EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62002CJ0345

Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 15 de Julho de 2004.
Pearle BV, Hans Prijs Optiek Franchise BV e Rinck Opticiëns BV contra Hoofdbedrijfschap Ambachten.
Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad der Nederlanden - Países Baixos.
Auxílios de Estado - Conceito de auxílio - Campanha publicitária colectiva a favor de um sector económico - Financiamento realizado através de contribuição especial a cargo das empresas desse sector - Intervenção de um organismo de direito público.
Processo C-345/02.

European Court Reports 2004 I-07139

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:448

Arrêt de la Cour

Processo C‑345/02

Pearle BV e o.

contra

Hoofdbedrijfschap Ambachten

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden)

«Auxílios de Estado – Conceito de auxílio – Campanha publicitária colectiva a favor de um sector económico – Financiamento realizado através de contribuição especial a cargo das empresas desse sector – Intervenção de um organismo de direito público»

Sumário do acórdão

1.        Auxílios concedidos pelos Estados – Projectos de auxílios – Notificação à Comissão – Alcance da obrigação – Notificação que deve incluir o modo de financiamento em razão do seu impacto sobre a admissibilidade do auxílio

[Tratado CE, artigo 93.°, n.° 3 (actual artigo 88.°, n.° 3, CE)]

2.        Auxílios concedidos pelos Estados – Projectos de auxílios – Concessão de um auxílio em violação da proibição constante do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado (actual artigo 88.°, n.° 3, CE) – Obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais protegerem os direitos dos particulares – Competência para interpretar o conceito de auxílio

[Tratado CE, artigo 92.°, n.° 1 (que passou, após alteração, a artigo 87.°, n.° 1, CE), e artigo 93.°, n.° 3 (actual artigo 88.°, n.° 3, CE)]

3.        Auxílios concedidos pelos Estados – Conceito – Regulamentos adoptados por um organismo profissional de direito público a fim de financiar uma campanha publicitária por meio de quantias cobradas aos seus membros e afectadas obrigatoriamente ao financiamento da referida campanha – Exclusão

[Tratado CE, artigo 92.°, n.° 1 (que passou, após alteração, artigo 87.°, n.° 1, CE), e artigo 93.°, n.° 3 (actual artigo 88.°, n.° 3, CE)]

1.        Quando o modo de financiamento de um auxílio de Estado, por intermédio nomeadamente de contribuições obrigatórias, faça parte integrante da medida de auxílio, o exame deste último pela Comissão deve necessariamente tomar em consideração este modo de financiamento. Nesse caso, a notificação da medida de auxílio, prevista no artigo 93.°, n.° 3, do Tratado (actual artigo 88.°, n.° 3, CE), também deve abranger o seu modo de financiamento a fim de que a Comissão possa efectuar o seu exame com base numa informação completa. Se assim não for, não se pode excluir que seja declarada compatível uma medida de auxílio que, se a Comissão conhecesse o seu modo de financiamento, não o poderia ter sido.

(cf. n.os 29, 30)

2.        Cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais proteger os direitos dos particulares face a uma eventual violação, por parte das autoridades nacionais, das obrigações que decorrem para os Estados‑Membros do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado (actual artigo 88.°, n.° 3, CE). A fim de poder determinar se uma medida estatal foi instituída em violação desta disposição, um órgão jurisdicional nacional pode ser levado a interpretar o conceito de auxílio, a que se refere o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87.°, n.° 1, CE).

(cf. n.° 31)

3.        Os artigos 92.°, n.° 1, do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87.°, n.° 1, CE) e 93.°, n.° 3, do Tratado (actual artigo 88.°, n.° 3, CE) devem ser interpretados no sentido de que os regulamentos adoptados por um organismo profissional de direito público a fim de financiar uma campanha publicitária organizada a favor dos seus membros e por estes decidida, por meio de quantias cobradas aos referidos membros e afectadas obrigatoriamente ao financiamento da referida campanha, não constituem parte integrante de uma medida de auxílio na acepção destas disposições e não têm que ser notificados previamente à Comissão, quando se prove que este financiamento foi realizado através de recursos de que este organismo profissional de direito público não teve, em momento algum, o poder de dispor livremente.

