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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62018CC0826

    Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 2 de julho de 2020.
    LB e o. contra College van burgemeester en wethouders van de gemeente Echt-Susteren.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Limburg.
    Reenvio prejudicial — Convenção de Aarhus — Artigo 9.o, n.os 2 e 3 — Acesso à justiça — Inexistência de acesso à justiça de um público diferente do público envolvido — Admissibilidade do recurso subordinada à participação prévia no processo de tomada de decisão.
    Processo C-826/18.

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2020:514

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MICHAL BOBEK

    apresentadas em 2 de julho de 2020 ( 1 )

    Processo C‑826/18

    LB,

    Stichting Varkens in Nood,

    Stichting Dierenrecht,

    Stichting Leefbaar Buitengebied

    contra

    College van burgemeester en wethouders van de gemeente Echt‑Susteren,

    sendo interveniente:

    Sebava BV

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Limburg (Tribunal de Primeira Instância de Limburg, Países Baixos)]

    «Reenvio prejudicial — Convenção de Aarhus — Artigo 6.o — Direitos de participação — Procedimento de participação do público — Artigo 2.o, n.os 4 e 5 — Público e público envolvido — Âmbito de aplicação pessoal — Artigo 9.o, n.os 2 e 3 — Acesso à justiça — Legitimidade processual — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 47.o e 52.o, n.o 1 — Direito a uma tutela jurisdicional efetiva — Diretiva 2011/92/UE — Artigos 6.o e 11.o — Diretiva 2010/75/UE — Artigos 24.o e 25.o — Condição de participação prévia — Autonomia processual»

    I. Introdução

    1.

    Nos termos do direito neerlandês, todas as pessoas têm o direito de participar num procedimento de participação do público que conduza à adoção de uma decisão relativa a uma atividade ambiental. Todavia, o acesso a um tribunal para impugnar uma decisão administrativa definitiva proferida no âmbito desse procedimento está subordinado a duas condições cumulativas. Em primeiro lugar, a pessoa deve ser parte interessada, cujos interesses sejam diretamente afetados pela decisão impugnada. Em segundo lugar, essa pessoa deve ter participado no procedimento de participação do público apresentando as suas observações sobre o projeto de decisão, salvo se essa pessoa não puder razoavelmente ser censurada por não o ter feito.

    2.

    O resultado desta formulação das regras nacionais parece ser uma considerável dissonância entre o âmbito de aplicação pessoal dos dois regimes processuais: uma fase administrativa muito aberta e uma fase jurisdicional muito mais restrita. Isto leva naturalmente à questão: e os que ficam de fora? E os membros do público que não são diretamente afetados ou não apresentaram observações no procedimento de participação do público? Está o acesso a um tribunal, que é garantido ao abrigo da Convenção de Aarhus ( 2 ) ou de quaisquer disposições do direito da União, completamente excluído para esses membros do público?

    II. Quadro jurídico

    A.   Convenção de Aarhus

    3.

    A Convenção de Aarhus foi assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, pela então Comunidade Europeia e subsequentemente aprovada pela Decisão 2005/370/CE do Conselho ( 3 ).

    4.

    Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Convenção de Aarhus, as decisões relativas à autorização das atividades ambientais listadas no anexo I estão sujeitas ao procedimento de participação do público previsto no artigo 6.o, n.os 2 a 11. O artigo 9.o, n.o 2, da convenção regula o direito de acesso à justiça para impugnar decisões que tenham sido sujeitas ao procedimento de participação do público previsto no artigo 6.o Para efeitos de definição do seu âmbito de aplicação pessoal, os artigos 6.o e 9.o, n.o 2, utilizam os termos «público» e «público envolvido». Estes conceitos são definidos, respetivamente, nos n.os 4 e 5 do artigo 2.o da convenção.

    B.   Direito da União

    5.

    Antes da adoção da Decisão 2005/370 do Conselho, a então Comunidade Europeia adotou a Diretiva 2003/35/CE ( 4 ). Esta diretiva alterou duas diretivas existentes de modo que harmonize as regras comunitárias com a Convenção de Aarhus, em particular com os seus artigos 6.o e 9.o, n.os 2 e 4 ( 5 ). Essas diretivas foram, entretanto, substituídas pela Diretiva 2010/75/UE ( 6 ) e pela Diretiva 2011/92/UE ( 7 ), conforme alterada pela Diretiva 2014/52/UE (a seguir Diretiva 2011/92») ( 8 ).

    6.

    O artigo 6.o e o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus são transpostos, respetivamente, pelos artigos 6.o e 11.o da Diretiva 2011/92, bem como pelo artigo 24.o, conjugado com o anexo IV, e pelo artigo 25.o da Diretiva 2010/75. Os termos «público» e «público em causa» ou «público interessado» ( *1 ), que figuram igualmente nestas disposições, são definidos, respetivamente, no artigo 1.o, n.o 2, alíneas d) e e), da Diretiva 2011/92 e no artigo 3.o, pontos 16 e 17, da Diretiva 2010/75.

    C.   Direito neerlandês

    7.

    Da leitura da decisão de reenvio e após as precisões fornecidas pelo Governo neerlandês na audiência, entendo as disposições relevantes do direito neerlandês do seguinte modo.

    8.

    A atividade controvertida no processo principal foi objeto de um procedimento preparatório público nos termos da Section 3:4 da Algemene wet bestuursrecht (Lei do Procedimento Administrativo, a seguir «Awb»). Trata‑se de um procedimento de participação do público na aceção do artigo 6.o da Convenção de Aarhus.

    9.

    O procedimento preparatório público, na aceção da Awb, implica que, no caso de um pedido de licença, a autoridade competente deve primeiro adotar um projeto de decisão relativo à sua posição sobre o pedido em questão. O projeto de decisão deve ser posto à disposição de todas as pessoas pelos meios adequados e, nos termos do artigo 3:12, n.o 5, da Wet algemene bepalingen omgevingsrecht (Lei das Disposições Gerais relativas ao Direito do Ambiente, a seguir «Wabo»), todas as pessoas podem apresentar observações sobre o projeto de decisão.

    10.

    Gostaria de sublinhar que o Governo neerlandês confirmou expressamente na audiência que, nos termos da Wabo, todas as pessoas significa literalmente qualquer pessoa singular ou coletiva, sem limitações, de ordem espacial ou de outro tipo. Assim, em princípio, um checo residente na República Checa, um dinamarquês residente na Dinamarca ou um chinês residente na China têm todos o direito de participar, nos termos da lei neerlandesa, no procedimento de participação do público relativo à atividade requerida no processo principal.

    11.

    O Governo neerlandês explicou ainda que, ao abrir o procedimento preparatório público a todas as pessoas, quis reforçar o mais possível os debates entre a autoridade competente e o público. Esse Governo quis igualmente aligeirar a obrigação que incumbia às autoridades administrativas (locais) de verificar, em cada caso individual, quais eram os elementos do público suscetíveis de ser afetados pela atividade proposta em questão e quais não o eram.

    12.

    Além disso, o Governo neerlandês considera que resulta efetivamente do artigo 6.o, n.o 7, da Convenção de Aarhus que todas as pessoas têm o direito de participar nos procedimentos de participação do público nos termos do artigo 6.o da Convenção de Aarhus.

    13.

    Seguidamente, após o procedimento de participação do público, a autoridade administrativa toma uma decisão definitiva sobre a atividade requerida. A possibilidade de impugnar em tribunal a legalidade processual e material de tal decisão está subordinada, nos termos do direito neerlandês, a duas condições cumulativas. Estas condições restringem consideravelmente o leque de recorrentes, em comparação com a fase administrativa que conduziu à adoção dessa decisão.

    14.

    Em primeiro lugar, nos termos do artigo 8:1 da Awb, o recorrente deve ser um «interessado», na aceção do artigo 1:2 da Awb, ou seja, uma pessoa cujos interesses sejam diretamente afetados pela decisão. As associações que promovem a proteção ambiental são sempre consideradas «interessados» nos termos do artigo 1:2, n.o 3, da Awb.

    15.

    Observo que o termo «interessado» não consta do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, que utiliza, em vez disso, a expressão «membros do público em causa [q]ue tenham um interesse suficiente ou […] [c]ujo direito tenha sido ofendido». Deduzo da decisão de reenvio que o termo «interessado», na aceção da Awb, constitui a transposição desta expressão no artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus. Assim, uma pessoa que não seja um «interessado», na aceção do artigo 1:2 da Awb, não é considerada membro do «público em causa», na aceção do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus.

    16.

    Em segundo lugar, o «interessado» deve também ter participado no procedimento preparatório público, nos termos do artigo 6:13 da Awb, apresentando a sua opinião sobre a atividade requerida, salvo se não puder razoavelmente ser censurado por não o ter feito.

    17.

    Segundo o Governo neerlandês, este segundo requisito visa reforçar a eficiência dos procedimentos administrativos e, consequentemente, a eficiência dos processos judiciais. A participação no procedimento preparatório público permite identificar os aspetos controvertidos numa fase precoce do processo de tomada de decisão, melhorando assim a qualidade desse processo. Permite evitar ações judiciais ou, se estas vierem a surgir, deve contribuir para as tornar mais eficientes.

    18.

    No que respeita à exceção a esta regra (quando não se possa razoavelmente censurar a parte por não ter participado), o Governo neerlandês explicou na audiência que a mesma se aplica se a falta de participação for desculpável. Segundo a jurisprudência nacional, é o que se passa, por exemplo, se houver irregularidades na notificação do projeto de decisão; se a decisão adotada for diferente do projeto de decisão notificado e a diferença implicar consequências negativas para o «interessada»; ou se uma pessoa, devido a uma mudança de residência, só se tornar «interessado» após o termo do prazo para apresentar observações sobre o projeto de decisão.

    19.

    Por último, no que respeita ao nexo entre os dois requisitos de legitimidade processual, o Governo neerlandês esclareceu, na audiência, que uma parte que tenha participado no procedimento preparatório público nos termos da Wabo, mas que não seja interessado na aceção da Awb, não terá o direito de impugnar em tribunal a decisão subsequente, mesmo que tenha participado através da apresentação de observações na fase preparatória.

    III. Matéria de facto, tramitação do processo nacional e questões prejudiciais

    20.

    Em 2016, a Sebava BV requereu ao College van burgemeester en wethouders van de gemeente Echt‑Susteren (Conselho Municipal de Echt‑Susteren, Países Baixos, a seguir «recorrido») uma autorização para a construção de uma nova pocilga para 855 porcas, a troca de porcas reprodutoras por porcas em lactação, nas instalações existentes, e a construção de um corredor coberto para porcas.

    21.

    O recorrido sujeitou o requerimento ao procedimento preparatório público uniforme, na aceção da Section 3:4 da Awb. O órgão jurisdicional de reenvio confirma que este procedimento é um procedimento de participação do público, na aceção do artigo 6.o da Convenção de Aarhus.

    22.

    O recorrido disponibilizou uma cópia do memorando do requerimento bem como outros documentos conexos para consulta. A consulta foi anunciada no Staatscourant (Jornal Oficial). O requerimento foi igualmente publicado no Gemeenteblad (Boletim Municipal) do município do recorrido.

    23.

    Em 28 de setembro de 2017, o recorrido emitiu a autorização requerida e disso deu conhecimento mediante publicação no Staatscourant.

    24.

    A decisão de autorização foi impugnada por quatro recorrentes no órgão jurisdicional de reenvio, o Rechtbank Limburg (Tribunal de Primeira Instância de Limburg). A primeira recorrente é uma pessoa singular e veterinária da profissão (a seguir «a primeira recorrente»). É igualmente membro da direção, secretária e presidente de vários grupos de interesse que promovem o bem‑estar animal. As três outras recorrentes são associações ambientais (a seguir «três associações recorrentes») (conjuntamente, «quatro recorrentes»).

    25.

    Perante o órgão jurisdicional de reenvio, as quatro recorrentes reconhecem que não apresentaram objeções ao projeto de decisão do recorrido. Sustentam, todavia, que não podem razoavelmente ser censuradas por não o terem feito, devido ao facto de o recorrido ter notificado irregularmente o projeto de decisão. Com base neste fundamento, as quatro recorrentes pedem ao órgão jurisdicional de reenvio que anule a decisão impugnada a fim de lhes dar a possibilidade de apresentarem as suas objeções ao projeto de decisão.

    26.

