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Documento 62016CJ0187

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 20 de março de 2018.
Comissão Europeia contra República da Áustria.
Incumprimento de Estado — Diretivas 92/50/CEE e 2004/18/CE — Contratos públicos de serviços — Imprensa do Estado — Produção de documentos de identidade e de outros documentos oficiais — Adjudicação dos contratos a uma empresa de direito privado sem recurso prévio a um procedimento de adjudicação — Medidas especiais de segurança — Proteção dos interesses essenciais dos Estados‑Membros.
Processo C-187/16.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral — Parte «Informações sobre as decisões não publicadas»

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2018:194

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

20 de março de 2018 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Diretivas 92/50/CEE e 2004/18/CE — Contratos públicos de serviços — Imprensa do Estado — Produção de documentos de identidade e de outros documentos oficiais — Adjudicação dos contratos a uma empresa de direito privado sem recurso prévio a um procedimento de adjudicação — Medidas especiais de segurança — Proteção dos interesses essenciais dos Estados‑Membros»

No processo C‑187/16,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, intentada em 4 de abril de 2016,

Comissão Europeia, representada por A. Tokár e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

República da Áustria, representada por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, L. Bay Larsen (relator), T. von Danwitz, J. L. da Cruz Vilaça, A. Rosas e J. Malenovský, presidentes de secção, E. Juhász, A. Borg Barthet, D. Šváby, M. Berger, A. Prechal, C. Lycourgos, M. Vilaras e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de junho de 2017,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 20 de julho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, por um lado, ao adjudicar contratos de serviços para a produção de documentos como os passaportes dotados de chip, passaportes urgentes, autorizações de residência, bilhetes de identidade, licenças de pirotecnia, cartas de condução em formato de cartão de crédito e certificados de matrícula em formato de cartão de crédito diretamente à sociedade Österreichische Staatsdruckerei GmbH (a seguir «Ös») e, por outro, ao manter em vigor disposições nacionais que obrigam as entidades adjudicantes a adjudicar estes contratos de serviços a essa sociedade, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 49.o e 56.o TFUE e do artigo 4.o e do artigo 8.o da Diretiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO 1992, L 209, p. 1), em conjugação com os artigos 11.o a 37.o desta diretiva, e do artigo 14.o e do artigo 20.o da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114), em conjugação com os artigos 23.o a 55.o desta diretiva.

Quadro jurídico

Direito da União

2

Para a adjudicação de contratos públicos que têm por objeto os «[s]erviços de edição e de impressão à obra ou de forma continuada», as Diretivas 92/50 e 2004/18 obrigam ao recurso a procedimentos conformes às disposições do direito da União.

Diretiva 92/50

3

O décimo quarto considerando da Diretiva 92/50 tem a seguinte redação:

«[c]onsiderando que, no domínio dos serviços, se devem aplicar as mesmas derrogações que as já previstas nas Diretivas 71/305/CEE [do Conselho, de 26 de julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO 1971, L 185, p. 5)] e 77/62/CEE [do Conselho, de 21 de dezembro de 1976, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público (JO 1977, L 13, p. 1)] relativamente à segurança do Estado ou ao sigilo, bem como em relação ao primado de outras regras de aquisição, tais como as decorrentes de acordos internacionais, do estacionamento de tropas ou das regras específicas de organizações internacionais».

4

O artigo 1.o, alínea a), desta diretiva prevê, nomeadamente, que «[o]s contratos públicos de serviços são contratos a título oneroso celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante».

5

O artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe:

«Na adjudicação dos seus contratos públicos de prestação de serviços […], as entidades adjudicantes aplicarão procedimentos adaptados ao disposto na presente diretiva.»

6

O artigo 4.o, n.o 2, da referida diretiva enuncia:

«A presente diretiva não é aplicável aos serviços que sejam declarados secretos ou cuja execução deva ser acompanhada de medidas especiais de segurança nos termos das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas em vigor no Estado‑Membro em questão, ou quando a proteção dos interesses essenciais da segurança desse Estado o exigir.»

7

O artigo 8.o da Diretiva 92/50 dispõe:

«Os contratos que tenham por objeto serviços enumerados no anexo I A serão celebrados de acordo com o disposto nos títulos III a VI.»

8

Os referidos títulos III a VI contêm os artigos 11.o a 37.o desta diretiva.

9

O anexo I A da referida diretiva visa, nomeadamente, na categoria 15, os «[s]erviços de edição e de impressão à obra ou de forma continuada».

Diretiva 2004/18

10

Sob a epígrafe «Contratos secretos ou que exigem medidas de segurança especiais», o artigo 14.o da Diretiva 2004/18 prevê:

«A presente diretiva não é aplicável aos contratos públicos que sejam declarados secretos ou cuja execução deva ser acompanhada de medidas de segurança especiais nos termos das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas em vigor no Estado‑Membro em questão, ou quando a defesa de interesses essenciais desse Estado‑Membro o exigir.»

11

O artigo 20.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Contratos de serviços enumerados no anexo II A», dispõe:

«Os contratos que tenham por objeto os serviços referidos no anexo II A são adjudicados de acordo com os artigos 23.o a 55.o»

12

Este anexo visa, nomeadamente, na categoria 15, os «[s]erviços de edição e de impressão à obra ou de forma continuada».

Regulamento (CE) n.o 2252/2004

13

Nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 2252/2004 do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, que estabelece normas para os dispositivos de segurança e dados biométricos dos passaportes e documentos de viagem emitidos pelos Estados‑Membros (JO 2004 L 385, p. 1):

«Cada Estado‑Membro designará um organismo responsável pela impressão de passaportes e documentos de viagem. Os Estados‑Membros comunicarão o nome desse organismo à Comissão e aos restantes Estados‑Membros. O mesmo organismo pode ser designado por dois ou mais Estados‑Membros para o efeito. Cada Estado‑Membro tem o direito de substituir o organismo por si designado, devendo desse facto informar a Comissão e os restantes Estados‑Membros.»