(cf. n.° 41, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
15 de Julho de 2004(1)

«Auxílios de Estado – Conceito de auxílio – Campanha publicitária colectiva a favor de um sector económico – Financiamento realizado através de contribuição especial a cargo das empresas desse sector – Intervenção de um organismo de direito público»

No processo C-345/02,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Pearle BV,Hans Prijs Optiek Franchise BV,Rinck Opticiëns BV

e

Hoofdbedrijfschap Ambachten,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 92.°, n.° 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.°, n.° 1, CE) e 93.°, n.° 3, do Tratado CE (actual artigo 88.°, n.° 3, CE),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),,



composto por: P. Jann, presidente de secção, A. Rosas, S. von Bahr, R. Silva de Lapuerta e K. Lenaerts (relator), juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,
secretário: R. Grass,

vistas as observações escritas apresentas:

em representação da Pearle BV, da Hans Prijs Optiek Franchise BV e da Rinck Opticiëns BV, por P. E. Mazel, advocaat,

em representação do Hoofdbedrijfschap Ambachten, por R. A. A. Duk, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por S. Terstal, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Flett e H. van Vliet, na qualidade de agentes,

ouvidas as alegações do Governo neerlandês, representado por H. G. Sevenster, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por H. van Vliet, na audiência de 29 de Janeiro de 2004,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 11 de Março de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
Por acórdão de 27 de Setembro de 2002, entrado no Tribunal de Justiça no dia 30 de Setembro seguinte, o Hoge Raad der Nederlanden submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 92.°, n.° 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.°, n.° 1, CE) e 93.°, n.° 3, do Tratado CE (actual artigo 88.°, n.° 3, CE).

2
Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio relativo à legalidade das contribuições impostas pelo Hoofdbedrijfschap Ambachten (a seguir «HBA») aos seus membros, entre os quais figuram as recorrentes no processo principal, com vista ao financiamento de uma campanha publicitária colectiva a favor das empresas do sector dos produtos ópticos.


O quadro jurídico

A regulamentação comunitária

3
O artigo 92.°, n.° 1, do Tratado dispõe:

«Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.»

4
O artigo 93.° do Tratado prevê:

«1.     A Comissão procederá, em cooperação com os Estados‑Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes nesses Estados. A Comissão proporá também aos Estados‑Membros as medidas adequadas, que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado comum.

2.       Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 92.°, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar.

[...]

3.       Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 92.°, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado‑Membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final.»

5
Nos termos do primeiro parágrafo da comunicação da Comissão, de 6 de Março de 1996, relativa aos auxílios de minimis (JO C 68, p. 9, a seguir «comunicação de minimis»), «[s]e é um facto que qualquer intervenção financeira do Estado a favor de uma empresa falseia ou ameaça falsear, em maior ou menor grau, a concorrência entre essa empresa e os seus concorrentes que não beneficiaram de tal auxílio, nem todos os auxílios têm contudo um impacto sensível no comércio e na concorrência entre Estados‑Membros. É o que acontece em especial com os auxílios de montante muito reduzido».

6
Nos termos do segundo parágrafo da comunicação de minimis, o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado pode ser considerado inaplicável aos auxílios cujo montante máximo seja de 100 000 ecus (actualmente, 100 000 euros) concedidos para um período de três anos, com início no momento da concessão do primeiro auxílio de minimis. Este montante cobre todas as categorias de auxílios, independentemente da sua forma e do seu objectivo, com excepção dos auxílios à exportação que não podem beneficiar desta medida.