    Quanto ao recurso interposto pela primeira recorrente, o órgão jurisdicional de reenvio considera que deve ser julgado inadmissível com fundamento nos artigos 8:1 e 1:2 da Awb. A primeira recorrente não é um «interessado» na aceção destas disposições. O órgão jurisdicional de reenvio considera que a primeira recorrente interpôs o recurso a título pessoal, uma vez que só invocou a sua qualidade de membro de direção, secretária e presidente de vários grupos de interesse bastante tempo depois de ter expirado o prazo de recurso. Além disso, vive a alguma distância da pocilga prevista e, por conseguinte, não sofre nenhuma consequência em termos de espaço ou do ambiente.

    27.

    No que respeita ao recurso interposto pelas três associações recorrentes, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, enquanto associações ambientais, são efetivamente interessados nos termos do artigo 1:2, n.o 1, da Awb. Contudo, não apresentaram objeções ao projeto de decisão. Resulta do artigo 6:13 da Awb que um interessado que possa razoavelmente ser censurado por não ter exposto a sua opinião durante o procedimento preparatório não pode interpor recurso no tribunal administrativo.

    28.

    Foi neste contexto factual e jurídico que o Rechtbank Limburg (Tribunal de Primeira Instância de Limburg) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Devem o direito europeu e, em especial, o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus ser interpretados no sentido de que se opõem a que [o] público em geral (public) ([ou seja,] qualquer pessoa) [seja totalmente excluído do direito] de acesso à justiça, desde que esse público não [constitua] o público envolvido (public concerned) ([ou seja, os] interessados)?

    Em caso de resposta afirmativa à questão 1:

    2)

    Devem o direito europeu e, em especial, o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus ser interpretados no sentido de que implicam que o público em geral (public) (qualquer pessoa) deve ter acesso à justiça em caso de uma suposta violação dos requisitos processuais e direitos de participação aplicáveis a esse público, conforme constam do artigo 6.o dessa convenção?

    A este respeito, é relevante que, neste contexto, o público envolvido (public concerned) (interessados) goze do direito de acesso à justiça e [tenha], além disso, [legitimidade para impugnar a legalidade de um ato] em tribunal?

    3)

    Devem o direito europeu e, em especial, o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus ser interpretados no sentido de que se opõem a que o direito de acesso à justiça do público envolvido (public concerned) (interessados) seja sujeito à condição de […] o direito de participação […], na aceção do artigo 6.o desta convenção, [ter sido exercido]?

    Em caso de resposta negativa à questão 3):

    4)

    Devem o direito europeu e, em especial, o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição de direito nacional que exclui do direito de [impugnar uma decisão o] público envolvido (public concerned) (interessados) [que possa ser] razoavelmente [censurado por] não ter apresentado [objeções contra] um projeto de decisão [ou certos aspetos desse projeto]?

    Em caso de resposta negativa à questão 4:

    5)

    Cabe exclusivamente ao juiz nacional, com base nas circunstâncias do caso, [pronunciar‑se sobre] o que [significa a expressão] «[que] pode razoavelmente ser [censurado]» ou deve o juiz […] ter em conta, [a este respeito,] determinadas garantias consagradas no direito [da União]?

    6)

    Até que ponto será diferente a resposta às questões 3, 4 e 5 se estiver em causa o público em geral (public) (qualquer pessoa), [por oposição ao] público envolvido (public concerned) (interessados)?»

    29.

    Foram apresentadas observações escritas pelo Governo dinamarquês, pela Irlanda e pelos Governos neerlandês e sueco, assim como pela Comissão Europeia. O recorrido apresentou observações em apoio das observações apresentadas pelo Governo neerlandês. As quatro recorrentes no processo principal, o recorrido, a Irlanda, o Governo neerlandês e a Comissão Europeia participaram na audiência realizada em 30 de janeiro de 2020.

    IV. Apreciação

    30.

    As presentes conclusões estão estruturadas do seguinte modo. Começarei por identificar as disposições aplicáveis da Convenção de Aarhus e das Diretivas 2010/75 e 2011/92 (A). Debruçar‑me‑ei seguidamente sobre a compatibilidade com esses instrumentos das duas condições de legitimidade processual previstas no direito neerlandês, a saber, a condição de ser um «interessado» (B), e a de ter apresentado observações no âmbito do processo de participação do público (C).

    A.   Direito aplicável: Convenção de Aarhus e Diretivas 2010/75 e 2011/92

    31.

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que as disposições relativas à participação do público que constam do artigo 6.o da Convenção de Aarhus, do artigo 6.o da Diretiva 2011/92 bem como do artigo 24.o da Diretiva 2010/75 são aplicáveis no processo principal.

    32.

    Efetivamente, parece ser esse o caso tanto da Convenção de Aarhus como da Diretiva 2010/75. Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Convenção de Aarhus, o artigo 6.o é aplicável às decisões relativas à autorização das atividades propostas constantes do anexo I. O anexo I, ponto 15, alínea c), menciona as instalações para a criação intensiva de suínos com espaço para mais de 750 bácoras. Nos termos do artigo 10.o da Diretiva 2010/75, as disposições relativas à participação do público constantes do artigo 24.o desta diretiva aplicam‑se às atividades descritas no anexo I. O ponto 6.6, alínea c), deste anexo menciona a criação intensiva de suínos com mais de 750 lugares para porcas.

    33.

    Em contrapartida, não parece à primeira vista evidente que as atividades em causa no processo principal se inscrevam no âmbito das atividades abrangidas pela Diretiva 2011/92. O anexo I, ponto 17, alínea c), e o anexo II, ponto 1, alínea c), da Diretiva 2011/92 tornam esta diretiva aplicável às instalações para a criação intensiva de suínos com espaço para mais de 900 porcas e a projetos de gestão de recursos hídricos para a agricultura. Dito isto, contudo, a decisão da questão de saber se «a construção de uma nova pocilga para 855 porcas, a troca de porcas reprodutoras por porcas em lactação, nas instalações existentes, e a construção de um corredor coberto para porcas» está igualmente abrangida por esta ou por qualquer outra disposição da Diretiva 2011/92 é naturalmente da competência do juiz nacional, atendendo às características técnicas detalhadas dessa atividade.

    34.

    Uma vez que o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto necessários a uma apreciação definitiva sobre a aplicabilidade da Diretiva 2011/92, tomo como ponto de partida que, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, esta diretiva é igualmente aplicável ao processo principal.

    35.

    Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio invoca expressamente apenas o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus nas seis questões submetidas ao Tribunal de Justiça. Todavia, à luz da decisão de reenvio, a menção do «direito da União» na formulação das questões deve ser entendida no sentido de que inclui uma referência ao artigo 11.o da Diretiva 2011/92 e ao artigo 25.o da Diretiva 2010/75. Ambas estas disposições correspondem, em substância, ao artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus.

    36.

    No que respeita à interpretação destes instrumentos de direito derivado, os artigos 6.o e 11.o da Diretiva 2011/92 e os artigos 24.o e 25.o da Diretiva 2010/75 devem ser interpretados à luz das disposições correspondentes dos artigos 6.o e 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus. Uma vez que o legislador da União pretendeu assegurar a conformidade do direito da União com a Convenção de Aarhus, a letra e o objetivo desta convenção devem ser tidos em conta para efeitos da interpretação destas diretivas ( 9 ).

    37.

    Por conseguinte, de uma forma ou de outra, o direito derivado da União nesta matéria está ligado à Convenção de Aarhus. Considero, portanto, muito útil apreciar as questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional à luz das disposições pertinentes da Convenção de Aarhus, em especial dos seus artigos 6.o e 9.o, n.o 2, e tomar em consideração as disposições correspondentes dos artigos 6.o e 11.o da Diretiva 2011/92 e dos artigos 24.o e 25.o da Diretiva 2010/75 apenas quando estas disposições se afastarem do texto da Convenção de Aarhus. Em princípio, tal pode verificar‑se em duas situações.

    38.

    Primeiro, o artigo 3.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus permite que as suas Partes introduzam medidas que prevejam direitos mais amplos do que os estabelecidos na Convenção. Segundo, podem efetivamente existir discrepâncias entre a Convenção de Aarhus e regras de direito derivado da União relativamente a uma disposição específica. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que existe uma discrepância ou contradição entre o âmbito dos direitos de participação conferidos ao «público» nas duas diretivas, por um lado, e na Convenção de Aarhus, por outro.

    B.   O acesso à justiça do «público»

    39.

    Com a primeira e segunda questões, que devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, bem como o artigo 11.o da Diretiva 2011/92 ou o artigo 25.o da Diretiva 2010/75, se opõem a que o «público» seja totalmente excluído do direito de acesso à justiça na medida em que esse público não constitua o «público envolvido» na aceção destes instrumentos.

    40.

    Estas questões dizem respeito à situação da primeira recorrente, a pessoa singular, que o órgão jurisdicional de reenvio considera fazer parte do «público», mas não do «público envolvido». Pelo contrário, as três associações recorrentes são consideradas «interessados» à luz do artigo 1:2, n.o 3, da Awb ( 10 ). Como tal, têm um «interesse suficiente» nos termos do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, pelo que a primeira e segunda questões não lhes dizem respeito.

    41.

    A primeira e segunda questões do órgão jurisdicional de reenvio assentam no pressuposto de que o artigo 6.o da Convenção de Aarhus concede direitos de participação ao «público» em geral, independentemente da questão de saber se também faz parte do «público envolvido». Assim, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus parece aplicar‑se apenas ao «público envolvido», pelo que a primeira recorrente não goza de legitimidade processual nos termos desta disposição. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, todavia, sobre a questão de saber se esta interpretação pode ser seguida, tendo em conta que o artigo 6.o da Convenção concede vários direitos processuais, não só ao «público envolvido», mas também ao «público» em geral. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio destaca o artigo 6.o, n.os 3, 7 e 9, da Convenção.

    42.

    A fim de examinar se o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus se opõe a que o «público» em geral seja totalmente excluído do direito de acesso à justiça, há que determinar previamente o âmbito de aplicação pessoal desta disposição (1). Uma vez que o artigo 9.o, n.o 2, constitui o mecanismo de execução judicial dos direitos de participação concedidos no artigo 6.o, devemos então debruçar‑nos sobre o âmbito de aplicação pessoal dos direitos de participação previstos no artigo 6.o

    1. Âmbito de aplicação pessoal do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus

    43.

    A redação do artigo 9.o, n.o 2, é bastante clara: esta disposição só concede um direito de acesso à justiça aos membros do «público envolvido», não ao «público» (em geral).

    44.

    A Convenção de Aarhus define especificamente ambos os conceitos. Nos termos do artigo 2.o, n.o 4, «público» significa, essencialmente, todas as pessoas. Nos termos do artigo 2.o, n.o 5, «público envolvido» é um subgrupo do público. Abrange apenas «o público afetado ou suscetível de ser afetado pelo processo de tomada de decisões no domínio do ambiente ou interessado em tais decisões».

    45.

    É certo que, à luz do seu objetivo, o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus visa assegurar um amplo acesso à justiça no âmbito da Convenção ( 11 ). Contudo, dificilmente se pode retirar este objetivo do seu contexto para rescrever o enunciado, claro, do artigo 9.o, n.o 2. A sistemática e a lógica do artigo 9.o, n.o 2, considerado no contexto de outras disposições da Convenção de Aarhus, suportam esta tese.

    46.

    Em primeiro lugar, os autores da Convenção de Aarhus optaram por não introduzir uma actio popularis em matéria ambiental. Como a advogada‑geral E. Sharpston já salientou ( 12 ), por ter sido rejeitada uma abordagem de actio popularis durante as negociações da Convenção de Aarhus, os autores da Convenção de Aarhus decidiram reforçar o papel das organizações não governamentais (ONG) que promovem a defesa do ambiente, considerando‑se sempre, nos termos dos artigos 2.o, n.o 5 e 9.o, n.o 2, que fazem parte integrante do «público envolvido» e têm um interesse suficiente ( 13 ). Se o artigo 9.o, n.o 2, fosse agora interpretado no sentido de que confere subitamente legitimidade processual ao «público» em geral, essa lógica e esse compromisso seriam perturbados.

    47.

    Em segundo lugar, existe uma diferença entre o artigo 9.o, n.o 2, e o artigo 9.o, n.o 3: quando os redatores da Convenção de Aarhus pretenderam conferir um direito de acesso a um tribunal ao «público» em geral, e não só ao «público envolvido», puderam indicá‑lo expressamente. É este o exemplo da redação do artigo 9.o, n.o 3, que concede direitos aos membros do «público» sem outras qualificações.

    48.

