EWMG não dizia respeito a este seguro de vida de capital, mas ao investimento no instrumento financeiro que estava associado ao mesmo. Por conseguinte, não estava coberta pelo referido seguro de responsabilidade civil.

32

Uma vez que I. Mattsson obteve ganho de causa no órgão jurisdicional de primeira instância e no órgão jurisdicional de recurso, a Länsförsäkringar interpôs recurso para o Högsta domstolen (Supremo Tribunal), embora reconhecendo que a EWMG tinha agido com negligência. Este último tribunal interroga‑se sobre se a consultoria prestada no âmbito de um seguro de vida de capital, que diz respeito não, em si mesmo, à assinatura do contrato de seguro, mas ao investimento de capital, está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2002/92, de que a Lei relativa à mediação de seguros constitui a transposição para o direito sueco, ou da Diretiva 2004/39, ou ainda de ambas estas diretivas.

33

Nestas condições, o Högsta domstolen (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

É a Diretiva 2002/92 aplicável a uma atividade de um mediador de seguros quando este não tenha tido a intenção de celebrar efetivamente um contrato de seguro? Para ser relevante, deve essa falta de intenção situar‑se antes ou somente depois do início da atividade em causa?

b)

Na situação contemplada na questão 1a), é relevante a questão de saber se o mediador de seguros exerceu, em paralelo com a atividade fictícia, uma verdadeira atividade de mediação de seguros?

c)

Ainda na situação contemplada na questão 1a), é relevante que o cliente tenha entendido, prima facie, a atividade em causa como um ato preparatório da celebração de um contrato de seguro? Reveste a perceção do cliente, quer seja fundada ou não, alguma relevância para a questão de saber se a atividade em causa era uma mediação de seguros?

2)

a)

É a Diretiva 2002/92 aplicável ao aconselhamento, financeiro ou outro, prestado no âmbito de uma mediação de seguros mas que não se destina, em si mesmo, à celebração ou ao prolongamento de um contrato de seguro? A este respeito, qual o regime aplicável, em particular, à consultoria para investimento no âmbito de um seguro de vida de capital?

b)

Quando, por definição, constitui consultoria para investimento nos termos da Diretiva 2004/39, está o aconselhamento visado na questão 2a) abrangido pelas disposições desta diretiva e pelas disposições da Diretiva 2002/92, ou apenas pelas primeiras? Caso tal aconselhamento esteja igualmente abrangido pela Diretiva 2004/39, deve um dos regimes prevalecer sobre o outro?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

34

Com a sua primeira questão, de que importa examinar todas as partes conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, ponto 3, da Diretiva 2002/92 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «mediação de seguros» abrange a prática de atos preparatórios da celebração de um contrato de seguro, mesmo na falta de intenção do mediador de seguros em causa de proceder à celebração de um verdadeiro contrato de seguro.

35

Como resulta do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/92, o seu âmbito de aplicação abrange, nomeadamente, o exercício da atividade de mediação de seguros, relativamente ao qual esta diretiva estabelece normas.

36

Para este efeito, o conceito de «mediação de seguros» é definido no artigo 2.o, ponto 3, primeiro parágrafo, da referida diretiva como sendo «as atividades que consistem em apresentar, propor ou praticar outro ato preparatório da celebração de um contrato de seguro, ou em celebrar esses contratos, de apoiar a gestão e execução desses contratos, em especial em caso de sinistro».

37

Resulta do facto de as atividades enumeradas nesta disposição serem apresentadas como alternativas que cada uma constitui, por si só, uma atividade de mediação de seguros. Como acordaram o órgão jurisdicional de reenvio e todos os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que se pronunciaram sobre esta questão nas suas observações escritas, a prática de atos preparatórios da celebração de contratos de seguro está abrangida pelo conceito de «mediação de seguros», quer resulte ou não na celebração desses contratos.

38

No entanto, a Länsförsäkringar é de opinião que tais atos preparatórios só constituem uma mediação de seguros na aceção do artigo 2.o, ponto 3, da Diretiva 2002/92 se, ao praticá‑los, o mediador de seguros tiver a intenção de proceder à celebração de verdadeiros contratos de seguro. Por conseguinte, entende que, no processo Strobel e o./Länsförsäkringar, não houve mediação de seguros, uma vez que o diretor‑geral da Connecta se apropriou dos montantes pagos por Strobel e o. nesse processo, apesar de esses montantes se destinarem à celebração desses contratos.