A regulamentação nacional

A lei neerlandesa sobre a organização profissional

7
A Wet op de bedrijfsorganisatie (lei neerlandesa sobre a organização da vida económica, a seguir «WBO»), de 27 de Janeiro de 1950, na redacção alterada em vigor no momento dos factos que conduziram ao litígio no processo principal, organiza a missão, a composição, os métodos de trabalho, os aspectos financeiros e a fiscalização dos organismos profissionais aos quais foi confiada uma responsabilidade própria na organização e desenvolvimento do respectivo sector de actividade. Nos termos do artigo 71.° da WBO, estes organismos devem ter em conta tanto o interesse das empresas do sector em causa e do respectivo pessoal como o interesse público geral.

8
Nos termos do artigo 73.° da WBO, as direcções dos organismos profissionais são constituídas paritariamente por representantes das organizações representativas das entidades patronais e dos assalariados.

9
O legislador neerlandês conferiu a estes organismos as competências necessárias para o cumprimento da respectiva missão. O artigo 93.° da WBO dispõe, designadamente, que a sua direcção pode, sem prejuízo de certas excepções, adoptar os regulamentos que entenda necessários para a concretização dos objectivos referidos no artigo 71.° da mesma lei, tanto no interesse da actividade das empresas do sector económico em questão como das condições de emprego dos membros do respectivo pessoal. Estes regulamentos devem ser aprovados pelo Sociaal‑Economische Raad (conselho económico e social) e, nos termos do quinto parágrafo do artigo 93.° da WBO, não podem constituir um entrave ao livre jogo da concorrência.

10
Em conformidade com o artigo 126.° da WBO, os organismos profissionais podem, para fazer face aos seus encargos, adoptar regulamentos que imponham contribuições às empresas inseridas no sector de actividade em causa. As contribuições gerais dizem respeito ao funcionamento do organismo profissional como tal. As «contribuições especiais obrigatórias» dizem respeito a objectivos específicos.

A lei neerlandesa sobre os recursos administrativos respeitantes às organizações profissionais

11
A Wet houdende administratieve rechtspraak bedrijforganisatie (lei neerlandesa sobre os recursos administrativos respeitantes às organizações profissionais), de 16 de Setembro de 1954, na versão alterada em vigor no momento dos factos que estão na origem do litígio no processo principal, fixa as modalidades dos recursos administrativos possíveis em matéria de organizações profissionais.

12
Nos termos dos artigos 4.° e 5.° desta lei, as pessoas singulares ou colectivas cujos interesses sejam directamente afectados por uma decisão de um organismo profissional podem interpor recurso para o College van Beroep voor het bedrijfsleven (tribunal administrativo económico de direito neerlandês) caso entendam que a decisão é contrária a uma regulamentação de aplicação geral. O artigo 33.°, n.° 1, da mesma lei dispõe que o recurso deve ser interposto no prazo de trinta dias a contar do dia da comunicação ou de entrega da decisão ou da execução do acto.

13
Por força da regra jurisprudencial neerlandesa sobre a força jurídica formal, quando seja intentada perante o juiz cível uma acção de repetição do indevido, este deve partir do princípio de que a decisão que serve de base ao pagamento está conforme com as disposições legais, tanto no que respeita ao seu modo de adopção como ao seu conteúdo, sempre que o interessado não tenha utilizado a via do recurso administrativo da qual se podia socorrer.


O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

14
A Pearle BV, a Hans Prijs Optiek Franchise BV, e a Rinck Opticiëns BV (a seguir «recorrentes no processo principal») são sociedades com sede nos Países Baixos que se dedicam ao comércio de produtos ópticos. Nesta qualidade, estão inscritas, por força da WBO, no HBA, organismo profissional de direito público.

