COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 18.9.2020
COM(2020) 565 final
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES
Uma União da igualdade: plano de ação da UE contra o racismo 2020-2025
Precisamos de falar sobre o racismo. E precisamos de agir. Quando há vontade, a mudança é possível. Congratulo-me por viver numa sociedade que condena o racismo, mas não nos devemos ficar por aí. O lema da nossa União Europeia é «Unida na diversidade». Cabe-nos estar à altura destas palavras e dar expressão concreta ao seu significado.
Presidente Ursula von der Leyen (discurso ao Parlamento Europeu, 17 de junho de 2020)
1.Introdução: estar à altura do lema «Unida na diversidade»
A discriminação em razão da raça ou origem étnica é proibida na União Europeia e, no entanto, continua a existir na nossa sociedade. Não basta ser contra o racismo. Temos de atuar contra ele.
O racismo prejudica a sociedade de múltiplas formas. Mais diretamente, significa que um grande número de pessoas que vivem na Europa são vítimas de discriminação, pondo em causa a sua dignidade humana, oportunidades de vida, prosperidade e bem-estar, assim como, amiúde, a sua própria segurança pessoal. A discriminação implica igualmente o desrespeito de valores basilares da União Europeia. Todas as pessoas na União devem poder usufruir dos seus direitos e liberdades fundamentais e da igualdade de participação na sociedade, independentemente da sua origem racial ou étnica. A nossa força social, política e económica advém da unidade na diversidade – o racismo só nos torna mais fracos. A UE pode e deve fazer mais para garantir a igualdade de tratamento para todos.
Estamos agora num momento de balanço. Mais de metade dos europeus considera que esse tipo de discriminação é generalizado no seu país. Não se pode ignorar o conflito entre os nossos valores de igualdade e a realidade do racismo enraizado: o movimento «Black Lives Matter», que assumiu contornos globais, constitui disso um aviso inequívoco. Está na hora de reconhecer e atuar contra a prevalência do racismo e da discriminação racial. Está na hora de analisar o que podemos fazer agindo a nível local, nacional, europeu e internacional. A União Europeia assenta na diversidade e na promoção de uma sociedade do pluralismo, da tolerância e da não discriminação: precisamos de atuar não só porque é a nossa responsabilidade, mas também para honrarmos os nossos valores. O respeito dos valores começa em casa, na nossa própria instituição. A Comissão tomará medidas para melhorar significativamente a diversidade do seu pessoal e assegurar que todos possam prosperar e contribuir de maneira igual para o ambiente de trabalho.
O racismo assume várias formas. As manifestações explícitas de racismo individual e de discriminação racial são as mais óbvias. Com demasiada frequência, a origem racial ou étnica serve de pretexto para a discriminação – a pandemia de COVID-19 e o rescaldo dos ataques terroristas são apenas os casos mais recentes de situações em que as culpas foram injustamente apontadas a pessoas de minorias étnicas ou raciais. As pessoas de ascendência asiática e africana, os muçulmanos, os judeus e os ciganos têm sido vítimas de intolerância. Mas há outras formas de racismo e discriminação racial, como as que assentam em preconceitos inconscientes, que embora menos explícitas, podem ser igualmente lesivas. Os comportamentos racistas e discriminatórios podem estar arreigados nas instituições sociais, financeiras e políticas, repercutindo-se nas alavancas do poder e na formulação das políticas. Este racismo estrutural perpetua os obstáculos que se colocam aos cidadãos exclusivamente com base na sua origem racial ou étnica. Todos os dias, as vítimas do racismo sentem o seu impacto no acesso ao emprego, aos cuidados de saúde, à habitação, ao financiamento ou à educação, bem como nos casos de violência.
Há diferentes formas de racismo, por exemplo, contra negros, ciganos, judeus e asiáticos, que estão associadas a religiões ou crenças, como é o caso do ódio antimuçulmano. Todas elas levam a que, na prática, o valor de uma pessoa fique refém de estereótipos baseados em preconceitos. Para além da religião ou da crença, o racismo também se pode combinar com outras formas de discriminação e de ódio, designadamente em razão do género, orientação sexual, idade, deficiência ou condição de migrante. Há que tomá-lo em linha de conta recorrendo para o efeito a uma abordagem intersetorial.
A UE dispõe de instrumentos jurídicos e de uma política abrangente para construir uma verdadeira União da igualdade, estando em curso um reforço de áreas específicas neste domínio
. A Comissão complementará estes esforços temáticos através de uma estratégia global para garantir que a Carta dos Direitos Fundamentais da UE é efetivamente aplicada nos Estados-Membros e que os direitos da Carta, incluindo a igualdade e a não discriminação, são uma realidade para todos.
Este plano de ação prevê uma série de medidas destinadas a intensificar o trabalho neste domínio, dar voz às pessoas de minorias étnicas ou raciais e congregar os intervenientes a todos os níveis num esforço comum para combater o racismo de forma mais eficaz e construir uma vida sem racismo nem discriminação para todos.
2.Racismo a nível individual – combater os danos causados às pessoas e à sociedade
A discriminação no mercado de trabalho é motivo de preocupação não só durante a procura de emprego, mas também no trabalho, em cuja esfera 22 % dos respondentes indicaram sentir-se discriminados devido à sua origem étnica ou antecedentes migratórios.
Os elementos desencadeadores da discriminação de quem procurava um imóvel para compra ou arrendamento eram o nome (44 %), seguido da cor da pele ou do aspeto físico (40 %) e da nacionalidade (22 %). No atinente ao acesso a bens e serviços (administração pública, transportes públicos, lojas, restaurantes, etc.), os ciganos (28 %) e as pessoas de ascendência norte-africana (27 %) eram as que enfrentavam o grau mais elevado de discriminação. A discriminação racial era menos comum no setor dos cuidados de saúde (3 % no ano passado), embora se registassem fortes disparidades entre diferentes grupos: a discriminação era mais elevada entre os ciganos (8 %), cuja esperança de vida também é inferior à da população em geral.
Os dados do inquérito mostram igualmente que as considerações raciais influenciam a probabilidade de se ser alvo de controlos policiais. Dos 14 % de inquiridos que afirmaram ter sido interpelados pela polícia no último ano, 40 % sentiram que essa interpelação se deveu à sua origem étnica ou antecedentes migratórios.
Globalmente, 3 % dos respondentes afirmaram ter sido vítimas de violência racista no último ano, enquanto 24 % sofreram assédio racista no mesmo período. Quase metade (47 %) dos respondentes judeus mostraram-se apreensivos com a possibilidade de serem vítimas de assédio ou insultos verbais antissemitas, enquanto mais de um terço (40 %) receia poder ser atacado fisicamente em espaços públicos. Todavia, a violência e o assédio motivados pelo ódio continuam muitas vezes a não ser denunciados. Os dados do inquérito da FRA junto de pessoas de ascendência africana mostram, por exemplo, que quase dois terços (64 %) das vítimas de violência racista não comunicaram à polícia ou outra organização ou serviço o mais recente incidente desse teor.
2.1.Combater o racismo e a discriminação racial por via da legislação: revisão e ação
Hoje em dia, as ações a nível europeu para combater a discriminação, o racismo, a xenofobia e outros tipos de intolerância assentam num quadro jurídico europeu estabelecido. Têm por base uma série de disposições dos Tratados, bem como os princípios gerais da não discriminação e da igualdade, igualmente reafirmados na Carta dos Direitos Fundamentais da UE.
Embora a luta contra o racismo exija uma intervenção firme numa multiplicidade de domínios, a proteção oferecida pela lei é crucial. Um sistema abrangente de proteção contra a discriminação requer, antes de mais, uma aplicação eficaz do quadro jurídico, a fim de garantir o respeito na prática dos direitos e obrigações individuais. Implica também assegurar que não há lacunas nesta proteção. Acontecimentos recentes associados a tensões raciais suscitaram preocupações de que as proteções jurídicas contra a discriminação racial ou étnica não estivessem a ser efetivamente aplicadas, somando-se às preocupações quanto à relação entre os organismos responsáveis pela aplicação da lei e as minorias (ver secção 2.2 abaixo).
A Comissão realizará uma avaliação exaustiva do quadro jurídico existente para determinar o modo de melhorar a sua execução, analisar se permanece adequado aos fins a que se destina, e verificar se existem lacunas a colmatar. Esta avaliação basear-se-á no acompanhamento em curso da transposição e aplicação da legislação da UE, em especial no seu diálogo regular com os Estados-Membros e no próximo relatório sobre a aplicação da Diretiva Igualdade Racial. As reações das partes interessadas, em particular as que representam as preocupações das vítimas do racismo e da discriminação racial, também serão essenciais para identificar o que precisa de mudar para maximizar o alcance e o impacto da ação da UE.