    Em terceiro lugar, porém, o artigo 9.o, n.o 2, e o artigo 9.o, n.o 3, são duas disposições distintas da Convenção. O artigo 9.o, n.o 2, faz uma remissão para o artigo 6.o Além disso, resulta claramente da estrutura geral de todo o artigo 9.o que a disposição relativa à execução judicial do artigo 6.o é o artigo 9.o, n.o 2, da mesma forma que o artigo 9.o, n.o 1, o é relativamente ao artigo 4.o

    49.

    Acresce que o artigo 9.o, n.o 3, começa por indicar que «[a]lém disso, e sem prejuízo dos processos de recurso referidos nos n.os 1 e 2, cada parte […]». Esta redação e a lógica estrutural do artigo 9.o da Convenção de Aarhus indicam que o artigo 9.o, n.o 3, não se destina a regular a execução dos direitos de participação nos termos do artigo 6.o, mas de outros direitos conferidos por outras disposições da convenção (ou pelo direito nacional). Assim, contrariamente ao Governo dinamarquês e à Comissão, não considero que o artigo 9.o, n.o 3, regule o direito de acesso à justiça no que respeita a direitos de participação conferidos no artigo 6.o da convenção, nem a decisões resultantes do procedimento previsto no artigo 6.o

    50.

    Se assim fosse, que propósito serviriam o artigo 9.o, n.o 2, e quaisquer condições ou regras aí enunciadas (ou, de resto, no artigo 9.o, n.o 1), se tudo o que é abrangido por estas disposições fosse imediatamente ultrapassado pelo artigo 9.o, n.o 3, potencialmente exaustivo?

    51.

    Em suma, o artigo 9.o, n.o 2, por si só, não confere nenhum direito de acesso à justiça ao «público», mas apenas ao «público envolvido». A mesma conclusão é igualmente válida para o artigo 11.o da Diretiva 2011/92 e para o artigo 25.o da Diretiva 2010/75, ambos os quais, nesta matéria, são redigidos de forma quase idêntica ao artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus.

    52.

    Resta, contudo, a questão da conexão entre o artigo 9.o, n.o 2, e o artigo 6.o No seu texto, o artigo 6.o refere‑se, com efeito, ocasionalmente ao «público», e não só ao «público envolvido». É esta a questão que passo agora a abordar.

    2. Âmbito de aplicação pessoal do artigo 6.o da Convenção de Aarhus

    53.

    A maioria das disposições do artigo 6.o, incluindo a disposição fundamental do artigo 6.o, n.o 2, confere direitos de participação apenas ao «público envolvido». É o «público envolvido» que, nos termos do artigo 6.o, n.o 2, deve ser informado sobre a atividade proposta num processo de tomada de decisões em matéria ambiental e que, nos termos do artigo 6.o, n.o 6, terá seguidamente acesso, para efeito de consulta, a todas as informações relevantes para o processo de tomada de decisão. Além disso, o artigo 6.o, n.o 5, estabelece, mais uma vez, que é o «público envolvido» que deve ser identificado pelos possíveis requerentes, antes de apresentarem o pedido de autorização, a fim de iniciarem debates com o mesmo e de lhe fornecerem informações relativas aos objetivos do seu pedido.

    54.

    Contudo, como o órgão jurisdicional de reenvio observa, o artigo 6.o, n.os 3, 7 e 9, utiliza o termo «público», e não apenas «o público envolvido» ( 14 ). Isto levanta, com efeito, a questão de saber se o artigo 6.o confere direitos de participação ao «público» em geral, independentemente de fazer ou não parte do «público envolvido», e, em caso afirmativo, se, não obstante a conclusão preliminar anterior, o artigo 9.o, n.o 2, obriga, todavia, as Partes a assegurarem que o «público» tenha legitimidade (pelo menos alguma) para fazer valer esses direitos.

    a) Artigo 6.o, n.os 3 e 9

    55.

    O artigo 6.o, n.o 3, impõe às autoridades públicas a obrigação de preverem prazos razoáveis para as diferentes etapas do procedimento de participação do público, de modo que o «público» seja primeiro informado e depois se prepare e participe ativamente.

    56.

    Na minha opinião, a referência ao «público» nesta disposição explica‑se facilmente pela natureza desta última. Respeita a uma etapa em que é exigida a comunicação ao mundo exterior, em que pode não ser possível, nem razoável, insistir na identificação do «público envolvido». Assim, a informação deve simplesmente ser tornada pública. Esta leitura é também corroborada pela referência feita no artigo 6.o, n.o 3, ao artigo 6.o, n.o 2, que apenas diz respeito ao «público envolvido».

    57.

    Aplicam‑se considerações semelhantes no que respeita ao artigo 6.o, n.o 9. Esta disposição obriga as autoridades a informar imediatamente o «público» quando seja adotada uma decisão e a facultar a decisão ao «público». De certo modo, esta disposição corresponde à disposição do artigo 6.o, n.o 3, mas na fase do resultado: enquanto o artigo 6.o, n.o 3, exige uma difusão razoavelmente ampla da informação relativa ao procedimento de participação do público antes do seu início, o artigo 6.o, n.o 9, exige o mesmo no que respeita aos seus resultados logo que esteja concluído.

    58.

    Não há razões para manter em segredo autorizações de construção. Tal não se deve apenas à exigência global de transparência e de abertura da Administração Pública. Podem igualmente existir, para além do «público envolvido» que tenha participado no processo de tomada de decisão e seja conhecido das autoridades públicas no momento em que adotam a decisão final, membros do «público envolvido» que não tenham participado nesse processo, mas possam ainda querer impugnar a decisão dele resultante.

    59.

    Assim, a abertura tanto da fase inicial como da fase final, bem como a praticabilidade do processo de participação do público nos termos do artigo 6.o, explicam logicamente a razão pela qual o n.o 3 e o n.o 9 do artigo 6.o utilizam o conceito de «público».

    b) O curioso caso do artigo 6.o, n.o 7

    60.

    O artigo 6.o, n.o 7, prevê que os procedimentos aplicáveis à participação do público devem prever a possibilidade de o «público» apresentar por escrito ou, se necessário, nas audições ou consultas públicas com o requerente, comentários, informações, análises ou pareceres que considere relevantes para a atividade proposta.

    61.

    À semelhança do órgão jurisdicional de reenvio, o Governo neerlandês parece considerar, baseando‑se na redação do artigo 6.o, n.o 7, que são conferidos ao «público» em geral direitos de participação no procedimento de participação do público. Com efeito, dada a sua redação, e contrariamente ao artigo 6.o, n.os 3 e 9, o n.o 7 deste artigo diz respeito ao próprio procedimento de participação do público. Não se refere à fase preparatória nem à fase da publicação. Refere‑se, na verdade, à própria troca de informações entre os participantes no procedimento público e a autoridade pública relativamente à atividade proposta.

    62.

    Parecem existir duas maneiras opostas de interpretar o 6.o, n.o 7, da Convenção de Aarhus.

    63.

    A primeira interpretação do artigo 6.o, n.o 7, seria a sugerida pelo Governo neerlandês, pelo menos no que respeita à sua primeira etapa: o «público», na aceção do artigo 6.o, n.o 7, deve significar todas as pessoas. Assim, qualquer pessoa singular ou coletiva, sem limitações quanto aos seus interesses ou quanto a ser afetada, beneficia do direito de participar no processo de tomada de decisões em matéria ambiental nos termos do artigo 6.o da Convenção de Aarhus.

    64.

    Contudo, pelas razões pormenorizadamente expostas mais adiante ( 15 ), a consequência lógica desta tese dificilmente pode corresponder à que é preconizada pelo direito neerlandês, segundo a qual todas as pessoas têm o direito de participar, mas só os interessados podem ser autorizados a impugnar em tribunal o resultado dessa participação. Pelo contrário, a consequência lógica dessa interpretação do artigo 6.o, n.o 7, seria a que é proposta pela Comissão e que está igualmente mencionada no Guia de Aplicação ( 16 ): uma vez que o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção constitui o meio de fazer valer todos os direitos previstos no artigo 6.o, e uma vez que o artigo 9.o, n.o 2, apenas é aplicável ao «público envolvido», significa então que qualquer membro do «público» que participasse efetivamente num procedimento de participação do público apresentando observações adquiriria a qualidade de membro do «público envolvido». Por outras palavras, segundo esta interpretação, o artigo 6.o, n.o 7, abriria a porta a um «envolvimento por participação» para efeitos do artigo 9.o, n.o 2.

    65.

    A segunda interpretação consistiria em interpretar o artigo 6.o, n.o 7, da Convenção no sentido de que, embora todas as pessoas (o «público») tenham a possibilidade de se dirigir à autoridade pública para se dar a conhecer a si e ao seu interesse no processo de tomada de decisão, interpretado no contexto global do artigo 6.o e da Convenção de Aarhus, o referido artigo 6.o, n.o 7, confere direitos de participação — ou seja, direitos que criam para as autoridades competentes obrigações correspondentes de tomarem em conta essas observações, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 8, e que são suscetíveis de execução judicial nos termos do artigo 9.o, n.o 2 — apenas na medida em que essa pessoa faça parte do «público envolvido».

    66.

    Por uma série de razões que desenvolverei nas três subsecções que se seguem, não consigo conceber que a primeira interpretação, em qualquer uma das suas alternativas, seja razoável.

    c) Um direito «global» de participação?

    67.

    Em primeiro lugar, há que atender à lógica interna do artigo 6.o Se o artigo 6.o, n.o 7, devesse ser interpretado no sentido de que confere um direito de participação a todas as pessoas, e não só ao «público envolvido», que significado teria isso para as outras disposições do mesmo artigo, que são, em si, limitadas ao «público envolvido»? Como funcionaria a interação entre estas disposições? De que forma, por exemplo, seria o «público» suscetível de exercer o seu direito de apresentar comentários ou observações sobre um projeto de decisão nos termos do artigo 6.o, n.o 7, se não tivesse o direito de ser previamente informado do projeto de decisão, porque esse direito se limita apenas ao «público envolvido», nos termos do artigo 6.o, n.o 2? Do mesmo modo, em que deveria o «público» basear‑se para apresentar comentários sobre a atividade proposta, considerando que não goza do direito de acesso a toda a informação relevante para a proposta de decisão, uma vez que o artigo 6.o, n.o 6, apenas confere tais direitos ao «público envolvido»?

    68.

    Assim, em termos práticos, o artigo 6.o deve formar um conjunto coerente. Isto implica ou alargar o âmbito do «público envolvido» em todas as outras disposições do artigo 6.o, o que é contrário à sua redação clara, de modo que signifique efetivamente «público», ou reduzir, por via interpretativa, o âmbito do artigo 6.o, n.o 7, no sentido de que só o «público envolvido» goza de direitos de participação na aceção indicada no n.o 65, supra, para ficar em sintonia com o resto deste artigo.

    69.

    Na minha opinião, o conjunto coerente que o artigo 6.o deve ser confere direitos de participação apenas ao «público envolvido», não ao «público», tanto por razões operacionais como por razões de princípio.

    70.

    Do ponto de vista operacional, tenho alguma dificuldade em imaginar de que forma os procedimentos e os direitos, concebidos e projetados para uma determinada comunidade que é razoavelmente suscetível de ser afetada pela atividade proposta, funcionariam relativamente a toda e qualquer pessoa.

    71.

    Começando pela comunicação efetiva das informações sobre a atividade proposta, nos termos do artigo 6.o, n.os 3 e 2: se essa comunicação não se destinar a chegar apenas ao público razoavelmente suscetível de estar envolvido, mas — contrariamente à sua redação — a todo e qualquer público, sem limitações espaciais, ambientais ou baseadas em interesses, não deveriam então todas as atividades propostas ser notificadas a todo o mundo? Deve a comunicação relativa a qualquer pocilga de dimensão significativa (nos Países Baixos) ser publicada, por exemplo, no Financial Times, no The Economist, ou em qualquer outro meio de comunicação de alcance verdadeiramente global?

    72.

    É, assim, bastante claro que o termo «público» utilizado em diferentes disposições do artigo 6.o deve ser lido dentro dos limites razoáveis do que a operação, no seu conjunto, se destina a alcançar: dar ao público suscetível de estar envolvido uma oportunidade razoável, numa fase precoce e antecipadamente, de tomar conhecimento sobre a tomada de decisões sobre atividades propostas e da forma pela qual pode participar ( 17 ).

    73.

    Esta questão da operacionalidade está associada à questão de princípio: que interesses, para não dizer que direitos, teria um checo, ou um dinamarquês, ou um chinês ( 18 ), cada um deles residente a centenas ou milhares de quilómetros da atividade proposta, na construção de uma nova pocilga para 855 porcas em Echt‑Susteren, no sueste dos Países Baixos?

    74.

