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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62015CJ0196

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 14 de julho de 2016.
Granarolo SpA contra Ambrosi Emmi France SA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour administrative d'appel de Paris.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.° 44/2001 — Artigo 5.°, pontos 1 e 3 — Foro competente — Conceitos de ‘matéria contratual’ e de ‘matéria extracontratual’ — Rutura abrupta de relações comerciais estáveis — Ação indemnizatória — Conceitos de ‘venda de bens’ e de ‘prestação de serviços’.
Processo C-196/15.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2016:559

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

14 de julho de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Artigo 5.o, pontos 1 e 3 — Foro competente — Conceitos de ‘matéria contratual’ e de ‘matéria extracontratual’ — Rutura abrupta de relações comerciais estáveis — Ação indemnizatória — Conceitos de ‘venda de bens’ e de ‘prestação de serviços’»

No processo C‑196/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela cour d’appel de Paris (França), por decisão de 7 de abril de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de abril de 2015, no processo

Granarolo SpA

contra

Ambrosi Emmi France SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. Toader (relatora), A. Rosas, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 3 de dezembro de 2015,

considerando as observações apresentadas:

em representação da Granarolo SpA, por S. Dechelette‑Roy e M. Agbo, avocats,

em representação da Ambrosi Emmi France SA, por L. Pettiti, avocat,

em representação do Governo francês, por D. Colas, F.‑X. Bréchot e C. David, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Lewis e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 23 de dezembro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, pontos 1 e 3, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas I»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Granarolo SpA, sociedade de direito italiano, à Ambrosi Emmi France SA (a seguir «Ambrosi»), sociedade de direito francês, a propósito de uma ação indemnizatória com fundamento na rutura abrupta de relações comerciais estáveis.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I prevê:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

4

O artigo 5.o, pontos 1 e 3, deste regulamento tem o seguinte teor:

«As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas noutro Estado‑Membro:

1)

a)

Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b)

Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

no caso da venda de bens, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c)

Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);

[…]

3)

Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso;

[…]»

Direito francês

5

Nos termos do artigo L. 442‑6 do code de commerce (Código Comercial):

«I.

É responsável pelo prejuízo causado, e fica obrigado a repará‑lo, qualquer produtor, comerciante, industrial ou pessoa registada no registo de profissões que:

[…]

[p]onha termo de forma abrupta, ainda que parcialmente, a uma relação comercial estável, sem aviso prévio, por escrito, que tenha em conta a duração da relação comercial e respeite o prazo mínimo de aviso prévio determinado pelos acordos interprofissionais, de acordo com os usos do comércio. Quando a relação comercial diga respeito ao fornecimento de produtos com a marca do distribuidor, o prazo mínimo de aviso prévio é o dobro do que seria aplicável se o produto não fosse fornecido com a marca do distribuidor. Na falta de tais acordos, o Ministro da Economia poderá fixar, por despacho, para cada categoria de produtos, e tendo em conta os usos do comércio, um prazo mínimo de aviso prévio e estabelecer as condições de extinção das relações comerciais, designadamente em função da sua duração. As disposições que precedem não prejudicam a faculdade de resolução, sem aviso prévio, em caso de inexecução, pela outra parte, das suas obrigações, ou em caso de força maior. Quando a extinção da relação comercial resultar de uma venda em leilão à distância, o prazo mínimo de aviso prévio é o dobro do que resulta da aplicação das disposições do presente número, nos casos em que o prazo do aviso prévio inicial é inferior a seis meses, e de pelo menos um ano nos restantes casos.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6

Resulta da decisão de reenvio que a Ambrosi, sediada em Nice (França), distribuiu durante cerca de 25 anos, em França, os produtos alimentares produzidos pela Granarolo, sediada em Bolonha (Itália), sem contrato‑quadro nem cláusula de exclusividade.

7

Por carta registada de 10 de dezembro de 2012, a Granarolo comunicou à Ambrosi que, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2013, os seus produtos seriam comercializados em França e na Bélgica por outra sociedade francesa.

8

Tendo em conta que esta carta constituía uma rutura abrupta de relações comerciais estáveis, na aceção do artigo L. 442‑6 do code de commerce, que não respeitava o prazo mínimo de aviso prévio que se impunha pela duração da sua relação comercial, a Ambrosi interpôs no tribunal de commerce de Marseille (Tribunal de Comércio de Marselha, França) uma ação indemnizatória contra a Granarolo, com fundamento naquela disposição.