Diretiva Igualdade Racial e organismos para a igualdade
A Diretiva Igualdade Racial
tem moldado a proteção jurídica contra a discriminação em razão da origem racial ou étnica ao longo de mais de duas décadas. Proíbe a discriminação direta e indireta em razão da origem racial ou étnica nos domínios do emprego e da atividade profissional, da educação e da proteção social, incluindo os cuidados de saúde, os benefícios sociais e o acesso e fornecimento de bens e serviços disponíveis à população, como a habitação. Nos últimos anos, a Comissão reforçou o acompanhamento da sua aplicação. Objeto de particular atenção foi a discriminação das crianças ciganas no ensino. Em 2021, a Comissão apresentará um relatório sobre a aplicação
da diretiva, prevendo avançar eventuais propostas legislativas até 2022. O relatório examinará as lições a retirar da aplicação da diretiva e identificará eventuais lacunas: uma área a analisar especificamente no contexto de uma eventual nova proposta legislativa é a execução da lei. O relatório contribuirá igualmente para dar continuidade às ações destinadas a dar prioridade aos processos por infração com forte impacto.
A diretiva exige que todos os Estados-Membros designem um ou mais órgãos que proporcionem assistência independente às vítimas de discriminação, promovam a igualdade, levem a cabo inquéritos independentes, publiquem relatórios independentes e formulem recomendações. Estes organismos para a igualdade são essenciais para garantir que as pessoas e os grupos vítimas de discriminação possam exercer plenamente os seus direitos, devendo estar aptos a desempenhar eficazmente as tarefas que lhes são confiadas pela legislação da UE. O direito da União, contudo, dá margem de manobra aos Estados-Membros no atinente aos poderes e ao funcionamento dos organismos para a igualdade. Esta situação gera grandes disparidades entre os organismos nacionais para a igualdade, o que a Comissão procurou atenuar por meio da sua Recomendação relativa às normas aplicáveis aos organismos para a igualdade de tratamento, de 2018. O papel e a independência destes organismos e a necessidade potencial de nova legislação para reforçar o seu papel será um tema importante do relatório de 2021.
A Comissão exorta igualmente os Estados-Membros a desenvolverem o contencioso estratégico a nível nacional, em consonância com a referida recomendação da Comissão e de acordo com as normas processuais nacionais. O contencioso estratégico é fundamental para uma maior sensibilização do público e para progredir na clarificação e na proteção dos direitos humanos.
Atualmente, a legislação europeia contra a discriminação para lá das esferas do emprego e da formação profissional aplica-se apenas ao género e à origem racial ou étnica. Não há uma abordagem transversal que abranja todas as formas de discriminação. Por forma a colmatar as lacunas em matéria de proteção contra qualquer forma de discriminação, a Comissão continuará a fomentar o progresso no sentido da unanimidade exigida no Conselho para adotar a sua proposta de 2008 com vista a aplicar a igualdade de tratamento entre as pessoas independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual
.
Decisão-quadro relativa à luta contra o racismo e a xenofobia e outros meios jurídicos de luta contra o racismo
A decisão-quadro relativa à luta por via do direito penal contra certas formas e manifestações de racismo e xenofobia visa garantir que as manifestações graves de racismo e xenofobia sejam puníveis com sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas em toda a UE. A aplicação efetiva deste instrumento é fundamental para assegurar que os discursos de incitamento ao ódio e os crimes de ódio recebem uma resposta penal eficaz e que as vítimas de crimes são reconhecidas e dotadas de um recurso efetivo. A decisão-quadro é complementada pela Diretiva Direitos das Vítimas, que, entre outras coisas, visa assegurar a justiça, a proteção e o apoio às vítimas de crimes de ódio e de incitamento ao ódio.
Desde 2014, a Comissão tem acompanhado a transposição da decisão-quadro para os sistemas jurídicos dos Estados-Membros. Há sérias preocupações sobre se os códigos penais nacionais criminalizam corretamente o discurso de ódio e os crimes de ódio. A Comissão fará um esforço abrangente, com caráter prioritário, para assegurar a plena e correta transposição e aplicação da decisão-quadro em toda a UE, particularmente quando a definição de discurso de ódio ou a criminalização dos crimes de ódio não tiverem sido corretamente transpostas para o direito nacional, e instaurará processos por infração, caso necessário.
Também há racismo em linha. A decisão-quadro exige que os Estados-Membros criminalizem a incitação pública à violência ou ao ódio por motivos de cor, religião, ascendência ou origem nacional, racional ou étnica, inclusivamente quando praticada em linha. Todavia, os discursos ilegais de incitação ao ódio em linha continuam a aumentar e a incitação ao ódio racista é uma ocorrência comum. Há quatro anos, a Comissão lançou o código de conduta sobre discursos ilegais de incitação ao ódio em linha, contando com o compromisso voluntário das plataformas de tecnologias da informação de reverem e, se necessário, eliminarem os conteúdos ilegais de incitação ao ódio. A quinta avaliação do código mostra que se alcançaram progressos consideráveis em matéria de eliminação do discurso de ódio em linha
, mas as plataformas têm ainda um caminho a percorrer em termos de reforço da transparência e do retorno da informação dos utilizadores. A Comissão continuará a cooperar com as empresas informáticas e a alargar estes esforços a outras plataformas de redes sociais, incluindo as que são utilizadas sobretudo por crianças e adolescentes, bem como a promover medidas práticas para combater o discurso de ódio em linha e a fomentar a aceitação da diversidade.
O ato legislativo sobre os serviços digitais constituirá a etapa seguinte, destinando-se a aumentar e a harmonizar as responsabilidades das plataformas em linha e dos prestadores de serviços de informação, bem como a reforçar a supervisão das políticas de conteúdo das plataformas na UE
. As opções em apreciação incluem obrigações de criar sistemas de notificação e ação, bem como obrigações de comunicação de informações e de transparência que exijam que as plataformas forneçam informações sobre o modo como lidam com discursos ilegais, incluindo discursos de ódio. Tal não só permitiria promover políticas de moderação de conteúdos aptas a salvaguardar a liberdade de expressão em linha, mas também constituiria uma base para a recolha de dados sobre a extensão e os tipos de discursos de ódio racista em linha, ajudando a sociedade civil e os responsáveis políticos a formular políticas que combatam eficazmente o racismo.
Sob a égide do Fórum Internet da UE, a Comissão está a trabalhar com os Estados-Membros e as empresas da Internet numa lista de referência de símbolos e grupos extremistas violentos proibidos, a utilizar a título voluntário na definição das suas políticas de moderação de conteúdos. A lista deverá ser apresentada na reunião ministerial do Fórum Internet da UE, em dezembro de 2020.
A Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual
estabelece requisitos para proteger os utilizadores de serviços de comunicação social audiovisual e de plataformas de partilha de vídeos contra o incitamento à violência ou ao ódio, bem como contra comunicações comerciais audiovisuais discriminatórias. Obriga ainda as plataformas de partilha de vídeos a tomarem medidas adequadas para proteger os utilizadores contra conteúdos racistas e xenófobos.
Importa sublinhar que quaisquer medidas que limitem o direito à liberdade de expressão devem respeitar os requisitos enunciados nos artigos 11.º e 52.º da Carta dos Direitos Fundamentais, quando aplicável, e as tradições constitucionais dos Estados-Membros.
A Comissão irá:
-elaborar um relatório sobre a execução da Diretiva Igualdade Racial em 2021;
-apresentar, no horizonte de 2022, a legislação necessária para corrigir as deficiências, incluindo o reforço do papel e da independência dos organismos para a igualdade;
-assegurar a plena e correta transposição e aplicação da Decisão-Quadro relativa à luta contra o racismo e a xenofobia em toda a UE, inclusivamente através de processos por infração.
A Comissão insta os Estados-Membros a:
-velarem pela plena transposição e a devida aplicação do direito da União nos Estados-Membros;
-chegarem rapidamente a acordo sobre a proposta da Comissão de 2008, destinada a aplicar o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.
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2.2.Para além da legislação da UE – fazer mais para combater o racismo no dia-a-dia
Combater a discriminação por parte das autoridades responsáveis pela aplicação da lei
Um policiamento eficiente e o respeito pelos direitos fundamentais são elementos complementares. As autoridades responsáveis pela aplicação da lei são intervenientes fundamentais para garantir o cumprimento da lei e a segurança. O reconhecimento da diversidade e a garantia de uma aplicação justa da lei são essenciais para combater o racismo. Há, todavia, antecedentes de longa data de discriminação neste domínio: a FRA incluiu a definição ilícita de perfis e a ação policial no âmbito da sua investigação. Esse tipo de discriminação pode corroer a confiança dos cidadãos nas autoridades e ter outras repercussões negativas, como a baixa taxa de denúncia de crimes e a resistência à autoridade pública.
As agências da UE, como a FRA e a Agência da União Europeia para a Formação Policial (CEPOL), já contribuíram com recursos significativos
para reforçar a capacidade dos Estados-Membros para assegurar o respeito dos direitos e dos princípios fundamentais pelos intervenientes estatais, em particular no domínio da não discriminação. Também houve organizações internacionais que contribuíram para esse objetivo.
A definição de perfis é um instrumento regularmente utilizado, com legitimidade, pelos agentes responsáveis pela aplicação da lei para prevenir, investigar e reprimir infrações penais. Todavia, a definição de perfis que resulta em discriminação com base em categorias particulares de dados pessoais – como dados reveladores da origem racial ou étnica – é ilegal
. Em julho de 2020, a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa (CERI) alertou especificamente contra a definição de perfis raciais
.
