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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62014CJ0033

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 17 de setembro de 2015.
    Mory SA e o. contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Recurso de anulação — Artigo 263.° TFUE — Admissibilidade — Auxílios ilegais e incompatíveis — Obrigação de recuperação — Decisão da Comissão Europeia de não tornar extensiva ao adquirente a obrigação de recuperação do beneficiário do auxílio — Interesse em agir — Ação de indemnização e de recuperação dos auxílios nos tribunais nacionais — Legitimidade — Recorrente que não é individualmente afetado.
    Processo C-33/14 P.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2015:609

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    17 de setembro de 2015 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Recurso de anulação — Artigo 263.o TFUE — Admissibilidade — Auxílios ilegais e incompatíveis — Obrigação de recuperação — Decisão da Comissão Europeia de não tornar extensiva ao adquirente a obrigação de recuperação do beneficiário do auxílio — Interesse em agir — Ação de indemnização e de recuperação dos auxílios nos tribunais nacionais — Legitimidade — Recorrente que não é individualmente afetado»

    No processo C‑33/14 P,

    que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 22 de janeiro de 2014,

    Mory SA, em liquidação, com sede em Pantin (França),

    Mory Team, em liquidação, com sede em Pantin,

    Superga Invest, anteriormente Compagnie française superga d’investissement dans le service (CFSIS), com sede em Miraumont (França),

    representadas por B. Vatier e F. Loubières, avocats, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    recorrentes,

    sendo a outra parte no processo:

    Comissão Europeia, representada por T. Maxian Rusche e B. Stromsky, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    recorrida em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh (relator), C. Toader, E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund, juízes,

    advogado‑geral: P. Mengozzi,

    secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 27 de abril de 2015,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de junho de 2015,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o seu recurso, a Mory SA, a Mory Team e a Superga Invest pedem a anulação do despacho do Tribunal Geral da União Europeia, Mory e o./Comissão (T‑545/12, EU:T:2013:607, a seguir «despacho recorrido»), em que este rejeitou o recurso que aquelas interpuseram para anulação da Decisão C (2012) 2401 final da Comissão, de 4 de abril de 2012, relativa à aquisição dos ativos do grupo Sernam no âmbito da sua liquidação judicial (a seguir «decisão controvertida»).

    Antecedentes do litígio

    2

    As recorrentes apresentam‑se como tendo sido concorrentes diretas da Financière Sernam e das suas filiais, a Sernam Services e a Aster (a seguir, conjuntamente, «grupo Sernam»). A Mory SA e a Mory Team (a seguir, conjuntamente, «sociedades Mory») atuavam no setor do transporte tradicional de encomendas e do transporte expresso de encomendas, antes de terem entrado em liquidação judicial. A Superga Invest, anteriormente Compagnie française superga d’investissement dans le service (CFSIS), era a acionista principal das sociedades Mory.

    3

    Pela Decisão de 23 de maio de 2001, relativa ao auxílio estatal NN 122/2000 (ex NJ 140/2000) (JO C 199, p. 15), a Comissão aprovou um auxílio à reestruturação do grupo Sernam (a seguir «decisão Sernam 1»).

    4

    Pela Decisão 2006/367/CE, de 20 de outubro de 2004, relativa ao auxílio estatal parcialmente executado pela França a favor da empresa Sernam (JO 2006, L 140, p. 1, a seguir «decisão Sernam 2»), a Comissão confirmou que o auxílio aprovado pela decisão Sernam 1 era compatível com o mercado interno, em determinadas condições. A Comissão destacou igualmente a presença de um auxílio adicional incompatível com o mercado comum, que devia, por conseguinte, ser recuperado pela República Francesa.

    5

    Por ofício de 16 de julho de 2008, a Comissão informou a República Francesa da sua decisão de iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativamente à aplicação, por parte daquela, da decisão Sernam 2. Esta decisão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 9 de janeiro de 2009 (JO C 4, p. 5).

