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Document 61991CJ0092

Acórdão do Tribunal de 27 de Outubro de 1993.
Processo-crime contra Annick Taillandier, Neny pelo casamento.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de police de Vichy - França.
Directiva 88/301/CEE da Comissão - Independência da entidade encarregada da regulamentação - Sanções penais.
Processo C-92/91.

European Court Reports 1993 I-05383

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1993:854

61991J0092

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 27 DE OUTUBRO DE 1993. - PROCESSO-CRIME CONTRA ANNICK TAILLANDIER, NENY POR CASAMENTO. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: TRIBUNAL DE POLICE DE VICHY - FRANCA. - DIRECTIVA 88/301/CEE DA COMISSAO - INDEPENDENCIA DA ENTIDADE A QUEM CABE A REGULAMENTACAO - SANCOES PENAIS. - PROCESSO C-92/91.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-05383


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Concorrência ° Empresas públicas ° Conceito ° Entidades integradas na administração pública ° Inclusão

(Directiva 88/301 da Comissão, artigo 1. , segundo travessão)

2. Concorrência ° Empresas públicas e empresas a que os Estados-Membros concedem direitos especiais ou exclusivos ° Mercado dos terminais de telecomunicações ° Independência da entidade encarregada da elaboração das especificações técnicas, do controlo da sua aplicação e da aprovação ° Integração numa administração também encarregada da exploração da rede pública e da política comercial das telecomunicações ° Inadmissibilidade

(Directiva 88/301 da Comissão, artigo 6. )

3. Concorrência ° Empresas públicas e empresas a que os Estados-Membros concedem direitos especiais ou exclusivos ° Regulamentação nacional que proíbe a comercialização de terminais de telecomunicações não aprovados ° Elaboração das especificações técnicas e aprovação por um organismo que não preenche a condição de independência em relação a todos os operadores existentes no mercado das telecomunicações ° Inadmissibilidade

(Directiva 88/301 da Comissão, artigo 6. )

Sumário


1. O facto de a exploração da rede pública de telecomunicações e a comercialização dos aparelhos terminais serem confiadas a entidades integradas na administração pública não pode dispensar estas últimas da qualificação de empresa pública para efeitos do direito comunitário e, nomeadamente, do artigo 1. , segundo travessão, da Directiva 88/301. Com efeito, um órgão que exerça actividades económicas de carácter industrial ou comercial não deve necessariamente ter personalidade jurídica distinta do Estado para ser considerado como empresa pública. Se assim não fosse, seria atentar contra a eficácia das disposições da directiva em causa bem como a uniformidade da sua aplicação em todos os Estados-Membros.

2. Direcções diferentes de uma mesma administração encarregada simultaneamente da exploração da rede pública, da aplicação da política comercial das telecomunicações, da formalização das especificações técnicas, do controlo da sua aplicação e da homologação dos aparelhos terminais, não podem ser consideradas independentes uma da outra para efeitos do artigo 6. da Directiva 88/301, segundo o qual a entidade encarregada da formalização das especificações técnicas, do controlo da sua aplicação e da homologação deve ser independente das empresas públicas ou privadas que ofereçam bens e/ou serviços no domínio das telecomunicações.

3. O artigo 6. da Directiva 83/301 opõe-se a uma regulamentação nacional que proíba, sob pena de sanções, aos operadores económicos de fabricar, importar, deter para venda, vender ou distribuir aparelhos terminais sem comprovar, mediante apresentação de homologação ou de qualquer outro documento considerado como equivalente, a conformidade desses aparelhos com determinadas exigências essenciais que se prendem, nomeadamente, com a segurança dos utilizadores e um bom funcionamento da rede, uma vez que não está assegurada a independência, em relação a qualquer operador que ofereça bens e/ou serviços no domínio das telecomunicações, do organismo que emite a aprovação ou qualquer documento equivalente e formaliza as especificações técnicas às quais esses aparelhos devem corresponder.

Partes


No processo C-92/91,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pelo tribunal de police de Vichy (França), destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra

Annick Taillandier, apelido de casada Neny,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 88/301/CEE da Comissão, de 16 de Maio de 1988, relativa à concorrência nos mercados de terminais de telecomunicações (JO L 131, p. 73),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, G. F. Mancini e J. C. Moitinho de Almeida, presidentes de secção, R. Joliet, F. A. Schockweiler, G. C. Rodríguez Iglesias, F. Grévisse, M. Zuleeg e J. L. Murray, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro

secretário: J.-G. Giraud

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação do Governo francês, por P. Pouzoulet, subdirector na direcção dos assuntos jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e G. de Bergues, secretário adjunto principal do mesmo ministério, na qualidade de agente substituto,

° em representação do Governo do Reino Unido, por R. Caudwell, do Treasury Solicitor' s Department, assistida por E. Sharpston, barrister, na qualidade de agentes,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Wainwright, consultor jurídico, na qualidade de agente, assistido por H. Lehman, advogada no foro de Paris,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Governo francês, do Governo do Reino Unido e da Comissão, na audiência de 22 de Janeiro de 1992,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 3 de Junho de 1992,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 5 de Março de 1991, entrada no Tribunal em 13 de Março seguinte, o tribunal de police de Vichy (França) submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, uma questão prejudicial relativa à interpretação da Directiva 88/301/CEE da Comissão, de 16 de Maio de 1988, relativa à concorrência nos mercados de terminais de telecomunicações (JO L 131, p. 73), com vista a apreciar a compatibilidade com esta do regime instituído pelo Decreto francês n. 85-712, de 11 de Julho de 1985, em aplicação da lei de 1 de Agosto de 1905 e relativo aos materiais susceptíveis de ser ligados à rede de telecomunicações do Estado.

