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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62018CJ0122

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 28 de janeiro de 2020.
    Comissão Europeia contra República Italiana.
    Incumprimento de Estado — Diretiva 2011/7/UE — Luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais — Transações comerciais em que o devedor é uma entidade pública — Obrigação de os Estados‑Membros assegurarem que o prazo de pagamento concedido às entidades públicas não excede 30 ou 60 dias — Obrigação de resultado.
    Processo C-122/18.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2020:41

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    28 de janeiro de 2020 ( *1 )

    «Incumprimento de Estado — Diretiva 2011/7/UE — Luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais — Transações comerciais em que o devedor é uma entidade pública — Obrigação de os Estados‑Membros assegurarem que o prazo de pagamento concedido às entidades públicas não excede 30 ou 60 dias — Obrigação de resultado»

    No processo C‑122/18,

    que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, que deu entrada em 14 de fevereiro de 2018,

    Comissão Europeia, representada por G. Gattinara e C. Zadra, na qualidade de agentes,

    demandante,

    contra

    República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino e F. De Luca, avvocati dello Stato,

    demandada,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, A. Prechal, M. Safjan e S. Rodin, presidentes de secção, L. Bay Larsen, T. von Danwitz, C. Toader, F. Biltgen, K. Jürimäe e N. Piçarra (relator), juízes,

    advogado‑geral: G. Hogan,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, não tendo assegurado e ao continuar a não assegurar que as suas entidades públicas não excedam os prazos de 30 ou 60 dias de calendário aplicáveis ao pagamento das respetivas dívidas comerciais, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais (JO 2011, L 48, p. 1), e, em especial, as previstas no artigo 4.o da referida diretiva.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    2

    Os considerandos 3, 9, 12, 14, 23 e 25 da Diretiva 2011/7 enunciam o seguinte:

    «(3)

    Nas transações comerciais entre operadores económicos ou entre operadores económicos e entidades públicas, acontece com frequência que os pagamentos são feitos mais tarde do que o que foi acordado no contrato ou do que consta das condições comerciais gerais. Ainda que os bens sejam entregues ou os serviços prestados, as correspondentes faturas são pagas muito depois do termo do prazo. Atrasos de pagamento desta natureza afetam a liquidez e complicam a gestão financeira das empresas. Também põem em causa a competitividade e a viabilidade das empresas, quando o credor é forçado a recorrer a financiamento externo devido a atrasos de pagamento. […]

    […]

    (9)

    A presente diretiva deverá regulamentar todas as transações comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre empresas privadas ou públicas, ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que as entidades públicas procedem a um considerável volume de pagamentos às empresas. Por conseguinte, deverá também regulamentar todas as transações comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes.

    […]

    (12)

    Os atrasos de pagamento constituem um incumprimento de contrato que se tornou financeiramente aliciante para os devedores na maioria dos Estados‑Membros, visto serem baixas ou inexistentes as taxas de juro que se aplicam aos atrasos de pagamento e/ou em razão da lentidão dos processos de indemnização. É necessária uma mudança decisiva com vista a uma cultura de pagamentos atempados, que inclua o reconhecimento sistemático da exclusão do direito de cobrar juros como cláusula contratual ou prática manifestamente abusiva, de modo a inverter esta tendência e desincentivar esses atrasos. Esta mudança deverá incluir a introdução de disposições específicas em relação a prazos de pagamento e à indemnização dos credores pelos prejuízos sofridos e determinar, como cláusula contratual manifestamente abusiva, a exclusão do direito a indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida.

    […]

    (14)

    Por uma questão de coerência da legislação da União, a definição de “entidades adjudicantes” constante da Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais [(JO 2004, L 134, p. 1)], e da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços [(JO 2004, L 134, p. 114)], deverá ser aplicável para efeitos da presente diretiva.

    […]

    (23)

    Regra geral, as entidades públicas beneficiam de fontes de receita mais seguras, previsíveis e contínuas do que as empresas. Acresce que muitas entidades públicas podem obter financiamento em condições mais atrativas do que as empresas. Ao mesmo tempo, as entidades públicas dependem menos do que as empresas do estabelecimento de relações comerciais estáveis para a consecução dos seus objetivos. Os prazos dilatados de pagamento e os atrasos de pagamento por parte de entidades públicas para bens e serviços acarretam custos injustificados para as empresas. Em consequência, é conveniente introduzir disposições específicas em matéria de transações comerciais para o fornecimento de bens ou para a prestação de serviços pelas empresas às entidades públicas, prevendo, em particular, prazos de pagamento que normalmente não excedam 30 dias de calendário, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato e desde que tal seja objetivamente justificado pela natureza particular ou pelas características do contrato, não excedendo, em caso algum, 60 dias de calendário.

    […]

    (25)

    Um motivo de especial preocupação no que respeita aos atrasos de pagamento é a situação dos serviços de saúde num grande número de Estados‑Membros. Os sistemas de saúde são muitas vezes obrigados, enquanto elemento fundamental da infraestrutura social na Europa, a conciliar as necessidades individuais com os recursos financeiros disponíveis […]. Os Estados‑Membros deverão, por isso, poder conferir às entidades públicas que prestam cuidados de saúde uma certa margem de flexibilidade no cumprimento das suas obrigações. Para esse efeito, os Estados‑Membros deverão poder prorrogar, sob determinadas condições, o prazo de pagamento normal até um máximo de 60 dias de calendário. Os Estados‑Membros deverão, ainda assim, envidar todos os esforços para assegurar que os pagamentos no setor dos cuidados de saúde sejam efetuados dentro dos prazos legais de pagamento.»