Direito austríaco

A StDrG

14

O § 1a da Bundesgesetz zur Neuordnung der Rechtsverhältnisse der Österreichischen Staatsdruckerei (Lei federal relativa à reorganização da situação jurídica da ÖS, Bundesgesetzblatt I, 1/1997, a seguir «StDrG») tem a seguinte redação:

«[…] A sociedade […] tem como denominação social “Österreichische Staatsdruckerei GmbH”; cabe‑lhe produzir, para os serviços federais, produtos impressos cujo processo de produção deva estar sujeito a confidencialidade ou à observância de normas de segurança (impressão de segurança). […]»

15

O § 2, n.o 2, da StDrG dispõe:

« Em todo o caso, a sociedade é responsável pelas seguintes tarefas:

1.   A produção, para os serviços federais, de produtos impressos cujo processo de elaboração deva estar sujeito a confidencialidade ou à observância de normas de segurança (impressão de segurança) […]»

16

O § 2, n.o 3, da StDrG prevê:

«Os órgãos federais devem confiar exclusivamente [à ÖS] a elaboração dos produtos previstos no § 2, [n.o]2, ponto 1, […]exceto se a referida empresa, por razões materiais ou jurídicas, não estiver em condições de executar devidamente as suas tarefas a preços razoáveis, ou se um terceiro propuser aos órgãos federais o produto em causa, com prestações e condições contratuais iguais a um preço inferior. […]»

17

Sob o título «Supervisão da impressão de segurança», o § 6, n.o 1, da StDrG estabelece que as operações comerciais, administrativas e laborais relativas à produção, tratamento e armazenamento de impressões de segurança estão sujeitas à supervisão do Ministro Federal a cuja tutela pertencer a impressão de segurança solicitada.

18

Nos termos do § 6, n.o 2, da referida lei, a ÖS deve adotar todas as medidas de segurança necessárias para prevenir o uso indevido na produção, tratamento e armazenamento das impressões de segurança.

19

Segundo o n.o 3 desse mesmo § 6, a ÖS deve, na medida necessária ao exercício da supervisão, permitir ao Ministro Federal a cuja tutela pertencer a impressão de segurança solicitada o acesso às instalações e aos processos correspondentes.

Regulamento relativo aos passaportes

20

A produção de passaportes dotados de chip, bem como de passaportes de serviço e de passaportes diplomáticos, de bilhetes de identidade e passaportes urgentes, é regulada pelo Verordnung der Bundesministerin für Inneres über die Gestaltung der Reisepässe und Passersätze (Regulamento do Ministro Federal do Interior relativo à configuração dos passaportes e respetivos documentos substitutivos, Bundesgesetzblatt 861/1995, a seguir «Regulamento relativo aos passaportes»).

21

Os anexos A, D e E do Regulamento relativo aos passaportes contêm os modelos de passaportes, de passaportes de serviço e de passaportes diplomáticos que devem ser produzidos, e que apresentam na sua última página a menção «PRINT by ÖSD».

22

No que respeita, mais concretamente, aos bilhetes de identidade, o § 5 do Regulamento relativo aos passaportes prevê medidas de segurança contra a falsificação ou a contrafação.

23

Deste modo, decorre da aplicação conjugada do § 2, n.o 3, da StDrG e do Regulamento relativo aos passaportes que, sem prejuízo das exceções previstas nesta disposição, os passaportes dotados de chip, os bilhetes de identidade e os passaportes urgentes devem ser produzidos pela ÖS.

Regulamento relativo às autorizações de residência

24

Em conformidade com o § 3, n.o 3, o § 10a, n.o 2, e o § 10c, n.o 2, do Verordnung der Bundesministerin für Inneres zur Durchführung des Niederlassungs‑ und Aufenthaltsgesetzes (Regulamento da Ministra Federal do Interior relativo à execução da Lei relativa ao estabelecimento e residência, Bundesgesetzblatt II, 451/2005), os certificados de registo, os cartões de residência permanente, os comprovativos de apresentação de pedidos e os comprovativos da legalidade da residência devem ser produzidos exclusivamente pela ÖS.

Regulamento ministerial relativo às cartas de condução em formato de cartão de crédito

25

A apresentação das cartas de condução em formato de cartão de crédito é regulada pelo Verordnung des Bundesministers für Wissenschaft und Verkehr über die Durchführung des Führerscheingesetzes (Regulamento do Ministro Federal da Ciência e dos Transportes relativo à execução da Lei sobre a carta de condução, Bundesgesetzblatt II, 320/1997).

26

Em conformidade com o § 1, n.o 2, desse regulamento, as cartas de condução devem incluir certos dispositivos de segurança contra a contrafação ou a falsificação.

27

Esta disposição estabelece também que as cartas de condução em formato de cartão de crédito só podem ser produzidas por um único prestador de serviços, designado pelo ministro federal competente.

28

À luz do § 2, n.o 3, da StDrG, sem prejuízo das exceções previstas nessa disposição, esse prestador de serviços só pode ser a ÖS.

Regulamento ministerial relativo aos certificados de matrícula de veículos automóveis em formato de cartão de crédito

29

A apresentação de certificados de matrícula de veículos automóveis em formato de cartão de crédito é regulada pelo Verordnung des Bundesministers für Wissenschaft und Verkehr, mit der Bestimmungen über die Einrichtung von Zulassungsstellen festgelegt werden (Regulamento do Ministro Federal da Ciência e dos Transportes relativo à criação dos serviços de emissão de certificados de matrícula, Bundesgesetzblatt II, 464/1998).

30

O § 13, n.o 1a, desse regulamento prevê para esses certificados de matrícula dispositivos de segurança contra a contrafação ou a falsificação.

31

O § 13, n.o 3, do referido regulamento dispõe que os certificados de matrícula de veículos automóveis só podem ser produzidos por um único prestador de serviços designado pelo ministro federal competente.