    6

    Em 27 de junho de 2011, as sociedades Mory foram colocadas em liquidação judicial pelo tribunal de commerce de Bobigny (França).

    7

    Em 31 de janeiro de 2012, a Financière Sernam e a Sernam Services foram colocadas em liquidação judicial pelo tribunal de commerce de Nanterre (França).

    8

    Em 3 de fevereiro de 2012, a Aster foi colocada em liquidação judicial, mas continuando a exercer as suas atividades, pelo tribunal de commerce de Pontoise (França).

    9

    Em 9 de março de 2012, a Comissão adotou a Decisão 2012/398/UE, relativa ao auxílio estatal n.o SA.12522 (C 37/08) — França — Aplicação da Decisão «Sernam 2» (JO L 195, p. 19, a seguir «decisão Sernam 3»). O artigo 1.o do dispositivo dessa decisão indica que o grupo Sernam beneficiou de auxílios de Estado ilegais e incompatíveis com o mercado interno (a seguir «auxílios em causa»). Nos termos do artigo 2.o desse dispositivo, a França deve recuperar os auxílios em causa junto desse grupo.

    10

    No mesmo dia, foram transmitidas duas propostas de aquisição ao administrador judicial do grupo Sernam, a primeira proveniente da Geodis Calberson (a seguir «Calberson»), filial do grupo Geodis (a seguir «Geodis»), que atua no setor do transporte de encomendas, e a segunda da BMV. A proposta de aquisição da Calberson estava sujeita à condição de «nenhum encargo com a restituição de todos ou de parte dos auxílios [em causa] pagos [ao grupo Sernam] poder ser transmitido com os ativos adquiridos, ou em consequência da aquisição, ou ficar a cargo do adquirente». A proposta apresentada pela BMV não continha nenhuma condição desse tipo, mas era apresentada como indissociável da proposta apresentada pela Calberson e caducava se a proposta desta fosse recusada.

    11

    Em 23 de março de 2012, a República Francesa pediu à Comissão que confirmasse que a obrigação de reembolso dos auxílios em causa não seria extensiva à Geodis e à BMV no caso de estas adquirirem uma parte dos ativos do grupo Sernam.

    12

    Pela decisão controvertida, a Comissão indicou à República Francesa que não havia lugar à extensão à Geodis e à BMV da obrigação de reembolso imposta ao grupo Sernam nos termos do artigo 2.o da decisão Sernam 3, devido à inexistência de continuidade económica entre o grupo Sernam e essas duas potenciais adquirentes. A Comissão esclareceu, no n.o 54 da decisão controvertida, que esta não incidia sobre a prudência ou não do investimento dos adquirentes que consistia na aquisição de determinados ativos do grupo Sernam, pelo que não prejudicava a apreciação desse investimento à luz do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

    13

    Em 10 de abril de 2012, a Calberson apresentou uma nova proposta de aquisição ao administrador judicial do grupo Sernam, que não incluía a condição que afetava a sua proposta de aquisição inicial.

    14

    Em 13 de abril 2012, o tribunal de commerce de Nanterre selecionou as propostas de aquisição apresentadas pela Calberson e pela BMV e ordenou a transferência para estas de determinados ativos do grupo Sernam, com efeitos a partir de 7 de maio de 2012.

    15

    Em 10 de julho de 2012, as sociedades Mory foram colocadas em liquidação judicial pelo tribunal de commerce de Bobigny.

    Tramitação do processo no Tribunal Geral e despacho recorrido

    16

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de dezembro de 2012, as recorrentes interpuseram um recurso de anulação da decisão controvertida.