    3

    O artigo 1.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2011/7 prevê:

    «1.   O propósito da presente diretiva consiste em combater os atrasos de pagamento nas transações comerciais, a fim de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, promovendo assim a competitividade das empresas e, em particular, das [pequenas e médias empresas (PME)].

    2.   A presente diretiva aplica‑se a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais.»

    4

    O artigo 2.o desta diretiva estabelece:

    «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

    […]

    2)

    “Entidade pública”, qualquer entidade adjudicante definida na alínea a) do n.o 1 do artigo 2.o da Diretiva [2004/17] e no n.o 9 do artigo 1.o da Diretiva [2004/18], independentemente do objeto ou do valor do contrato;

    […]

    4)

    “Atraso de pagamento”, qualquer falta de pagamento dentro do prazo contratual ou legal e caso estejam preenchidas as condições estabelecidas no n.o 1 do artigo 3.o ou no n.o 1 do artigo 4.o;

    […]

    […]»

    5

    O artigo 3.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2011/7 prevê:

    «1.   Os Estados‑Membros asseguram que, nas transações comerciais entre empresas, o credor tem direito a receber juros de mora sem necessidade de interpelação caso estejam preenchidas as seguintes condições:

    a)

    O credor ter cumprido as suas obrigações contratuais e legais; e

    b)

    O credor não ter recebido dentro do prazo o montante devido, salvo se o atraso não for imputável ao devedor.

    […]

    3.   Caso estejam preenchidas as condições previstas no n.o 1, os Estados‑Membros asseguram que:

    a)

    O credor tenha direito a juros de mora a contar do dia subsequente à data de vencimento, ou no termo do prazo de pagamento, estipulados no contrato;

    b)

    Caso a data de vencimento ou o prazo de pagamento não estejam estipulados no contrato, o credor tenha direito a juros de mora após o termo de um dos seguintes prazos:

    i)

    30 dias de calendário a contar da data em que o devedor tiver recebido a fatura ou um aviso equivalente de pagamento;

    ii)

    caso a data de receção da fatura ou do aviso equivalente de pagamento seja incerta, 30 dias de calendário a contar da data de receção dos bens ou da prestação dos serviços;

    iii)

    caso o devedor receba a fatura ou o aviso equivalente de pagamento antes do fornecimento dos bens ou da prestação dos serviços, 30 dias de calendário a contar da data de receção dos bens ou da prestação dos serviços;

    iv)

    caso na lei ou no contrato esteja previsto um processo de aceitação ou de verificação, mediante o qual deva ser determinada a conformidade dos bens ou do serviço em relação ao contrato, e se o devedor receber a fatura ou o aviso equivalente de pagamento antes ou na data dessa aceitação ou verificação, 30 dias de calendário a contar dessa data.»

    6

    O artigo 4.o da Diretiva 2011/7, sob a epígrafe «Transações entre empresas e entidades públicas», dispõe, nos seus n.os 1, 3, 4 e 6:

    «1.   Os Estados‑Membros asseguram que, nas transações comerciais em que o devedor é uma entidade pública, o credor tem direito, após o termo do prazo fixado nos n.os 3, 4 ou 6, a receber juros de mora legais, sem necessidade de interpelação, caso estejam preenchidas as seguintes condições:

    a)

    O credor ter cumprido as suas obrigações contratuais e legais; e

    b)

    O credor não ter recebido dentro do prazo o montante devido, salvo se o atraso não for imputável ao devedor.

    […]

    3.   Os Estados‑Membros asseguram que, nas transações comerciais em que o devedor é uma entidade pública:

    a)

    O prazo de pagamento não exceda um dos prazos seguintes:

    i)

    30 dias de calendário a contar da data em que o devedor tiver recebido a fatura ou um aviso equivalente de pagamento;

    ii)

    caso a data de receção da fatura ou do aviso equivalente de pagamento seja incerta, 30 dias de calendário a contar da data de receção dos bens ou da prestação dos serviços;

    iii)

    caso o devedor receba a fatura ou o aviso equivalente de pagamento antes do fornecimento dos bens ou da prestação dos serviços, 30 dias de calendário a contar da data de receção dos bens ou da prestação dos serviços;

    iv)

    caso na lei ou no contrato esteja previsto um processo de aceitação ou de verificação, mediante o qual deva ser determinada a conformidade dos bens ou do serviço em relação ao contrato, e se o devedor receber a fatura ou o aviso equivalente de pagamento antes ou na data dessa aceitação ou verificação, 30 dias de calendário a contar dessa data.

    b)

    A data de receção da fatura não esteja sujeita a um acordo contratual entre devedor e credor.

    4.   Os Estados‑Membros podem prorrogar os prazos referidos na alínea a) do n.o 3 até um máximo de 60 dias de calendário em relação:

    a)

    A qualquer entidade pública que exerça atividades económicas de natureza industrial ou comercial que consista em fornecer bens ou prestar serviços no mercado e que esteja sujeita, na qualidade de empresa pública, aos requisitos de transparência previstos na Diretiva 2006/111/CE da Comissão, de 16 de novembro de 2006, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas, bem como à transparência financeira relativamente a certas empresas [(JO 2006, L 318, p. 17)];

    b)

    Às entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde que estejam devidamente reconhecidas para esse fim.