9

Por sentença de 29 de julho de 2014, aquele tribunal declarou‑se competente, uma vez que a ação tinha natureza extracontratual e o lugar da ocorrência do dano, na aceção do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento Bruxelas I, era a sede da Ambrosi, em Nice.

10

Por requerimento de 12 de agosto de 2014, a Granarolo interpôs recurso na cour d’appel de Paris (Tribunal Segunda Instância de Paris, França), contestando a competência territorial do tribunal de commerce de Marseille (Tribunal de Comércio de Marselha), pelo facto de a ação em causa dizer respeito a matéria contratual, na aceção do Regulamento Bruxelas I, cujo artigo 5.o, ponto 1, prevê, como critério de conexão, o lugar onde os bens foram ou devam ser entregues nos termos dos contratos sucessivos celebrados para cada entrega. Ora, esse lugar é a fábrica de Bolonha, de acordo com a indicação «Ex works» («à saída da fábrica») que figura nas faturas emitidas pela Granarolo e que corresponde a um dos termos‑padrão (Incoterms) elaborados pela Câmara de Comércio Internacional para especificar os direitos e as obrigações das partes em matéria de trocas comerciais internacionais.

11

A Ambrosi alega, a título principal, que os tribunais franceses são competentes, já que o litígio tem natureza extracontratual e que o lugar onde ocorreu o facto danoso se situa em França, onde são comercializados os produtos alimentares da Granarolo. A título subsidiário, esta sociedade alega que não ficou demonstrado que todos os contratos sucessivos tenham sido celebrados de acordo com o Incoterm «Ex works».

12

O tribunal de reenvio observa que, no ordenamento jurídico francês, uma ação como a que está em causa no processo principal, baseada no artigo L. 442‑6 do code de commerce, constitui uma ação extracontratual e, a este respeito, cita diversos acórdãos recentes da Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França).

13

Considerando, contudo, que os conceitos de matéria «extracontratual» e «contratual», na aceção do Regulamento Bruxelas I, são conceitos autónomos do direito da União, este tribunal entende que é necessário questionar o Tribunal de Justiça a este respeito.

14

Nestas condições, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Segunda Instância de Paris) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento [Bruxelas I] ser interpretado no sentido [de] que tem natureza extracontratual a ação indemnizatória pela rutura de relações comerciais [estáveis][,] que consistem no fornecimento de bens durante vários anos a um distribuidor[,] sem contrato‑quadro nem exclusividade?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, é o artigo 5.o, ponto 1, alínea b), deste regulamento aplicável à determinação do lugar de cumprimento da obrigação que serve de base ao pedido no caso referido na [primeira questão]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

15

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento Bruxelas I deve ser interpretado no sentido de que uma ação indemnizatória com fundamento na rutura abrupta de relações comerciais estáveis, como a que está em causa no processo principal, tem natureza extracontratual, na aceção desta disposição.

16

A título preliminar, importa recordar que o Regulamento Bruxelas I visa unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, por meio de regras de competência que apresentem um elevado grau de certeza jurídica, e prossegue, assim, um objetivo de segurança jurídica que consiste em reforçar a proteção jurídica das pessoas estabelecidas na União Europeia, permitindo simultaneamente ao requerente identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir e ao requerido prever razoavelmente aquele em que pode ser demandado (v., neste sentido, acórdão de 23 de abril de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch, C‑533/07, EU:C:2009:257, n.os 21 e 22).

17

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o sistema de atribuição de competências comuns previstas no capítulo II do Regulamento Bruxelas I baseia‑se na regra geral, enunciada no artigo 2.o, n.o 1, do mesmo, segundo a qual as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas perante os órgãos jurisdicionais desse Estado, independentemente da nacionalidade das partes. Só por derrogação da regra geral da competência dos órgãos jurisdicionais do domicílio do demandado é que o capítulo II, secção 2, do Regulamento Bruxelas I prevê um certo número de regras de competências especiais, entre as quais figura a do artigo 5.o, ponto 3, desse regulamento (v., neste sentido, acórdãos de 16 de julho de 2009, Zuid‑Chemie, C‑189/08, EU:C:2009:475, n.os 20 e 21, e de 18 de julho de 2013, ÖFAB, C‑147/12, EU:C:2013:490, n.o 30).