39

Para determinar se o exercício da atividade de mediação de seguros que consiste na prática de atos preparatórios da celebração de contratos de seguro, na aceção da referida disposição, está subordinado à existência de intenção do mediador de seguros de proceder à celebração desses contratos, importa recordar que, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., designadamente, Acórdão de 23 de janeiro de 2018, Piotrowski, C‑367/16, EU:C:2018:27, n.o 40 e jurisprudência aí referida).

40

Antes de mais, quanto à redação do artigo 2.o, ponto 3, da Diretiva 2002/92, resulta, em especial, dos termos «atividades», «apresentar», «propor», «praticar» e «apoiar» que o conceito de «mediação de seguros» é definido nesta disposição por referência apenas aos atos objetivamente realizados pelo mediador de seguros. Em contrapartida, nenhum termo desta disposição pode ser interpretado no sentido de que indica que, para serem qualificadas de mediação de seguros, as atividades nela referidas devem ser acompanhadas de uma intenção específica desse mediador.

41

Em seguida, no que respeita ao contexto da referida disposição, o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2002/92 obriga os Estados‑Membros a tomarem as medidas necessárias para proteger os clientes face à incapacidade de um mediador de seguros para transferir o prémio da empresa de seguros. Na falta de especificação em contrário, há que considerar que esta disposição visa a proteção dos clientes contra qualquer incapacidade do referido mediador para efetuar tal transferência, qualquer que seja a razão. Consequentemente, esta proteção deve cobrir a impossibilidade de transferir o referido prémio da empresa de seguros igualmente quando um empregado da sociedade mediadora de seguros se apropriou do mesmo no âmbito da prática de atos preparatórios da celebração de um contrato de seguro.

42

Por último, importa recordar que esta diretiva tem, designadamente, como objetivo, como resulta dos seus considerandos 8, 9 e 17, o reforço da proteção dos consumidores no domínio da mediação de seguros. Para esse efeito, como enunciado neste considerando 9, todas as pessoas e instituições que distribuem produtos de seguros devem ser abrangidas pela referida diretiva. Ora, em primeiro lugar, fazer depender a inclusão de uma atividade no âmbito de aplicação desta mesma diretiva da intenção subjetiva do mediador de seguros que a exerce seria contrário ao princípio da segurança jurídica, em detrimento dos clientes desse mediador. Em segundo lugar, como salientou a Comissão Europeia, tal situação jurídica teria como consequência que o mediador de seguros poderia invocar o seu próprio comportamento fraudulento para se subtrair à responsabilidade que lhe incumbe para com os seus clientes por força da Diretiva 2002/92.

43

Decorre do que precede que a prática de atos preparatórios da celebração de contratos de seguro é um conceito objetivo. Por conseguinte, constitui uma atividade de mediação de seguros, na aceção do artigo 2.o, ponto 3, desta diretiva, independentemente da intenção do mediador de seguros no que respeita à celebração ou não dos referidos contratos.

44

Daqui se conclui que quer o momento em que se situa a falta de intenção do mediador de celebrar contratos de seguro quer a perceção subjetiva dos clientes em causa relativa à atividade do referido mediador, que consiste na prática de atos preparatórios da celebração de contratos de seguro, não são pertinentes para efeitos da qualificação dessa atividade de mediação de seguros, na aceção da referida disposição.

45

Consequentemente, importa responder à primeira questão que o artigo 2.o, ponto 3, da Diretiva 2002/92 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «mediação de seguros» abrange a prática de atos preparatórios da celebração de um contrato de seguro, mesmo na falta de intenção do mediador de seguros em causa de proceder à celebração de um verdadeiro contrato de seguro.

Quanto à segunda questão

46

Com a sua segunda questão, cujas duas partes devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a consultoria financeira relativa a um investimento de capital prestada no âmbito de uma mediação de seguros relativa à celebração de um contrato de seguro de vida de capital está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2002/92 ou da Diretiva 2004/39 e se, na hipótese de estar abrangida pelo âmbito de aplicação destas duas diretivas, a aplicação de uma das referidas diretivas deve ter primazia sobre a da outra.