Através do grupo de alto nível sobre a luta contra o racismo, a xenofobia e outras formas de intolerância, a Comissão apoiará os Estados-Membros na prevenção de atitudes discriminatórias no âmbito da aplicação da lei, desenvolvendo as competências necessárias para a investigação e a ação penal contra os crimes de ódio e assegurando um tratamento justo e adequado das vítimas. Tal incluirá um levantamento das principais lacunas e necessidades nos Estados-Membros, bem como ações de formação para detetar e reprimir os crimes de ódio. A FRA será convidada a recolher e a divulgar boas práticas que promovam o policiamento justo, com base no respetivo manual de formação já existente e no guia sobre a prevenção da definição de perfis ilícitos. A agência deve igualmente continuar a recolher e a publicar dados sobre as atitudes da polícia para com as minorias. A CEPOL deve intensificar o seu trabalho sobre pacotes de formação abrangentes em matéria de direitos humanos, ética e racismo, bem como reforçar a sensibilização para o policiamento justo e inclusivo junto dos quadros médios e superiores da polícia, bem como dos representantes das autoridades responsáveis pela aplicação da lei.
A baixa taxa de denúncia de crimes de ódio com um motivo racista
constitui um sério obstáculo à aplicação da lei e à elaboração de políticas. A recente estratégia da UE no domínio dos direitos das vítimas
reconhece que as vítimas de crimes oriundas de comunidades ou minorias desfavorecidas ou vulneráveis podem ter pouca confiança nas autoridades públicas, o que as leva a não denunciarem crimes. Um ambiente seguro para as vítimas denunciarem crimes é uma das cinco prioridades principais da estratégia. A diversidade do pessoal que trabalha nos serviços responsáveis pela aplicação da lei e pelo policiamento inclusivo pode reforçar o grau de confiança nas autoridades e melhorar assim a denúncia de crimes. A CERI incentivou vivamente os Estados-Membros a desenvolverem processos de recrutamento que assegurem que a composição da polícia reflita a diversidade da população, bem como quadros de diálogo entre a polícia e os membros dos grupos minoritários. A confiança é fundamental para reforçar a cooperação de todos e, nesse sentido, melhorar a eficácia da aplicação da lei. O atual grupo de trabalho sobre o registo dos crimes de ódio, recolha de dados e incentivo à denúncia desenvolverá princípios orientadores fundamentais sobre o modo de incentivar as vítimas a denunciarem crimes de ódio. Por sua vez, a FRA publicará em 2021 um relatório sobre o incentivo à denúncia dos crimes de ódio.
Segurança
Alguns Estados-Membros tomaram medidas para proibir grupos racistas e respetivos símbolos, amiúde ao abrigo da legislação contra crimes de ódio, discursos de ódio ou terrorismo, ou estabeleceram sanções penais associadas à negação de crimes contra a humanidade e/ou do nazismo e do fascismo, bem como à propaganda a favor de grupos terroristas. A Comissão trabalhará em conjunto com os Estados-Membros em prol de um melhor entendimento comum sobre a forma de lidar com os grupos extremistas violentos. Tal inclui um levantamento das respostas nacionais ao extremismo violento, a apresentar aos grupos de trabalho pertinentes do Conselho em novembro de 2020. A colaboração com os Estados-Membros prosseguirá a fim de identificar lacunas, boas práticas e recomendações no combate ao extremismo violento, a apresentar no início de 2021.
Há que assegurar uma melhor proteção dos locais onde as pessoas se reúnem. Embora essa questão seja fundamentalmente da competência dos Estados-Membros, a Comissão intensificou esforços no âmbito do plano de ação de 2017 para apoiar a proteção dos espaços públicos
. Nos últimos anos, tanto na Europa como a nível mundial, vários ataques terroristas visaram pessoas em locais de culto, motivados amiúde pelo ódio racial
. A Estratégia para a União da Segurança explicou o modo como a Comissão iria trabalhar com o setor privado e com os órgãos de poder regional e local para minimizar os riscos para as pessoas nos espaços públicos.
Riscos das novas tecnologias
Entre as inúmeras possibilidades que oferecem, a transição digital e o desenvolvimento de novas tecnologias podem servir para reforçar a luta contra o racismo. Contudo, a menos que suficiente e adequadamente enquadrados, também podem pôr em causa a igualdade racial, a não discriminação e igualdade de oportunidades de uma forma mais geral. O Livro Branco da Comissão sobre a inteligência artificial (IA)
expôs o modo como determinadas utilizações desta tecnologia em desenvolvimento acelerado implicam uma série de riscos potenciais. A utilização de algoritmos pode perpetuar ou mesmo estimular a tendenciosidade racial se os dados utilizados para treinar os algoritmos não refletirem a diversidade da sociedade da União Europeia.
A título de exemplo, há estudos que demonstraram que os algoritmos de reconhecimento facial baseados na inteligência artificial podem apresentar elevadas taxas de erro de classificação quando utilizadas em relação a alguns grupos demográficos, como as mulheres e as pessoas de minorias étnicas ou raciais. Esta situação pode gerar resultados tendenciosos e, em última análise, discriminação. A Comissão e a agência EU-LISA estão a trabalhar no domínio das tecnologias de reconhecimento facial a utilizar nos grandes sistemas informáticos da UE para fins de gestão das fronteiras e de segurança.
As regras da UE em matéria de proteção de dados já contêm uma série de garantias relativas ao tratamento de dados biométricos para efeitos de identificação inequívoca de uma pessoa singular. A futura proposta de um quadro legislativo horizontal em matéria de IA abordará especificamente o risco de tendenciosidade e de discriminação nos sistemas de IA. Deverá propor requisitos específicos para a qualidade dos conjuntos de dados de formação e dos procedimentos de ensaio para a deteção e a correção de resultados tendenciosos que servirão para prevenir efeitos discriminatórios negativos numa fase incipiente, e assegurar o acompanhamento e a vigilância contínuos do cumprimento da legislação vigente em matéria de igualdade ao longo de todo o ciclo de vida da inteligência artificial. A identificação biométrica à distância e outras tecnologias de vigilância intrusivas podem ser consideradas entre as aplicações de inteligência artificial de alto risco que teriam de cumprir requisitos específicos e ser objeto de uma avaliação de conformidade ex ante.
Emprego, educação, saúde e habitação
Não obstante o quadro jurídico avançado contra a discriminação, persistem desigualdades no acesso ao emprego, à educação, aos cuidados de saúde e à habitação, sendo necessário apoiar a legislação por meio de medidas políticas. Nos casos em que a proteção jurídica é insuficiente, a Comissão também combaterá o racismo através de programas políticos e de financiamento.
O Pilar Europeu dos Direitos Sociais visa trazer equidade para todos os cidadãos na sua vida quotidiana, quer estejam a aprender, a trabalhar, a procurar emprego ou na reforma; quer vivam em zonas urbanas ou em zonas rurais; independentemente das suas características pessoais, incluindo a origem racial ou étnica. O plano de ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais – que a Comissão apresentará em 2021 – continuará a apoiar a igualdade no mercado de trabalho, inclusive para as pessoas de minorias étnicas ou raciais
. Ainda em 2021, a Comissão apresentará uma Garantia para as Crianças que terá por objetivo assegurar uma melhor inclusão social de todas as crianças necessitadas e assegurar o seu acesso a serviços essenciais.
A construção de uma Europa próspera e social depende de todos nós. A crise da COVID-19 veio, no entanto, expor ou inclusive exacerbar as desigualdades existentes. Tirando pleno partido das possibilidades oferecidas pelo instrumento de recuperação Next Generation EU e pelo instrumento de apoio técnico para as reformas estruturais, a Comissão trabalhará com os Estados-Membros para assegurar que o apoio em domínios como o mercado de trabalho, a educação e a formação, a proteção social, os cuidados de saúde e a habitação contribua para a igualdade.
No período de programação de 2021-2027, os fundos da UE apoiarão os esforços dos Estados-Membros para promover a inclusão social, assegurando a igualdade de oportunidades para todos e combatendo a discriminação. Os fundos da UE promoverão o desenvolvimento de infraestruturas e a igualdade de acesso ao mercado de trabalho, a cuidados sociais e de saúde, à habitação e a serviços de ensino e formação de elevada qualidade não segregados e inclusivos para todos, com destaque para os grupos desfavorecidos.
-Emprego
No domínio do emprego, a proibição de discriminação abrange os motivos relacionados com o género, a origem racial ou étnica, a deficiência, a idade, a orientação sexual e a religião ou crença. No entanto, a discriminação no trabalho ou durante a procura de trabalho é generalizada, podendo assumir muitas formas e afetar alguns grupos mais do que outros
. As pessoas de ascendência africana, por exemplo, constatam que há um desfasamento particularmente forte entre a qualidade do seu emprego e o seu nível de educação, manifestando-se numa taxa de trabalho remunerado inferior entre as pessoas com habilitações de ensino superior em comparação com a população em geral
. Há provas de que os candidatos que se identificam abertamente como muçulmanos nos seus currículos recebem menos convites para entrevistas de emprego do que candidatos igualmente qualificados que apresentam um CV «neutro em termos religiosos». A taxa de jovens de origem norte‑africana, ascendência africana ou de comunidades ciganas que não trabalham, não estudam nem seguem qualquer formação também é muito mais elevada do que a da população em geral
. É provável que estes problemas se agudizem com a crise da COVID‑19, uma vez que as recessões económicas tendem a agravar as desigualdades. A este respeito, a plena aplicação e execução dos instrumentos jurídicos existentes é fundamental. O plano de ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais contribuirá igualmente para combater melhor a discriminação no domínio do emprego.