    […]

    6.   Os Estados‑Membros asseguram que o prazo de pagamento fixado no contrato não exceda os prazos previstos no n.o 3, salvo disposição expressa em contrário no contrato e desde que tal seja objetivamente justificado pela natureza particular ou pelas características do contrato, não excedendo, em caso algum, 60 dias de calendário.»

    Direito italiano

    7

    A Diretiva 2011/7 foi transposta para o ordenamento jurídico italiano pelo decreto legislativo n.o 192 — Modifiche al decreto legislativo 9 ottobre 2002, n.o 231, per l’integrale recepimento della direttiva 2011/7/UE relativa alla lotta contro i ritardi di pagamento nelle transazioni commerciali, a norma dell’articolo 10, comma 1, della legge 11 novembre 2011, n.o 180 (Decreto Legislativo n.o 192, que altera o Decreto Legislativo n.o 231, de 9 de outubro de 2002, para efeitos de transposição integral da Diretiva 2011/7/UE que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, da Lei de 11 de novembro de 2011, n.o 180), de 9 de novembro de 2012 (GURI n.o 267, de 15 de novembro de 2012). O Decreto Legislativo n.o 231, de 9 de outubro de 2002, tinha, por sua vez, transposto para o ordenamento jurídico italiano a Diretiva 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de junho de 2000, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais (JO 2000, L 200, p. 35).

    8

    Entre as medidas adotadas pela República Italiana para garantir a pontualidade dos pagamentos das entidades públicas figura o decreto‑legge n.o 35 — Disposizioni urgenti per il pagamento dei debiti scaduti della pubblica amministrazione, per il riequilibrio finanziario degli enti territoriali, nonché in materia di versamento di tributi degli enti locali (Decreto‑Lei n.o 35, que Estabelece Disposições Urgentes para o Pagamento de Dívidas Vencidas da Administração Pública, para o Reequilíbrio Financeiro das Autarquias Locais e Regionais e para o Pagamento de Impostos pelas Autarquias Locais), de 8 de abril de 2013 (GURI n.o 82, de 8 de abril de 2013), convertido em lei, com alterações, pela Lei n.o 64, de 6 de junho de 2013 (GURI n.o 132, de 7 de junho de 2013), bem como pelo decreto‑legge n.o 66 — Misure urgenti per la competitività e la giustizia sociale (Decreto‑Lei n.o 66, que estabelece medidas urgentes para a competitividade e justiça social) de 24 de abril de 2014 (GURI n.o 95, de 24 de abril de 2014), convertido em lei, com alterações, pela Lei n.o 89, de 23 de junho de 2014 (GURI n.o 143, de 23 de junho de 2014). Estes decretos‑lei preveem, nomeadamente, a atribuição de recursos financeiros adicionais para o pagamento de créditos certos, líquidos e exigíveis que as empresas detenham sobre entidades públicas.

    9

    Foram adotadas medidas fiscais para melhorar a posição das empresas que detêm créditos sobre entidades públicas, nomeadamente o artigo 12.o, n.o 7 bis, do decreto‑legge n.o 145 — Interventi urgenti di avvio del piano «Destinazione Italia», per il contenimento delle tariffe elettriche e del gas, per la riduzione dei premi RC‑auto, per l’internazionalizzazione, lo sviluppo e la digitalizzazione delle imprese, nonché misure per la realizzazione di opere pubbliche ed EXPO 2015 (Decreto‑Lei n.o 145, que Estabelece Medidas Urgentes para o Lançamento do Plano «Destino Itália», para a Limitação das Tarifas da Eletricidade e do Gás, para a Redução dos Prémios de Seguro de Responsabilidade Civil Automóvel, para a Internacionalização, o Desenvolvimento e a Digitalização Empresarial, bem como para a Realização de Obras Públicas e da EXPO 2015), de 23 de dezembro de 2013 (GURI n.o 300, de 23 de dezembro de 2013), convertida em lei, com alterações, pela Lei n.o 9, de 21 de fevereiro de 2014 (GURI n.o 43, de 21 de fevereiro de 2014). Em virtude desta disposição, as empresas podem compensar as suas dívidas fiscais com os créditos certos, líquidos e exigíveis que detenham sobre as entidades públicas.

    Procedimento pré‑contencioso

    10

    Na sequência de uma série de denúncias apresentadas por operadores económicos e associações de operadores económicos italianos, em 19 de junho de 2014, a Comissão enviou à República Italiana uma notificação para cumprir, na qual alegava que esta não cumpriu as obrigações que lhe incumbem, nomeadamente por força do artigo 4.o da Diretiva 2011/7.

    11

    Por carta de 18 de agosto de 2014, esse Estado‑Membro respondeu à notificação para cumprir informando a Comissão das medidas específicas tomadas para combater os atrasos de pagamento nas transações comerciais entre entidades públicas e privadas. Estas medidas consistiam na transposição antecipada da Diretiva 2011/7, em ações para eliminar a acumulação de dívidas vencidas das entidades públicas e na criação de um novo sistema regulamentar e administrativo destinado a incentivar o respeito dos prazos de pagamento previstos nesta diretiva e evitar o aumento da acumulação das dívidas vencidas e não pagas das entidades públicas. Na mesma carta, a República Italiana esclareceu que, não obstante a adoção das referidas medidas, não se podia excluir a existência de atrasos de pagamento.