Quanto à aplicação da Diretiva 2002/92

47

Como resulta dos n.os 35 e 36 do presente acórdão, para ser abrangida pelo âmbito de aplicação material da Diretiva 2002/92, uma atividade deve corresponder a uma das referidas no artigo 2.o, ponto 3, desta diretiva, que define o conceito de «mediação de seguros».

48

Na medida em que todas as atividades enumeradas nessa disposição dizem respeito a um contrato de seguro, importa examinar, em primeiro lugar, se um contrato de seguro de vida de capital, como o que está em causa no processo principal, constitui um «contrato de seguro» na aceção da referida disposição.

49

A este respeito, cumpre recordar que a Diretiva 2002/92 não contém nenhuma definição do conceito de «contrato de seguro», nem remete expressamente para o direito dos Estados‑Membros a este respeito. Também, como decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade, o alcance da expressão «contrato de seguro» deve ser procurado tendo em conta o contexto em que se insere esta diretiva, e deve ter, em toda a União Europeia, uma interpretação autónoma e uniforme (v., por analogia, Acórdão de 1 de março de 2012, González Alonso, C‑166/11, EU:C:2012:119, n.o 25 e jurisprudência aí referida).

50

Ora, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade, em diferentes contextos, de declarar que as operações de seguro se caracterizam, como é geralmente admitido, pelo facto de o segurador, mediante o pagamento prévio de um prémio, se comprometer a fornecer ao segurado, em caso de realização do risco coberto, a prestação acordada no momento da celebração do contrato (Acórdãos de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C‑349/96, EU:C:1999:93, n.o 17, e de 26 de março de 2015, Litaksa, C‑556/13, EU:C:2015:202, n.o 28). Tais operações implicam, pela sua própria natureza, a existência de uma relação contratual entre o prestador do serviço de seguro e a pessoa cujos riscos são cobertos pelo seguro, a saber, o segurado (Acórdão de 17 de março de 2016, Aspiro, C‑40/15, EU:C:2016:172, n.o 23 e jurisprudência aí referida).

51

Daqui resulta que, para ser abrangido pelo conceito de «contrato de seguro», constante do artigo 2.o, ponto 3, da Diretiva 2002/92, um contrato de seguro de vida de capital como o que está em causa no processo principal deve estipular o pagamento de um prémio pelo segurado e, como contrapartida desse pagamento, o fornecimento de uma prestação por parte do segurador em caso de falecimento do segurado ou de ocorrência de qualquer outro evento previsto nesse contrato. No caso em apreço, afigura‑se, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que o contrato em causa no processo principal constitui um contrato de seguro na aceção da referida disposição, o que, além disso, não é contestado pela Länsförsäkringar.

52

Assim, coloca‑se a questão de saber, em segundo lugar, se uma consultoria financeira como a que está em causa no processo principal é suscetível de se enquadrar nas atividades enumeradas no artigo 2.o, ponto 3, da Diretiva 2002/92, quando é prestada no âmbito de uma mediação de seguros relativa à celebração de um contrato de seguro de vida de capital.

53

A este respeito, cumpre constatar que estas atividades estão formuladas em termos gerais. Em especial, consistem não só na apresentação e proposta mas também na prática de outros atos preparatórios da celebração de contratos de seguro, sem que a natureza dos atos preparatórios referidos seja limitada por qualquer forma.

54

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a consultoria financeira em causa no processo principal dizia respeito a um investimento de capital num certificado de investimento no âmbito de uma mediação de seguros. Além disso, resulta das observações escritas do Governo sueco que esse capital consistia em prémios de seguros pagos no produto em causa. Por conseguinte, há que considerar que o referido investimento constitui uma parte integrante do contrato de seguro e que, consequentemente, a consultoria relativa a esse mesmo investimento se enquadra nos atos preparatórios da celebração do referido contrato de seguro.