Além disso, dispor das competências adequadas significa ser capaz de obter mais facilmente um emprego, permanecer empregado e gerir melhor as transições entre empregos. Tal exige a igualdade de acesso a oportunidades adicionais de melhoria de competências para todas as pessoas, independentemente da sua origem racial ou étnica, bem como de outros motivos de discriminação. A Comissão adotou recentemente uma Agenda de Competências para a Europa que elege a equidade social como um dos seus pilares fundamentais, incluindo uma Recomendação do Conselho sobre o ensino e a formação profissionais (EFP), que apela para que os programas neste domínio sejam inclusivos para os grupos vulneráveis, incluindo as pessoas de minorias étnicas ou raciais. Os jovens de grupos desfavorecidos, como os jovens de minorias étnicas ou raciais ou os jovens migrantes, enfrentam obstáculos adicionais à entrada no mercado de trabalho. A Garantia para a Juventude reforçada reconhece este problema e recomenda que os Estados-Membros intensifiquem as suas ações junto dos jovens mais vulneráveis e prestem a devida atenção a todas as formas de discriminação. A Rede europeia de serviços públicos de emprego (SPE) fará um levantamento das abordagens à não discriminação nos serviços públicos de emprego em toda a UE e promoverá a aprendizagem mútua nessa base
. As empresas sociais e, de um modo mais geral, a economia social, também podem ser pioneiras no movimento contra a desigualdade racial e o seu papel será abordado no plano de ação europeu para a economia social que a Comissão apresentará em 2021.
-Educação
Em conformidade com a Diretiva Igualdade Racial, as crianças devem ter igualdade de acesso à educação, qualquer que seja a sua origem racial ou étnica. Os professores devem receber formação para estarem aptos a trabalhar com todas as crianças e serem sensíveis às necessidades dos alunos de diferentes origens, nomeadamente sobre questões relacionadas com a discriminação racial. As escolas devem ser espaços seguros, livres de assédio, racismo e discriminação. Há que ensinar desde cedo as crianças sobre a igualdade, o respeito e a inclusão e habilitá-las a promoverem esses valores entre os seus pares e nas suas comunidades.
Embora a responsabilidade pelo conteúdo e pela organização dos sistemas de ensino e formação caiba aos Estados-Membros, o reforço da educação inclusiva é uma das prioridades da cooperação europeia. A inclusão e a equidade na educação serão uma das dimensões prioritárias do Espaço Europeu da Educação. Este imperativo de inclusão e equidade aplica-se igualmente à aprendizagem e à educação digitais, ao abrigo da versão atualizada do Plano de Ação para a Educação Digital a apresentar este ano. Em 2021, a Comissão apresentará uma estratégia global sobre os direitos da criança, que incluirá ações de combate ao racismo e à discriminação. As escolas têm um papel fundamental a desempenhar na redução dos estereótipos raciais e dos preconceitos entre as crianças.
Os jovens podem ser igualmente importantes na luta contra o racismo e a discriminação. A Comissão, juntamente com os Estados-Membros, recolheu pontos de vista de jovens europeus através do Diálogo da UE com a Juventude, que se traduziu na elaboração de onze objetivos europeus para a juventude. Estes objetivos delineiam uma visão de uma Europa que capacita os jovens para realizarem o seu pleno potencial e promoverem a igualdade e sociedades inclusivas.
O programa Erasmus+ financia projetos que contribuam para a integração de pessoas de minorias raciais ou étnicas. Do mesmo modo, o Corpo Europeu de Solidariedade pode promover atividades de solidariedade orientadas para a luta contra o racismo e a discriminação, bem como uma ampla participação. Os futuros programas velarão pela realização de esforços para promover a inclusão social e melhorar a sensibilização das pessoas com menos oportunidades, procurando, nomeadamente, superar os obstáculos enfrentados pelos grupos e as minorias sub-representados no acesso às oportunidades oferecidas pelos programas, dotando os organizadores de projetos e respetivos participantes de instrumentos para interagirem com a sensibilidade devida com pessoas de diferentes origens.
A Rede de Sensibilização para a Radicalização
apoiará os professores, os técnicos de juventude e a comunidade em geral de todas as faixas etárias no sentido de aprenderem a lidar com a polarização dos debates e a estigmatização do discurso na sala de aula.
-Saúde
A crise da COVID-19 expôs as consequências das desigualdades existentes no plano da saúde que afetam as pessoas de minorias étnicas ou raciais. O racismo provoca traumas e também pode, por isso, afetar a saúde mental das pessoas. O novo Programa UE pela Saúde (EU4Health) e o plano europeu de luta contra o cancro abordarão as desigualdades no domínio da saúde, levando em conta as necessidades específicas dos diferentes grupos. O intercâmbio de boas práticas entre os profissionais de saúde em toda a UE e os debates com as organizações de doentes e a sociedade civil contribuirão para garantir uma abordagem centrada no doente e atenta às necessidades específicas das pessoas de minorias étnicas ou raciais. A Plataforma para a Política de Saúde da UE porá uma tónica específica na redução das desigualdades baseadas na origem racial ou étnica e transmitirá as propostas da sociedade civil aos decisores políticos no domínio da saúde a nível nacional e da UE. O grupo diretor para a promoção da saúde, prevenção das doenças e gestão de doenças não transmissíveis, da Comissão, será convidado a selecionar boas práticas em matéria de inclusão das pessoas de minorias étnicas ou raciais nas estratégias de prevenção da saúde, visando expandi-las com o apoio orçamental da UE. Outros projetos de investigação ao abrigo do Horizonte Europa também poderão contribuir para este trabalho. Há que examinar os fatores socioeconómicos determinantes da saúde do ponto de vista racial.
-Habitação
As vítimas de discriminação racial estão mais expostas ao risco de más condições de habitação e de segregação residencial. A discriminação no mercado da habitação reforça a segregação, com repercussões em termos da educação e das oportunidades de emprego, tendo, no caso das famílias com filhos, um considerável impacto negativo no desenvolvimento das crianças.
As autoridades nacionais e locais são as principais responsáveis pelas medidas destinadas a prevenir e/ou combater a segregação social e residencial. Os fundos da política de coesão
continuarão a ser instrumentos fundamentais no período de 2021-2027 para apoiar ações em prol da habitação não segregada e assegurar o acesso a serviços inclusivos e de elevada qualidade. Continuará a ser essencial garantir a conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da UE, negando apoio financeiro a ações que contribuam para criar novas formas de segregação. A iniciativa Vaga de Renovação da Comissão promoverá a eficiência energética na habitação social e noutros tipos de alojamento de pessoas com baixos rendimentos.
A Comissão irá:
-assegurar que o quadro legislativo horizontal em matéria de IA aborde especificamente o risco de tendenciosidade e de discriminação nos sistemas de IA;
-utilizar medidas e programas de financiamento para combater o racismo e a discriminação no acesso ao emprego, ao ensino e formação, aos cuidados de saúde, à proteção social e à habitação;
-garantir que a futura estratégia global sobre os direitos da criança preveja ações específicas em matéria de luta contra o racismo e a discriminação.
A Comissão insta os Estados-Membros a:
-redobrar esforços para evitar atitudes discriminatórias por parte das autoridades responsáveis pela aplicação da lei e fortalecer a credibilidade do seu trabalho contra os crimes de ódio;
-fazer um levantamento das respostas nacionais ao extremismo violento e identificar lacunas e boas práticas no combate a este fenómeno.
A FRA deve recolher dados e divulgar boas práticas que promovam um policiamento justo. A CEPOL deve proporcionar programas de formação eficazes.
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3.Racismo estrutural – atacar o problema subjacente
O racismo está amiúde profundamente entranhado na história das nossas sociedades e interligado com as suas raízes e normas culturais. Pode refletir-se no modo de funcionamento da sociedade, de distribuição do poder e de interação dos cidadãos com o Estado e os serviços públicos. Pode ser inconsciente e traduz-se muitas vezes numa desatenção em relação aos interesses das pessoas vítimas de racismo, mesmo que não haja necessariamente uma tentativa direta de as excluir. Uma vez que o impacto do racismo estrutural pode ser tão profundo e prejudicial como o do racismo individual, há que reconhecer a sua existência e combatê-lo através de políticas proativas. Uma perspetiva intersetorial aprofunda a compreensão do racismo estrutural e torna as respostas mais eficazes.