    12

    Em 12 de novembro de 2014, a Comissão solicitou à República Italiana que lhe enviasse relatórios bimestrais sobre os prazos de pagamento efetivos das entidades públicas. A República Italiana deu cumprimento a este pedido enviando à Comissão sete relatórios bimestrais entre 1 de dezembro de 2014 e 6 de agosto de 2016.

    13

    Por carta de 21 de setembro de 2016, a Comissão salientou que os relatórios bimestrais enviados até essa data não tinham em conta todas as faturas enviadas às entidades públicas italianas, mas apenas as faturas efetivamente pagas por essas entidades durante os períodos de referência. Por conseguinte, essa instituição solicitou à República Italiana que lhe fornecesse dados atualizados sobre todas as faturas.

    14

    Em resposta à carta de 21 de setembro de 2016, esse Estado‑Membro forneceu à Comissão, em 5 de dezembro de 2016, os dados obtidos através da plataforma de acompanhamento dos créditos comerciais, dos quais resultava que o prazo médio de pagamento no primeiro semestre de 2016 foi de 50 dias.

    15

    Em 16 de fevereiro de 2017, a Comissão, considerando que a situação resultante do conjunto dos relatórios apresentados pela República Italiana não era conforme com o artigo 4.o da Diretiva 2011/7, formulou um parecer fundamentado, na aceção do artigo 258.o TFUE, e instou esse Estado‑Membro a dar‑lhe cumprimento no prazo de dois meses.

    16

    Na resposta de 19 de abril de 2017 ao parecer fundamentado, a República Italiana declarou que o prazo médio de pagamento das entidades públicas era de 51 dias para todo o ano de 2016, ou seja, 44 dias para as Administrações Públicas, 67 dias para o Serviço Nacional de Saúde, 36 dias para as regiões e províncias autónomas, 43 dias para as autarquias locais, 30 dias para as entidades públicas nacionais e 38 dias para as demais entidades públicas.

    17

    Considerando que a República Italiana continuava a não sanar as violações ao artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7, a Comissão intentou a presente ação.

    18

    A República Italiana, ao abrigo do artigo 16.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, solicitou que o Tribunal de Justiça reunisse como Grande Secção.

    Quanto à ação

    Argumentos das partes

    19

    A Comissão alega que os dados comunicados pela própria República Italiana demonstram que as entidades públicas italianas excederam os prazos de pagamento de 30 ou 60 dias estabelecidos no artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7. O facto de os prazos serem excedidos, o que não é expressamente contestado por esse Estado‑Membro, diz respeito ao conjunto das entidades públicas e abarca um período de vários anos.

    20

    A este respeito, a Comissão sublinha que os dados que demonstram a existência do alegado incumprimento foram registados e atualizados de forma contínua durante o período compreendido entre setembro de 2014 e dezembro de 2016.

    21

    Além disso, a Comissão salienta que alguns estudos realizados por outras entidades e associações contradizem as conclusões dos relatórios bimestrais apresentados pela República Italiana, segundo as quais se verifica uma redução progressiva dos prazos médios de pagamento. Com efeito, esses estudos põem em evidência a existência de prazos médios de pagamento que vão de 99 dias (estudo realizado pela Confartigianato, uma associação que representa alguns artesãos e PME) a 145 dias (estudo realizado pela Assobiomedica, uma associação que representa as empresas fornecedoras de dispositivos médicos às estruturas de saúde italianas), ou mesmo a 156 dias (estudo realizado pela ANCE, uma associação de empresas do setor da construção). Em casos‑limite, o prazo de pagamento chega mesmo a 687 dias (estudo realizado pelo jornal diário Il Sole 24 Ore).

    22

    Segundo a Comissão, o facto de as entidades públicas italianas excederem contínua e sistematicamente os prazos de pagamento previstos no artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7 constitui, em si mesmo, uma violação da referida diretiva, imputável à República Italiana. Com efeito, desde a entrada em vigor desta diretiva, os Estados‑Membros estão obrigados, nos termos dos n.os 3 e 4 do seu artigo 4.o, não só a prever, na sua legislação que transpõe a diretiva e nos contratos relativos a transações comerciais em que o devedor seja uma das suas entidades públicas, prazos máximos de pagamento conformes a estas disposições mas também a assegurar o respeito efetivo desses prazos por essas entidades públicas.

    23

    Neste contexto, a Comissão salienta, em primeiro lugar, que o conceito de «prazo de pagamento», na aceção do artigo 4.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2011/7, se refere ao prazo durante o qual as entidades públicas são obrigadas a liquidar efetivamente as suas dívidas comerciais, prazo esse que começa a correr quando se verifiquem circunstâncias factuais concretas, como a receção da fatura, a receção dos bens ou a prestação de serviços. A Comissão acrescenta que, para definir o conceito de «atraso de pagamento», o artigo 2.o, ponto 4, desta diretiva remete para um elemento concreto, a saber, a «falta de pagamento» dentro do prazo contratual ou legal. Tal interpretação do conceito de «prazo de pagamento» é, de resto, a única que permite prosseguir eficazmente o objetivo da Diretiva 2011/7, que consiste na luta efetiva contra os atrasos de pagamento no mercado interno.