55

Esta interpretação é, além disso, conforme com o objetivo prosseguido pela Diretiva 2002/92 que, como recordado no n.o 42 do presente acórdão, visa o reforço da proteção dos consumidores no domínio da mediação de seguros. Com efeito, resulta do exposto que a consultoria em causa no processo principal está sujeita, designadamente, aos requisitos previstos no artigo 12.o, n.os 2 e 3, desta diretiva, por força dos quais, quando o mediador de seguros informar o cliente que baseia os seus conselhos numa análise imparcial, é obrigado, por um lado, a dar esses conselhos com base na análise de um número suficiente de contratos de seguro disponíveis no mercado que lhe permita fazer uma recomendação quanto ao contrato de seguro mais adequado às necessidades do cliente e, por outro lado, a especificar, antes da celebração de qualquer contrato de seguro, pelo menos as exigências e as necessidades do referido cliente e as razões que nortearam os conselhos dados quanto a um determinado produto de seguro, devendo essas informações ser ajustadas de acordo com a complexidade do contrato proposto.

56

A interpretação referida no n.o 54 do presente acórdão é ainda corroborada pela Diretiva 2014/65, que não estava em vigor à época dos factos no processo principal, que alterou a Diretiva 2002/92, aditando‑lhe um novo capítulo III‑A, intitulado «Requisitos adicionais de proteção dos clientes no que se refere aos produtos de investimento com base em seguros». Estes produtos estão atualmente definidos no artigo 2.o da Diretiva 2002/92, num novo ponto 13, como sendo produtos de seguros que oferecem um valor de reembolso ou resgate e em que esse valor de reembolso ou resgate está total ou parcialmente exposto, direta ou indiretamente, às flutuações do mercado.

57

Ora, resulta desta definição que um produto de investimento baseado num seguro inclui, tal como o contrato de seguro de vida de capital em causa no processo principal, um elemento de investimento cuja evolução está sujeita aos desenvolvimentos dos mercados financeiros. No entanto, a Diretiva 2014/65 não introduziu nenhuma alteração na definição de mediação de seguros constante do artigo 2.o, ponto 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2002/92, o que implica que a consultoria relativa a esse elemento de investimento constitui uma atividade de mediação de seguros conforme definida nesta disposição. Além disso, o facto de o referido capítulo III‑A conter requisitos «adicionais» relativamente aos produtos de investimento com base em seguros indica que a mediação desses produtos já estava abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2002/92 antes da sua alteração pela Diretiva 2014/65.

58

Resulta das considerações precedentes que a consultoria financeira relativa ao investimento de capital prestada no âmbito de uma mediação de seguros relativa à celebração de um contrato de seguro de vida de capital está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2002/92.

Quanto à aplicação da Diretiva 2004/39

59

No que se refere à Diretiva 2004/39, importa, é certo, constatar que a consultoria financeira em causa no processo principal é ela própria suscetível de ser abrangida pelo conceito de «consultoria para investimento», conforme definido no artigo 4.o, n.o 1, ponto 4, desta diretiva, desde que o investimento em causa possa ser qualificado de «instrumento financeiro» que, em conformidade com o ponto 17 do mesmo número, é especificado no anexo I, secção C, da referida diretiva.

60

Por conseguinte, tal consultoria financeira poderia, em princípio, estar abrangida pelo âmbito de aplicação material da Diretiva 2004/39, na medida em que, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, ponto 2, e do anexo I, secção A, ponto 5, desta diretiva, constitui um serviço de investimento e que, em conformidade com o ponto 1 do referido número, o mediador de seguros pode ser qualificado de «empresa de investimento» quando presta serviços de consultoria como ocupação ou atividade habitual.

61

Todavia, o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2004/39 exclui do seu âmbito de aplicação as pessoas que prestam um serviço de investimento, se essa atividade for exercida de forma esporádica no âmbito de uma atividade profissional e se esta última for regulada por disposições legais ou regulamentares ou por um código deontológico da profissão que não excluam a prestação desse serviço.

62

Ora, há que declarar que a atividade profissional de um mediador de seguros consiste, em conformidade com o artigo 2.o, ponto 5, da Diretiva 2002/92, na mediação de seguros. Na medida em que esse mediador propõe, entre os produtos de seguros disponíveis, um produto como o seguro de vida de capital em causa no processo principal, deve considerar‑se que a consultoria relativa ao investimento do capital relacionado com esse produto é prestada de forma esporádica, quando seja prestada no âmbito de uma atividade de mediação relativa à celebração de um contrato de seguro, a qual está sujeita a disposições legislativas do direito da União, a saber, as disposições da Diretiva 2002/92.