3.1.Políticas para inverter a tendência
Combater os estereótipos e reforçar a consciência histórica
Os estereótipos podem perdurar ao longo de séculos, exercendo uma influência tenaz sobre as atitudes e tendendo a se autoperpetuarem. Com muita frequência, medram em ambientes favoráveis a divisões sociais que colocam as minorias num espaço distinto da maioria, tanto em termos sociais como físicos.
Antes de mais, fazer frente aos preconceitos e aos estereótipos pode passar pelo reconhecimento das raízes históricas do racismo. O colonialismo, a escravatura e o Holocausto são parte integrante da nossa história e têm consequências profundas para a sociedade de hoje. Velar pela memória é um elemento importante do esforço para fomentar a inclusão e a compreensão: a UE deveria, por exemplo, assinalar explicitamente os principais dias comemorativos associados ao racismo, como o Dia Internacional da Abolição da Escravatura
, como proposto pelo Parlamento Europeu. A história e o ensino da história são um aspeto importante da programação do Conselho da Europa na área da educação
. Em julho de 2020, o Conselho da Europa adotou uma recomendação em que apelava para a inclusão da história dos ciganos e/ou das comunidades itinerantes nos programas escolares e nos materiais de ensino. No âmbito da ação da UE no domínio da cultura e dos valores, o programa Europa Criativa e o programa Cidadania, Igualdade, Direitos e Valores apoiarão projetos destinados a eliminar os obstáculos e incentivar a inclusão social e a participação de grupos sub-representados e desfavorecidos, incluindo aspetos como o lugar das minorias na sociedade europeia e o legado histórico do colonialismo.
A forma como as pessoas de uma minoria étnica ou racial são retratadas nos meios de comunicação social, se é que são de todo retratadas, pode reforçar os estereótipos negativos, uma tendência que a sua sub-representação nas profissões deste setor só vem reforçar ainda mais. Para um debate democrático equilibrado é necessário dispor de meios de comunicação social independentes e pluralistas. A promoção de discursos equilibrados e positivos, o reforço da sensibilização e do conhecimento dos jornalistas, bem como a promoção da literacia mediática, são modos cruciais de contribuir para sociedades inclusivas. Com base nos seminários sobre os ciganos, a Comissão realizará uma série de seminários sobre estereótipos raciais e étnicos que reúnam jornalistas, organizações da sociedade civil e representantes de pessoas de minorias étnicas ou raciais. Além disso, a Comissão está a trabalhar com a Federação Europeia de Jornalistas numa série de seminários em linha previstos para o início de 2021 com o objetivo de consciencializar e fomentar uma narrativa equilibrada no modo como se fala dos muçulmanos e do Islão. As indústrias culturais e criativas enfrentam desafios semelhantes, como a sub-representação das minorias junto dos produtores de filmes ou estereótipos noutras formas de produção cultural. Ao mesmo tempo, estas indústrias podem ser veículos poderosos para promover a igualdade, a diversidade e a inclusão.
Em 2021 e nos anos seguintes, com base nos ensinamentos retirados de iniciativas anteriores, a Comissão promoverá ações de sensibilização através de atividades de comunicação específicas, procurando contar com a participação de altas personalidades do mundo político, desportivo, empresarial ou cultural e convidando as organizações com maior alcance a prestarem o seu apoio.
Um dos objetivos da desinformação pode ser visar as minorias em particular e fomentar a agitação social em geral. A pandemia de COVID-19 forneceu muitos exemplos disso. O trabalho do Observatório Europeu dos Meios de Comunicação Digitais no sentido de apoiar os verificadores de factos e os investigadores na luta contra a desinformação centrar‑se-á especificamente na desinformação e nas conspirações que visam as comunidades minoritárias. Neutralizar as narrativas de discriminação racial que se propagam através da desinformação também é uma parte importante das campanhas de literacia mediática. Os projetos de literacia mediática para todos
apoiam estes objetivos. Este trabalho será desenvolvido no próximo Plano de Ação para a democracia europeia e no plano de ação para os meios de comunicação social e audiovisual.
A ação da UE no plano do desporto também prioriza projetos que combatem estereótipos e promovem a inclusão social pelo desporto, inclusive em cooperação com organizações-chave, como a União das Federações Europeias de Futebol (UEFA) e a Federação Internacional de Futebol (FIFA). Ao abrigo programa Erasmus+ para 2021-2027, o foco específico nos desportos de base facilitará a participação de pessoas de todas as origens, incluindo as pertencentes a minorias étnicas ou raciais. O setor cultural, desde a música ao cinema e às artes do espetáculo, é um domínio poderoso para promover a inclusão e combater o racismo.
Dados fiáveis para escolhas políticas informadas
É essencial dispor de dados exatos e comparáveis para que os decisores políticos e o público possam avaliar a escala e a natureza da discriminação sofrida e para a conceção, adaptação, acompanhamento e avaliação das políticas. Tal exige a desagregação de dados por origem étnica ou racial. No entanto, em comparação com os dados relativos a outros motivos de discriminação, como o sexo, a deficiência e a idade, esses dados são relativamente escassos. Os obstáculos incluem problemas no estabelecimento de uma metodologia comum, sendo que alguns Estados-Membros recolhem esses dados, enquanto outros evitam deliberadamente esta abordagem. Em consequência disso, muitos inquéritos centram-se na perceção da discriminação ou utilizam indicadores de substituição como a cidadania ou o país de nascimento. A recolha de dados fiáveis e comparáveis a nível europeu e nacional é um pré‑requisito essencial para uma ação eficaz.
A FRA desempenha um papel importante, trabalhando, por exemplo, com a Comissão com vista a apoiar os esforços dos Estados-Membros para melhorar a recolha e o registo de dados sobre crimes de ódio. Nos próximos dois anos, a FRA realizará novos inquéritos sobre a situação dos imigrantes e dos descendentes de imigrantes, bem como sobre a discriminação e os crimes de ódio contra os judeus. Continuarão a realizar-se regularmente inquéritos Eurobarómetro sobre a discriminação
, a fim de permitir acompanhar ao longo do tempo as mudanças nas atitudes e nas perceções.
Os organismos para a igualdade podem cooperar de forma útil para examinar os seus próprios sistemas de recolha de dados em matéria de igualdade, enfrentar os obstáculos à sua eficácia e/ou comparabilidade e interoperabilidade, e ponderar a melhor forma de melhorar e coordenar a recolha de dados. A Comissão apoiará os esforços para desenvolver essa coordenação.
Contudo, impõe-se dar um passo mais significativo no sentido de uma nova abordagem em matéria de recolha de dados sobre a igualdade. Uma condição prévia para o progresso rumo a um conjunto de dados comum é o pleno respeito das normas constitucionais, da legislação da UE em matéria de proteção de dados e da Carta dos Direitos Fundamentais da UE. É necessário prever salvaguardas para assegurar que os dados sensíveis em matéria de igualdade não possam ser associados ao titular dos mesmos. Tal implica o pleno cumprimento das regras de proteção de dados, em particular para atenuar quaisquer riscos potenciais de utilização indevida ou abusiva. A Comissão organizará uma mesa-redonda sobre os dados em matéria de igualdade, congregando as principais partes interessadas para analisar os obstáculos à recolha de dados relacionados com a origem racial ou étnica e identificar vias para uma abordagem mais harmonizada, inclusive em matéria de dados intersetoriais no que diz respeito, por exemplo, à religião ou crença e ao género. O objetivo deverá ser garantir que os Estados-Membros, no pleno respeito dos respetivos contextos nacionais, avancem no sentido da recolha de dados desagregados por origem racial ou étnica, a fim de captar tanto as experiências subjetivas de discriminação e vitimização como os aspetos estruturais do racismo e da discriminação. Estes dados devem ser completos, fiáveis, regulares e oportunos, integrados nos inquéritos nacionais e da UE, e simultaneamente representativos e comparáveis.
Em 2021, o Eurostat realizará o inquérito às forças de trabalho da UE (IFT-UE), um módulo especial sobre a situação dos migrantes no mercado laboral, que incluirá aspetos relacionados com a discriminação no trabalho.
A Comissão irá:
-realizar uma série de ações para combater os estereótipos raciais e étnicos juntamente com os meios de comunicação social, a sociedade civil e os representantes das pessoas de minorias étnicas ou raciais;
-lançar ações destinadas a promover uma abordagem coerente em matéria de recolha de dados sobre a igualdade, nomeadamente no que diz respeito aos dados desagregados por origem racial ou étnica.
A Comissão incentiva os Estados-Membros a:
-abordar ativamente a questão dos estereótipos raciais e étnicos através dos meios de comunicação social, da educação, da cultura e do desporto;
-melhorar a recolha de dados desagregados por origem racial ou étnica.
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3.2.Um quadro de execução: tirar o máximo partido dos instrumentos da UE
Ações a nível local, regional, nacional e internacional
-Planos de ação nacionais
O racismo tem de ser combatido a todos os níveis e deve ser objeto de uma abordagem holística. Os planos de ação nacionais revelaram-se um modo bem-sucedido de os Estados‑Membros darem uma resposta eficaz ao racismo e à discriminação racial, ao mesmo tempo que adaptam iniciativas concretas às suas próprias circunstâncias. No entanto, de acordo com o recente relatório da FRA, apenas cerca de metade dos Estados-Membros já dispõe de tais planos. A Comissão exorta todos os Estados-Membros a desenvolverem e adotarem planos de ação nacionais contra o racismo e a discriminação racial. Para além de nortearem os esforços de combate ao racismo no contexto nacional, os planos de ação poderão servir de instrumentos de partilha de boas práticas entre os Estados-Membros.