18

O Tribunal de Justiça já declarou que estas regras de competência especiais são de interpretação estrita, não permitindo uma interpretação que vá além das hipóteses contempladas expressamente no referido regulamento (acórdão de 18 de julho de 2013, ÖFAB, C‑147/12, EU:C:2013:490, n.o 31).

19

Há que recordar ainda que os conceitos de «matéria contratual» e de «matéria extracontratual», na aceção, respetivamente, do ponto 1, alínea a), e do ponto 3 do artigo 5.o do Regulamento Bruxelas I, devem ser interpretados de forma autónoma, tomando por referência, principalmente, o sistema e os objetivos deste regulamento, para assegurar a sua aplicação uniforme em todos os Estados‑Membros. Por conseguinte, não podem ser entendidos como remetendo para a qualificação que a lei nacional aplicável faz da relação jurídica em causa no órgão jurisdicional nacional (acórdão de 13 de março de 2014, Brogsitter, C‑548/12, EU:C:2014:148, n.o 18).

20

No que diz respeito ao conceito de «matéria extracontratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento Bruxelas I, este abrange qualquer pedido destinado a pôr em causa a responsabilidade de um demandado e que não esteja relacionado com a «matéria contratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 1, alínea a), deste regulamento (v. acórdão de 28 de janeiro de 2015, Kolassa, C‑375/13, EU:C:2015:37, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

21

O Tribunal de Justiça já declarou que a simples circunstância de uma das partes contratantes intentar uma ação de responsabilidade civil contra a outra não basta para considerar que essa ação está abrangida pela «matéria contratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento Bruxelas I. Isso só acontece se o comportamento censurado puder ser considerado um incumprimento das obrigações contratuais, tal como podem ser determinadas tendo em conta o objeto do contrato (acórdão de 13 de março de 2014, Brogsitter, C‑548/12, EU:C:2014:148, n.os 23 e 24).

22

Daqui resulta que, num caso como o do processo principal, para determinar a natureza da ação de responsabilidade civil intentada no órgão jurisdicional nacional, é necessário que este verifique, em primeiro lugar, se essa ação tem natureza contratual, independentemente da sua qualificação em direito nacional.

23

Importa referir que, numa parte significativa de Estados‑Membros, as relações comerciais estáveis que se estabeleceram sem um contrato escrito podem, em princípio, ser consideradas abrangidas por uma relação contratual tácita, cuja violação pode originar responsabilidade contratual.

24

A este respeito, observe‑se que, embora o artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I não exija a celebração de um contrato escrito, a identificação de uma obrigação contratual é indispensável para a aplicação desta disposição. Impõe‑se especificar que essa obrigação pode ser considerada como criada tacitamente, nomeadamente quando isso resulte de atos inequívocos que exprimem a vontade das partes.

25

No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional nacional examinar, desde logo, se, nas circunstâncias particulares do processo que lhe cabe decidir, a relação comercial estável que existiu entre as partes se caracteriza pela existência de obrigações acordadas tacitamente entre si, de modo que existia entre elas uma relação que pode ser qualificada de contratual.

26

Todavia, a existência de uma relação tácita não se presume e, por conseguinte, deve ser demonstrada. Além disso, esta demonstração deve basear‑se num conjunto de elementos concordantes, entre os quais podem figurar, designadamente, a existência de relações comerciais estáveis, a boa‑fé entre as partes, a regularidade das transações e sua evolução no tempo expressa em quantidade e em valor, os eventuais acordos sobre os preços faturados e/ou sobre os descontos acordados, bem como a correspondência trocada.

27

É à luz desta apreciação global que o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar a existência desse conjunto de elementos concordantes, para decidir se, mesmo sem haver contrato escrito, existe uma relação contratual tácita entre as partes.

28

Face ao exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento Bruxelas I deve ser interpretado no sentido de que uma ação indemnizatória com fundamento numa rutura abrupta de relações comerciais estáveis, como a que está em causa no processo principal, não tem natureza extracontratual, na aceção desta disposição, se existia uma relação contratual tácita entre as partes, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. A prova da existência dessa relação contratual tácita deve basear‑se num conjunto de elementos concordantes, entre os quais podem figurar, designadamente, a existência de relações comerciais estáveis, a boa‑fé entre as partes, a regularidade das transações e a sua evolução no tempo expressa em quantidade e em valor, os eventuais acordos sobre os preços faturados e/ou sobre os descontos acordados, bem como a correspondência trocada.