2 Esta questão foi suscitada num processo penal em que A. Taillandier é acusada de ter vendido, em 5 de Abril de 1990, terminais de telecomunicações (aparelhos telefónicos) sem a aprovação prevista nos artigos 1. a 7. do decreto supramencionado. Contudo, esta invocou a ilegalidade daquele decreto em relação à Directiva 88/301, já referida.

3 Resulta do processo que, em virtude do decreto supramencionado, os materiais susceptíveis de ser ligados à rede pública só podem ser fabricados para o mercado interno, importados para consumo, detidos para venda, postos à venda ou distribuídos, a título gratuito ou oneroso, quando estejam em conformidade com as suas disposições e satisfaçam determinado número de prescrições destinadas a preservar o bom funcionamento da rede e a segurança dos utilizadores (artigos 3. e 4. ). Para comprovar a conformidade dos aparelhos com esses requisitos, os operadores em causa devem apresentar quer um relatório elaborado por um organismo aprovado pelo ministério da tutela da Indústria, quer uma aprovação conferida ao abrigo do código dos P e T (Correios e Telecomunicações), quer um certificado de aprovação conferido ao abrigo da lei relativa à protecção e informação dos consumidores ou outro documento probatório reconhecido como equivalente por portaria do ministro da tutela da Indústria (artigo 6. ). O artigo 7. do decreto determina a penalização em que incorrem aqueles que actuem em contravenção à obrigação de comprovar a conformidade dos aparelhos em questão.

4 Ao abrigo do Decreto n. 85-712, o ministro de Reestruturação Industrial e do Comércio Externo emitiu, em 1 de Novembro de 1985, um aviso relativo aos terminais susceptíveis de serem ligados à rede de telecomunicações do Estado. O aviso esclarece, entre outros pontos, de que forma os interessados podem comprovar a conformidade dos terminais. Dispõe, a esse respeito, que o Centro Nacional de Estudos de Telecomunicações (CNET) foi encarregado pelo ministro da tutela da Indústria para proceder à emissão do relatório referido no artigo 6. do decreto já referido, que a aprovação é conferida pela Direcção-Geral das Telecomunicações, ao abrigo do código dos P e T, aos materiais que estejam em conformidade com as especificações constantes da lista anexa ao aviso, e que a efectivação de outras formas de comprovação previstas no artigo 6. se fará ulteriormente. Os debates perante o Tribunal de Justiça não esclareceram se, posteriormente ao aviso de Novembro de 1985, o sistema de emissão de documentos tinha sido instituído, além da aprovação e do relatório do CNET.

5 Considerando que o litígio coloca um problema de interpretação da regulamentação comunitária em causa, o tribunal de police de Vichy submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

"A directiva da Comissão de 16 de Maio de 1988 relativa à concorrência nos mercados de terminais de telecomunicações proíbe o processo que consiste em submeter à homologação da Sociedade Nacional de Telecomunicações os aparelhos telefónicos objecto de oferta de venda aos consumidores, e que prevê que a falta de menção dessa homologação nos ditos aparelhos seja punida com multa de mil e trezentos francos a dois mil e quinhentos francos, regulamentação essa instituída pelo Decreto n. 85-712 de 11 de Julho de 1985."

6 Para mais ampla exposição dos factos e do quadro regulamentar do litígio do processo principal, da tramitação do processo, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação do Tribunal.

7 Pela sua questão, o órgão jurisdicional nacional procura, essencialmente, saber se o artigo 6. da Directiva 88/301 se opõe a uma regulamentação nacional, regulamentação essa visada no caso do processo principal, que proíbe, sob pena de aplicação de sanções, aos operadores económicos fabricar, importar, deter para venda, vender ou distribuir aparelhos terminais sem comprovar, através da apresentação de aprovação, ou de qualquer outro documento considerado equivalente, a conformidade desses aparelhos com determinados requisitos essenciais que se prendem, nomeadamente, com a segurança dos utilizadores e com o bom funcionamento da rede, uma vez que não está assegurada, relativamente a qualquer operador que ofereça bens e/ou serviços no domínio das telecomunicações, a independência do organismo que confere a aprovação ou qualquer outro documento equivalente e elabora as especificações técnicas a que esses aparelhos devem obedecer.