    É certo que a Convenção de Aarhus recorda, no seu preâmbulo, o direito de todos os indivíduos a viver num ambiente propício à sua saúde. Também não faltam, sem dúvida, teorias sobre as razões pelas quais os direitos ambientais são direitos especiais e coletivos que devem poder ser exercidos de forma especial. Além disso, a própria Convenção de Aarhus, em várias disposições gerais do seu artigo 3.o, bem como noutras disposições específicas, exorta a uma participação do público e ao acesso à justiça em matéria de ambiente tão amplos quanto possível.

    75.

    Todavia, admitindo tudo isto, sob a minha perspetiva — talvez tradicional e positivista — continuo a não ver o interesse que esses checos, dinamarqueses ou chineses teriam num caso como o presente no que diz respeito à atividade ambiental concreta proposta no processo principal. Sobretudo, não consigo deduzir das disposições da Convenção de Aarhus esses direitos exequíveis. Atendendo à sua lógica global e ao seu contexto, a Convenção de Aarhus não pode ser interpretada no sentido de que confere um direito de participação do público no processo de tomada de decisões em matéria ambiental, nos termos do seu artigo 6.o, a todas as pessoas.

    76.

    Assim, a interpretação muito mais sensata do artigo 6.o, n.o 7, considerado isoladamente, é que esta disposição deve seguir a mesma lógica que o resto desse artigo. A fim de identificar o «público envolvido» num determinado procedimento de participação do público, as autoridades públicas deverão permitir que o «público» em geral se dirija às autoridades e que explique os seus interesses e a sua posição no processo de tomada de decisão. Deste ponto de vista, o artigo 6.o, n.o 7, permite ao «público» em geral apresentar as suas observações às autoridades públicas. Isso não significa, no entanto, que esse público em geral tenha quaisquer direitos a participar efetivamente nesse procedimento, ou que as autoridades públicas tenham quaisquer obrigações correlativas. Para o «público» ter esse direito, deve fazer parte do «público envolvido».

    77.

    Para ser exaustivo, não se afigura que os relatórios do Comité de Avaliação, invocados pelo órgão jurisdicional de reenvio, sugiram uma interpretação diferente. É certo que esse comité concluiu que uma Parte na Convenção não tinha garantido o pleno alcance dos direitos previstos pelo artigo 6.o, n.o 7, ao limitar o direito de apresentar comentários ao «público envolvido». Todavia, isso devia‑se também à exigência de esses comentários serem «propostas fundamentadas», no sentido de que deviam conter uma argumentação fundamentada, o que talvez fosse excessivamente oneroso para o procedimento (administrativo) de participação do público ( 19 ). Do mesmo modo, o artigo 6.o, n.o 8, da Convenção de Aarhus obriga as autoridades públicas a «tomar seriamente em consideração todos os comentários recebidos» para efeitos da sua decisão ( 20 ). Contudo, estas conclusões não tratam, na realidade, a questão do âmbito do artigo 6.o, n.o 7, relativamente ao «público» nem da definição desse público no contexto global do artigo 6.o da Convenção de Aarhus.

    78.

    Por fim, e a título subsidiário, a interpretação aqui proposta da Convenção de Aarhus assegura igualmente uma interpretação harmonizada e coerente com as Diretivas 2011/92 e 2010/75. Observo que as Diretivas 2011/92 e 2010/75 garantem direitos de participação ao «público» apenas na medida em que faça parte do «público envolvido». Assim, embora o direito de ser informado do projeto de decisão seja conferido ao «público» em geral nas diretivas ( 21 ), o direito de apresentar observações, bem como todos os outros direitos de participação, são apenas concedidos ao «público envolvido» ( 22 ).

    79.

    A abordagem e as distinções lógicas contidas nas diretivas, que refletem essencialmente a interpretação que o legislador da União fez do artigo 6.o, n.o 7, da Convenção de Aarhus, afiguram‑se coerentes. Embora todas as pessoas (o «público») tenham o direito de ser informadas de um projeto de decisão, apenas o «público envolvido», ou seja, o público efetivamente afetado ou suscetível de ser afetado ou que tenha um interesse, tem o direito de participar ativamente no procedimento.

    80.

    Por último, embora o legislador da União em geral, e algumas disposições do direito da União em particular, sejam por vezes apontados como discordantes de certas disposições da Convenção de Aarhus ( 23 ), não é manifestamente o que se passa no caso em apreço. Pelo contrário, parece‑me que o legislador da União avaliou e transpôs de modo bastante racional obrigações de direito internacional, sem descer abaixo dos requisitos mínimos estabelecidos no artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus. Assim, contrariamente ao órgão jurisdicional de reenvio, não penso que exista uma incoerência ou contradição entre o âmbito de aplicação das diretivas e o da Convenção de Aarhus quanto a este aspeto.

    d) Direitos de participação nos termos do artigo 6.o como leges imperfectae?

    81.

    Importa salientar que a posição do Governo neerlandês quanto ao âmbito do artigo 6.o, n.o 7, é, todavia, um pouco mais matizada. Por um lado, o Governo neerlandês indica que o «público», na aceção desta disposição, deve significar todas as pessoas. Assim, como resulta igualmente da sua transposição nacional desta obrigação, todas pessoas têm o direito de apresentar observações e de participar no procedimento de participação do público nos termos do artigo 6.o Contudo, só os «interessados», que significa o «público envolvido», têm acesso a um tribunal.

    82.

    Utilizar esta abordagem para a interpretação das disposições pertinentes da Convenção de Aarhus implicaria que o artigo 6.o, n.o 7, ou até o artigo 6.o no seu conjunto, conferisse a todas as pessoas o direito de participar no processo de tomada de decisões em matéria ambiental. Mas só as pessoas abrangidas pelo Artigo 9.o, n.o 2, como «público envolvido» teriam então acesso à justiça. Além disso, a participação efetiva nos termos do artigo 6.o seria irrelevante para efeitos do âmbito de aplicação do artigo 9.o, n.o 2: o «público» na aceção do artigo 6.o, n.o 7, nunca poderia obter o estatuto de «público envolvido» na aceção do artigo 9.o, n.o 2, mesmo que esse público tivesse participado plenamente no processo de tomada de decisões em matéria ambiental.

    83.

    Recordo que o artigo 9.o, n.o 2, regula expressamente a legalidade material e processual das decisões sujeitas ao procedimento de participação previsto no artigo 6.o, que o artigo 9.o, n.o 2, é aplicável apenas ao «público envolvido» e que o artigo 9.o, n.o 3, não regula a legalidade das decisões sujeitas ao procedimento previsto no artigo 6.o ( 24 ). Por outras palavras, considerar que o artigo 6.o confere direitos de participação ao «público» em geral resultaria numa situação em que a Convenção cria direitos de participação para o «público», sem instituir o correspondente mecanismo de execução desses direitos no artigo 9.o da Convenção.

    84.

    Por conseguinte, existiriam duas categorias de participantes no processo de tomada de decisões em matéria ambiental perante uma autoridade administrativa, ao abrigo da Convenção de Aarhus. Os que teriam direitos exequíveis e os que não teriam. Esta última categoria teria o direito de apresentar observações e de participar. Contudo, em termos práticos, não existiria um mecanismo de execução destes direitos. É certo que não podemos deixar de partir do pressuposto de que todas as autoridades administrativas de todos os Estados‑Membros se comportam de forma irrepreensível. Contudo, admitindo que uma ou várias de entre elas ocasionalmente não alcançam esse ideal, nada impediria que essa autoridade administrativa menos exemplar atirasse imediatamente para o caixote do lixo tudo o que recebesse do «público» que não fosse «público envolvido».

    85.

    Esta tese parece‑me insustentável e, nessa medida, subscrevo a posição da Comissão ( 25 ). Nos termos da Convenção de Aarhus, e sobretudo nos termos do direito da União em geral ( 26 ), ou, de resto, de qualquer sistema jurídico digno desse nome, para que um direito exista, tem de existir uma via de recurso. Se não existir um meio de executar a obrigação correlativa de outra parte, no caso em apreço a autoridade pública, não existe, por definição, nenhum direito. Pode ser considerado uma oferta, um favor, ou até um ato de caridade, mas dificilmente será um direito. Assim, se o direito da União ou, de resto, qualquer convenção internacional da qual a União Europeia seja parte e que esta adote e aplique internamente no ordenamento jurídico da União, conferir um direito, tem de existir igualmente acesso a um tribunal para dar execução a esse direito, seja através do instrumento em questão seja, se tal não for possível, através do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») ( 27 ).

    e) Legalidade «processual» apenas ou “envolvimento por participação»?

    86.

    É verdade que, pelo menos teoricamente, podem existir algumas posições intermédias no que respeita à questão do alcance do acesso a um tribunal.

    87.

    Em primeiro lugar, o que aconteceria se se considerasse que o «público» em geral, nos termos do artigo 6.o, n.o 7, tem acesso a um tribunal apenas na medida em que tenha participado no processo de tomada de decisão em matéria ambiental? Poderiam essas pessoas salvaguardar o respeito dos seus direitos pessoais de participação apenas na medida em que os tivessem exercido, sem estar autorizadas a impugnar a «totalidade» da decisão que daí resultasse? Em alternativa, e se só pudessem impugnar a legalidade processual, mas não a legalidade material, das decisões decorrentes do processo previsto no artigo 6.o?

    88.

    Estas sugestões encontram ainda menos fundamento no texto e na economia da Convenção de Aarhus. Equivaleriam, com efeito, a acrescentar às categorias de «público» e de «público envolvido» uma terceira categoria, constituída pelo «público semienvolvido» (ou «público processualmente envolvido»).

    89.

    Além disso, não creio que tais posições intermédias sejam efetivamente possíveis. Na primeira hipótese, o âmbito da fiscalização jurisdicional «à la carte» dependeria inteiramente da escolha pessoal do recorrente na fase administrativa ( 28 ). A segunda hipótese assenta numa distinção imaginária (e dificilmente exequível na prática) entre a legalidade processual e a legalidade material das decisões sujeitas ao procedimento previsto no artigo 6.o ( 29 ). Sobretudo, não existe, mais uma vez, uma distinção desse tipo no próprio artigo 9.o, n.o 2. Com efeito, o artigo 9.o, n.o 2, não exige sequer a legitimidade processual de uma parte que invoque apenas uma irregularidade processual, desde que se demonstre que a decisão impugnada não teria sido diferente sem essa irregularidade ( 30 ).

    90.

    Em segundo lugar, se o artigo 6.o, n.o 7, devesse ser interpretado no sentido de que todas as pessoas que participam efetivamente no procedimento de participação do público passam a fazer parte do «público envolvido», essa exigência teria de ser aplicada por todos os Estados Partes ao definirem o que constitui um interesse suficiente ou a ofensa de um direito na aceção do artigo 9.o, n.o 2, para o «público envolvido» que não seja uma ONG. Por outras palavras, os Estados Partes seriam obrigados a aplicar um critério de «envolvimento por participação» nos termos do artigo 9.o, n.o 2.

    91.

    Não pode, todavia, ser assim. O artigo 9.o, n.o 2, deixa uma considerável margem de apreciação às Partes quanto à definição do que constitui um interesse suficiente ou a ofensa de um direito do «público envolvido» que não seja uma ONG ( 31 ). Além disso, o conceito de «envolvimento por participação» colocaria em causa a própria razão de ser da fixação de condições de legitimidade processual no artigo 9.o, n.o 2. Se todas as pessoas devessem ser autorizadas a participar nos termos do artigo 6.o, n.o 7, e se, ao fazê‑lo, adquirissem legitimidade processual nos termos do artigo 9.o, n.o 2, pelo simples facto da sua participação, o artigo 9.o, n.o 2, aplicar‑se‑ia, em substância, a todas as pessoas, equivalendo a uma actio popularis. Mas, uma vez mais, trata‑se de um resultado que os redatores da Convenção de Aarhus rejeitaram expressamente ( 32 ).

    f) Conclusão intercalar

    92.

    Embora procure respeitar plenamente o espírito e os esforços desenvolvidos pela Convenção de Aarhus para franquear o acesso ao processo de tomada de decisões e o acesso à justiça em matéria ambiental, não posso simplesmente subscrever a ideia de que, com base na redação do artigo 6.o, n.o 7, retirado do contexto global do artigo 6.o, os direitos de participação do público consagrados no artigo 6.o no seu conjunto devam ser conferidos a todas as pessoas. Esta conclusão baseia‑se não só na própria disposição, mas também, como ficou demonstrado nas subsecções anteriores das presentes conclusões, nas consequências bastante discutíveis de que essa expansão teria para as restantes disposições da Convenção de Aarhus — em especial a questão do subsequente acesso a um tribunal. O louvável objetivo de conceder o mais amplo acesso em questões ambientais não deve ser separado da lógica global do instrumento e dos seus limites.