63

O facto, salientado pelo Governo sueco nas suas observações escritas, de que um mediador de seguros preste tal consultoria de forma regular ou frequente é, portanto, indiferente, na medida em que seja prestada em cada ocasião no âmbito de uma mediação relativa à celebração de um contrato de seguro.

64

A exclusão prevista no artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2004/39 é, por outro lado, conforme com a economia desta diretiva, na medida em que são excluídos, em determinadas condições, do seu âmbito de aplicação ou das suas obrigações os serviços ou as atividades de investimento que são propostos no âmbito de outra atividade regulamentada. Assim, o artigo 2.o, alínea j), desta diretiva prevê a exclusão do âmbito de aplicação da referida diretiva das pessoas que prestam consultoria para investimento no âmbito do exercício de outra atividade profissional não abrangida por esta mesma diretiva, desde que a prestação dessa consultoria não seja especificamente remunerada.

65

Do mesmo modo, artigo 19.o, n.o 9, da Diretiva 2004/39 prevê que um serviço de investimento proposto no quadro de outro produto financeiro que já esteja sujeito a outras disposições da legislação da União ou a certas normas europeias comuns não deve ser adicionalmente sujeito às obrigações estabelecidas neste artigo 19.o, mesmo se estas obrigações não forem semelhantes às previstas nas referidas disposições ou nas referidas normas (v., neste sentido, Acórdão de 30 de maio de 2013, Genil 48 e Comercial Hostelera de Grandes Vinos, C‑604/11, EU:C:2013:344, n.os 45 e 46).

66

Contrariamente ao que alegam a Länsförsäkringar e o Governo sueco nas suas observações escritas, a afirmação segundo a qual as disposições da Diretiva 2004/39 preveem regras de proteção em matéria de serviços de investimento mais abrangentes do que as previstas na Diretiva 2002/92, admitindo que seja exata, não pode, por si só, integrar a prestação de consultoria, como a que está em causa no processo principal, no âmbito de aplicação da Diretiva 2004/39, cujo artigo 2.o, alínea c), exclui tal consultoria quando é prestada no âmbito de uma mediação de seguros relativa à celebração de um contrato de seguro de vida de capital.

67

A este respeito, como resulta do seu considerando 87, a Diretiva 2014/65, que revoga e reformula a Diretiva 2004/39, introduziu na Diretiva 2002/92 novas exigências que reforçam a proteção dos investidores no que diz respeito aos produtos de investimento com base em seguros, de modo a garantir, no direito da União que enquadra as atividades dos mediadores e das empresas de seguros, uma abordagem regulatória coerente em relação à distribuição de diferentes produtos financeiros.

68

Por outro lado, esse considerando corrobora a interpretação segundo a qual a consultoria em causa no processo principal não está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/39, uma vez que enuncia que as exigências da Diretiva 2014/65 em matéria de proteção dos investidores deveriam ser aplicadas da mesma forma aos produtos de investimento com base em seguros, o que indicia que estes produtos não estavam sujeitos às regras de proteção previstas pela Diretiva 2004/39.

69

Resulta das considerações precedentes que a consultoria financeira relativa ao investimento de capital prestada no âmbito de uma mediação de seguros relativa à celebração de um contrato de seguro de vida de capital não está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/39.

70

Consequentemente, há que responder à segunda questão que a consultoria financeira relativa ao investimento de capital prestada no âmbito de uma mediação de seguros relativa à celebração de um contrato de seguro de vida de capital está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2002/92 e não pelo da Diretiva 2004/39.

Quanto às despesas

71

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 2.o, ponto 3, da Diretiva 2002/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de dezembro de 2002, relativa à mediação de seguros, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «mediação de seguros» abrange a prática de atos preparatórios da celebração de um contrato de seguro, mesmo na falta de intenção do mediador de seguros em causa de proceder à celebração de um verdadeiro contrato de seguro.

 

2)

A consultoria financeira relativa ao investimento de capital prestada no âmbito de uma mediação de seguros relativa à celebração de um contrato de seguro de vida de capital está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2002/92 e não pelo da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: sueco.

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