32

À luz do § 2, n.o 3, da StDrG, sem prejuízo das exceções previstas nessa disposição, esse prestador de serviços só pode ser a ÖS.

Regulamento ministerial relativo às licenças de pirotecnia

33

Em conformidade com o § 8 do Verordnung der Bundesministerin für Inneres über die Durchführung des Pyrotechnikgesetzes 2010 (Regulamento do Ministro Federal do Interior relativo à execução da Lei de 2010 sobre pirotecnia, Bundesgesetzblatt II, 499/2009), o formulário de pedido da licença de pirotecnia deve ser conforme ao modelo que figura no anexo II deste regulamento. O referido formulário exige que o pedido seja apresentado à ÖS.

34

O § 9 do referido regulamento estabelece medidas de segurança para evitar a contrafação e a falsificação das licenças de pirotecnia.

Procedimento pré‑contencioso

35

Com a sua notificação para cumprir de 6 de abril de 2011, a Comissão comunicou à República da Áustria as suas dúvidas quanto à compatibilidade com as disposições do Tratado FUE e das Diretivas 92/50 e 2004/18 da adjudicação direta à ÖS de determinados contratos públicos de serviços relativos à impressão de documentos oficiais, como passaportes dotados de chip, passaportes urgentes, autorizações de residência, bilhetes de identidade, cartas de condução em formato de cartão de crédito, certificados de matrícula em formato de papel e de cartão de crédito, licenças de pirotecnia, certificados de condução de embarcações, formulários de documentos de segurança, vinhetas para prescrição de estupefacientes e licenças de condução de ciclomotores.

36

A este respeito, a Comissão precisou que a ÖS, sociedade de direito privado, prestava, mediante a impressão desses documentos, serviços cuja adjudicação deveria ter sido levada a cabo em conformidade com a Diretiva 92/50 ou a Diretiva 2004/18, no caso de estar abrangida pelo âmbito de aplicação de uma dessas diretivas, ou no respeito da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços consagradas nos artigos 49.o e 56.o TFUE, no caso de não estar compreendida no âmbito de aplicação das referidas diretivas.

37

Na sua resposta de 7 de junho de 2011, a República da Áustria defendeu que os contratos públicos de serviços em causa visam a proteção dos seus interesses essenciais de segurança e, consequentemente, não são regulados nem pelo Tratado FUE nem pelas Diretivas 92/50 e 2004/18. Acrescentou que a adjudicação direta dos contratos de impressão dos documentos em causa exclusivamente à ÖS se justificava pela necessidade de preservar o segredo das informações e de garantir a autenticidade, a exatidão e o fornecimento desses documentos, bem como a proteção dos dados sensíveis.

38

Com cartas de 17 de julho de 2012 e de 28 de março de 2013, a República da Áustria completou a sua resposta à notificação para cumprir.

39

Por considerar insatisfatórias as respostas desse Estado‑Membro, a Comissão, por carta de 11 de julho de 2014, enviou‑lhe um parecer fundamentado. No referido parecer, a Comissão sublinhou que a República da Áustria não demonstrou que a adjudicação direta à Ös dos contratos de impressão de passaportes dotados de chip, de passaportes urgentes, de autorizações de residência, de bilhetes de identidade, de cartas de condução em formato de cartão de crédito, de certificados de matrícula em formato de cartão de crédito e de licenças de pirotecnia era justificada pela proteção dos seus interesses de segurança e que era perfeitamente possível lançar um concurso público no qual só podiam ser tidas em consideração empresas especializadas na impressão de documentos com requisitos de segurança especiais e sujeitas à supervisão correspondente.

40

Em contrapartida, a Comissão retirou as suas objeções relativas às licenças de condução de ciclomotores, aos certificados de matrícula em formato papel, aos certificados de condução de embarcações, aos formulários de documentos de segurança e às vinhetas para prescrição de estupefacientes, quer por terem sido suprimidos, quer por terem sido objeto de um procedimento de adjudicação.

41

A República da Áustria respondeu ao parecer fundamentado por carta de 10 de setembro de 2014. No essencial, este Estado‑Membro voltou a invocar os interesses da sua segurança nacional e salientou que a execução dos contratos de impressão em causa estava estreitamente ligada à ordem pública e ao funcionamento institucional desse Estado. Sustentou, nomeadamente, que em relação a empresas diferentes da ÖS, o cumprimento das normas de segurança só podia ser imposto recorrendo às regras do direito civil, ao passo que as autoridades públicas austríacas dispõem por lei de poderes de supervisão especiais relativamente à Ös.

42

No que se refere aos contratos de impressão de licenças de pirotecnia, o montante destes contratos é tão baixo que a sua execução não tinha qualquer interesse para outras empresas, pelo que a adjudicação desses contratos não estaria abrangida pelo âmbito de aplicação das liberdades consagradas no TFUE.

43

Insatisfeita com as respostas da República da Áustria, a Comissão intentou a presente ação.

Quanto à ação

44

A ação intentada pela Comissão visa, por um lado, os contratos públicos de serviços para a impressão de passaportes dotados de chip, de passaportes urgentes, de autorizações de residência, de bilhetes de identidade, de cartas de condução em formato de cartão de crédito e de certificados de matrícula em formato de cartão de crédito e, por outro, um contrato de serviços de impressão de licenças de pirotecnia.

Contratos públicos de serviços de impressão de passaportes dotados de chip, de passaportes urgentes, de autorizações de residência, de bilhetes de identidade, de cartas de condução em formato de cartão de crédito e de certificados de matrícula em formato de cartão de crédito.

Argumentos das partes

45

A Comissão observa que os montantes estimados dos contratos em causa excedem os limiares aplicáveis ao abrigo das Diretivas 92/50 e 2004/18, pelo que estão compreendidos no âmbito de aplicação material dessas diretivas. Por conseguinte, considera que, no que respeita aos referidos contratos, os procedimentos de adjudicação previstos no artigo 8.o da Diretiva 92/50, em conjugação com os artigos 11.o a 37.o desta diretiva, e no artigo 20.o da Diretiva 2004/18, em conjugação com os artigos 23.o a 55.o desta diretiva, deviam ter sido aplicados pela República da Áustria.