    17

    Por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de março de 2013, a Comissão deduziu uma exceção de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, com o fundamento, por um lado, de que as recorrentes não tinham provado que tinham interesse em agir contra a decisão controvertida e, por outro, de que essa decisão não lhes dizia individualmente respeito, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

    18

    No despacho recorrido, o Tribunal Geral decidiu que as recorrentes não tinham justificado o seu interesse em agir contra a decisão controvertida, pelo que, só por isso, o seu recurso tinha de ser julgado inadmissível, sem que fosse necessário apreciar a exceção deduzida pela Comissão com base no facto de a decisão controvertida não lhes dizer individualmente respeito. Em especial, o Tribunal Geral considerou que nem a ação de recuperação dos auxílios em causa que as sociedades Mory propuseram no tribunal administratif de Paris (França), em 25 de abril de 2007, nem a ação, que estas propuseram no tribunal de commerce de Paris, em 7 de maio de 2013, de condenação solidária, nomeadamente, do grupo Sernam e da Geodis a reparar os prejuízos que essas sociedades lhes causaram eram suscetíveis de lhes conferir esse interesse.

    Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    19

    Com o presente recurso, as recorrentes pedem ao Tribunal que se digne:

    anular o despacho recorrido;

    remeter o processo ao Tribunal Geral, para que este aprecie o mérito da causa; e

    reservar para final a decisão quanto às despesas.

    20

    A Comissão conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso e que as recorrentes sejam condenadas nas despesas.

    21

    Por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2014, a Calberson requereu, com fundamento no artigo 40.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, a intervenção no presente processo, em apoio dos pedidos da Comissão.

    22

    Este requerimento foi indeferido por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 27 de fevereiro de 2015.

    Quanto ao pedido de reabertura da fase oral

    23

    Na sequência das conclusões apresentadas pelo advogado‑geral, as recorrentes requereram, por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de junho de 2015, que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo. Para fundamentar este pedido, as recorrentes alegam, em substância, que os novos argumentos apresentados pelo advogado‑geral nas suas conclusões, relativos, em especial, à qualificação da decisão controvertida, para efeitos da determinação da legitimidade na aceção do artigo 263.o TFUE, e as implicações desses argumentos para a apreciação do recurso, merecem que seja organizado um debate contraditório, no caso de o Tribunal de Justiça decidir julgar definitivamente a causa.

    24

    Importa recordar que o Estatuto do Tribunal de Justiça e o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça não preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (v. acórdão Vnuk, C‑162/13, EU:C:2014:2146, n.o 30 e jurisprudência aí referida).

    25

    Por força do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, ao advogado‑geral cabe apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, em conformidade com o Estatuto do Tribunal de Justiça, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado nem pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação em que este baseia essas conclusões (v. acórdão Comissão/Parker Hannifin Manufacturing e Parker‑Hannifin, C‑434/13 P, EU:C:2014:2456, n.o 29 e jurisprudência aí referida).

    26

    Por conseguinte, o desacordo de uma parte com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que este examina nas mesmas, não constitui, por si, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (acórdão E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.o 62).

    27

    Por conseguinte, o Tribunal de Justiça pode, em qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o disposto no artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, nomeadamente se considerar que está insuficientemente esclarecido ou ainda quando a causa deva ser decidida com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou entre os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça (acórdão Nordzucker, C‑148/14, EU:C:2015:287, n.o 24).

    28

    Não é o que sucede no caso vertente. Com efeito, as recorrentes e a Comissão explicaram, quer na fase escrita quer na fase oral do processo, todos os seus argumentos para fundamentar as suas pretensões, inclusivamente no tocante à legitimidade, na aceção do artigo 263.o TFUE. Assim, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que dispõe de todos os elementos necessários para julgar a causa e que esses elementos foram objeto dos debates que tiveram lugar no Tribunal de Justiça.

    29

    Em face do exposto, o Tribunal de Justiça considera que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

    Quanto ao presente recurso

    30

    As recorrentes invocam dois fundamentos de recurso. O primeiro assenta nos vários erros de direito que o Tribunal Geral cometeu no âmbito da sua apreciação do interesse das recorrentes na anulação da decisão controvertida. O segundo assenta na violação do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, porquanto o Tribunal Geral não verificou que essa decisão lhes dizia direta e individualmente respeito.