15
A pedido de uma associação privada do sector dos produtos ópticos, a Nederlandse Unie van Opticiëns (a seguir «NUVO»), de que eram então membros as recorrentes no processo principal, o HBA impôs aos seus membros, pela primeira vez em 1988, nos termos de um regulamento baseado no artigo 126.° da WBO, «uma contribuição especial obrigatória» destinada a financiar uma campanha publicitária colectiva a favor das empresas do sector dos produtos ópticos. Seguidamente, foi imposta anualmente uma contribuição análoga até 1993 pelo menos.

16
A contribuição assim imposta às recorrentes no processo principal era de 850 NLG por estabelecimento. As recorrentes no processo principal não interpuseram recurso administrativo contra as decisões de cobrança que lhes foram enviadas pelo HBA.

17
Em 29 de Março de 1995, as recorrentes no processo principal demandaram o HBA perante o Rechtbank de ‘s‑Gravenhage, pedindo a anulação dos regulamentos que instituíram as contribuições especiais obrigatórias em questão e a condenação do HBA no reembolso das quantias indevidamente pagas com base nestes regulamentos.

18
Sustentaram que os serviços prestados nos termos da campanha publicitária constituíam medidas de auxílio, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, e que os regulamentos do HBA que instituíam as contribuições destinadas ao financiamento destes auxílios eram ilegais, pois que não foram notificados à Comissão em aplicação do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado.

19
Por decisão interlocutória, o órgão jurisdicional de primeira instância julgou parcialmente procedentes os argumentos das recorrentes no processo principal. Tendo esta decisão sido revogada em recurso, interpuseram recurso de cassação para o Hoge Raad der Nederlanden.

20
Nestas circunstâncias, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)
Deve um regime que impõe contribuições destinadas a financiar campanhas publicitárias colectivas ser considerado (parte de) um auxílio na acepção do artigo 92.°, n.° 1, [do Tratado] e ser comunicada à Comissão, nos termos do artigo 93.°, n.° 3, [do Tratado], a intenção de o aplicar? Isto aplica‑se apenas aos benefícios que consistam na organização e oferta de campanhas publicitárias colectivas ou também às modalidades do respectivo financiamento, como um regulamento que prevê uma contribuição e/ou as decisões de fixação de uma contribuição baseadas nesse regulamento? É relevante o facto de as campanhas publicitárias colectivas serem oferecidas (a empresas) no mesmo sector profissional a que pertencem os sujeitos passivos da referida contribuição? Em caso de resposta afirmativa, que relevância tem? Tem alguma importância saber se as despesas em que incorre o organismo público são integralmente cobertas pelas contribuições especiais a cargo das empresas que beneficiam do serviços, por forma a que o benefício não tenha um custo real para o Estado? É importante que a utilidade das campanhas publicitárias colectivas se reparta de forma mais ou menos equitativa nesse sector profissional e que cada um dos estabelecimentos que integram esse ramo de actividade acabe por retirar sensivelmente a mesma utilidade ou proveito dessas campanhas?

2)
O dever de comunicação previsto no artigo 93.°, n.° 3, [do Tratado] é aplicável a todo e qualquer auxílio ou apenas a um auxílio que corresponda à descrição do artigo 92.°, n.° 1, [do Tratado]? Podem os Estados‑Membros, a fim de evitar o seu dever de comunicação, apreciar livremente se um auxílio corresponde à descrição do artigo 92.°, n.° 1, [ do Tratado]? Em caso de resposta afirmativa, até onde vai essa sua liberdade de apreciação? Em que medida é que essa liberdade de apreciação pode pôr em causa o dever de comunicação previsto no artigo 93.°, n.° 3, [do Tratado]? Ou será que o dever de comunicação só não se aplica caso não subsista qualquer dúvida razoável de que não se trata de um auxílio?