46

A Comissão defende, em substância, que as derrogações previstas no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 92/50 e no artigo 14.o da Diretiva 2004/18, invocadas pela República da Áustria, devem ser objeto de interpretação estrita.

47

Além disso, estes artigos não podem conferir aos Estados‑Membros o poder de derrogar as disposições do Tratado FUE ou das Diretivas 92/50 e 2004/18 pela simples invocação dos seus interesses essenciais de segurança.

48

Nestas condições, a mera afirmação da República da Áustria de que os contratos de serviços em causa exigem medidas especiais de segurança ou de que seria necessária uma derrogação às disposições da União para proteger os interesses essenciais da segurança deste Estado‑Membro é insuficiente para demonstrar a existência de circunstâncias que justifiquem a aplicação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 92/50 ou do artigo 14.o da Diretiva 2004/18.

49

Por outro lado, a Comissão precisa que a Ös é uma sociedade de direito privado de responsabilidade limitada. Tem como único sócio a Österreichische Staatsdruckerei Holding AG, cujas ações estão cotadas em bolsa e são detidas por particulares. De resto, contrariamente às disposições legislativas anteriores, a StDrG já não prevê nenhum sistema especial de supervisão estatal. Na audiência, a Comissão precisou a este respeito que as autoridades austríacas dispõem de poderes de supervisão previstos num contrato celebrado com a ÖS.

50

Segundo a Comissão, a República da Áustria não demonstra que lançar um concurso público seja completamente impossível porque comprometeria seriamente a observância da obrigação de confidencialidade e das medidas de segurança e de supervisão. Embora a necessidade de garantir a autenticidade e a exatidão de documentos que se destinam a provar a identidade de pessoas, proteger dados pessoais e assegurar o fornecimento para efeitos de impressão dos documentos em causa sejam de interesse geral, esse interesse não corresponde, no entanto, sistematicamente a um interesse essencial de segurança.

51

No que se refere à necessidade de garantir o fornecimento de documentos oficiais, alegada pela República da Áustria, a Comissão considera que essa garantia não constitui um interesse de segurança e pode ser obtido, se necessário, celebrando vários contratos‑quadro.

52

A Comissão admite que um Estado‑Membro possa tomar medidas para evitar a falsificação de documentos oficiais. No entanto, nada indica que esses objetivos ficariam comprometidos se a impressão dos documentos fosse confiada a outras tipografias, incluindo às de outros Estados‑Membros, na medida em que o caráter confidencial dos dados tratados necessários para a impressão de documentos pode ser assegurado mediante uma obrigação de confidencialidade imposta às empresas que participam num procedimento de adjudicação.

53

Segundo a Comissão, a centralização da execução dos contratos em causa poderia ser alcançada submetendo a impressão do conjunto de documentos seguros a um concurso público e a possível supervisão por parte das autoridades austríacas poderia ser estabelecidas no contrato celebrado com a empresa adjudicatária.

54

No que diz respeito à confiança na empresa que presta o serviço de impressão das autorizações de residência, a Comissão responde que este argumento invocado pela República da Áustria não pode ser acolhido na medida em que as autoridades austríacas podem igualmente adjudicar contratos de impressão de documentos seguros a outras empresas diferentes da Ös, nomeadamente quando esta não estiver em condições de executar os referidos contratos.

55

A República da Áustria contesta o incumprimento imputado. Defende que, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 92/50 e do artigo 14.o da Diretiva 2004/18, os contratos em causa não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação dessas diretivas. Alega que tem o direito de proteger os seus interesses essenciais de segurança e de dotar a execução dos contratos em causa de medidas especiais de segurança, em aplicação das disposições legais e administrativas em vigor na Áustria.

56

Na audiência, a República da Áustria precisou que as derrogações previstas no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 92/50 e no artigo 14.o da Diretiva 2004/18 se aplicam independentemente da derrogação prevista no artigo 346.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

57

Este Estado‑Membro recorda, em substância, que a política de segurança é um elemento essencial da soberania estatal e que incumbe aos Estados‑Membros definir os seus interesses essenciais de segurança e determinar se são necessárias medidas de segurança, pelo que dispõem a este respeito de uma ampla margem de discricionariedade.

58

A República da Áustria salienta certos aspetos dos seus interesses essenciais em matéria de segurança pública que são importantes na impressão de documentos seguros. A este propósito, na sua opinião, deve, antes de mais, garantir a autenticidade e a exatidão dos documentos destinados a provar a identidade de uma pessoa, na medida em que os documentos de identidade estão estreitamente relacionados com a ordem pública e com o funcionamento institucional do Estado. Em seguida, é necessário garantir a proteção dos dados sensíveis da pessoa. Por último, deve‑se garantir a segurança do fornecimento.

59

Em primeiro lugar, quanto à necessidade de garantir a autenticidade e exatidão dos documentos de identidade, a República da Áustria sustenta que esse imperativo implica a definição de um nível técnico elevado em matéria de segurança para evitar qualquer risco de falsificações, nomeadamente no âmbito da luta contra o terrorismo e a criminalidade.

60

Em segundo lugar, no que se refere à proteção de dados pessoais sensíveis, na medida em que os documentos de identidade contêm dados desse tipo, nomeadamente dados biométricos, a proteção desses documentos exige requisitos de segurança elevados. A este respeito, a República da Áustria contesta o argumento da Comissão segundo o qual neste caso só estão em causa os interesses individuais, ao passo que, segundo esse Estado‑Membro, a violação desses dados deve, pelo contrário, ser considerada, nomeadamente no contexto da luta contra o terrorismo, uma ameaça para a segurança pública interna e, por conseguinte, deve ser evitada por todos os meios.