A Comissão propõe colaborar com os Estados-Membros na identificação de princípios orientadores comuns para os planos de ação nacionais, contando com a participação estreita da sociedade civil e dos organismos de proteção da igualdade. Até ao final de 2021, a Comissão apresentará os principais princípios e elementos necessários para a elaboração de planos de ação nacionais eficazes. Tal poderá constituir uma base para que todos os Estados-Membros elaborem e adotem planos de ação nacionais até ao final de 2022.
Os princípios orientadores comuns podem incluir os seguintes elementos:
üseguir os domínios de intervenção definidos no presente plano de ação para o nível europeu, como a legislação para combater o racismo, a luta contra a discriminação por parte das autoridades responsáveis pela aplicação da lei ou a não discriminação na educação e formação, no emprego, na saúde e na habitação; ter por base uma avaliação exaustiva das ações necessárias a nível nacional em todos os domínios definidos no presente plano de ação;
üseguir uma abordagem adaptada ao contexto social, histórico e cultural e às especificidades nacionais
para dar resposta às necessidades mais prementes;
üassociar os órgãos de poder local e regional, as organizações da sociedade civil e os organismos para a igualdade à sua conceção, aplicação e avaliação;
üincluir a recolha de dados e a identificação de indicadores para aferir os progressos realizados;
üutilizar como ponto de referência as orientações práticas do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, bem como os principais elementos e princípios identificados sobre o modo de desenvolver esses planos.
A Comissão convida os Estados-Membros a apresentarem regularmente relatórios sobre a execução dos planos de ação nacionais, um elemento fundamental para permitir o intercâmbio de boas práticas, a aprendizagem mútua e a avaliação dos progressos realizados a nível nacional e da UE. Propõe, por seu turno, apresentar regularmente um relatório sobre a execução dos planos de ação nacionais de luta contra o racismo, estando o primeiro relatório previsto para o final de 2023.
-Mobilizar os níveis local e regional para produzir um impacto significativo no terreno
Os órgãos de poder local têm muita experiência no desenvolvimento de estratégias eficazes para combater o racismo e na criação de redes. A Comissão continuará a apoiar o seu trabalho neste domínio. Estes temas poderiam, por exemplo, estar em foco no âmbito do programa URBACT (que conta com o apoio dos fundos da política de coesão e promove as ligações entre decisores políticos urbanos). Este trabalho também pode aproveitar a cooperação com a Eurocidades, a rede de grandes cidades europeias, e com a Coligação Europeia das Cidades contra o Racismo
, liderada pela UNESCO. Outras iniciativas locais, como o programa de Cooperação Urbana Internacional ou o Pacto de Autarcas para o Clima e Energia
, podem servir como plataformas ou modelos para continuar a desenvolver ações a nível municipal que promovam a igualdade racial, além de apoiarem a inclusão social em domínios como o combate à pobreza energética ou o acesso a uma habitação digna.
Os projetos de redes de cidades
devem dar prioridade à sensibilização e ao desenvolvimento de conhecimentos sobre o papel das pessoas de minorias étnicas ou raciais na sociedade e cultura europeia. A fim de reconhecer e tornar visíveis os esforços das cidades para pôr em prática políticas de inclusão sólidas a nível local, a Comissão instituirá a nomeação anual de uma ou mais capitais europeias da inclusão e da diversidade.
As zonas rurais enfrentam desafios específicos, como o distanciamento geográfico, as proporções relativamente elevadas de recém-chegados à população (sendo amiúde o primeiro ponto de chegada dos migrantes), a potencial falta de serviços e infraestruturas básicos e taxas mais elevadas de pobreza e de desemprego. Os fundos da UE complementam a ação nacional para dar resposta aos desafios das comunidades rurais vulneráveis que a próxima visão a longo prazo para as zonas rurais procurará igualmente resolver.
-Colaborar com o setor privado
As organizações empresariais e as empresas individuais têm um papel fundamental a desempenhar para garantir a não discriminação, a diversidade e a inclusão. Ao assinarem Cartas da Diversidade, as organizações comprometem-se voluntariamente a criar e a manter um ambiente de trabalho inclusivo para os seus trabalhadores, independentemente do sexo, da origem étnica ou racial, da religião, da idade, da deficiência ou da orientação sexual. Durante o Mês das Cartas Europeias da Diversidade, em maio de 2021, a Comissão organizará um evento de alto nível que reunirá responsáveis políticos, diretores executivos dos signatários das cartas da diversidade e outras partes interessadas para analisarem e promoverem a consideração da origem racial e étnica nas estratégias de diversidade. Seguir‑se-á um instrumentário em linha destinado a ajudar as empresas a avaliar a sua diversidade interna e as suas estratégias de diversidade com base em inquéritos de pessoal adaptáveis, um questionário descarregável e recomendações para melhorar a diversidade na sua organização com base nos resultados da avaliação.
Integração horizontal
Aquando da formulação de políticas – da inclusão social à inteligência artificial, do Pacto Ecológico à inclusão digital e do combate aos discursos de ódio às políticas de migração – a integração da dimensão da igualdade também passa por garantir que as políticas nacionais e da UE servem os interesses de toda a gente, independentemente da sua origem étnica ou racial. A Comissão procurará assegurar que a luta contra a discriminação por motivos específicos e as respetivas intersecções com outros motivos de discriminação, como o sexo, a deficiência, a idade, a religião ou a orientação sexual, seja integrada em todas as políticas da UE, bem como na sua legislação e programas de financiamento. Uma das missões do novo Grupo de Trabalho para a Igualdade é assegurar a plena cobertura de todos os domínios de intervenção. Desenvolver-se-ão orientações e ações de formação em matéria de integração para apoiar todos os intervenientes na integração de uma perspetiva de igualdade em todas as fases das intervenções da UE, bem como a promoção de uma consulta mais ativa de organizações que representem pessoas de minorias étnicas ou raciais ao longo de todo o ciclo político da Comissão. Outras instituições da UE e autoridades nacionais são exortadas a cooperar em instrumentos e práticas de integração bem-sucedidos. Os Estados-Membros terão a possibilidade de solicitar assistência técnica para integrar a igualdade na elaboração das políticas e nos processos de reforma através do Instrumento de Assistência Técnica.
Mobilizar fundos da União Europeia
O orçamento da UE apoia e continuará a apoiar a consecução de objetivos em matéria de igualdade, tanto através de ações específicas como da integração horizontal. Programas bem concebidos, uma execução eficiente e combinações inteligentes de financiamento num quadro jurídico sólido permitem que se tire o máximo partido dos recursos disponíveis, assegurando que os fundos chegam às pessoas mais necessitadas. A proposta da Comissão para o próximo quadro financeiro plurianual (QFP) prevê uma série de oportunidades importantes para apoiar a não discriminação e as pessoas de minorias étnicas ou raciais recorrendo aos fundos da UE. Embora o novo programa Cidadania, Igualdade, Direitos e Valores tenha objetivos específicos para combater a discriminação, o racismo e a xenofobia, há outros fundos que também contribuirão para apoiar os investimentos que promovem a igualdade e a inclusão, como o Horizonte Europa.
Enquanto parte integrante do instrumento de recuperação Next Generation EU, o novo Mecanismo de Recuperação e Resiliência apoiará os investimentos e as reformas essenciais para uma retoma duradoura e fomentará a resiliência económica e social e a coesão social. Este apoio dará a possibilidade aos Estados-Membros de promover a inclusão de grupos vulneráveis, incluindo os ciganos e outras pessoas de minorias étnicas ou raciais.
As organizações da sociedade civil são intervenientes cruciais na luta contra o racismo e a discriminação. A Comissão pretende não só assegurar uma cooperação ativa com a sociedade civil, mas também ajudar a garantir o apoio financeiro às organizações não governamentais e às organizações de base comunitária. Para o efeito, a Comissão procurará criar uma sólida cultura de parceria com os intervenientes da sociedade civil para promover a inclusão social, os direitos fundamentais e a igualdade, desde a fase de conceção das políticas até à fase de aplicação. A Comissão insta os Estados-Membros a fazerem o mesmo.
Uma vez que a maior parte do orçamento da UE é executado pelos Estados-Membros, estes têm um papel fundamental a desempenhar na conceção de políticas específicas e na maximização da utilização de programas de financiamento para apoiar as pessoas afetadas pelo racismo e pela discriminação. Os Estados-Membros são convidados a dar resposta a estas necessidades recorrendo aos fundos no âmbito do QFP e do instrumento de recuperação Next Generation EU. A Comissão procurará assegurar que os desafios específicos de cada país no domínio da inclusão e da discriminação sejam devidamente abordados nos futuros acordos de parceria e nos planos da política agrícola comum, e que as medidas destinadas a promover a igualdade e a inclusão sejam aplicadas através de programas operacionais. Tal é igualmente apoiado pelas condições favoráveis aplicáveis a fundos específicos da UE em 2021-2027, propostas pela Comissão para garantir o respeito dos direitos fundamentais
, incluindo a não discriminação, bem como a igualdade, a inclusão e a participação dos ciganos
.