3)
Se o órgão jurisdicional nacional concluir que existe um auxílio na acepção do artigo 92.°, n.° 1, [ do Tratado], deve ter em conta a regra de minimis, tal como formulada pela Comissão na [...] [comunicação de minimis], ao apreciar se a medida deve ser qualificada de auxílio sujeito ao dever de comunicação à Comissão nos termos do artigo 93.°, n.° 3, [do Tratado]? Em caso de resposta afirmativa, deve a regra de minimis aplicar‑se igualmente com efeitos retroactivos aos auxílios anteriores à publicação dessa regra, e de que forma deve a regra de minimis aplicar‑se a auxílios como as campanhas publicitárias colectivas anuais que beneficiam todo um sector?

4)
Atendendo ao disposto no acórdão de 11 de Julho de 1996, SFEI e o. (C‑39/94, Colect., p. I‑3547), a propósito do efeito útil do artigo 93.°, n.° 3, [do Tratado], deve concluir‑se que o órgão jurisdicional nacional deve anular quer os regulamentos quer as decisões relativas a contribuições adoptadas com base nesses regulamentos e condenar o organismo público no reembolso das contribuições, ainda que a isso se oponha o princípio da irrecorribilidade das decisões que fixam as contribuições, desenvolvido na jurisprudência neerlandesa? É relevante que o reembolso das contribuições não suprima de facto o benefício que o sector profissional e cada uma das empresas do sector retiraram das campanhas publicitárias colectivas? Permite o direito comunitário que as contribuições especiais não sejam total ou parcialmente reembolsadas caso o órgão jurisdicional nacional entenda que o sector profissional ou cada uma das empresas retiraram uma vantagem injustificada desse reembolso, pelo facto de o benefício conseguido na sequência das campanhas publicitárias não poder ser restituído in natura?

5)
Se um auxílio não for comunicado nos termos do artigo 93.°, n.° 3, [do Tratado], pode um organismo público, para escapar a esse dever de comunicação, invocar o anteriormente referido princípio da irrecorribilidade da decisão que fixa a contribuição, caso o destinatário da decisão não soubesse, no momento em que a decisão foi adoptada e durante todo o período em que a mesma era susceptível de impugnação administrativa, que o auxílio de que a contribuição fazia parte não fora comunicado? Podem os cidadãos partir do princípio de que as autoridades cumpriram o seu dever de comunicação previsto no artigo 93.°, n.° 3, [do Tratado]?»


Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

21
Com as suas três primeiras questões, que devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional nacional pretende essencialmente saber se o financiamento das campanhas publicitárias pelo HBA a favor das empresas do sector dos produtos ópticos pode ser considerado um auxílio de Estado na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado e se, eventualmente tendo em conta a regra de minimis, os regulamentos do HBA que impõem contribuições aos seus membros com vista ao financiamento destas campanhas deveriam ter sido – como elementos do regime de auxílios – notificados à Comissão, em conformidade com o artigo 93.°, n.° 3, do Tratado. Assim, pretende obter esclarecimentos quanto à questão de saber se as contribuições especiais obrigatórias impostas às recorrentes no processo principal estão, devido à sua relação directa com eventuais auxílios não notificados, também feridas de ilegalidade, de forma a deverem, em princípio, ser objecto de reembolso.

22
As quarta e quinta questões versam sobre a questão de saber se o efeito útil do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado se opõe à aplicação, num caso como este, da regra jurisprudencial neerlandesa da força jurídica formal.

Quanto às primeira, segunda e terceira questões

Observações apresentadas ao Tribunal

23
As recorrentes no processo principal e a Comissão sustentam que o financiamento pelo HBA de uma campanha publicitária a favor das empresas do sector dos produtos ópticos constitui um auxílio de Estado, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, que deveria ter sido notificado à Comissão nos termos do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado. Explicam que o conceito de auxílio a que se refere o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado inclui as vantagens que são concedidas directamente pelo Estado, bem como aquelas que o são por intermédio de um organismo público ou privado, como o HBA, designado ou instituído por este Estado (acórdão de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, Colect., p. I‑2099).