    31

    A título preliminar, as recorrentes alegam que não há nenhuma linha de separação entre os conceitos de interesse em agir e de «afetação direta e individual». Estes dois conceitos até se confundem totalmente, quando está em causa a apreciação da admissibilidade de um recurso interposto por uma parte que não é destinatária de uma decisão, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Com efeito, é ilógico considerar que uma pessoa, a quem uma decisão diz direta e individualmente respeito, não tem interesse em agir. Da mesma forma, é inconcebível que uma pessoa possa ter interesse em agir sem que uma decisão lhe diga direta e individualmente respeito. Ao considerar que estes dois conceitos são distintos, o Tribunal Geral violou o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. A simples demonstração de que uma decisão diz direta e individualmente respeito a uma pessoa basta para provar a admissibilidade do seu recurso.

    Quanto ao primeiro fundamento

    Argumentos das partes

    32

    Com o primeiro fundamento de recurso, as recorrentes criticam o Tribunal Geral por ter cometido vários erros de direito no âmbito da apreciação que o levou a concluir que aquelas não tinham provado o seu interesse na anulação da decisão controvertida.

    33

    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que o raciocínio do Tribunal Geral enferma de um certo número de contradições e erros de direito, quando considerou, nos n.os 29 a 35 do despacho recorrido, que a participação da Mory no procedimento administrativo prévio à adoção da decisão Sernam 2 não era suscetível de lhe conferir um interesse em agir.

    34

    Antes de mais, o Tribunal Geral contradiz‑se, porquanto, depois de invocar, no n.o 31 do despacho recorrido, para fundamentar a sua decisão de que as recorrentes não tinham interesse em agir, a jurisprudência em matéria de auxílios de Estado segundo a qual um recorrente tem sempre de demonstrar que a decisão de compatibilidade de um auxílio é suscetível de afetar a sua posição no mercado, afirmou no n.o 57 desse despacho que a Comissão não se pronunciou, na decisão controvertida, sobre a existência e a compatibilidade de eventuais auxílios, com base no artigo 108.o TFUE.

    35

    Em seguida, a consideração do Tribunal Geral constante do artigo 33.o do despacho recorrido, de que a questão das modalidades da recuperação dos auxílios em causa diz respeito unicamente à Comissão e ao Estado‑Membro em causa, equivale a excluir, por princípio, que uma parte que não seja esse Estado‑Membro, interessada na decisão que ordenou a recuperação, tenha interesse em agir contra a decisão respeitante às modalidades de recuperação desses auxílios. Semelhante análise contradiz as normas do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, segundo as quais um recurso dessa decisão pode ser interposto por qualquer pessoa a quem essa decisão diga direta e individualmente respeito.

    36

    Por último, o Tribunal Geral persiste na confusão entre os conceitos de «interesse em agir» e de «pessoa afetada», por um lado, e quanto à natureza da decisão controvertida, por outro, pois o despacho recorrido tão depressa a qualifica de decisão sui generis, de decisão unicamente respeitante às modalidades de recuperação do auxílio ou ainda de decisão sobre a existência ou inexistência de transferência de um auxílio incompatível e sobre o contornamento de uma decisão de recuperação. Estas confusões destinam‑se a evitar que ressalte que o Tribunal Geral não adotou, no despacho recorrido, uma abordagem idêntica à que seguiu no acórdão Ryanair/Comissão (T‑123/09, EU:T:2012:164).

    37

    Em segundo lugar, as recorrentes entendem que o Tribunal Geral cometeu erros de direito e de apreciação quando decidiu, nos n.os 36 a 51 do despacho recorrido, que as ações propostas nos tribunais nacionais, para obter a recuperação dos auxílios em causa e a reparação do prejuízo, não lhes conferiam interesse em agir num tribunal da União.