    24

    Em segundo lugar, a Comissão considera que, uma vez que a violação do artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7 pelas entidades públicas é suscetível de desencadear a responsabilidade do Estado‑Membro em causa, a questão de saber se essas entidades exercem prerrogativas de poder público ou se agem de jure privatorum não é pertinente neste contexto. De resto, o conceito de «entidade adjudicante» para que remete o artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva para definir o conceito de «entidade pública» é independente da existência de prerrogativas de poder público.

    25

    Em terceiro lugar, a Comissão alega que a sua proposta de interpretação do artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7 não é posta em causa pelo Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, IOS Finance EFC (C‑555/14, EU:C:2017:121), invocado pela República Italiana na sua resposta ao parecer fundamentado.

    26

    No que diz respeito aos dados que forneceu à Comissão, a República Italiana alega, em primeiro lugar, que esses dados, relativos aos anos de 2015 a 2017 e atualizados em março de 2018, demonstram uma melhoria contínua e sistemática dos prazos médios de pagamento pelas entidades públicas. Esta melhoria traduz‑se numa redução do número médio de dias de atraso no período de 2015 a 2017 (de 23 para 8 dias). A confirmar‑se esta tendência, é possível prever, no que se refere às faturas emitidas em 2018, o respeito dos prazos de pagamento estabelecidos no artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7.

    27

    Em segundo lugar, a República Italiana alega que os métodos analíticos adotados pela Comissão relativamente aos dados fornecidos nos seus relatórios bimestrais são inadequados.

    28

    A este respeito, sublinha, por um lado, que a opção feita pela Comissão de recorrer ao indicador correspondente ao «prazo médio de pagamento» em vez de ao indicador relativo ao «prazo médio de atraso» afeta a fiabilidade da análise que efetuou. Com efeito, uma vez que este primeiro indicador tem como ponto de referência, para a análise da dimensão dos atrasos de pagamento das entidades públicas, o prazo «normal» de 30 dias, a Comissão ignorou o facto de o prazo de pagamento de 60 dias, previsto no artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2011/7, se aplicar não só às operações efetuadas por entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde mas também às efetuadas por qualquer entidade pública que exerça atividades económicas de natureza industrial e comercial e esteja abrangida pela Diretiva 2006/111. Por outro lado, a Comissão fez uma comparação enganosa dos dados de um ponto de vista temporal, ao não ter em conta a dinâmica da realização dos pagamentos. A análise feita por essa instituição cristaliza‑se, portanto, no momento do envio do último relatório bimestral, sem ter em consideração os pagamentos feitos posteriormente.

    29

    Em terceiro lugar, a República Italiana contesta os resultados dos estudos mencionados no n.o 21 do presente acórdão, os quais, por falta de fiabilidade e pelo caráter parcial dos dados recolhidos, não são pertinentes.

    30

    No que respeita ao alcance do artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7, a República Italiana alega, em primeiro lugar, que resulta de uma interpretação literal e sistemática destas disposições que, embora esta diretiva imponha aos Estados‑Membros que assegurem, na respetiva legislação que transpõe a mencionada diretiva e nos contratos relativos a transações comerciais em que o devedor seja uma das suas entidades públicas, prazos máximo de pagamento em conformidade com as referidas disposições e que prevejam o direito dos credores, em caso de inobservância desses prazos, a juros de mora e a uma indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, essas mesmas disposições não impõem, em contrapartida, aos Estados‑Membros que assegurem o respeito efetivo, em toda e qualquer circunstância, desses prazos por parte das suas entidades públicas. A Diretiva 2011/7 não tem por objetivo uniformizar os prazos em que as entidades públicas devem efetivamente proceder ao pagamento dos montantes devidos como remuneração das transações comerciais efetuadas, mas unicamente os prazos em que devem cumprir as suas obrigações sem incorrer em penalizações automáticas por atraso de pagamento.

    31

    Com efeito, além de o artigo 4.o, n.o 6, da Diretiva 2011/7 se limitar a impor o respeito do prazo de pagamento «fixado no contrato», não resulta do artigo 4.o, n.os 3 e 4, desta diretiva que as entidades públicas estejam obrigadas a pagar as suas dívidas no prazo aí previsto. Quanto à expressão «prazo de pagamento», a mesma não se refere, nas disposições pertinentes da referida diretiva, ao prazo em que as autoridades públicas devem efetivamente liquidar essas dívidas.

    32

    Em segundo lugar, a República Italiana alega que o artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7 se limita a fixar o momento em que começam a correr os prazos de pagamento no âmbito das transações comerciais. Assim, a referência, feita nessa disposição, às circunstâncias factuais que consistem na receção da fatura, na receção dos bens, na prestação de serviços ou ainda na aceitação ou na verificação dos bens não implica que um Estado‑Membro esteja obrigado a assegurar, in concreto, a observância desses prazos.

    33

    Em terceiro lugar, a inexistência de um prazo preciso para o cumprimento da obrigação imposta pelo artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7 põe em evidência que, no que se refere ao respeito dos prazos de pagamento, esta diretiva não impõe ao Estado‑Membro em causa obrigações de resultado, mas, no máximo, obrigações de meios, cuja violação só pode ser verificada se a situação desse Estado‑Membro diferir consideravelmente da que é preconizada pela referida diretiva. Ora, no presente processo, os dados fornecidos à Comissão demonstram, por um lado, uma diminuição considerável e contínua dos atrasos de pagamento das dívidas comerciais das entidades públicas e, por outro, no que respeita mais concretamente às entidades públicas que operam no Serviço Nacional de Saúde, um atraso modesto, que excede apenas em alguns dias o prazo de pagamento previsto no artigo 4.o, n.o 4, da mesma diretiva.