Quanto à segunda questão

29

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, ponto 1, alínea b), do Regulamento Bruxelas I deve ser interpretado no sentido de que relações comerciais estáveis como as que estão em causa no processo principal devem ser qualificadas de «contrato de venda de bens» ou de «contrato de prestação de serviços», na aceção dessa disposição.

30

A título preliminar, importa especificar que os critérios de conexão com o órgão jurisdicional competente, previstos no artigo 5.o, ponto 1, alínea b), do Regulamento Bruxelas I, só são aplicáveis na medida em que o órgão jurisdicional em que está pendente o litígio entre as partes que estabeleceram relações comerciais estáveis chegar à conclusão de que essas relações se baseiam num «contrato de venda de bens» ou num «contrato de prestação de serviços», na aceção desta disposição.

31

Essa qualificação exclui a aplicação da regra de competência prevista na alínea a) do referido artigo 5.o, ponto 1, no processo principal. Com efeito, tendo em conta a hierarquia que a alínea c) desta disposição estabelece entre a alínea a) e a alínea b), a regra de competência prevista na alínea a) só é suscetível de ser aplicada como alternativa e, supletivamente, em relação às regras de competência que figuram na referida alínea b) (v., neste sentido, acórdão de 19 de dezembro de 2013, Corman‑Collins, C‑9/12, EU:C:2013:860, n.o 42).

32

O Tribunal de Justiça sublinhou que, no que diz respeito ao lugar de cumprimento das obrigações decorrentes tanto de contratos de venda de bens como de contratos de prestação de serviços, o Regulamento Bruxelas I define, no seu artigo 5.o, ponto 1, alínea b), de maneira autónoma este critério de conexão, para reforçar os objetivos de unificação das regras de competência judiciária e de certeza jurídica (acórdão de 19 de dezembro de 2013, Corman‑Collins, C‑9/12, EU:C:2013:860, n.o 32).

33

O Tribunal de Justiça declarou também que o artigo 5.o, ponto 1, alínea b), do Regulamento Bruxelas I prevê, para os contratos de venda de bens e para os contratos de prestação de serviços, a obrigação característica desses contratos como critério de conexão ao tribunal competente (acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Car Trim, C‑381/08, EU:C:2010:90, n.o 31 e jurisprudência aí referida).

34

Daqui resulta que um contrato cuja obrigação característica é a entrega de um bem deve ser qualificado de «venda de bens», na aceção do artigo 5.o, ponto 1, alínea b), primeiro travessão, do Regulamento Bruxelas I (acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Car Trim, C‑381/08, EU:C:2010:90, n.o 32).

35

Tal qualificação pode ser aplicada a uma relação comercial estável entre dois operadores económicos, quando essa relação se limita a acordos sucessivos, tendo cada um por objeto a entrega e o levantamento de bens. Em contrapartida, não corresponde à sistemática de um contrato de distribuição típico, caracterizado por um acordo‑quadro que tem por objeto um compromisso de fornecimento e de aprovisionamento celebrado para o futuro por dois operadores económicos (v., por analogia, acórdão de 19 de dezembro de 2013, Corman‑Collins, C‑9/12, EU:C:2013:860, n.o 36).

36

No caso em apreço, ainda que um contrato celebrado oral ou tacitamente seja qualificado de «venda de bens», cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a menção «Ex works», referida no n.o 10 do presente acórdão, figura de forma sistemática nos contratos sucessivos entre as partes. Se assim for, há que concluir que os bens eram entregues na fábrica da Granarolo, em Itália, e não em França, na sede da Ambrosi.

37

Quanto à questão de saber se um contrato pode ser qualificado de contrato de «prestação de serviços», na aceção do artigo 5.o, ponto 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento Bruxelas I, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o conceito de «serviços», na aceção desta disposição, implica, pelo menos, que a parte que os presta realize uma atividade determinada em contrapartida de uma remuneração (v., neste sentido, acórdão de 19 de dezembro de 2013, Corman‑Collins, C‑9/12, EU:C:2013:860, n.o 37 e jurisprudência aí referida).