    38

    As recorrentes alegam antes de mais, a este respeito, que o Tribunal Geral decidiu, erradamente, que o interesse em agir contra uma decisão da União se justifica unicamente pela possibilidade de uma parte propor uma ação de indemnização nos tribunais nacionais. Com efeito, este interesse também pode resultar de uma ação destinada a obter a efetiva recuperação dos auxílios pelo Estado‑Membro em causa. Ora, no caso vertente, a Mory propôs uma ação dessas no tribunal administratif de Paris, para obrigar o Estado francês a recuperar os auxílios em causa junto de todos os beneficiários sucessivos dos mesmos, incluindo a Geodis. Não compete à Comissão, nem ao Tribunal Geral, pôr em causa a pertinência dessa ação e o interesse das recorrentes nessa ação, uma vez que a mesma foi validamente proposta e segue o seu curso.

    39

    Em seguida, as recorrentes sustentam que o Tribunal Geral considerou, erradamente, que o interesse delas em agir não estava provado, porquanto as mesmas não tinham envidado, durante muitos anos, nenhuma diligência para obter a reparação do prejuízo resultante da distorção de concorrência induzida pelos auxílios em causa. Com efeito, a propositura da ação de indemnização só foi possível após a adoção da decisão Sernam 3, que declarou esses auxílios incompatíveis com o mercado interno. Além disso, essa ação foi anunciada na petição inicial no Tribunal Geral e proposta antes da prolação do despacho recorrido. Em todo o caso, o Tribunal Geral não podia substituir a análise da procedência da ação contra a Geodis, efetuada pelo tribunal nacional, pela sua própria análise da procedência da referida ação, para entender que a mesma estava votada ao fracasso e que o sucesso do recurso de anulação interposto no Tribunal Geral não tinha influência no sucesso da ação de indemnização proposta nos tribunais nacionais.

    40

    Por último, as recorrentes consideram que uma ação de indemnização proposta no tribunal nacional contra a Geodis é legítima, uma vez que esta última deve ser considerada a atual beneficiária dos auxílios em causa e, a esse título, devedora da obrigação de reparar as consequências prejudiciais da atribuição desses auxílios em detrimento das sociedades Mory, solidariamente com os beneficiários sucessivos e com a entidade que atribuiu esses auxílios, a Société nationale des chemins de fer français (SCNF). Além disso, se a decisão controvertida for anulada, as recorrentes poderão invocar contra a Geodis, no tribunal nacional, a teoria de direito francês do «enriquecimento sem causa».

    41

    Em terceiro lugar, as recorrentes criticam o Tribunal Geral por ter negado a existência de interesse da Superga Invest em agir, ao recusar considerar que este decorre do interesse em agir das sociedades Mory, de que a Superga Invest é a acionista principal.

    42

    Em quarto lugar, as recorrentes criticam o Tribunal Geral por ter decidido, nos n.os 54 a 58 do despacho recorrido, que aquelas não tinham ficado privadas do seu direito processual à abertura de um procedimento formal de investigação ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

    43

    Antes de mais, as recorrentes alegam que, ao passo que chamaram a atenção da Comissão para a existência de riscos de contornamento, resultantes da operação de cessão projetada, essa instituição, quando adotou a decisão controvertida, afastou a abertura de um procedimento de investigação aprofundado e lesou os seus direitos processuais. As recorrentes ficaram, assim, privadas da possibilidade de obter uma investigação aprofundada, não de novos auxílios, mas sim da aplicação abusiva da decisão Sernam 3.

    44

    Em seguida, as recorrentes consideram que o Tribunal Geral evitou propositadamente examinar se a decisão controvertida lhes dizia direta e individualmente respeito, para contornar a questão da natureza dessa decisão controvertida, que a Comissão qualificou de decisão sui generis. Ora, uma vez que eram individualmente afetadas pela referida decisão, as recorrentes tinham o direito de a impugnar, para que o Tribunal Geral verificasse se a Comissão tinha competência para adotar essa mesma decisão, não obstante a inexistência de base jurídica.