61

Em terceiro lugar, a rápida receção dos documentos oficiais em causa pressupõe que se garanta o fornecimento do Estado. Ora, se a impressão dos documentos de identidade fosse confiada a empresas diferentes da Ös, isso prejudicaria de forma continuada a estratégia da República da Áustria em matéria de segurança, uma vez que, na impossibilidade de fornecer o número de passaportes necessários, seriam certamente impressos passaportes provisórios, mas em condições de segurança inferiores.

62

A República da Áustria alega que, num contexto de ameaças e de atos terroristas, só uma tipografia sob a tutela efetiva do Estado pode estar habilitada a produzir documentos de identidade.

63

A República da Áustria recorda que a centralização de todas as prestações pertinentes em matéria de segurança num único prestador constitui igualmente um elemento essencial da estratégia de segurança. A este respeito, este Estado‑Membro sustenta que resulta do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2252/2004 e, mais precisamente, da exigência de designação de um «organismo responsável pela impressão de passaportes e documentos de viagem» que estes não podem ser produzidos por vários organismos. Por outro lado, para evitar a dispersão de informações sensíveis em matéria de segurança, a centralização da impressão dos documentos em causa constitui uma medida adequada.

64

Segundo a República da Áustria, a estratégia que prossegue e que consiste em adjudicar os contratos em causa a um único adjudicatário, que tem o seu local ou locais de produção no território nacional, visa, em primeiro lugar, evitar que as informações sobre as medidas de segurança sejam conhecidas por outros adjudicatários, quer operem na Áustria ou noutro Estado‑Membro.

65

Em segundo lugar, essa adjudicação tem como objetivo que as autoridades nacionais supervisionem de forma mais eficaz essa tipografia no âmbito dos seus poderes administrativos de supervisão. Com efeito, a República da Áustria sustenta que um controlo por via judicial, que daria lugar a sanções por incumprimento dos requisitos de segurança ao abrigo das disposições contratuais no termo de um processo eventualmente fastidioso, não é tão eficaz como uma supervisão estatal.

66

No que respeita à alegação da Comissão de que cabe à República da Áustria demonstrar que a realização de um concurso público é completamente impossível, este Estado‑Membro sustenta que nem o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 92/50 nem o artigo 14.o da Diretiva 2004/18 preveem esse requisito.

67

Além disso, este Estado‑Membro não se limitou a invocar os interesses relacionados com a sua segurança, tendo também identificado os interesses que devem ser protegidos e as medidas que foram tomadas com vista à proteção desses interesses.

68

Por último, na audiência, a República da Áustria defendeu que os contratos em causa não podem ser executados no âmbito de um concurso público dado que as empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros não podem subtrair‑se totalmente à intervenção das autoridades dos respetivos Estados e que essas empresas são por vezes obrigadas a colaborar com essas autoridades ou com os serviços de informação desses Estados, e isto mesmo que executem esses contratos a partir de um estabelecimento situado na Áustria, de modo que existiria o risco de serem reveladas informações sensíveis.

Apreciação do Tribunal de Justiça

69

Há que salientar, antes de mais, que, como resulta dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe, os primeiros contratos adjudicados à Ös, objeto da presente ação e que datam de 2004, podem ser abrangidos pela Diretiva 92/50, ao passo que os contratos adjudicados a esta empresa entre 31 de janeiro de 2006 e 12 de setembro de 2014, data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, podem estar abrangidos pela Diretiva 2004/18, que revogou e substituiu as disposições pertinentes da Diretiva 92/50 a partir de 31 de janeiro de 2006.

70

Além disso, por um lado, os contratos em causa são contratos que têm por objeto os serviços previstos nos anexos I A da Diretiva 92/50 e no anexo II A da Diretiva 2004/18 e, mais precisamente, os serviços de edição e de impressão à obra ou de forma continuada. Por outro lado, é pacífico entre as partes que o valor estimado desses contratos ultrapassa os limiares para a aplicação destas diretivas.

71

Nos termos do artigo 8.o da Diretiva 92/50, em conjugação com os artigos 11.o a 37.o desta diretiva, e do artigo 20.o da Diretiva 2004/18, em conjugação com os artigos 23.o a 55.o desta diretiva, uma vez que a impressão dos documentos em causa constitui um serviço de edição e de impressão à obra ou de forma continuada, esse serviço está, em princípio, sujeito à obrigação de recorrer a um procedimento de adjudicação conforme às disposições desses artigos.

72

Todavia, por um lado, nos termos do artigo 346.o, n.o 1, alínea a), TFUE, nenhum Estado‑Membro está obrigado a fornecer informações cuja divulgação considere contrária aos interesses essenciais da sua própria segurança. Como salientou a advogada‑geral no n.o 42 das suas conclusões, esta disposição tem, pela generalidade dos seus termos, vocação para ser aplicada, nomeadamente, ao domínio dos contratos públicos não militares, como os contratos de impressão em causa na presente ação.

73

Por outro lado, resulta do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 92/50 e do artigo 14.o da Diretiva 2004/18, redigidos em termos quase idênticos, que estas diretivas não se aplicam aos serviços, designadamente quando a sua execução deva ser acompanhada de medidas de segurança especiais nos termos das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas em vigor no Estado‑Membro em questão, ou quando a defesa de interesses essenciais desse Estado‑Membro o exigir.

74

A República da Áustria invoca essas derrogações no presente processo para justificar a adjudicação direta à Ös dos contratos de serviços de impressão em causa.

75

A este propósito, há que salientar que, como alegou a República da Áustria, incumbe aos Estados‑Membros definir os seus interesses essenciais de segurança e, neste caso, às autoridades austríacas definir as medidas de segurança necessárias para proteger a segurança pública deste Estado‑Membro no âmbito da impressão de documentos de identidade e de outros documentos oficiais como os que estão em causa no presente processo (v., por analogia, Acórdão de 16 de outubro de 2003, Comissão/Bélgica, C‑252/01, EU:C:2003:547, n.o 30).