8 O artigo 6. da Directiva 88/301 dispõe: "os Estados-membros garantem que, a partir de 1 de Julho de 1989, a elaboração das especificações... e o controlo da sua aplicação, bem como a aprovação serão efectuados por uma entidade independente das empresas públicas ou privadas responsáveis pela oferta de bens e/ou de serviços no domínio das telecomunicações".

9 Resulta das peças do processo que, por força das disposições do Decreto n. 86-129 de 28 de Janeiro de 1986 (artigos 13. a 15. ), a Direcção-Geral de Telecomunicações do Ministério dos P e T foi encarregada da exploração da rede pública, de implementar a política comercial de telecomunicações, de elaborar as especificações técnicas, de controlar a sua aplicação e de aprovar os aparelhos terminais. O Governo francês precisou perante o Tribunal que o Centro Nacional de Estudos das Telecomunicações (CNET), cujo relatório foi considerado como equivalente à aprovação, faz parte da Direcção-Geral das Telecomunicações enquanto centro de investigação.

10 Por Decreto n. 89-327 de 19 de Maio de 1989, que alterou o Decreto n. 86-129, a elaboração das especificações técnicas, o controlo da sua aplicação e a aprovação dos aparelhos terminais foram transferidos para a nova direcção de regulamentação geral do mesmo ministério.

11 Resulta, pois, da regulamentação em causa que, durante o período referido no caso do processo principal, diferentes direcções do Ministério francês dos P e T foram encarregadas, simultaneamente, da exploração da rede pública, de implementar a política comercial das telecomunicações, da elaboração das especificações técnicas, do controlo da sua aplicação e da aprovação dos aparelhos terminais.

12 Nestas circunstâncias, torna-se necessário verificar, à luz do disposto no artigo 6. da directiva, por um lado, se a administração francesa dos P e T pode ser considerada uma empresa pública na acepção do direito comunitário, e, por outro, se o critério da independência da entidade encarregada da elaboração das especificações, dos controlos e da aprovação é respeitado.

13 Quanto à noção de empresa, o artigo 1. , segundo travessão, da directiva precisa que esta visa "as entidades públicas ou privadas a que o Estado concede direitos especiais ou exclusivos de importação, de comercialização, de ligação, de entrada em funcionamento e/ou de manutenção de aparelhos terminais de telecomunicações".

14 Deve sublinhar-se, a este respeito, que, como no caso do processo principal, o facto de a exploração da rede pública e a comercialização dos aparelhos terminais estar confiada a entidades integradas na administração pública não pode retirar a estas últimas a qualificação de empresa pública. Com efeito, como o Tribunal verificou no contexto da Directiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas (JO L 195, p. 35), um organismo que exerça actividades económicas de carácter industrial ou comercial não tem de possuir necessariamente uma personalidade jurídica distinta do Estado para ser considerado como empresa pública. Se assim não fosse, seria atentar contra a eficácia das disposições da directiva em causa, bem como a uniformidade da sua aplicação em todos os Estados-membros (v. o acórdão de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália, 118/85, Colect., p. 2599, n. 13).

15 No que respeita à exigência de independência da entidade encarregada da elaboração das especificações, do controlo da sua aplicação, bem como da aprovação, basta verificar que as diferentes direcções de uma mesma administração não poderiam ser consideradas independentes umas das outras, na acepção do artigo 6. da directiva.

16 Nestas condições, deve-se responder ao órgão jurisdicional nacional que o artigo 6. da Directiva 88/301 se opõe a uma regulamentação nacional que proíba, sob pena de sanções, aos operadores económicos fabricar, importar, deter para venda, vender ou distribuir aparelhos terminais sem comprovar, mediante apresentação de aprovação ou de qualquer outro documento considerado equivalente, a conformidade desses aparelhos com determinados requisitos essenciais que se prendem, nomeadamente, com a segurança dos utilizadores e com o bom funcionamento da rede, uma vez que não está assegurada, relativamente a qualquer operador que ofereça bens e/ou serviços no domínio das telecomunicações, a independência do organismo que emite a aprovação ou qualquer outro documento equivalente e que formaliza as especificações técnicas às quais esses aparelhos devem corresponder.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

17 As despesas efectuadas pelos Governos francês e do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo tribunal de police de Vichy, por decisão de 5 de Março de 1991, declara:

O artigo 6. da Directiva 88/301/CEE da Comissão, de 16 de Maio de 1988, relativa à concorrência nos mercados de terminais de telecomunicações, opõe-se a uma regulamentação nacional que proíba, sob pena de sanções, aos operadores económicos fabricar, importar, deter para venda, vender ou distribuir aparelhos terminais sem comprovar, através da apresentação de aprovação ou de qualquer outro documento considerado como equivalente, a conformidade desses aparelhos com determinados requisitos essenciais que se prendem, nomeadamente, com a segurança dos utilizadores e com o bom funcionamento da rede, uma vez que não está assegurada, relativamente a qualquer operador que ofereça bens e/ou serviços no domínio das telecomunicações, a independência do organismo que emite a aprovação ou qualquer outro documento equivalente e formaliza as especificações técnicas às quais esses aparelhos devem corresponder.

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