    45

    Por último, as recorrentes criticam o Tribunal Geral por ter decidido, no n.o 33 do despacho recorrido, que a decisão controvertida, porque não versa sobre a compatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno, mas sim sobre as modalidades de recuperação dos auxílios em causa, diz unicamente respeito à Comissão e ao Estado‑Membro ao qual incumbe a obrigação de recuperação. Assim, a questão a apreciar não é a de saber se os novos auxílios foram atribuídos à Geodis, mas sim se as condições em que os ativos do grupo Sernam seriam adquiridos pela Geodis consubstanciavam uma aplicação correta da decisão Sernam 3 ou, pelo contrário, uma aplicação abusiva dessa decisão. Como uma modalidade de recuperação pode consubstanciar uma aplicação abusiva de uma decisão de recuperação de um auxílio, a Comissão deverá iniciar o procedimento formal de investigação se tiver dúvidas sérias a esse respeito.

    46

    Segundo a Comissão, as alegações das recorrentes são improcedentes, por duas razões. Por um lado, no momento da interposição do recurso de anulação, as sociedades Mory estavam em liquidação, pelo que já não eram concorrentes de nenhuma empresa. Por outro, a anulação da decisão controvertida não apresenta um interesse real no contexto de uma ação de indemnização, proposta num tribunal nacional, do prejuízo concorrencial que sofreram no passado.

    47

    A Comissão alega, a título preliminar, que os argumentos desenvolvidos em primeiro e quarto lugar no âmbito desse fundamento não são atinentes ao interesse em agir, mas à legitimidade das recorrentes. Por isso, estes argumentos não podem ser suscetíveis de demonstrar esse interesse em agir contra a decisão controvertida.

    48

    Quanto ao mais, a Comissão entende que nem a ação de recuperação dos auxílios nem a ação de indemnização propostas nos tribunais nacionais conferem às recorrentes interesse em agir no tribunal da União.

    49

    Quanto à primeira dessas ações, proposta no tribunal administratif de Paris, a Comissão sustenta que, uma vez que as sociedades Mory só subsistem para efeitos da respetiva liquidação, está excluído que possam encontrar interesse em agir no restabelecimento da respetiva posição concorrencial, graças à recuperação dos auxílios em causa. Aliás, na sua petição inicial no Tribunal, as recorrentes só invocaram a possibilidade de propor uma ação de indemnização para tentar justificar um interesse em agir. Por outro lado, as recorrentes não têm o direito de invocar, na fase do recurso do despacho do Tribunal Geral, o argumento de que a ação de recuperação dos auxílios no tribunal administratif de Paris também visa a recuperação dos auxílios em causa junto da Geodis. Com efeito, essa ampliação da ação foi feita após a prolação do despacho recorrido e a petição inicial no Tribunal Geral não contém esse argumento.

    50

    Subsidiariamente, a Comissão considera que não está, de modo algum, provado que essa ação no tribunal administratif de Paris seja procedente e que tenha a menor hipótese de sucesso no direito nacional. Acresce que, segundo essa instituição, aparentemente esse tribunal caminhava, após a adoção da decisão Sernam 3, para uma decisão de não conhecimento do mérito da causa. Com efeito, uma vez que a Comissão decidiu, como sucede no caso vertente, no sentido de declarar os auxílios em causa incompatíveis com o mercado interno e de ordenar a respetiva recuperação, a ação anteriormente proposta no tribunal nacional fica privada de objeto.