24
Uma medida tomada por uma autoridade pública e que beneficia certas empresas ou certos produtos não perde o seu carácter de auxílio pelo facto de ser parcial ou totalmente financiada por contribuições impostas pela autoridade pública e cobradas às empresas em questão (acórdãos de 22 de Março de 1977, Steinike & Weinlig, 78/76, Colect., p. 203, e de 11 de Novembro de 1987, França/Comissão, 259/85, Colect., p. 4393, n.° 23). Assim, uma medida pode estar abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, mesmo quando não seja inteiramente financiada através de contribuições deste tipo.

25
Segundo as recorrentes no processo principal e a Comissão, o Governo neerlandês deveria ter notificado à Comissão todas as informações necessárias sobre o regime instituído. Estas informações deveriam referir‑se tanto à organização da campanha publicitária como às suas modalidades de financiamento (acórdão de 25 de Junho de 1970, França/Comissão, 47/69, Colect. 1969‑1970, p. 391).

26
O HBA alega que a campanha publicitária colectiva que apoiou não constitui um auxílio de Estado na acepção do Tratado. Com efeito, quando as autoridades instituem semelhante campanha em benefício de determinada forma de comércio, de artesanato ou de indústria e financia esta acção graças a uma contribuição especial obrigatória na qual participam os interessados na medida do benefício retirado, está materialmente ausente o elemento do financiamento através dos recursos de Estado.

27
Segundo o Governo neerlandês, o regulamento adoptado por um organismo de direito público e que, a pedido de uma associação privada, institui contribuições destinadas a financiar uma campanha publicitária colectiva, não constitui um auxílio de Estado na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado. Recorda que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 16 de Maio de 2000, França/Ladbroke Racing e Comissão, C‑83/98 P, Colect., p. I‑3271, e PreussenElektra, já referido), são unicamente os benefícios financiados directa ou indirectamente através dos recursos de Estado que devem ser considerados auxílios na acepção da disposição já referida. O Governo neerlandês salienta que, no caso em apreço, embora, graças às suas competências legais, o HBA tenha servido de instrumento para a cobrança e a afectação dos recursos obtidos a favor de um objectivo fixado previamente pelo meio profissional, este organismo não dispunha livremente destes recursos.

Resposta do Tribunal

28
Resulta do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado que a Comissão deve ser informada dos projectos destinados a instituir ou a alterar auxílios. Quando entenda que tal projecto não é compatível com o mercado comum, dá, sem demora, início ao procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, sem que o Estado‑Membro possa pôr em execução as medidas projectadas antes de este procedimento ter sido objecto de uma decisão final.

29
Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando o modo de financiamento de um auxílio, por intermédio nomeadamente de contribuições obrigatórias, faça parte integrante da medida de auxílio, o exame deste último pela Comissão deve necessariamente tomar em consideração este modo de financiamento (acórdãos de 21 de Outubro de 2003, Van Calster e o., C‑261/01 e C‑262/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 49, e de 27 de Novembro de 2003, Enirisorse, C‑34/01 a C‑38/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 44).

30
Nesse caso, a notificação da medida de auxílio, prevista no artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, também deve abranger o seu modo de financiamento a fim de que a Comissão possa efectuar o seu exame com base numa informação completa. Se assim não for, não se pode excluir que seja declarada compatível uma medida de auxílio que, se a Comissão conhecesse o seu modo de financiamento, não o poderia ter sido (acórdão Van Calster e o., já referido, n.° 50).

31
Cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais proteger os direitos dos particulares face a uma eventual violação, por parte das autoridades nacionais, das obrigações que decorrem para os Estados‑Membros do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado (v., neste sentido, acórdãos de 21 de Novembro de 1991, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, C‑354/90, Colect., p. I‑5505, n.° 12, e de 16 de Dezembro de 1992, Lornoy e o., C‑17/91, Colect., p. I‑6523, n.° 30). A fim de poder determinar se uma medida estatal foi instituída em violação desta disposição, um órgão jurisdicional nacional pode ser levado a interpretar o conceito de auxílio, a que se refere o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado (v. acórdãos Steinike & Weinlig, já referido, n.° 14; de 30 de Novembro de 1993, Kirsammer‑Hack, C‑189/91, Colect., p. I‑6185, n.° 14, e SFEI e o., já referido, n.° 49). Com efeito, a obrigação de notificação e a proibição de pôr em execução previstas no artigo 93.°, n.° 3, do Tratado dizem respeito aos projectos destinados a instituir ou a alterar auxílios na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado.