    93.

    À luz de todas as considerações anteriores, concluo que o artigo 6.o, n.o 7, da Convenção de Aarhus deve ser interpretado no sentido de que contém direitos de participação do «público» apenas na medida em que este último faça parte do «público envolvido», e que o artigo 9.o, n.o 2, se aplica igualmente apenas ao «público envolvido». Esta última disposição não se opõe, portanto, a que o «público» em geral que não seja simultaneamente considerado «público envolvido» fique excluído do direito de acesso à justiça.

    3. Direitos mais amplos concedidos ao abrigo do direito nacional

    94.

    O que implicaria esta conclusão para a situação da primeira recorrente, se vista apenas à luz da Convenção de Aarhus e das Diretivas 2010/75 e 2011/92? A primeira recorrente é uma pessoa singular, e veterinária da profissão. Afirma que, devido à sua profissão e ao juramento que prestou quando nela foi admitida, está pessoalmente envolvida no bem‑estar dos animais. Tal não equivale, todavia, a que os seus interesses sejam afetados nos termos do direito nacional, o que lhe conferiria o estatuto de parte interessada.

    95.

    Segundo a interpretação da Convenção de Aarhus acima exposta, a primeira recorrente é membro do «público», mas não do «público envolvido». Não tem qualquer direito a participar no processo de tomada de decisões em matéria ambiental nos termos do artigo 6.o da Convenção de Aarhus. Além disso, não faz parte, aparentemente, do «público envolvido» ao abrigo do direito nacional, para efeitos do artigo 9.o, n.o 2. Uma vez que não tem direitos de participação nos termos do artigo 6.o, o Estado Parte não é obrigado a conferir‑lhe quaisquer direitos de acesso a um tribunal nos termos do artigo 9.o, n.o 2. O artigo 9.o, n.o 3, não se destina a abranger atos ou omissões que estejam já sujeitos ao artigo 9.o, n.o 2. Por conseguinte, o artigo 9.o, n.o 3, também não comporta qualquer obrigação adicional. As Diretivas 2010/75 e 2011/92 em nada alteram estas conclusões.

    a) Um direito de acesso do «público» concedido pelo direito nacional

    96.

    Todavia, o presente processo não termina realmente aqui. Recordo que, nos termos do direito neerlandês, o direito do «público» de participar no processo de tomada de decisão, conferido ao abrigo desse direito nacional vai além do âmbito do artigo 6.o, n.o 7, da Convenção, conforme atrás interpretado. Nos termos do artigo 3:12, n.o 5, da Wabo, o direito de participar no processo de tomada de decisão aplica‑se a todas as pessoas, sem distinção entre «público envolvido» e «público». Entendo, portanto, o direito nacional no sentido de que confere a todas as pessoas singulares e coletivas o direito de participarem plenamente no procedimento de participação do público ( 33 ).

    97.

    Isto acrescenta um nível adicional de complexidade. O artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, o artigo 11.o da Diretiva 2011/92 e o artigo 25.o da Diretiva 2010/75, ou, na realidade, outras disposições do direito da União opõem‑se a que o «público» seja excluído do direito de acesso à justiça no que respeita à legalidade das decisões sujeitas ao procedimento previsto no artigo 6.o, em situações em que esses direitos mais extensos de participação do público tenham sido expressamente conferidos a este grupo ao abrigo do direito nacional?

    98.

    Nos termos do artigo 3.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus, as Partes podem introduzir no seu direito interno disposições mais favoráveis do que as exigidas pela Convenção, tais como uma participação alargada do público no processo de tomada de decisões previsto no artigo 6.o A possibilidade de prever mais direitos ao abrigo do direito interno reflete‑se igualmente em várias disposições específicas da Convenção.

    99.

    Atendendo à interpretação do artigo 6.o da Convenção de Aarhus, proposta na secção precedente, segundo a qual os Estados‑Membros são obrigados a garantir a plena participação do público apenas ao «público envolvido», mas não ao «público» em geral, os Países Baixos parecem ter previsto direitos de participação do público mais alargados do que os exigidos pela Convenção. Todavia, este Estado‑Membro fê‑lo apenas no que respeita à participação do público nos termos do artigo 6.o, mas não no que respeita a quaisquer direitos subsequentes de acesso à justiça nos termos do artigo 9.o, n.o 2.

    b) Direitos mais alargados e âmbito de aplicação da Carta

    100.

    Como deve essa situação ser apreciada à luz do direito da União? Em especial, estão essas disposições internas «mais favoráveis»«abrangidas pelo âmbito do direito da União» para efeitos da aplicabilidade da Carta? É então imperativo que o acesso a um tribunal, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, seja concedido aos membros do «público» em geral, a fim de lhes proporcionar uma via de recurso judicial dos direitos de participação mais alargados conferidos pelo direito nacional, mas dentro do âmbito do instrumento legislativo do direito da União?

    101.

    A resposta a estas questões exige uma apreciação em duas etapas. Em primeiro lugar, um Estado‑Membro que, num aspeto específico, vai além do que é necessário e aplica medidas não expressamente impostas pelo direito da União, estará a atuar dentro do âmbito do direito da União e, por conseguinte, «apli[ca] o direito da União» na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta? Em segundo lugar, o primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta é então aplicável por estarem em causa «direitos e liberdades garantidos pelo direito da União»?

    102.

    Em primeiro lugar, considerar que as disposições nacionais «mais favoráveis» em questão são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Carta nos termos do seu artigo 51.o, n.o 1, seria conforme à abordagem, bastante dominante, com efeito, desta questão. Embora as regras nacionais específicas não sejam (em sentido estrito) ditadas pelo direito da União, serão abrangidas pelo âmbito do direito da União se aplicarem disposições do direito da União formuladas de modo mais amplo e abstrato ( 34 ).

    103.

    As mesmas conclusões devem poder ser retiradas, a fortiori, a respeito de um instrumento que prevê claramente a possibilidade de os Estados‑Membros irem além do mínimo estritamente necessário e que, na realidade, integra no seu quadro global os direitos e a participação mais alargados nele previstos, como sucede no artigo 3.o, n.o 5, ou no artigo 9.o, n.os 2 ou 3, da Convenção de Aarhus.

    104.

    Se assim fosse, a lógica acima exposta ( 35 ) no que respeita aos direitos garantidos pela Convenção de Aarhus seria então igualmente aplicável: quando um direito é conferido, mesmo que não seja pelo direito da União, mas pelo Estado‑Membro no âmbito do direito da União e em conformidade com um mandato expresso nesse sentido, tem de existir uma via de recurso para o caso de o mesmo ser violado.

    105.

    O mesmo deveria acontecer, a fortiori, no que respeita a uma garantia fundamental como o direito a uma ação e ao acesso a um tribunal, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta. Com efeito, esse parágrafo confere aos particulares um direito que pode ser invocado enquanto tal ( 36 ). Como a jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça salienta, o artigo 47.o da Carta não tem efeitos meramente decorativos sobre este assunto, mas encarna o próprio núcleo e a quinta‑essência de qualquer sistema regido pelos princípios do Estado de direito ( 37 ).

    106.

    Todavia, no recente Acórdão (Grande Secção) TSN e AKT, o Tribunal de Justiça declarou que um Estado‑Membro não está a aplicar o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, quando adota disposições nacionais que recaem no âmbito da competência mantida pelos Estados‑Membros ao abrigo de uma disposição do direito da União nos termos da qual uma diretiva não prejudica a faculdade dos Estados‑Membros de aplicarem disposições mais favoráveis ( 38 ).

    107.

    Parece resultar desse acórdão que o que importa é a microanálise de cada disposição individual: «Ora, quando as disposições do direito da União no domínio em causa não regulamentam um aspeto e não impõem aos Estados‑Membros nenhuma obrigação específica relativamente a uma determinada situação, a regulamentação nacional estabelecida por um Estado‑Membro quanto a esse aspeto está fora do âmbito de aplicação da Carta e a situação em causa não pode ser apreciada à luz das disposições desta última […]» ( 39 ).

    108.

    Não posso subscrever inteiramente o Acórdão TSN e AKT ao ponto de afirmar que, diversamente da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, as situações passariam de repente e um tanto abruptamente a deslizar para dentro e para fora do âmbito de aplicação do direito da União e, portanto, a Carta seria examinada ao nível de cada disposição individual do direito secundário ( 40 ). Seguindo a mesma lógica, várias situações anteriores, em que não existia uma disposição concreta do direito da União que regulasse a matéria específica em questão, mas que foram, todavia, consideradas abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União e, por conseguinte, da Carta, ficariam subitamente fora do âmbito de aplicação desta última ( 41 ). Esta abordagem distingue‑se também de outras correntes jurisprudenciais mais recentes, em que a Carta e as suas garantias continuaram a ser aplicáveis, embora se reconhecesse que não existiam disposições concretas de direito derivado que garantissem um direito oponível à solução legislativa adotada no direito nacional ( 42 ).

    109.

    Posso, contudo, subscrever a lógica funcional do Acórdão TSN e AKT. O Tribunal de Justiça só chegou à constatação recordada no n.o 107 das presentes conclusões depois de examinar o nível de harmonização num determinado domínio, a natureza da competência da União, e sobretudo, depois de enunciar a condição segundo a qual as «medidas mais favoráveis» previstas pelo direito nacional não devem pôr em causa a coerência da intervenção do direito da União no domínio em causa ( 43 ).

    110.

    Na minha opinião, a questão mais importante nesse contexto não é a aplicabilidade da Carta (nem o âmbito de aplicação do direito da União), mas a identificação de um direito específico que fosse conferido pelo direito da União e que desencadeasse então a proteção do primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta.

    111.

    É por esta razão, em segundo lugar, que, mesmo sem insistir estritamente no facto de que todo e qualquer elemento de participação do «público» recai totalmente fora do âmbito do direito da União, o facto é que não existe um direito de participação garantido pelo direito da União ao «público» que este possa invocar ao abrigo do primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta. Assim, o direito da União não se opõe, com efeito, a que o «público» que não faça parte do «público envolvido» seja excluído do direito de acesso à justiça. Contudo, não é esta a razão pela qual a Carta ou o direito da União não seriam aplicáveis ao caso em apreço, mas antes o facto de o direito da União não prever, desde logo, esse direito de participação do «público». Se nenhum direito for conferido, ou nenhuma liberdade for garantida, pelo direito da União, não existe nenhum direito correspondente de acesso a um tribunal, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta, para fazer valer esse direito inexistente.

    112.

    Com efeito, já sugeri que a análise fundamental nesses casos não é necessariamente a do âmbito de aplicação da Carta, mas antes a da identificação de um direito decorrente de uma disposição específica do direito da União ( 44 ). Na falta desse direito específico, mesmo uma situação que se encontre, numa leitura mais tradicional e generosa do âmbito de aplicação do direito da União, dentro desse âmbito, o direito da União pouco ou nada terá a dizer nessa matéria, porque esse espaço regulamentar é deixado aos Estados‑Membros, numa área de competência partilhada. Nesse caso, o Tribunal de Justiça não perde subitamente a sua competência, mas conclui que o direito da União não se opõe ao direito nacional em causa.

    113.

    Em suma, por todas estas razões, a resposta que proponho quanto à compatibilidade da exclusão dos membros do «público» que não façam parte do «público envolvido» do acesso à justiça, numa situação em que tenham sido conferidos a esses membros do público direitos de participação ao abrigo do direito nacional seria a seguinte.

    114.

    Em primeiro lugar, os direitos de participação plena previstos no artigo 6.o da Convenção de Aarhus são garantidos apenas ao «público envolvido». Tais direitos não são garantidos ao «público» ao abrigo dessa disposição nem, a fortiori, ao abrigo de nenhuma outra disposição do direito da União, incluindo as Diretivas 2011/92 e 2010/75.

    115.

    Em segundo lugar, mesmo que tal situação não recaísse fora do âmbito de aplicação do direito da União e, portanto, da Carta, o facto é que, em tal situação, o direito da União não confere nem garante nenhum direito. Assim, a execução dos direitos previstos pelo direito nacional inscreve‑se nas garantias nacionais (direitos fundamentais). O direito da União não se opõe a essa exclusão, uma vez que não começa por exigir a extensão ao «público» em geral. Cabe ao direito nacional proteger, em tais situações, os direitos conferidos a nível nacional.

    116.