76

No entanto, deve igualmente recordar‑se que, como o Tribunal de Justiça já declarou, nem todas as medidas que os Estados‑Membros adotam no âmbito das exigências legítimas de interesse nacional estão subtraídas à aplicação do direito da União pelo simples facto de serem tomadas designadamente no interesse da segurança pública (v., neste sentido, Acórdão de 8 de abril de 2008, Comissão/Itália, C‑337/05, EU:C:2008:203, n.o 42 e jurisprudência referida).

77

Por outro lado, as derrogações em causa na presente ação, segundo jurisprudência constante relativa às liberdades fundamentais, devem ser objeto de interpretação estrita [v., por analogia, no que respeita ao artigo 346.o, n.o 1, alínea b), TFUE, Acórdão de 7 de junho de 2012, Insinööritoimisto InsTiimi, C‑615/10, EU:C:2012:324, n.o 35 e jurisprudência referida].

78

Além disso, embora o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 92/50 e o artigo 14.o da Diretiva 2004/18, invocados a título principal pela República da Áustria, confiram aos Estados‑Membros uma margem de apreciação para decidir sobre as medidas consideradas necessárias para a proteção dos interesses essenciais da sua segurança, estes artigos não podem, contudo, ser interpretados de modo a conferir aos Estados‑Membros o poder de derrogar as disposições do Tratado FUE através da mera invocação dos referidos interesses. Com efeito, o Estado‑Membro que invoca o benefício destas derrogações deve demonstrar a necessidade de recorrer a estas com o fim de proteger os interesses essenciais da sua segurança. Tal exigência impõe‑se igualmente na medida em que este Estado‑Membro invoca, além disso, o artigo 346.o, n.o 1, alínea a), TFUE (v., por analogia, Acórdão de 4 de setembro de 2014, Schiebel Aircraft, C‑474/12, EU:C:2014:2139, n.o 34).

79

Por conseguinte, o Estado‑Membro que invoca o benefício dessas derrogações deve demonstrar que a necessidade de proteger esses interesses não poderia ter sido alcançado se se tivesse lançado um concurso público como o previsto nas Diretivas 92/50 e 2004/18 (v., por analogia, Acórdão de 8 de abril de 2008, Comissão/Itália, C‑337/05, EU:C:2008:203, n.o 53).

80

No caso em apreço, embora a República da Áustria tenha, é certo, identificado os interesses essenciais da sua segurança que devem ser protegidos e as garantias inerentes à proteção desses interesses há, contudo, que verificar, tendo em conta o que foi recordado nos n.os 75 e 76 do presente acórdão, se esse Estado‑Membro demonstrou que os objetivos que prossegue não poderiam ter sido alcançados no âmbito de um concurso público conforme previsto por estas duas diretivas.

81

A este respeito, a República da Áustria alega, em primeiro lugar, que a proteção dos interesses essenciais da segurança nacional exige a execução centralizada dos contratos de impressão de documentos oficiais mediante a sua adjudicação a uma única empresa.

82

Ora, admitindo que a centralização da execução dos contratos em causa possa ser considerada, pelas razões invocadas pela República da Áustria, um meio de proteção dos interesses essenciais da sua segurança nacional, há que salientar que o respeito dos procedimentos de adjudicação dos contratos previstos, respetivamente, no artigo 8.o da Diretiva 92/50, em conjugação com os artigos 11.o a 37.o desta diretiva, e o artigo 20.o da Diretiva 2004/18, em conjugação com os artigos 23.o a 55.o dessa diretiva, não obsta a que seja confiada a um único operador a execução dos contratos em causa.

83

Se, como salienta a República da Áustria, os Estados‑Membros têm a obrigação de respeitar as disposições do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2252/2004, que os obriga a designar um organismo responsável pela impressão de passaportes e documentos de viagem, há que observar que essa disposição se limita a prever a obrigação de designar um organismo único, sem excluir o recurso prévio a um procedimento de adjudicação para efeitos dessa designação.

84

No que respeita, em segundo lugar, ao argumento da República da Áustria relativo à necessidade de as autoridades austríacas garantirem, no âmbito das prerrogativas que lhes são reconhecidas pelo § 6, n.o 3, da StDrG, controlos administrativos eficazes sobre um adjudicatário único com os seus locais de produção e de armazenagem no território desse Estado‑Membro, neste caso sobre a ÖS, cabe salientar que, embora, é certo, o operador a quem tenha sido confiada a execução do contrato de impressão em causa deva preencher os requisitos em matéria de segurança a fim de garantir a confidencialidade das informações a proteger, a República da Áustria não demonstra que só os controlos administrativos que as autoridades austríacas podem efetuar, por força da referida disposição, à Ös são suscetíveis de assegurar essa confidencialidade e que, para o efeito, não se deve aplicar as disposições em matéria de adjudicação de contratos previstas pelas Diretivas 92/50 e 2004/18.

85

A este respeito, não parece que esses controlos administrativos não se possam efetuar noutras empresas estabelecidas na Áustria diferentes da ÖS. Além disso, este Estado‑Membro não demonstra que o controlo do respeito da confidencialidade das informações comunicadas para efeitos da impressão dos documentos oficiais em causa seria menos garantido se essa impressão tivesse sido confiada, no âmbito de um concurso público, a outras empresas, às quais seria imposto, no contrato sujeito às regras do direito civil, medidas de confidencialidade e de segurança, quer as referidas empresas estivessem estabelecidas na Áustria ou noutros Estados‑Membros.

86

Em especial, seria possível prever, no âmbito de um processo de adjudicação de contrato, a obrigação para a outra parte de aceitar controlos de segurança, visitas ou inspeções nas instalações da própria empresa, quer esteja estabelecida na Áustria ou noutro Estado‑Membro, ou ainda de cumprir requisitos técnicos em matéria de confidencialidade, mesmo particularmente elevados, no âmbito da execução dos contratos em causa.