32
Há igualmente que recordar que, segundo jurisprudência constante, a qualificação do auxílio exige que todas as condições a que se refere o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado estejam preenchidas (v. acórdãos de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, dito «Tubemeuse», C‑142/87, Colect., p. I‑959, n.° 25; de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C‑278/92 a C‑280/92, Colect., p. I‑4103, n.° 20; de 16 de Maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, Colect., p. I‑4397, n.° 68, e de 24 de Julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, Colect., p. I‑7747, n.° 74).

33
O artigo 92.°, n.° 1, do Tratado enuncia quatro condições. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou por meio de recursos de Estado. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve atribuir uma vantagem ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, já referido, n.° 75).

34
Quanto à primeira condição, resulta de jurisprudência constante que não há que distinguir os casos em que o auxílio é concedido directamente pelo Estado daqueles em que é concedido por intermédio de um organismo público ou privado, designado ou instituído por este Estado (acórdãos de 7 de Junho de 1988, Grécia/Comissão, 57/86, Colect., p. 2855, n.° 12; PreussenElektra, já referido, n.° 58, e de 20 de Novembro de 2003, GEMO, C‑126/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 23).

35
Todavia, para que os benefícios possam ser qualificados de auxílios na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, devem, por um lado, ser concedidos directa ou indirectamente através de recursos de Estado e, por outro, ser imputáveis ao Estado (acórdãos de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C‑303/88, Colect., p. I‑1433, n.° 11; de 16 de Maio de 2002, França/Comissão, já referido, n.° 24, e GEMO, já referido, n.° 24).

36
Apesar de o HBA ser um organismo público, não se verifica, no caso em apreço, que a campanha publicitária tenha sido financiada através de meios postos à sua disposição pelas autoridades nacionais. Pelo contrário, resulta do acórdão de reenvio que os fundos que foram utilizados pelo HBA a fim de financiar a campanha publicitária em questão foram cobrados aos seus membros beneficiários da campanha, através de contribuições especiais afectadas obrigatoriamente à organização desta campanha publicitária. Tendo os custos suportados pelo organismo público para os fins da referida campanha sido inteiramente compensados pelas contribuições cobradas às empresas que deles beneficiaram, a intervenção do HBA não se destinou a criar uma vantagem que constituísse um encargo suplementar para o Estado ou para este organismo (v., neste sentido, acórdão de 17 de Março de 1993, Sloman Neptun, C‑72/91 e C‑73/91, Colect., p. I‑887, n.° 21).

37
Além disso, resulta dos autos que a iniciativa de organizar e prosseguir a campanha publicitária em questão proveio da NUVO, uma associação privada de comerciantes de produtos ópticos, e não do HBA. Como sublinhou o advogado‑geral no n.° 76 das suas conclusões, o HBA serviu unicamente de instrumento para a cobrança e a afectação dos recursos obtidos a favor de um objectivo puramente comercial fixado previamente pelo meio profissional em questão e que não se inscreve, de forma alguma, no âmbito de uma política definida pelas autoridades neerlandesas.