    Impõe‑se uma última observação. Este resultado é compatível não só com a lógica de uma ordem jurídica composta e de um sistema de vários níveis de proteção dos direitos fundamentais que é a União Europeia, mas também com os objetivos gerais da Convenção de Aarhus. O incentivo e a promoção da participação pública em assuntos ambientais podem ocorrer de diferentes maneiras. Uma delas poderá talvez ser também uma certa forma de participação do público «a várias velocidades»: para encorajar a participação, concede‑se mais do que o que é exigido pela Convenção de Aarhus numa fase, mas não necessariamente nas fases subsequentes.

    117.

    Insistir, em tal situação, na abordagem bastante absolutista do «tudo ou nada», no sentido de que, se for dado um bónus extra numa fase ( 45 ), também deve ser dado tudo o resto, acabaria por ser contraproducente do ponto de vista dos objetivos prosseguidos pela Convenção de Aarhus. Com efeito, nenhuma boa ação fica impune (no good deed goes unpunished). Ironia à parte, é bastante provável que, se se escolhesse a abordagem do «tudo ou nada» em relação ao extra facultativo, a reação natural de vários Estados Partes seria provavelmente optar por «sem extras». Contudo, esse não é decerto o resultado que se deve tentar alcançar através de uma interpretação razoável do âmbito das obrigações (juridicamente exequíveis) decorrentes de um instrumento que se destina a incentivar a participação do público no processo de tomada de decisões em matéria ambiental.

    c) Conclusão

    118.

    Atendendo às considerações anteriores, sugiro que o artigo 6.o da Convenção de Aarhus, bem como o artigo 6.o da Diretiva 2011/92 e o artigo 24.o da Diretiva 2010/75, sejam interpretados no sentido de que concedem direitos de participação plena apenas ao «público envolvido» na aceção destes instrumentos, mas não ao «público» em geral.

    119.

    Nem o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, nem o artigo 11.o da Diretiva 2011/92, nem o artigo 25.o da Diretiva 2010/75, nem, de resto, o artigo 47.o da Carta se opõem a que os membros do «público» que não façam parte do «público envolvido» sejam excluídos do acesso a um tribunal.

    C.   A condição de participação prévia

    120.

    Com a sua terceira a sexta questões, que convém examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, ou o artigo 11.o da Diretiva 2011/92 e o artigo 25.o da Diretiva 2010/75, se opõem a uma condição imposta pelo direito nacional, como a prevista no artigo 6:3 da Awb, que faz depender o acesso do «público envolvido» à justiça da apresentação prévia de observações no procedimento de participação do público, salvo se o facto de não o terem feito for justificado. Em caso de resposta negativa do Tribunal de Justiça a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta então se as mesmas disposições se opõem a uma regra do direito nacional nos termos da qual um órgão jurisdicional nacional pode declarar que uma ação intentada por membros do «público envolvido» apenas é admissível quanto aos elementos da decisão contra os quais já tenham sido apresentadas objeções durante a fase preparatória. Por último, com a sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se estas questões devem ter uma resposta diferente em relação ao «público».

    121.

    Pelas razões que exporei na presente secção, parece‑me que a condição de participação prévia no procedimento administrativo é, com efeito, incompatível com o acesso à justiça concedido diretamente ao «público envolvido» pelo artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus. Contudo, seguindo a lógica e a abordagem sugeridas na secção precedente, o mesmo não sucede com o «público» em geral.

    1. Condição de participação prévia do «público envolvido»

    122.

    A redação do artigo 9.o, n.o 2, é, sem grande surpresa, omissa quanto a qualquer condição de participação prévia. À semelhança do órgão jurisdicional de reenvio e do Governo neerlandês, considero que a questão submetida ao Tribunal de Justiça deve ser distinguida da situação regida pelo terceiro parágrafo artigo 9.o, n.o 2, da Convenção. Esta disposição diz respeito à obrigação de esgotar as vias de recurso administrativo antes da utilização das vias de recurso judicial, caso tal requisito seja previsto no direito interno. Contudo, esta disposição diz claramente respeito a um recurso administrativo, que é tipicamente uma decisão administrativa de segunda instância. Não diz respeito ao acesso a um tribunal ( 46 ).

    123.

    Seguidamente, o Governo neerlandês destaca o facto de o artigo 9.o, n.o 2, exigir que as Partes na Convenção garantam que os membros do público envolvido tenham acesso à justiça «nos termos da respetiva legislação nacional». Partindo desta remissão para o quadro da legislação nacional, o Governo neerlandês alega que a fixação de condições de legitimidade processual, como as que estão em causa no processo principal, se inscreve no âmbito da margem de apreciação deixada aos Estados‑Membros.

    124.

    Concordo, de um modo geral, com esta tese, com uma reserva bastante importante: cabe naturalmente aos Estados‑Membros estabelecer condições quanto à legitimidade processual, sem prejuízo, contudo, daquilo que já tenha sido previsto pelo próprio artigo 9.o, n.o 2.

    125.

    Não existindo regulamentação da União nesta matéria, os Estados‑Membros têm autonomia processual para definir as modalidades processuais dos recursos no artigo 9.o, n.o 2 ( 47 ). Contudo, no exercício da sua autonomia processual, a margem de apreciação dos Estados‑Membros está sujeita ao (tradicional) respeito dos princípios da equivalência e da efetividade. No contexto específico da Convenção de Aarhus, é ainda mais limitada pelo objetivo do artigo 9.o, n.o 2, de conceder ao «público envolvido» um amplo acesso à justiça nos termos da Convenção ( 48 ).

    126.

    A Comissão considera que o artigo 9.o, n.o 2, se opõe a uma condição de participação prévia. Baseia esta interpretação no objetivo do artigo 9.o, n.o 2, conforme interpretado pelos Acórdãos Comissão/Alemanha ( 49 ) e Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening (a seguir «Djurgården») ( 50 ). Pelo contrário, o Governo neerlandês e a Irlanda retiram a conclusão oposta dessa jurisprudência e invocam, nesse sentido, o Acórdão Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (a seguir «Protect Natur») ( 51 ). Por conseguinte, importa iniciar a discussão desta questão com uma análise pormenorizada dessa jurisprudência.

    a) Acórdãos Djurgården, Comissão/Alemanha e Protect Natur

    127.

    No processo Djurgården, era pedida uma autorização para um projeto suscetível de ter um impacto significativo no ambiente. Nos termos do direito sueco, o procedimento de participação do público é conduzido por um órgão jurisdicional especializado em matéria ambiental. Tendo em conta estes elementos, o Högsta domstolen (Supremo Tribunal, Suécia) perguntou ao Tribunal de Justiça se, nos termos do artigo 11.o da Diretiva 2011/92, se podia considerar que o direito a um recurso já se tinha esgotado no procedimento que levou à decisão, uma vez que esse procedimento era conduzido por um órgão jurisdicional, ou se «o público em causa» ainda tinha o direito de impugnar essa decisão em tribunal.

    128.

    O Tribunal de Justiça respondeu que os membros do público em causa devem poder recorrer da decisão, qualquer que tenha sido o seu papel na instrução desse pedido no momento em que intervieram no processo na referida instância e aí exprimiram a sua opinião ( 52 ). O Tribunal de Justiça apresentou duas razões para esta conclusão: por um lado, o direito de recurso nos termos do artigo 11.o da Diretiva 2011/92 é independente da natureza administrativa ou jurisdicional da autoridade que toma a decisão ou que adota o ato impugnado. Por outro lado, a participação no processo de decisão em matéria ambiental, nas condições previstas na Diretiva 2011/92, é «distinta e tem um objetivo diferente do recurso jurisdicional que pode eventualmente ser interposto da decisão tomada no final desse processo. A participação no processo é, assim, irrelevante quanto às condições de exercício do direito de recurso» ( 53 ).

    129.

    O Acórdão Comissão/Alemanha, dizia respeito, nomeadamente, a uma regra processual do direito alemão que limitava os fundamentos suscetíveis de ser invocados em apoio de um recurso judicial de uma decisão administrativa abrangida pelo artigo 11.o da Diretiva 2011/92 e pelo artigo 25.o da Diretiva 2010/75 às objeções que tinham sido formuladas durante o procedimento administrativo ( 54 ).

    130.

    O Tribunal de Justiça concluiu que esta regra era contrária ao artigo 11.o da Diretiva 2011/92 e ao artigo 25.o da Diretiva 2010/75. O Tribunal de Justiça salientou que estas disposições não impõem quaisquer limites aos fundamentos suscetíveis de ser invocados em apoio de um recurso judicial ao abrigo das mesmas e recordou o seu objetivo de garantir um amplo acesso à justiça no domínio da proteção do ambiente ( 55 ). Passando às disposições nacionais em questão, o Tribunal de Justiça observou que estas fixavam requisitos específicos que limitavam a fiscalização jurisdicional, que não estavam previstos nem no artigo 11.o da Diretiva 2011/92 nem no artigo 25.o da Diretiva 2010/75 ( 56 ).

    131.

    Em resposta a um argumento apresentado pelos Governos alemão e austríaco, o Tribunal de Justiça acrescentou ainda que tal restrição não podia ser justificada invocando a eficácia dos procedimentos administrativos. Os Governos alemão e austríaco tinham alegado, em substância, que, nos termos do artigo 11.o da Diretiva 2011/92 e do artigo 25.o da Diretiva 2010/75, a fixação de regras processuais pormenorizadas que regulem os recursos referidos nessas disposições se inseria na autonomia processual dos Estados‑Membros ( 57 ).

    132.

    Contudo, o Tribunal de Justiça rejeitou estes argumentos, declarando que «embora seja verdade que a apresentação de um fundamento pela primeira vez num recurso judicial pode entravar, em certos casos, a boa tramitação [do procedimento administrativo], […] o próprio objetivo prosseguido pelo artigo 11.o da Diretiva 2011/92 e pelo artigo 25.o da Diretiva 2010/75 consiste não só em garantir aos particulares um acesso o mais amplo possível à fiscalização jurisdicional mas também permitir que esta fiscalização incida sobre a legalidade material ou processual da totalidade da decisão impugnada» ( 58 ). O Tribunal de Justiça acrescentou que o legislador nacional pode, contudo, prever regras processuais específicas, como a inadmissibilidade de um argumento apresentado abusivamente ou de má‑fé, que constituam mecanismos adequados para garantir a eficácia do processo judicial ( 59 ).

    133.

    Por último, o processo Protect Natur ( 60 ) dizia respeito a uma regra do direito austríaco que implicava uma condição de participação prévia. Mais precisamente, a regra processual em causa impunha uma regra de preclusão às organizações de defesa do ambiente, nos termos do qual essas organizações perdiam o estatuto de parte no procedimento administrativo e não podiam, por conseguinte, recorrer da decisão resultante desse processo se não tivessem apresentado objeções dentro do prazo fixado no procedimento administrativo. Todavia, há que salientar que esse processo tinha por objeto a compatibilidade dessa regra com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus relativamente aos procedimentos públicos sujeitos à Diretiva 2000/60/CE ( 61 ), e não com o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus relativamente aos procedimentos públicos sujeitos ao artigo 6.o desta convenção.

    134.

    O Tribunal de Justiça declarou que a fixação da regra nacional em causa se inseria no âmbito da autonomia processual dos Estados‑Membros. O Tribunal de Justiça baseou esta conclusão na redação do artigo 9.o, n.o 3, que prevê expressamente que os recursos referidos nesta disposição podem ser sujeitos a «critérios» na legislação nacional. Segundo o Tribunal de Justiça, decorre daí que, em princípio, os Estados‑Membros podem, no âmbito da margem de apreciação que lhes é conferida a este respeito, fixar regras de direito processual relativas aos requisitos que devem estar cumpridos para interpor esses recursos ( 62 ). Por conseguinte, a compatibilidade de tal regra depende do respeito do direito à ação previsto no artigo 47.o da Carta, que corresponde ao princípio da efetividade, e dos requisitos previstos para as restrições a este direito previstos no artigo 52.o, n.o 1, da Carta ( 63 ).

    135.

    À semelhança da Comissão e do órgão jurisdicional de reenvio, não considero que a apreciação do Tribunal de Justiça no Acórdão Protect Natur seja aplicável no contexto do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus. O artigo 9.o, n.o 3, distingue‑se do artigo 9.o, n.o 2, quanto a vários aspetos. O artigo 9.o, n.o 3, tem um âmbito de aplicação pessoal mais amplo e abrange um maior leque de atos e decisões que o artigo 9.o, n.o 2. O artigo 9.o, n.o 3, concede, sobretudo, mais flexibilidade às Partes no que respeita às condições de legitimidade processual, uma vez que permite expressamente que as Partes estabeleçam «critérios» no direito nacional. Foi neste último aspeto, com efeito, que o Tribunal de Justiça baseou o seu raciocínio.