    34

    Em quarto lugar, a República Italiana alega não poder ser considerada responsável pelo facto de os prazos de pagamento serem excedidos por parte das entidades públicas. Em seu entender, quando um organismo de um Estado‑Membro atua num plano de igualdade com um operador privado, esse organismo responde unicamente nos tribunais nacionais por uma eventual violação do direito da União, da mesma forma que um operador privado. Nestas circunstâncias, a fim de assegurar o cumprimento do direito da União, os Estados‑Membros podem intervir apenas de modo indireto, transpondo corretamente as disposições que essas entidades públicas devem respeitar e fixando sanções em caso de incumprimento das mesmas disposições. Ora, ao prever prazos de pagamento que não excedem os previstos na Diretiva 2011/7, bem como o pagamento de juros de mora e uma indemnização pelos custos suportados com a cobrança, a República Italiana cumpriu as obrigações impostas pela referida diretiva.

    35

    Em todo o caso, mesmo admitindo que a Diretiva 2011/7 lhe impusesse a obrigação de assegurar a observância efetiva, por parte das entidades públicas, dos prazos de pagamento nas respetivas transações comerciais, a República Italiana alega que só seria responsável por violações graves, contínuas e sistemáticas da referida diretiva, suscetíveis de demonstrar uma violação do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE.

    36

    Por último, no que respeita ao Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, IOS Finance EFC (C‑555/14, EU:C:2017:121), a República Italiana alega que o Tribunal de Justiça aprovou um mecanismo regulamentar que permite o pagamento sistematicamente tardio das dívidas das entidades públicas aos credores que não tenham renunciado aos juros de mora e à indemnização pelos custos da cobrança. Ora, se se devesse admitir, como alega a Comissão, que os atrasos efetivos de pagamento das entidades públicas constituem uma violação da Diretiva 2011/7 imputável ao Estado‑Membro em causa, o Tribunal de Justiça teria necessariamente declarado a não conformidade com o direito da União de um mecanismo regulamentar dessa natureza, uma vez que autorizava o pagamento sistematicamente tardio das dívidas comerciais das entidades públicas. A República Italiana conclui desse facto, por um lado, que o direito efetivamente garantido aos credores pela Diretiva 2011/7 apenas diz respeito aos juros de mora que impõe e, por outro, que o objetivo desta diretiva, que consiste na luta contra os atrasos de pagamento, «só é indiretamente prosseguido».

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    37

    Com a sua ação, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que, não tendo assegurado o respeito, pelas suas entidades públicas, dos prazos de 30 ou 60 dias de calendário aplicáveis aos pagamentos que estas devem efetuar como remuneração das transações comerciais realizadas com as empresas, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7.

    38

    Nos termos do artigo 4.o, n.o 3, alínea a), dessa diretiva, os Estados‑Membros asseguram que, nas transações comerciais em que o devedor é uma entidade pública, o prazo de pagamento não exceda 30 dias de calendário a contar das circunstâncias factuais que enumera. Quanto ao artigo 4.o, n.o 4, da mencionada diretiva, o mesmo concede aos Estados‑Membros a faculdade de prorrogarem esse prazo até um máximo de 60 dias de calendário para as entidades públicas por ele abrangidas.

    39

    Em primeiro lugar, no que diz respeito à interpretação destas disposições, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, para interpretar uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, UNESA e o., C‑105/18 a C‑113/18, EU:C:2019:935, n.o 31 e jurisprudência referida).

    40

    No que respeita, em primeiro lugar, à redação do artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7, resulta deste, em especial do membro de frase «os Estados‑Membros asseguram que, nas transações comerciais em que o devedor é uma entidade pública[,] o prazo de pagamento não exceda um dos prazos seguintes», que a obrigação imposta aos Estados‑Membros por essa disposição visa a observância efetiva, pelas suas entidades públicas, dos prazos de pagamento que prevê.

    41

    Deve notar‑se, a este propósito, que a redação da referida disposição utiliza termos tão imperativos como os utilizados no artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva, que se refere ao pagamento de juros de mora legais. Daqui decorre que estas disposições não impõem obrigações alternativas aos Estados‑Membros, mas complementares.

    42

    Em segundo lugar, esta interpretação literal é corroborada pelo contexto em que o artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7 se insere.

    43

    Importa, assim, salientar que a redação do artigo 3.o desta diretiva, relativo às transações entre empresas, difere claramente da do artigo 4.o da mesma diretiva, relativo às transações entre empresas e entidades públicas. É verdade que ambos os artigos preveem que os Estados‑Membros asseguram que o credor tenha o direito de receber juros de mora no caso de atraso de pagamento. Em contrapartida, no que se refere à observância efetiva dos prazos de pagamento, na parte em que o artigo 4.o, n.o 3, da referida diretiva enuncia uma obrigação específica, recordada no n.o 40 do presente acórdão, o artigo 3.o, n.o 3, da mesma diretiva limita‑se a prever o direito do credor a juros no caso de esses prazos serem excedidos.