Combater o racismo e a discriminação nas políticas externas
O racismo é um problema à escala mundial, pelo que é importante que as ações internas e externas da UE destinadas a prevenir e combater o racismo sejam coerentes e se reforcem mutuamente. A luta contra o racismo e a discriminação por quaisquer motivos é um objetivo fundamental da agenda de direitos humanos da UE no domínio das relações externas e, como tal, reflete-se nos acordos internacionais pertinentes da União e nos documentos da política de ação externa da UE, incluindo o Plano de Ação para os Direitos Humanos e a Democracia 2015-2019, e será incluído no seu sucessor para o período de 2020-2024, a adotar no último trimestre de 2020. As diretrizes da UE em matéria de direitos humanos sobre a não discriminação na ação externa, adotadas pelo Conselho em 2019, fornecem orientações conceptuais e operacionais para as instituições europeias e os Estados-Membros na luta contra o racismo e a discriminação racial. A UE também exorta os países do alargamento a respeitarem o acervo da União em matéria de luta contra a discriminação, o racismo e a xenofobia. A política comercial da UE também desempenha um papel no combate à discriminação e ao racismo.
A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial é fundamental para a luta da UE contra o racismo nos diálogos políticos e de cooperação com os países parceiros e as organizações regionais e internacionais. É provável que a crise da COVID-19 venha a agravar ainda mais as desigualdades, em particular no domínio da saúde, em que as pessoas de minorias étnicas ou raciais e os refugiados ficam mais vulneráveis aos impactos da pandemia. Os elevados níveis de desigualdade também levantam um obstáculo ao desenvolvimento sustentável e à realização da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
No que se refere ao apoio financeiro, os valores do anti-racismo, da não discriminação e da igualdade, em todos os sentidos, estão firmemente consagrados no Instrumento Europeu para a Democracia e os Direitos Humanos e são uma prioridade transversal do instrumento que lhe sucedeu: o Instrumento de Vizinhança, de Cooperação para o Desenvolvimento e de Cooperação Internacional.
O aumento das desigualdades é um fenómeno global, pelo que se torna cada vez mais importante construir parcerias internacionais para enfrentar estes desafios em conjunto e de forma coerente. Com base neste sólido quadro de ação externa, a Comissão e o Alto Representante procurarão reforçar as parcerias com os principais parceiros internacionais, regionais e bilaterais para uma nova abordagem revitalizada da agenda contra o racismo.
A Comissão irá:
-apresentar os principais princípios e elementos necessários para a elaboração de planos de ação nacionais eficazes contra o racismo até ao final de 2021, fruto de um trabalho conjunto com as autoridades dos Estados-Membros;
-publicar um primeiro relatório sobre a aplicação dos planos de ação nacionais até ao final de 2023;
-instituir uma nomeação anual da ou das capitais europeias da inclusão e da diversidade;
-organizar um evento de alto nível sobre a tomada em consideração da origem racial e étnica nas estratégias de diversidade das empresas do setor privado na primavera de 2021;
-em conjunto com o Alto Representante, procurar reforçar as parcerias com os principais parceiros internacionais, regionais e bilaterais para uma nova abordagem revitalizada da agenda contra o racismo.
A Comissão incentiva os Estados-Membros a:
-adotar planos de ação nacionais contra o racismo até ao final de 2022;
-assegurar que os representantes da sociedade civil e os organismos para a igualdade participam na conceção, aplicação e avaliação dos planos de ação nacionais contra o racismo.
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3.3Ação positiva por parte da União Europeia: escutar e agir
As medidas de ação positiva podem desempenhar um papel importante no tocante à correção das falhas de igualdade em termos práticos nas sociedades: por si só, a igualdade formal pode não dar resposta às necessidades específicas de determinados grupos de pessoas. É possível atuar com vista a compensar as desvantagens a que estão expostas as pessoas de uma minoria étnica ou racial. O direito da União não impede os Estados-Membros de adotarem medidas específicas para evitar ou compensar as desvantagens associadas à discriminação em razão da origem racial ou étnica, caso estejam previstas disposições em matéria de proteção.
Os Estados-Membros são igualmente incentivados a identificar formas de promover o dever de integrar considerações de igualdade na atividade corrente das autoridades públicas. Os deveres legais do setor público de promover a igualdade de forma proativa e sistemática, também referidos como obrigações estatutárias de igualdade, colocam a igualdade no centro da ordem pública. São relevantes para as autoridades públicas enquanto decisoras políticas, prestadoras de serviços, empregadoras e entidades adjudicantes de bens e serviços. Esses direitos têm-se revelado viabilizadores de abordagens eficazes e proativas no atinente à eliminação da discriminação e à promoção da igualdade. A Comissão continuará a fomentar a partilha de boas práticas entre os Estados-Membros no que diz respeito à elaboração de legislação em matéria de obrigações estatutárias e à sua aplicação.
Democracias inclusivas
No período que antecedeu as eleições para o Parlamento Europeu de 2019, houve uma consciência mais forte dos óbices à participação democrática e à representação dos grupos suscetíveis de marginalização, como as pessoas de minorias étnicas ou raciais
. Havia questões jurídicas e administrativas, obstáculos de acessibilidade e dificuldades institucionais que levantavam entraves a uma democracia inclusiva. O relatório sobre as eleições para o Parlamento Europeu de 2019
concluiu que ainda havia progressos a realizar. A Comissão manifestou a sua intenção de trabalhar com os partidos políticos europeus, a rede europeia de cooperação para as eleições e a sociedade civil a fim de melhorar a participação, o que será parte integrante do trabalho no âmbito do Plano de Ação para a democracia europeia e do próximo relatório da Comissão sobre a cidadania da UE. Trata-se igualmente de um domínio em que seria fundamental recolher dados sobre a participação democrática das minorias para permitir identificar a dimensão do problema, no pleno respeito dos direitos fundamentais e dos requisitos em matéria de proteção de dados.
Novas estruturas para escutar e aprender: um quadro de intercâmbio permanente
Nas suas orientações políticas, a presidente Ursula von der Leyen salientou que «podemos ter crenças diferentes, podemos pertencer a grupos minoritários diferentes, mas temos de escutar-nos uns aos outros, aprender uns com os outros e abraçar esta diversidade». Os decisores políticos nas instituições europeias e nos Estados-Membros têm de interagir e aprender com as pessoas que sofrem racismo no quotidiano. A Comissão dará prioridade à auscultação das vítimas e implementará e acompanhará este plano de ação com a participação de pessoas afetadas pelo racismo e pela discriminação. Para o efeito, prevê uma consulta e diálogo regulares com os Estados-Membros, os organismos para a igualdade e os representantes do nível local, bem como com as organizações da sociedade civil que representam as preocupações das pessoas afetadas. Estes diálogos não só focarão as medidas específicas anunciadas no presente plano de ação, mas também serão cruciais para o trabalho de integração das perspetivas das pessoas minorias étnicas ou raciais em todas as políticas da UE.
Tal implica um esforço de aproximação e de maior interação com os intervenientes da sociedade civil no terreno. A Comissão reunir-se-á regularmente, pelo menos duas vezes por ano, com as organizações da sociedade civil ativas na luta contra o racismo a nível europeu, nacional e local, a fim de fazer o balanço dos progressos nesse domínio. Este diálogo também deve incluir representantes das redes da diáspora, parceiros sociais, partidos políticos, empresas, prestadores de serviços de ensino e formação, assistentes sociais, profissionais da saúde, universidades, organizações culturais e desportivas, bem como organizações de base juvenil. Deverá, em particular, dar voz aos intervenientes no terreno que possuem a perícia e a experiência em primeira mão para definir o caminho certo a seguir.
No que diz respeito aos peritos, a execução do plano de ação deve tornar-se uma prioridade importante dos grupos de alto nível atualmente existentes, os quais proporcionarão fóruns para discussão, intercâmbio e reforço da coordenação e da cooperação entre as autoridades nacionais, a sociedade civil e os organismos para a igualdade.
Além disso, a Comissão nomeará um coordenador para a luta contra o racismo, que trabalhará em estreita colaboração com pessoas de minorias raciais ou étnicas, cujas preocupações apresentará à Comissão. Caber-lhe-á interagir com os Estados-Membros, o Parlamento Europeu, a sociedade civil e o meio académico para reforçar as respostas políticas no domínio da luta contra o racismo. Além disso, unirá forças com os serviços da Comissão para aplicar a política da Comissão em matéria de prevenção e luta contra o racismo.
A Conferência sobre o Futuro da Europa oferecerá aos cidadãos de todos os quadrantes e todos os cantos da nossa União a oportunidade de debaterem as questões que lhes importam, incluindo os direitos fundamentais e os valores europeus em que se alicerça a União e se constrói o seu futuro.