    136.

    No que respeita aos dois outros Acórdãos, Djurgården e Comissão/Alemanha, também não creio que essa jurisprudência forneça qualquer resposta concreta à questão suscitada no presente processo. Devo reconhecer, contudo, que a sua orientação geral é bastante clara. Retiro dessa jurisprudência três consequências que são efetivamente relevantes para o caso em apreço.

    137.

    Em primeiro lugar, aos olhos do Tribunal de Justiça, a tomada de decisões administrativas em matéria ambiental e a sua (eventual) fiscalização jurisdicional subsequente são dois processos distintos. Ambos os processos têm, naturalmente, o mesmo objeto, mas devem ser mantidos separados. Em segundo lugar, o artigo 9.o, n.o 2, confere ao público envolvido um direito independente e autónomo de acesso a um tribunal em matéria ambiental. O Tribunal de Justiça admite um certo grau de ligação com o procedimento de participação do público, mas não uma condicionalidade. Em terceiro lugar, as condições nacionais que podem razoavelmente ser previstas ao transpor o artigo 9.o, n.o 2, estabelecendo, assim, os critérios do acesso a um tribunal não podem esvaziar o próprio acesso do seu conteúdo.

    b) A condição de participação prévia e a não participação justificada: qual a regra e qual a exceção

    138.

    Na minha opinião, a condição no direito neerlandês segundo a qual a legitimidade processual nos termos do artigo 9.o, n.o 2, exige que «o público envolvido» tenha igualmente participado no procedimento de participação do público nos termos do artigo 6.o não é compatível com aquela disposição. Em termos simples, essa regra nacional insere uma condição suplementar da legitimidade processual que não está presente na letra nem é compatível com o espírito do artigo 9.o, n.o 2.

    139.

    Embora reconheça plenamente a competência dos Estados‑Membros para fixarem as regras para a definição dos critérios de aplicação do artigo 9.o, n.o 2, há critérios e critérios. O critério da participação prévia incide sobre o próprio cerne do que deve ser garantido de forma independente e direta nos termos do artigo 9.o, n.o 2: se uma pessoa for membro do «público envolvido» com «um interesse suficiente ou, em alternativa, cujo direito tenha sido ofendido», deve ser‑lhe concedido o acesso a um tribunal. Pelo contrário, exigir que essa pessoa tenha participado no procedimento anterior de participação do público não é, pela sua própria natureza, uma condição que possa razoavelmente ser incluída na alínea a) ou na alínea b) do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus. Para todos os efeitos práticos, trata‑se, em vez disso, da inserção de uma alínea c) nesta disposição.

    140.

    Esta condição é efetivamente contrária às conclusões retiradas da jurisprudência apresentada na secção anterior. Com efeito, ao introduzir uma regra dessa natureza, a fase administrativa e a fase judicial passam a formar um só pacote: o acesso à segunda está subordinado à participação na primeira. Além disso, a natureza e o impacto dos critérios não são um mero desenvolvimento processual decorrente do artigo 9.o, n.o 2, mas começam efetivamente a suprimir o que é garantido de forma autónoma pelo artigo 9.o, n.o 2.

    141.

    Esta conclusão é ainda mais reforçada à luz das implicações práticas que a aplicação de tal regra pode ter em dois tipos de «público envolvido»: ONG, por um lado, e outras pessoas, em especial pessoas singulares, por outro.

    142.

    Por um lado, no que respeita às ONG, resulta do artigo 9.o, n.o 2, que se deve considerar que as ONG que satisfaçam os requisitos do artigo 2.o, n.o 5, ou seja, sejam reconhecidas pelo direito nacional como ONG que promovem a proteção do ambiente e pertencem, por conseguinte, ao «público envolvido», satisfazem a condição de terem um interesse suficiente ou de terem direitos que tenham sido ofendidos. Assim, as ONG beneficiam de uma legitimidade processual automática nos termos do artigo 9.o, n.o 2, desde que satisfaçam a condição de pertencerem ao «público envolvido» ( 64 ). Esta consideração é também corroborada pela conclusão do Tribunal de Justiça segundo a qual a disposição equivalente do artigo 11.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da Diretiva 2011/92 tem efeito direto em relação às ONG que façam parte do «público envolvido», no sentido de que esta disposição estabelece uma norma precisa que não está sujeita a outras condições ( 65 ).

    143.

    Atendendo a estas considerações e ao objetivo de assegurar um amplo acesso à fiscalização jurisdicional, uma condição de participação prévia na fase preparatória compromete a legitimidade processual automática que o artigo 9.o, n.o 2, confere às ONG que pertençam ao «público envolvido». Esta condição exige, na prática, que todas essas ONG participem em todos os procedimentos públicos, na aceção do artigo 6.o da Convenção de Aarhus, nos Países Baixos, a fim de assegurar o seu direito de impugnar posteriormente em tribunal as decisões resultantes desses procedimentos. A condição de participação prévia é, assim, contrária ao próprio objetivo de conceder às ONG que pertençam ao «público envolvido» direitos privilegiados de legitimidade processual ( 66 ).

    144.

    Por outro lado, questões semelhantes colocam‑se igualmente em relação a outros membros do «público envolvido», embora por uma razão ligeiramente diferente. Quanto a este grupo, o artigo 9.o, n.o 2, deixa efetivamente aos Estados‑Membros uma margem de apreciação considerável para a definição do que constitui um interesse suficiente ou a ofensa de um direito ( 67 ). Contudo, mesmo para esta categoria de pessoas, a condição de participação prévia vai, quanto ao seu impacto, muito além do que poderia razoavelmente ser incluído na aplicação nacional destes conceitos.

    145.

    Pode tomar‑se como exemplo uma pessoa singular proprietária de uma casa na proximidade do local da pocilga proposta. É razoável partir do princípio de que, ao abrigo de qualquer aplicação dos conceitos de «interesse suficiente» ou de «ofensa do direito», essa pessoa será afetada por essa atividade ambiental proposta e deve ter acesso a um tribunal caso pretenda impugnar a autorização nos termos do artigo 9.o, n.o 2. Contudo, para o poder fazer, tem essa pessoa também de participar sempre no procedimento de participação do público, mesmo que não tivesse nenhuma objeção contra a atividade, conforme inicialmente proposta, e, portanto, não via razões para o fazer? E se não tiver apresentado observações, pelo facto de a sua opinião já ter sido apresentada por outros participantes no processo de tomada de decisão? E se parte do «público envolvido» apenas tiver tomado conhecimento do projeto de decisão após o termo do prazo fixado para a apresentação das observações?

    146.

    À semelhança de uma ONG, devem também todos os outros membros do «público envolvido» ser obrigados a inscrever‑se formalmente ou mesmo a participar no procedimento de participação do público, anda que, nessa fase, não pensem que têm algo útil a dizer? Devem ser simplesmente obrigados a fazê‑lo como medida de precaução, para não perder o seu direito de acesso a um tribunal, o qual é, de resto, assegurado de modo autónomo pelo artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus ( 68 )?

    147.

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio mencionou, e o Governo neerlandês explicou na audiência, as exceções à obrigação de participação prévia, previstas no direito neerlandês: a condição de participação prévia não se aplica se o facto de o «público envolvido» não ter apresentado observações for justificado ( 69 ).

    148.

    A existência destas exceções mitiga decerto o problema. Contudo, não resolve realmente a questão estrutural de o acesso a um tribunal em matéria ambiental, considerado um direito nos termos do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, estar sujeito a uma condição que, pela sua própria natureza, vai muito além de uma mera aplicação desta disposição. Além disso, acrescenta um nível de discricionariedade e de (im)previsibilidade: que casos serão suscetíveis de beneficiar da concessão da exceção? Na audiência, o Governo neerlandês confirmou que a determinação daquilo que constitui uma «não participação justificada» no procedimento de participação do público se baseia inteiramente (pela sua natureza casuística) na jurisprudência e que o próprio Governo pode apenas dar alguns exemplos ilustrativos de situações em que essa exceção é suscetível de ser aplicada.

    149.

    Tudo isto mais não faz do que evidenciar a verdadeira natureza da dificuldade geral e as consequências da regra da participação prévia: inverte simplesmente a lógica em que assenta o artigo 9.o, n.o 2. Como o Tribunal de Justiça já reconheceu, para quem cumpre os critérios previstos nesta disposição, o acesso é a regra, à qual podem ser estabelecidas exceções razoavelmente formuladas ( 70 ). Nos termos do direito neerlandês, para quem não tenha participado no procedimento de participação do público, o não acesso é a regra, mesmo que satisfaça todos os critérios previstos no artigo 9.o, n.o 2, que pode admitir exceções. Por conseguinte, salvo no caso de as exceções serem interpretadas, na prática, de forma tão ampla que invertam, de facto, a regra ( 71 ), esta estrutura é incompatível com o Artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus.

    150.

    Por conseguinte, concluo que o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, o artigo 11.o da Diretiva 2011/92 e o artigo 25.o da Diretiva 2010/75 se opõem a uma condição de participação prévia do «público envolvido» no procedimento de participação do público para que o público envolvido tenha acesso a um recurso judicial na aceção destes instrumentos.

    151.

    À luz desta conclusão, não é necessário apreciar separadamente a quarta questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Além disso, e em qualquer caso, uma vez que nenhuma das quatro recorrentes apresentou observações no procedimento de participação do público, não se percebe como poderiam ser afetadas, por definição, por uma regra nacional segundo a qual um órgão jurisdicional nacional só pode declarar admissível um recurso relativamente aos elementos da decisão contra os quais tenham sido formuladas objeções durante a fase preparatória. Esta dimensão da quarta questão afigura‑se, por conseguinte, inteiramente hipotética no âmbito do presente processo.

    152.

    Por último, tendo em conta a resposta atrás sugerida à segunda questão do órgão jurisdicional nacional, a mesma lógica, conforme aí descrita, é aplicável à sexta questão. Os direitos do «público» em geral que não faça parte do «público envolvido» na aceção do artigo 9.o, n.o 2, são regulados pelo direito nacional. Assim, o direito da União não se opõe a que a condição de participação prévia seja aplicada pelo direito nacional apenas ao «público».

    V. Conclusão

    153.

    Proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Rechtbank Limburg (Tribunal de Primeira Instância de Limburg, Países Baixos) do seguinte modo:

    1.

    O artigo 6.o da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 («Convenção Aarhus»), o artigo 6.o da Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, conforme alterada pela Diretiva 2014/52/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que altera a Diretiva 2011/92UE, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, e o artigo 24.o da Diretiva 2010/75/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativa às emissões industriais (prevenção e controlo integrados da poluição), conferem direitos de participação plena apenas ao «público envolvido» na aceção destes instrumentos, mas não ao «público» em geral.

    2.

    Nem o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, nem o artigo 11.o da Diretiva 2011/92, nem o artigo 25.o da Diretiva 2010/75, nem o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia se opõem a que o «público» que não faça parte do «público envolvido», na aceção destes instrumentos, seja excluído do acesso a um tribunal.

    3.

    O artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, o artigo 11.o da Diretiva 2011/92, conforme alterada pela Diretiva 2014/52, e o artigo 25.o da Diretiva 2010/75 opõem‑se a uma condição do direito nacional que subordina o direito de acesso à justiça do «público envolvido» na aceção destes instrumentos à participação prévia nos procedimentos sujeitos ao artigo 6.o da Convenção de Aarhus, ao artigo 6.o da Diretiva 2011/92 e ao artigo 24.o da Diretiva 2010/75.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) Convenção sobre o Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, assinada em Aarhus em 25 de junho de 1998 e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1, a seguir «Convenção de Aarhus»).

    ( 3 ) V. nota 2.

    ( 4 ) Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Diretivas 85/337/CEE e 96/61/CE (JO 2003, L 156, p. 17).

    ( 5 ) Considerandos 5 e 11 do preâmbulo da Diretiva 2003/35.

    ( 6 ) Diretiva 2010/75/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativa às emissões industriais (prevenção e controlo integrados da poluição) (JO 2010, L 334, p. 17).

    ( 7 ) Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2012, L 26, p. 1).

    ( 8 ) Diretiva 2014/52/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que altera a Diretiva 2011/92/UE relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2014, L 124, p. 1).