    44

    Esta análise é confirmada pela comparação entre a Diretiva 2011/7 e a Diretiva 2000/35, que a antecedeu. Com efeito, enquanto a primeira enuncia expressamente, no seu artigo 4.o, relativo às transações entre empresas e entidades públicas, que os Estados‑Membros asseguram que o prazo de pagamento não exceda os 30 dias ou, em certos casos, um máximo de 60 dias, a segunda não continha nenhuma disposição desta natureza e limitava‑se a fixar, no seu artigo 3.o, uma obrigação relativa ao pagamento de juros de mora, agora expressa no artigo 3.o da Diretiva 2011/7, sem distinguir a situação em que o devedor é uma entidade pública.

    45

    Em terceiro lugar, a interpretação literal e contextual do artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7 é corroborada pelos objetivos prosseguidos por esta diretiva. Com efeito, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, esta diretiva tem como propósito combater os atrasos de pagamento nas transações comerciais, a fim de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, promovendo assim a competitividade das empresas e, em particular, das PME.

    46

    A este respeito, resulta da leitura conjugada dos considerandos 3, 9 e 23 da Diretiva 2011/7 que as entidades públicas, que efetuam um número considerável de pagamentos às empresas, beneficiam de fontes de receitas mais seguras, previsíveis e contínuas do que as empresas, podem obter financiamento em condições mais atrativas do que estas e dependem menos de relações comerciais estáveis para a consecução dos seus objetivos do que as empresas. Ora, no caso das referidas empresas, os atrasos de pagamento por parte destas entidades acarretam custos injustificados para si, agravando os seus condicionalismos em matéria de liquidez e tornando mais complexa a sua gestão financeira. Estes atrasos de pagamento também prejudicam a sua competitividade e a sua rentabilidade, uma vez que as empresas necessitam de recorrer a financiamento externo devido aos referidos atrasos de pagamento.

    47

    Tais considerações, relacionadas com o elevado número de transações comerciais em que entidades públicas são devedoras às empresas, bem como com os custos e as dificuldades causados a estas últimas pelos atrasos de pagamento por parte dessas entidades, põem em evidência que o legislador da União pretendeu impor aos Estados‑Membros obrigações acrescidas no que respeita às transações entre empresas e entidades públicas e implicam que o artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7 seja interpretado no sentido de que impõe aos Estados‑Membros que assegurem que as mencionadas entidades efetuam, observando os prazos previstos nessas disposições, os pagamentos relativos às transações comerciais realizadas com as empresas.

    48

    Resulta do que precede que não pode ser acolhida a interpretação da República Italiana segundo a qual o artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7 apenas impõe aos Estados‑Membros a obrigação de assegurarem a conformidade com estas disposições dos prazos legais e contratuais de pagamento aplicáveis às transações comerciais que envolvam entidades públicas e de prever, em caso de inobservância desses prazos, o direito do credor que tenha cumprido as suas obrigações contratuais e legais a receber juros de mora legais, mas não a obrigação de assegurarem o respeito efetivo desses prazos pelas mencionadas entidades públicas.

    49

    Esta conclusão não é de modo algum afetada pelo Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, IOS Finance EFC (C‑555/14, EU:C:2017:121), invocado pela República Italiana.

    50

    Com efeito, importa começar por recordar que esse acórdão, que diz respeito a um «mecanismo [nacional] extraordinário de financiamento para o pagamento de fornecedores», de duração limitada, a fim de fazer face aos atrasos de pagamento reiterados das entidades públicas devido à crise económica, não tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7, mas, em substância, a do seu artigo 7.o, n.os 2 e 3, relativo às cláusulas contratuais e práticas abusivas em matéria de juros de mora.

    51

    Em seguida, ao considerar, nos n.os 31 e 36 do referido acórdão, que a renúncia, por parte de um credor de uma entidade pública, aos juros de mora e à indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida deve, para ser conforme com a Diretiva 2011/7, não só ter sido livremente consentida como, por outro lado, ter como contrapartida o pagamento «imediato» do montante principal do crédito, o Tribunal de Justiça, como observou a Comissão, salientou a importância preponderante que os Estados‑Membros devem atribuir, no âmbito desta diretiva, ao pagamento efetivo e rápido desses montantes.

    52

    Contrariamente ao que alega a República Italiana, não se pode deduzir do mesmo acórdão que o Tribunal de Justiça tenha aprovado o pagamento sistematicamente tardio das dívidas comerciais das entidades públicas a favor dos credores que não renunciaram aos juros de mora e à indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida.

    53

    Tendo em conta o que precede, há que declarar que o artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7 deve ser interpretado no sentido de que impõe aos Estados‑Membros que assegurem o respeito efetivo, por parte das suas entidades públicas, dos prazos de pagamento nele previstos.

    54

    Em segundo lugar, tendo em conta o argumento da República Italiana referido no n.o 34 do presente acórdão, é necessário determinar se o facto de as entidades públicas excederem tais prazos de pagamento é suscetível de constituir uma violação das obrigações dos Estados‑Membros em causa na aceção do artigo 258.o TFUE.

    55

    A este propósito, deve recordar‑se que o incumprimento de um Estado‑Membro pode, em princípio, ser declarado, nos termos do artigo 258.o TFUE, qualquer que seja o órgão desse Estado cuja ação ou omissão esteja na origem do incumprimento, ainda que se trate de uma instituição constitucionalmente independente [Acórdãos de 5 de maio de 1970, Comissão/Bélgica, 77/69, EU:C:1970:34, n.o 15; de 12 de março de 2009, Comissão/Portugal, C‑458/07, não publicado, EU:C:2009:147, n.o 20; e de 4 de outubro de 2018, Comissão/França (Imposto sobre os rendimentos mobiliários), C‑416/17, EU:C:2018:811, n.o 107].