A luta contra o racismo na UE exige a atenção política mais elevada. A Comissão organizará uma cimeira contra o racismo com a participação das instituições europeias, dos Estados‑Membros, da sociedade civil, dos organismos para a igualdade e das organizações de base. A Cimeira será organizada em torno do Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, em 21 de março de 2021, um dia que a Comissão assinalará anualmente.
A Comissão irá:
-reforçar o diálogo com os Estados-Membros, os organismos para a igualdade, as organizações da sociedade civil e os representantes a nível local para a execução do presente plano de ação;
-nomear um coordenador para a luta contra o racismo;
-organizar uma cimeira contra o racismo na primavera de 2021.
A Comissão incentiva os Estados-Membros a:
-adotar medidas específicas para evitar ou compensar as desvantagens associadas à discriminação em razão da origem racial ou étnica, caso estejam previstas disposições em matéria de proteção;
-identificar formas de promover o dever de integrar as considerações de igualdade no trabalho quotidiano das autoridades públicas.
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4.Recursos humanos das instituições da União Europeia
Enquanto empregadora, a Comissão Europeia deve dar o exemplo. Para ser uma organização moderna, a Comissão necessita de uma mão de obra que seja representativa da nossa sociedade no seu conjunto.
Ao abrigo deste mandato da Comissão, levar-se-ão a cabo novas ações para promover a diversidade e garantir a todas as pessoas um local de trabalho inclusivo, independentemente da sua origem racial ou étnica ou da cor da pele. Todas estas ações farão parte de um conjunto mais vasto de medidas na próxima estratégia de recursos humanos que dará forma à modernização da Comissão enquanto administração pública. Será criado um gabinete para a diversidade e a inclusão na Direção-Geral dos Recursos Humanos e da Segurança para supervisionar o desenvolvimento e a execução de todas as ações pertinentes. O gabinete assegurará também um «balcão único» para todos os peritos e serviços que contribuam para promover a diversidade, a igualdade e a inclusão em todos os serviços da Comissão.
Pela primeira vez, recolher-se-ão dados sobre a diversidade do pessoal da Comissão mediante um inquérito específico sobre a diversidade e a inclusão, que será voluntário e anónimo. Os resultados do inquérito abrirão o caminho a políticas e medidas assentes em dados concretos no âmbito da estratégia de recursos humanos. O inquérito abrangerá todas as categorias de pessoal e visará todas as causas possíveis de discriminação, incluindo dados sobre a origem racial e étnica do pessoal, em plena conformidade com as regras de proteção de dados. Servirá de base para aferir os progressos no futuro. Outras instituições e organismos da UE poderiam adotar medidas semelhantes
.
O compromisso de promover a diversidade aplica-se a todos os níveis da organização e abrange, por conseguinte, o pessoal de todos os graus e grupos de funções. Os processos de recrutamento e seleção das instituições europeias são instrumentos fundamentais a este respeito.
Embora o processo de seleção se baseie no mérito e siga uma política de igualdade de oportunidades, é necessário apoiar uma maior diversidade entre os candidatos. Nos próximos seis meses, será criada uma estratégia de comunicação específica
. Até ao final de 2020, o Serviço Europeu de Seleção do Pessoal (EPSO) lançará um convite à apresentação de propostas para incentivar a cooperação com diferentes organizações e associações de peritos representantes de minorias, bem como uma rede de organizações parceiras no campo da diversidade, que terá por objetivo receber informações sobre oportunidades de emprego e concursos. Esta rede será igualmente essencial para compreender melhor os desincentivos existentes à consideração das instituições europeias como potenciais empregadoras. Desenvolver-se-á um instrumento de acompanhamento da igualdade e da diversidade, em cooperação com os Estados-Membros, para identificar potenciais lacunas nos candidatos, possíveis fatores de bloqueio e o modo de os superar.
A fim de reforçar a prevenção de eventuais discriminações no processo de recrutamento, os profissionais de recursos humanos terão formações obrigatórias sobre preconceitos inconscientes e adquirirão mais conhecimentos especializados em matéria de recrutamento e de técnicas de entrevista. Estas medidas serão acompanhadas de análises da igualdade e da diversidade dos processos, procedimentos e instrumentos de recrutamento, a fim de identificar os potenciais riscos de tendenciosidade ou de discriminação e as medidas corretivas necessárias. A Comissão está firmemente empenhada em tomar todas as medidas adequadas para assegurar a correção real dos problemas identificados no decurso das análises da igualdade e da diversidade.
O compromisso desta instituição para com a diversidade estende-se também ao seu programa de estágios «Blue Book»
. A Comissão realizará uma análise da igualdade e da diversidade da globalidade do programa no intuito de apresentar em 2021 uma estratégia com objetivos específicos em termos de representação dos candidatos de minorias étnicas ou raciais. Estes objetivos serão aplicáveis aos convites à apresentação de candidaturas a lançar em 2022.
A adoção de medidas suplementares em prol da diversidade do pessoal da Comissão ficaria, no entanto, comprometida, a partir do momento em que o próprio local de trabalho não fosse também ele plenamente inclusivo. A Comissão aplicará medidas adicionais no sentido de uma cultura de inclusividade. Dar-se-á destaque ao papel fundamental dos quadros médios e superiores de gestão, inclusivamente tornando a Carta da Diversidade e da Inclusão da Comissão uma parte integrante do compromisso de gestão de cada serviço. Todo o pessoal receberá formações regulares sobre preconceitos inconscientes, incluindo no atinente a questões de origem racial e étnica e às suas intersecções com outros motivos de discriminação. Uma campanha de comunicação interna para o efeito abrangerá todos os aspetos da diversidade e da inclusão, incluindo em matéria de origem racial e étnica. Serão organizadas ações de sensibilização específicas para o pessoal, como eventos ou artigos, no âmbito das atividades da UE para assinalar os principais dias comemorativos associados ao racismo. Em 2021, o evento assumirá a forma de um seminário sobre o tema «Quebrar o silêncio sobre a diversidade étnica e racial», com relatos pessoais de gestores e membros do pessoal de várias origens raciais ou étnicas.
Paralelamente às ações de prevenção, os casos de discriminação, desigualdade ou intolerância durante o processo de recrutamento ou no local de trabalho continuarão a ser objeto de acompanhamento rigoroso. Tal significa que os candidatos e os membros do pessoal devem poder sentir-se seguros para denunciar eventuais práticas desleais, discriminatórias ou hostis. O quadro político da Comissão em matéria de assédio está a ser revisto e proporcionará um quadro para combater todas as formas de comportamentos indesejáveis no local de trabalho, incluindo os que assentam na discriminação racial.
A Comissão fará uma avaliação comparativa de todas as suas ações para promover a diversidade e a inclusão relativamente a outras administrações públicas, organizações internacionais e empresas privadas, e encetará um diálogo regular com outras instituições europeias. Dar-se-á prioridade às ações específicas que digam respeito a candidatos e membros do pessoal de minorias étnicas ou raciais.
Até 2023, a Comissão realizará uma avaliação da eficácia das ações empreendidas para reforçar a diversidade racial e étnica do seu pessoal.
A Comissão irá:
-dar o exemplo enquanto instituição, adotando medidas para melhorar significativamente a representatividade do seu pessoal através de ações direcionadas no domínio do recrutamento e da seleção;
-convidar outras instituições europeias a adotar medidas em sintonia com as do presente plano de ação, a fim de promover a diversidade e a inclusão nos respetivos locais de trabalho.
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5.Conclusão
O racismo atenta contra os valores que estão no cerne da União Europeia. O aprofundamento da luta contra o racismo na UE é uma responsabilidade partilhada que exige esforços concertados, resolutos e contínuos. As instituições europeias, os Estados-Membros e as agências da União, em parceria com as organizações da sociedade civil, os parceiros sociais e o setor privado, devem trabalhar em conjunto para realizar progressos concretos no sentido de eliminar este flagelo das nossas sociedades.
A Comissão convida todos os intervenientes e partes interessadas pertinentes a encetarem um diálogo aberto, honesto e contínuo que contribua para desenvolver e aplicar estratégias de luta contra o racismo. No âmbito deste diálogo, as instituições europeias e os Estados‑Membros precisam de privilegiar uma abordagem nova na forma como interagem com a sociedade civil e assegurar que as vozes das pessoas de minorias étnicas ou raciais se fazem ouvir.
A execução das ações aqui apresentadas será objeto de acompanhamento. Serão apresentados relatórios para dar conta dos progressos, adaptando as ações sempre que necessário. A Comissão convida o Parlamento Europeu a promover debates regulares e a apoiar a execução do plano de ação, e convida o Conselho a adotar conclusões sobre as ações dos Estados‑Membros para prevenir e combater o racismo. A Comissão exorta os Estados‑Membros a adotarem os respetivos planos de ação nacionais até ao final de 2022 e a maximizarem a utilização de todos os instrumentos ao seu dispor, destacando as possibilidades oferecidas pelos programas de financiamento ao abrigo do QFP e do instrumento de recuperação Next Generation EU, a fim de apoiar as pessoas vítimas de racismo e de discriminação. Trabalhando em conjunto, faremos de uma União Europeia sem racismo uma realidade.