87

No que se refere, em terceiro lugar, ao imperativo de assegurar o abastecimento invocado pela República da Áustria, importa salientar que, embora os documentos oficiais em causa estejam estreitamente relacionados com a ordem pública e o funcionamento institucional de um Estado, que pressupõem que se assegure o fornecimento, esse Estado‑Membro não demonstrou, todavia, que o alegado objetivo não poderia ser garantido no âmbito de um concurso público e que essa garantia seria comprometida se a impressão desses documentos fosse confiada a outras empresas, incluindo, se for caso disso, a empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros.

88

No que respeita, em quarto lugar, à necessidade de garantir a fiabilidade do adjudicatário, embora os Estados‑Membros devam poder garantir que, relativamente à adjudicação de contratos públicos como os que estão em causa no presente processo, só se adjudicam os contratos a empresas fiáveis no âmbito de um sistema que assegura o respeito de normas de confidencialidade e de segurança específicas no que respeita à impressão dos documentos em questão, a República da Áustria não demonstrou, contudo, que o caráter confidencial dos dados transmitidos não pode ser suficientemente garantido se a impressão destes documentos fosse confiada a outra empresa diferente da Ös, designada na sequência de um concurso público.

89

A este propósito, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou que a necessidade de prever uma obrigação de confidencialidade não impede, por si só, que se recorra a um concurso público para a adjudicação de um contrato (v., neste sentido, Acórdão de 8 de abril de 2008, Comissão/Itália, C‑337/05, EU:C:2008:203, n.o 52).

90

Além disso, o Tribunal de Justiça também declarou que a confidencialidade dos dados pode ser assegurada através do dever de segredo, sem que seja necessário violar os procedimentos em matéria de adjudicação de contratos públicos (v., por analogia, Acórdão de 5 de dezembro de 1989, Comissão/Itália, C‑3/88, EU:C:1989:606, n.o 15).

91

Como referiu a advogada‑geral no n.o 68 das suas conclusões, nada impede a entidade adjudicante de impor requisitos especialmente exigentes quanto à aptidão e idoneidade dos adjudicatários, de regular convenientemente as condições de licitação e os contratos de prestação de serviços e eventualmente de exigir aos licitadores as necessárias acreditações.

92

A este respeito, a República da Áustria sustentou na audiência que existe um risco de as informações sensíveis serem divulgadas, dado que as empresas estabelecidas fora deste Estado‑Membro não podem subtrair‑se totalmente à intervenção das autoridades do respetivo Estado‑Membro, na medida em que, em alguns casos, as próprias empresas estão obrigadas a colaborar com essas autoridades ou com os serviços de informação dos referidos Estados, incluindo quando executam contratos públicos a partir de um estabelecimento situado na Áustria.

93

Todavia, cabe sublinhar que as autoridades austríacas podem inserir, nas condições que regem os concursos para a adjudicação dos contratos em causa, cláusulas que obriguem o adjudicatário a uma confidencialidade geral e prever que a empresa candidata que não esteja em condições, devido, nomeadamente, à legislação do seu Estado‑Membro, de oferecer garantias suficientes quanto ao cumprimento desta obrigação perante as autoridades desse Estado será excluída do procedimento de adjudicação. As autoridades austríacas podem igualmente prever a aplicação de sanções ao adjudicatário, nomeadamente contratuais, em caso de incumprimento dessa obrigação durante a execução do contrato em causa.

94

A este respeito, a República da Áustria não demonstrou que o objetivo que consiste em impedir a divulgação de informações sensíveis relativas à produção dos documentos oficiais em causa não teria podido ser alcançado no âmbito de um concurso público, tal como previsto, respetivamente, no artigo 8.o da Diretiva 92/50, em conjugação com os artigos 11.o a 37.o desta diretiva, e o artigo 20.o da Diretiva 2004/18, em conjugação com os artigos 23.o a 55.o desta diretiva.

95

Daqui resulta que a inobservância dos procedimentos de adjudicação de contratos previstos pelas referidas diretivas afigura‑se desproporcionada à luz do referido objetivo.

96

Tendo em conta tudo o que precede, o artigo 346.o, n.o 1, alínea a), TFUE, o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 92/50 e o artigo 14.o da Diretiva 2004/18 não podem ser utilmente invocados pela República da Áustria para justificar a inobservância dos procedimentos de adjudicação de contratos previstos por estas duas diretivas.

Contratos de serviços de impressão de licenças de pirotecnia

Argumentos das partes

97

A Comissão sustenta que, mesmo que o montante do contrato de produção das licenças de pirotecnia não ultrapasse os limiares previstos por essas diretivas, devem ser respeitados os princípios enunciados no Tratado FUE, nomeadamente os princípios da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços.

98

Segundo a Comissão, os princípios gerais da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, de que decorre a obrigação de transparência, exigem que o referido contrato seja objeto de um anúncio com um grau de publicidade suficiente.

99

Esta instituição precisa que, ainda que o montante de um contrato de produção de licenças de pirotecnia pareça relativamente baixo, tal contrato, tendo em conta as suas características técnicas, poderá suscitar o interesse de empresas de outros Estados‑Membros. Considera que, deste modo, existe um interesse transfronteiriço certo, uma vez que o mercado das empresas produtoras de documentos de identidade seguros é especializado, reduzido e internacionalizado e que a proximidade geográfica não constitui um imperativo para a execução de contratos de produção de documentos seguros.

100

Além disso, a Comissão salienta a circunstância de a própria Ös ter sido encarregada por vários Estados‑Membros da impressão de vistos e de passaportes, o que constitui, a este respeito, um indício muito importante da existência de um interesse transfronteiriço certo.