38

Quanto ao primeiro critério que figura nesta definição, a saber, a existência de uma atividade, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o mesmo exige a prática de atos positivos, com exclusão de meras abstenções. Como o Tribunal de Justiça já declarou numa situação factual muito parecida com a que está em causa no processo principal, este critério corresponde, no caso de um contrato que tem por objeto a distribuição de produtos de uma das partes pela outra parte, à prestação característica efetuada pela parte que, ao assegurar tal distribuição, participa no desenvolvimento da divulgação dos produtos em causa.

39

Graças à garantia de aprovisionamento de que beneficia por força do contrato de concessão e, eventualmente, à sua participação na estratégia comercial do fornecedor, nomeadamente nas ações promocionais, elementos cuja verificação compete ao juiz nacional, o distribuidor está em condições de oferecer aos clientes serviços e benefícios que um simples revendedor não pode oferecer e, assim, de conquistar, em proveito dos produtos do fornecedor, uma maior quota do mercado local (v., neste sentido, acórdão de 19 de dezembro de 2013, Corman‑Collins, C‑9/12, EU:C:2013:860, n.o 38 e jurisprudência aí referida).

40

Quanto ao segundo critério, a saber, a remuneração acordada em contrapartida de uma atividade, há que salientar que não pode ser compreendido no sentido estrito do pagamento de um montante em dinheiro. Com efeito, tal restrição não é ditada pelo teor muito geral do artigo 5.o, ponto 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento Bruxelas I nem está em harmonia com os objetivos de proximidade e de uniformização prosseguidos por esta disposição (acórdão de 19 de dezembro de 2013, Corman‑Collins, C‑9/12, EU:C:2013:860, n.o 39).

41

A este respeito, há que ter em consideração que o contrato de distribuição assenta, em regra, numa seleção do distribuidor pelo fornecedor. Esta seleção pode conferir aos distribuidores uma vantagem concorrencial, por estes terem o direito exclusivo de vender os produtos do fornecedor num determinado território ou, pelo menos, por haver um número limitado de distribuidores que beneficiam desse direito. Além disso, é frequente o contrato de distribuição prever uma ajuda aos distribuidores em matéria de acesso aos suportes publicitários, de transmissão de conhecimentos mediante ações de formação ou ainda de facilidades de pagamento. Todas estas vantagens, cuja existência compete ao juiz que conhece do mérito da causa verificar, representam, para os distribuidores, um valor económico que pode ser considerado constitutivo de uma remuneração (v., neste sentido, acórdão de 19 de dezembro de 2013, Corman‑Collins, C‑9/12, EU:C:2013:860, n.o 40).

42

Daqui resulta que um contrato de distribuição que comporta tais elementos típicos pode ser qualificado de «contrato de prestação de serviços», para efeitos da aplicação da regra de competência que figura no artigo 5.o, ponto 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento Bruxelas I (acórdão de 19 de dezembro de 2013, Corman‑Collins, C‑9/12, EU:C:2013:860, n.o 41).

43

No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar o conjunto de circunstâncias e elementos que caracterizam a atividade realizada pela Ambrosi em França, para vender, no mercado deste Estado‑Membro, os produtos da Granarolo.

44

Face ao exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 5.o, ponto 1, alínea b), do Regulamento Bruxelas I deve ser interpretado no sentido de que relações comerciais estáveis como as que estão em causa no processo principal devem ser qualificadas de «contrato de venda de bens», se a obrigação característica do contrato em causa for a entrega de um bem, ou de «contrato de prestação de serviços», se essa obrigação for uma prestação de serviços, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

Quanto às despesas

45

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma ação indemnizatória com fundamento numa rutura abrupta de relações comerciais estáveis, como a que está em causa no processo principal, não tem natureza extracontratual, na aceção desta disposição, se existia uma relação contratual tácita entre as partes, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. A prova da existência dessa relação contratual tácita deve basear‑se num conjunto de elementos concordantes, entre os quais podem figurar, designadamente, a existência de relações comerciais estáveis, a boa‑fé entre as partes, a regularidade das transações e a sua evolução no tempo expressa em quantidade e em valor, os eventuais acordos sobre os preços faturados e/ou sobre os descontos acordados, bem como a correspondência trocada.

 

2)

O artigo 5.o, ponto 1, alínea b), do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que relações comerciais estáveis como as que estão em causa no processo principal devem ser qualificadas de «contrato de venda de bens», se a obrigação característica do contrato em causa for a entrega de um bem, ou de «contrato de prestação de serviços», se essa obrigação for a prestação de serviços, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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