    56

    No caso em apreço, a República Italiana não contesta que os incumprimentos alegados pela Comissão dizem respeito às suas entidades públicas, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2011/7. Para a definição do conceito de «entidade pública», esta disposição remete para a definição dada ao conceito de «entidade adjudicante», nomeadamente pelo artigo 1.o, n.o 9, da Diretiva 2004/18, remissão efetuada por uma questão de coerência da legislação da União, como indicado no considerando 14 da Diretiva 2011/7.

    57

    Importa salientar que o argumento da República Italiana segundo o qual as entidades públicas não podem desencadear a responsabilidade do Estado‑Membro a que pertencem quando atuam no âmbito de uma transação comercial, fora das suas prerrogativas de poder público, privaria, caso fosse acolhido, a Diretiva 2011/7 de efeito útil, em especial o seu artigo 4.o, n.os 3 e 4, que impõe precisamente aos Estados‑Membros a obrigação de assegurarem o respeito efetivo dos prazos de pagamento nele previstos nas transações comerciais em que o devedor seja uma entidade pública.

    58

    No que respeita, em terceiro lugar, à materialidade do incumprimento alegado pela Comissão à luz do artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (Acórdão de 18 de outubro de 2018, Comissão/Reino Unido, C‑669/16, EU:C:2018:844, n.o 40 e jurisprudência referida), concretamente, neste caso, 16 de abril de 2017.

    59

    A este respeito, resulta do último relatório bimestral apresentado pela República Italiana à Comissão, elaborado em 5 de dezembro de 2016, que o prazo médio de pagamento das entidades públicas no primeiro semestre de 2016 foi de 50 dias (47 dias num cálculo da média ponderada dos dados), tendo esses dados sido calculados com base nas transações realizadas por mais de 22000 entidades públicas e relativas a cerca de 13 milhões de faturas recebidas por estas.

    60

    Além disso, na resposta ao parecer fundamentado e nos seus anexos, a República Italiana indicou que, em todo o ano de 2016, os prazos médios de pagamento foram de 41 dias para as entidades públicas não pertencentes ao sistema nacional de saúde e de 67 dias para as entidades pertencentes ao mesmo, tendo estes dados sido coligidos com base nas faturas recebidas por todas as entidades públicas relativamente a esse ano (mais de 27 milhões).

    61

    Quanto ao argumento da República Italiana de que o incumprimento deve ser sobretudo apreciado com base no prazo médio de atraso e não no prazo médio de pagamento, basta observar, em todo o caso, que resulta da resposta ao parecer fundamentado e dos seus anexos, mencionados no número anterior, que, em 2016, os prazos médios de atraso foram de 10 dias para as entidades públicas não pertencentes ao sistema nacional de saúde e de 8 dias para as entidades pertencentes ao mesmo.

    62

    Estes dados, juntamente com os fornecidos pela República Italiana desde o início do procedimento pré‑contencioso, num período temporal ininterrupto, demonstram que o prazo médio em que as entidades públicas italianas, tidas no seu conjunto, efetuaram os pagamentos das transações comerciais realizadas excedeu os prazos de pagamento previstos no artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7.

    63

    A este respeito, importa salientar que a República Italiana não contesta o facto de as suas entidades públicas, tidas no seu conjunto, terem excedido em média esses prazos, nem defende que uma análise dos dados com base noutros métodos teria permitido verificar o respeito desses prazos. No entanto, salienta, por um lado, que, desde 2013, foram tomadas uma série de medidas que contribuíram para uma redução gradual desses atrasos de pagamento e, por outro, que um incumprimento só pode ser declarado na presença de uma violação grave, contínua e sistemática das obrigações impostas pelo artigo 4.o da Diretiva 2011/7, o que não sucedeu no presente caso.

    64

    Todavia, tais considerações não são de molde a excluir a existência, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, de um incumprimento, por parte desse Estado‑Membro, das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7 (v., por analogia, Acórdão de 4 de março de 2010, Comissão/Itália, C‑297/08, EU:C:2010:115, n.os 77 e 78). Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a ação por incumprimento tem natureza objetiva e que, por consequência, existe incumprimento das obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força do direito da União, seja qual for a amplitude ou a frequência das situações censuradas (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2003, Comissão/Dinamarca, C‑226/01, EU:C:2003:60, n.o 32 e jurisprudência referida).

    65

    Por conseguinte, mesmo admitindo que esteja demonstrada, a circunstância de a situação dos atrasos de pagamento das entidades públicas nas transações comerciais abrangidas pela Diretiva 2011/7 estar a melhorar não pode impedir o Tribunal de Justiça de declarar que a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito da União [v., por analogia, Acórdão de 24 de outubro de 2019, Comissão/França (Excedência dos valores‑limite para o dióxido de azoto), C‑636/18, EU:C:2019:900, n.o 49].

    66

    Tendo em conta as considerações precedentes, deve considerar‑se que, não tendo assegurado que as suas entidades públicas respeitam efetivamente os prazos de pagamento previstos no artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessas disposições.

    Quanto às despesas

    67

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Italiana e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

     

    1)

    Não tendo assegurado que as suas entidades públicas respeitam efetivamente os prazos de pagamento previstos no artigo 4.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessas disposições.

     

    2)

    A República Italiana é condenada nas despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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