101

A República da Áustria replica que, tratando‑se de um contrato cujo montante é inferior ao limiar previsto no direito da União, os princípios fundamentais invocados pela Comissão não são aplicáveis. Tendo em conta o reduzido valor deste contrato, o interesse transfronteiriço certo não foi demonstrado pela Comissão.

102

Além disso, o facto de a Ös produzir documentos seguros para outros Estados‑Membros não demonstra que exista um interesse transfronteiriço certo para o mercado de serviços de impressão de licenças de pirotecnia.

Apreciação do Tribunal de Justiça

103

Antes de mais, há que recordar que é pacífico entre as partes que o valor estimado do contrato de produção de licenças de pirotecnia é de 56000 EUR, ou seja, um montante claramente inferior aos limiares fixados pelas Diretivas 92/50 e 2004/18 para os contratos públicos de serviços. Por conseguinte, não existia uma obrigação decorrente dessas diretivas de recorrer a um procedimento de adjudicação.

104

No entanto, segundo jurisprudência constante, a adjudicação dos contratos públicos que, tendo em conta o seu valor, não são abrangidos pelo âmbito de aplicação das diretivas relativas aos contratos públicos está sujeita às regras fundamentais e aos princípios gerais do Tratado FUE, em particular aos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade e à obrigação de transparência deles decorrente, desde que esses contratos revistam um real interesse transfronteiriço (Acórdão de 6 de outubro de 2016, Tecnoedi Costruzioni, C‑318/15, EU:C:2016:747, n.o 19 e jurisprudência referida).

105

A este respeito, importa recordar que cabe à Comissão demonstrar que o contrato em causa apresenta, para uma empresa situada num Estado‑Membro diferente do da entidade adjudicante, um interesse certo, sem se poder basear em qualquer presunção nesse sentido (v., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2007, Comissão/Irlanda, C‑507/03, EU:C:2007:676, n.os 32 e 33 e jurisprudência referida).

106

No que respeita aos critérios objetivos suscetíveis de indicar a existência de um interesse transfronteiriço certo, o Tribunal de Justiça já declarou que esses critérios podem ser, nomeadamente, a importância económica do contrato em causa, conjugada com o local de execução das obras ou ainda as características técnicas do contrato e as características específicas dos produtos em causa (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2016, Tecnoedi Costruzioni, C‑318/15, EU:C:2016:747, n.o 20 e jurisprudência referida).

107

Se, como sustentou a Comissão, a existência de um tal interesse transfronteiriço não puder ser determinada unicamente a partir do valor do contrato, sendo necessário levar a cabo uma apreciação de conjunto de outros critérios e de todas as circunstâncias pertinentes do caso em apreço, há que salientar que o contrato de produção das licenças de pirotecnia distingue‑se não só pelo seu montante relativamente baixo, mas também pelo seu caráter muito técnico, o que pressupõe, além disso, o respeito de medidas de segurança especiais com os custos que a aplicação dessas medidas implica.

108

Quanto à circunstância, invocada pela Comissão, de que o facto de a Ös ter sido encarregada por vários Estados‑Membros da impressão de vistos e de passaportes constitui um indício importante da existência de um interesse transfronteiriço certo, esta circunstância é irrelevante no que diz respeito à impressão de licenças de pirotecnia.

109

Nestas condições, as indicações fornecidas pela Comissão não bastam para demonstrar que o referido contrato tinha um interesse transfronteiriço certo.

110

Uma vez que a Comissão não fez prova das suas alegações, a sua ação deve ser julgada improcedente quanto ao contrato de serviços de impressão das licenças de pirotecnia em causa.

111

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que declarar que, por um lado, ao ter adjudicado diretamente à Ös, sem ter procedido a um concurso público à escala da União Europeia, contratos de serviços para a produção de passaportes dotados de chip, de passaportes urgentes, de autorizações de residência, de bilhetes de identidade, de cartas de condução em formato de cartão de crédito e de certificados de matrícula em formato de cartão de crédito e, por outro, ao ter mantido em vigor as disposições nacionais que obrigam as entidades adjudicantes a adjudicar diretamente estes contratos de serviços a essa sociedade, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 2, e do artigo 8.o da Diretiva 92/50, em conjugação com os artigos 11.o a 37.o desta diretiva, bem como do artigo 14.o do artigo 20.o da Diretiva 2004/18, em conjugação com os artigos 23.o a 55.o desta diretiva.

112

Há que julgar a ação improcedente quanto ao restante.

Quanto às despesas

113

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

114

No caso em apreço, a Comissão e a República da Áustria pediram a condenação da outra parte nas despesas.

115

O artigo 138.o, n.o 3, do mesmo regulamento prevê que, se isso parecer justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte. No caso em apreço, tendo a ação sido julgada procedente, exceto no que diz respeito ao contrato de serviços de impressão de licenças de pirotecnia, há que, em aplicação desta disposição, decidir que, além das suas próprias despesas, a República da Áustria é condenada a suportar quatro quintos das despesas da Comissão.

116

A Comissão é condenada a suportar um quinto das suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

Ao ter adjudicado diretamente à Österreichische Staatsdruckerei GmbH, sem ter procedido a um concurso público à escala da União Europeia, contratos de serviços para a produção de passaportes dotados de chip , de passaportes urgentes, de autorizações de residência, de bilhetes de identidade, de cartas de condução em formato de cartão de crédito e de certificados de matrícula em formato de cartão de crédito, e ao ter mantido em vigor as disposições nacionais que obrigam as entidades adjudicantes a adjudicar diretamente estes contratos de serviços a essa sociedade sem ter lançado um concurso público à escala da União, a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 2, e do artigo 8.o da Diretiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, em conjugação com os artigos 11.o a 37.o desta diretiva, bem como do artigo 14.o e do artigo 20.o da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, em conjugação com os artigos 23.o a 55.o desta diretiva.

 

2)

A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

 

3)

A República da Áustria suporta as suas próprias despesas e quatro quintos das despesas da Comissão Europeia. A Comissão suporta um quinto das suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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