    ( *1 ) N.d.t: Na língua original das presentes conclusões assim como na versão inglesa da Convenção de Aarhus e das Diretivas 2010/75/UE e 2011/92/UE, o termo utilizado é sempre «public concerned». A versão portuguesa destes diplomas utiliza indiferentemente, com sentido idêntico, os termos «público envolvido», «público em causa» ou «público interessado». Por uma questão de clareza e de uniformização, utilizar‑se‑á nas presentes conclusões o termo «público envolvido», salvo quando se trate de citações.

    ( 9 ) Acórdão de 16 de abril de 2015, Gruber (C‑570/13, EU:C:2015:231, n.o 34).

    ( 10 ) V. n.os 14 e 27, supra, das presentes conclusões.

    ( 11 ) V., por exemplo, Acórdão de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK (C‑243/15, EU:C:2016:838, n.o 58).

    ( 12 ) Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston nos processos Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening (C‑263/08, EU:C:2009:421, n.o 63) e Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (C‑664/15, EU:C:2017:760, n.o 81).

    ( 13 ) V., neste sentido, o Guia de Aplicação da Convenção de Aarhus, segunda edição, 2014 (a seguir «Guia de Aplicação»), p. 198 e o Comité de Avaliação do Cumprimento da Convenção de Aarhus (a seguir «Comité de Avaliação»), Conclusões e recomendações de 16 de junho de 2006, Bélgica (ACCC/C/2005/11, n.o 35).

    ( 14 ) Por uma questão de exaustividade, o órgão jurisdicional de reenvio menciona também o artigo 6.o, n.o 8. Contudo, esta disposição limita‑se a impor às Partes que garantam que o resultado da participação do público seja tido em devida conta no momento da adoção da decisão. Não vejo, portanto, de que forma esta disposição inclua quaisquer potenciais direitos para o «público».

    ( 15 ) N.os 81 a 85 das presentes conclusões.

    ( 16 ) Guia de Aplicação, pp. 153 e 195. Embora o Guia de Aplicação não tenha força vinculativa, pode ser tomado em consideração para efeitos da interpretação da Convenção — v. Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Fish Legal e Shirley (C‑279/12, EU:C:2013:853, n.o 38).

    ( 17 ) V. Acórdão de 7 de novembro de 2019, Flausch e o. (C‑280/18, EU:C:2019:928, n.os 32 e segs.), em que o Tribunal de Justiça observou que a efetividade da comunicação deve ser apreciada em relação ao «público em causa», e não em relação ao «público» em geral. V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Flausch e o. (C‑280/18, EU:C:2019:449, n.o 62).

    ( 18 ) Continuando com os exemplos referidos, no n.o 10, de pessoas que, como foi confirmado pelo Governo neerlandês, teriam o direito de participar no procedimento de participação do público ao abrigo do direito neerlandês.

    ( 19 ) Comité de Avaliação. Conclusões e recomendações de 4 de abril de 2008, Lituânia (ACCC/C/2006/16, n.o 80).

    ( 20 ) Comité de Avaliação. Conclusões e recomendações de 8 de fevereiro de 2011, Espanha (ACCC/C/2008/24, n.os 99‑100).

    ( 21 ) Artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2011/92 e artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2010/75, em conjugação com o anexo IV, ponto 1.

    ( 22 ) No que respeita ao direito de apresentar observações, v. artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2011/92 e artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2010/75, em conjugação com o anexo IV, pontos 3 e 5. Quanto a todos os outros direitos de participação, v. artigo 6.o, n.os 3 e 5 a 7, da Diretiva 2011/92 e artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva 2010/75, em conjugação com o anexo IV, ponto 3.

    ( 23 ) V., por exemplo, Comité de Avaliação. Conclusões e recomendações de 17 de março de 2017 ACCC/C/2008/32 (parte II) relativas ao cumprimento pela União Europeia, em que o Comité de Avaliação concluiu que o direito da União não prevê uma fiscalização administrativa ou jurisdicional adequada de atos não legislativos em matéria ambiental nos termos do artigo 263.o, n.o 4, TFUE.

    ( 24 ) V. n.os 48 a 50, supra, das presentes conclusões.

    ( 25 ) V. n.o 64, supra, das presentes conclusões.

    ( 26 ) V., neste sentido, Acórdãos de 25 de julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, EU:C:2002:462, n.os 38 e 39); de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 335); e de 18 de março de 2010, Alassini e o. (C‑317/08 a C‑320/08, EU:C:2010:146, n.o 61).

    ( 27 ) V., neste sentido, Acórdãos de 15 de abril de 2008, Impact (C 268/06, EU:C:2008:223, n.os 45 a 47 e jurisprudência aí referida), e de 27 de setembro de 2017, Puškár (C‑73/16, EU:C:2017:725, n.os 57 e 58 e jurisprudência aí referida).

    ( 28 ) O âmbito jurisdicional da fiscalização poderia também, potencialmente, ser contrário à jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça nesta matéria, no Acórdão de 15 de outubro de 2015, Comissão/Alemanha (C‑137/14, EU:C:2015:683, n.os 75 a 82), em que o Tribunal de Justiça declarou que a limitação do âmbito da fiscalização jurisdicional aos fundamentos já invocados na fase administrativa era incompatível com um acesso o mais amplo possível à fiscalização jurisdicional em matéria ambiental.

    ( 29 ) Quanto à dificuldade geral de distinguir e diferenciar claramente os fundamentos numa ação em matéria ambiental, v., por analogia, minhas Conclusões no processo North East Pylon Pressure Campaign e Sheehy (C‑470/16, EU:C:2017:781, n.os 74 a 91).

    ( 30 ) V., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Gemeinde Altrip e o. (C‑72/12, EU:C:2013:712, n.os 49 a 51).

    ( 31 ) Acórdão de 16 de abril de 2015, Gruber (C‑570/13, EU:C:2015:231, n.o 38).

    ( 32 ) V. n.o 46, supra, das presentes conclusões.

    ( 33 ) Conforme exposto nos n.os 9 e 10, supra, das presentes conclusões.

    ( 34 ) Assim, por exemplo, já no Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105), se considerou que as regras nacionais relativas à aplicação de uma sobretaxa fiscal no período fiscal subsequente, a título de sanção por falsas declarações fiscais feitas nos períodos fiscais anteriores, constituíam uma «aplicação do direito da União», mais especificamente da obrigação de os Estados‑Membros preverem disposições para «garantir a cobrança exata do imposto e para evitar a fraude». V. também, por exemplo, Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865, n.os 64 a 69), ou de 13 de junho de 2017, Florescu e o. (C‑258/14, EU:C:2017:448, n.o 48).

    ( 35 ) V. n.o 85, supra, das presentes conclusões e jurisprudência aí referida.

    ( 36 ) V., por exemplo, o recente Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:626, n.o 56 e jurisprudência aí referida).

    ( 37 ) V., por exemplo, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.os 120, 167 e jurisprudência aí referida).

    ( 38 ) Acórdão de 19 de novembro de 2019, TSN e AKT (C‑609/17 e C‑610/17, EU:C:2019:981, em especial n.os 49 a 51).

    ( 39 ) Ibidem, n.o 53.

    ( 40 ) Passando‑se tudo isso de forma bastante contraintuitiva: quanto mais concreta e específica se tornasse a discussão quanto ao mérito, maior a probabilidade de a situação ficar de repente completamente «fora do âmbito de aplicação» do direito da União, continuando presumivelmente todas as questões abstratas e estruturais conexas a estar abrangidas por esse âmbito de aplicação. Em termos práticos, isto levaria provavelmente à deslocação de qualquer discussão quanto ao mérito para o terreno da competência judiciária, tornando‑se subitamente uma apreciação longa e detalhada do mérito numa questão de incompetência/inadmissibilidade no final do raciocínio.

    ( 41 ) Na qual, através de expressões abstratas como «cobrança exata do IVA» ou «recursos financeiros da União», era possível incluir virtualmente qualquer questão relativa à fiscalização da aplicação do IVA ou questões de fraude relativas aos recursos financeiros da União no âmbito do direito da União. Contudo, se fosse realmente essa a lógica adequada (e o nível de abstração adequado), a situação no processo TSN e AKT também se enquadrava claramente no âmbito de aplicação do direito da União, uma vez que, a esse nível de abstração, as «férias anuais remuneradas» são certamente previstas tanto pelo direito primário como pelo direito derivado da União. Para uma análise detalhada das implicações dessa «lógica de aplicação» para o âmbito de aplicação da Carta, ver minhas Conclusões no processo Ispas (C‑298/16, EU:C:2017:650, n.os 26 a 56).

    ( 42 ) V., por exemplo, Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro (C‑646/17, EU:C:2019:489, n.os 66 a 74).

    ( 43 ) Acórdão de 19 de novembro de 2019, TSN e AKT (C‑609/17 e C‑610/17, EU:C:2019:981, n.os 47 a 51).

    ( 44 ) V. minhas Conclusões no processo El Hassani (C‑403/16, EU:C:2017:659, n.os 74 a 83) e, no que respeita ao nível de análise do direito em causa, minhas Conclusões no processo Dzivev (C‑310/16, EU:C:2018:623, n.os 70 a 80).

    ( 45 ) Embora, como já se explicou no n.o 11 das presentes conclusões, as razões pelas quais este bónus é dado nessa fase específica façam sentido do ponto de vista regulamentar.

    ( 46 ) Em certos casos, especialmente quando se trata de tribunais híbridos, pode discutir‑se a questão de saber se essa via de recurso ainda é «administrativa» ou já é «judicial». Contudo, esta questão não se coloca, manifestamente, no presente processo.

    ( 47 ) V. Acórdãos de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04 (C‑93/12, EU:C:2013:432, n.o 35), e de 18 de outubro de 2011, Boxus e o. (C‑128/09 a C‑131/09, C‑134/09 e C‑135/09, EU:C:2011:667, n.o 52).

    ( 48 ) Acórdãos de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK (C‑243/15, EU:C:2016:838, n.o 58), e de 16 de abril de 2015, Gruber (C‑570/13, EU:C:2015:231, n.o 39).

    ( 49 ) Acórdão de 15 de outubro de 2015 (C‑137/14, EU:C:2015:683).

    ( 50 ) Acórdão de 15 de outubro de 2009 (C‑263/08, EU:C:2009:631).

    ( 51 ) Acórdão de 20 de dezembro de 2017 (C‑664/15, EU:C:2017:987).

    ( 52 ) Acórdão de 15 de outubro de 2009 (C‑263/08, EU:C:2009:631, n.o 39).

    ( 53 ) Ibidem, n.o 38.

    ( 54 ) Acórdão de 15 de outubro de 2015 (C‑137/14, EU:C:2015:683).

    ( 55 ) Ibidem, n.os 76 e 77.

    ( 56 ) Ibidem, n.o 78.

    ( 57 ) Ibidem, n.os 71 a 74.

    ( 58 ) Ibidem, n.o 80.

    ( 59 ) Ibidem, n.o 81.

    ( 60 ) Acórdão de 20 de dezembro de 2017 (C‑664/15, EU:C:2017:987).

    ( 61 ) Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água (JO 2000, L 327, p. 1).

    ( 62 ) Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Protect Nature (C‑664/15, EU:C:2017:987, n.o 86).

    ( 63 ) Ibidem, n.os 87 e 90.

    ( 64 ) V., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening (C‑263/08, EU:C:2009:421, n.os 42 a 44 e 57), bem como Guia de Aplicação, p. 195.

    ( 65 ) Acórdão de 12 de maio de 2011, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen (C‑115/09, EU:C:2011:289, n.os 55 a 57).

    ( 66 ) V., neste sentido, Comité de Avaliação, Conclusões e recomendações de 29 de junho de 2012, República Checa (ACCC/C/2010/50, n.o 78).

    ( 67 ) Acórdão de 16 de abril de 2015, Gruber (C‑570/13, EU:C:2015:231, n.o 38).

    ( 68 ) V., igualmente, Guia de Aplicação, p. 195, que indica, quanto aos membros do «público envolvido» diferentes de ONG, que «pode ser demasiado restritivo exigir que apenas seja concedido acesso, ao abrigo [do artigo 9.o, n.o 2], às pessoas que tenham participado no processo de tomada de decisão» [tradução livre].

    ( 69 ) Conforme exposto no n.o 18 das presentes conclusões.

    ( 70 ) V., em particular, Acórdão de 15 de outubro de 2015, Comissão/Alemanha (C-137/14, EU:C:2015:683, n.os 80 a 81), analisado, nos n.os 129 a 132, supra,.

    ( 71 ) Reconheço, é certo, que algumas das exceções invocadas pelo Governo neerlandês na audiência vão bastante longe. Mas, se assim for realmente na prática jurisprudencial, e pondo de parte a questão da previsibilidade, que sentido faz (então) ter a regra?

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