38
Assim, o presente processo distingue‑se do que conduziu ao acórdão Steinike & Weinlig, já referido. Com efeito, por um lado, o fundo que estava em questão neste último processo era financiado simultaneamente por subvenções directas do Estado e por contribuições das empresas filiadas, cuja taxa e base de cobrança foram fixadas pela lei que instituiu o fundo. Por outro lado, o fundo em questão servia de instrumento para a realização de uma política fixada pelo Estado, ou seja, a promoção da agricultura, da silvicultura e da indústria alimentar nacionais. De igual modo, no processo que deu origem ao acórdão de 11 de Novembro de 1987, França/Comissão, já referido, o comité DEFI, para o qual era transferido o produto das imposições parafiscais que eram cobradas por força de um decreto do Governo francês sobre as entregas de produtos têxteis em França, punha em prática as acções decididas por este governo em apoio do sector têxtil e do vestuário em França.

39
Segue‑se que a primeira condição a que se refere o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado para que uma medida possa ser qualificada de auxílio de Estado não se verifica em circunstâncias como as do litígio no processo principal.

40
Por conseguinte, não fazendo as modalidades de financiamento da campanha publicitária parte integrante de uma medida de auxílio na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, estas não tinham que ser notificadas à Comissão nas condições fixadas no artigo 93.°, n.° 3, do Tratado. Nestas condições, não há que responder especificamente à questão do Hoge Raad der Nederlanden relativa à incidência da comunicação de minimis sobre a apreciação do cumprimento desta obrigação de notificação.

41
Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder às três primeiras questões que os artigos 92.°, n.° 1, e 93.°, n.° 3, do Tratado devem ser interpretados no sentido de que os regulamentos adoptados por um organismo profissional de direito público a fim de financiar uma campanha publicitária organizada a favor dos seus membros e por estes decidida, por meio de quantias cobradas aos referidos membros e afectadas obrigatoriamente ao financiamento da referida campanha, não constituem parte integrante de uma medida de auxílio na acepção destas disposições e não têm que ser notificados previamente à Comissão, quando se prove que este financiamento foi realizado através de recursos de que este organismo profissional de direito público não teve, em momento algum, o poder de dispor livremente.

Quanto às quarta e quinta questões

42
Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, essencialmente, saber se, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, o direito comunitário se opõe à aplicação pelos órgãos jurisdicionais competentes da regra jurisprudencial neerlandesa da força jurídica formal, nos termos da qual estes estão impedidos de ainda examinar a legalidade das decisões do HBA que impõem contribuições às recorrentes no processo principal, na hipótese de os regulamentos com base nos quais estas decisões foram tomadas terem sido aplicados em violação do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado.

43
Todavia, uma vez que resulta da resposta às primeira a terceira questões que os regulamentos do HBA que instituíram as contribuições a fim de financiar a campanha publicitária em causa não constituem parte integrante de uma medida de auxílio na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado e não tinham que ser notificados previamente à Comissão, há que concluir que a hipótese em que assentam estas questões não se verifica no caso em apreço. Portanto, também não há que responder a estas questões.


Quanto às despesas

44
As despesas efectuadas pelo Governo neerlandês e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

pronunciando‑se sobre as questões submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden, por acórdão de 27 de Setembro de 2002, declara:

Os artigos 92.°, n.° 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.°, n.° 1, CE) e 93.°, n.° 3, do Tratado CE (actual artigo 88.°, n.° 3, CE) devem ser interpretados no sentido de que os regulamentos adoptados por um organismo profissional de direito público a fim de financiar uma campanha publicitária organizada a favor dos seus membros e por estes decidida, por meio de quantias cobradas aos referidos membros e afectadas obrigatoriamente ao financiamento da referida campanha, não constituem parte integrante de uma medida de auxílio na acepção destas disposições e não têm que ser notificados previamente à Comissão, quando se prove que este financiamento foi realizado através de recursos de que este organismo profissional de direito público não teve, em momento algum, o poder de dispor livremente.

Jann

Rosas

von Bahr

Silva de Lapuerta

Lenaerts

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Julho de 2004.

O secretário

O presidente da Primeira Secção

R. Grass

P. Jann


1
Língua do processo: neerlandês.

Top