    51

    Quanto à segunda dessas ações, proposta no tribunal de commerce de Paris, a Comissão alega que não basta, para justificar o interesse na anulação de uma decisão da Comissão, que o recorrente no tribunal da União invoque qualquer ação de indemnização que possa vir a ser proposta no futuro ou, se for caso disso, que já tenha sido proposta no tribunal nacional, com o fundamento de que a anulação dessa decisão pelo tribunal da União facilitaria o desfecho favorável da sua ação de indemnização, sem ter ainda de demonstrar que esta é razoavelmente suscetível de vir a ser julgada procedente em caso de anulação da decisão da Comissão. Neste contexto, embora o Tribunal Geral não deva substituir‑se ao tribunal nacional na decisão sobre a procedência da ação de indemnização proposta no segundo, ainda assim compete‑lhe fiscalizar que as recorrentes fizeram prova da existência de um interesse real em pedir a anulação de uma decisão da Comissão, para fundamentar essa ação de indemnização.

    52

    No caso vertente, a Comissão considera que não foi feita essa demonstração. A apreciação que o Tribunal Geral fez dessa questão está exata, apreciação essa que, por outro lado, pertence ao domínio da matéria de facto, que escapa à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal Geral. As recorrentes só propuseram a sua ação de indemnização para responder à argumentação apresentada pela Comissão na sua exceção de inadmissibilidade, mais de um ano após a adoção da decisão Sernam 3. Quanto à possibilidade de invocar, contra a Geodis, um argumento assente na teoria de direito francês dita do «enriquecimento sem causa», esse argumento foi apresentado pela primeira vez no âmbito do recurso do despacho do Tribunal Geral e, a esse título, é manifestamente inadmissível. Em todo o caso, não foi apresentada nenhuma argumentação séria para fundamentar essa teoria.

    53

    Por último, a Comissão entende que o Tribunal Geral concluiu, com razão, no n.o 53 do despacho recorrido, que as sociedades Mory, como já não estão em atividade, já não podem sofrer qualquer perturbação concorrencial, cujas consequências a Superga Invest sofreu.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    54

    Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito, ao decidir que aquelas não tinham provado o seu interesse na anulação da decisão controvertida, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

    55

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível se essa pessoa tiver interesse na anulação do ato recorrido. Esse interesse pressupõe que a anulação desse ato possa, por si só, produzir consequências jurídicas e que, assim, o resultado do recurso possa proporcionar um benefício à parte que o interpôs (v., designadamente, neste sentido, acórdãos Comissão/Koninklijke FrieslandCampina, C‑519/07 P, EU:C:2009:556, n.o 63; ACEA/Comissão, C‑319/09 P, EU:C:2011:857, n.o 67; Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.o 67; e Stichting Woonlinie e o./Comissão, C‑133/12 P, EU:C:2014:105, n.o 54).

    56

    O interesse de um recorrente em agir deve ser efetivo e atual (v., neste sentido, acórdãos Comissão/Koninklijke FrieslandCampina, C‑519/07 P, EU:C:2009:556, n.o 65, e Planet/Comissão, C‑564/13 P, EU:C:2015:124, n.o 34). Não pode dizer respeito a uma situação futura e hipotética (v., neste sentido, acórdãos Stroghili/Tribunal de Contas, 204/85, EU:C:1987:21, n.o 11, e Cañas/Comissão, C‑269/12 P, EU:C:2013:415, n.os 16 e 17).

    57

    Este interesse deve, tendo em conta o objeto do recurso, existir no momento em que o recurso é interposto, sob pena de inadmissibilidade, e perdurar até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de não conhecimento do mérito da causa (v., neste sentido, acórdãos Abdulrahim/Conselho e Comissão, C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 61, e Cañas/Comissão, C‑269/12 P, EU:C:2013:415, n.o 15).

    58

    O interesse em agir constitui, assim, a condição primeira e essencial de qualquer ação judicial (v., neste sentido, despacho S./Comissão, 206/89 R, EU:C:1989:333, n.o 8, e acórdão Andechser Molkerei Scheitz/Comissão, C‑682/13 P, EU:C:2015:356, n.o 27).

    59

    Além disso, a admissibilidade de um recurso interposto por uma pessoa singular ou coletiva de um ato do qual não é destinatária, ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, está sujeita à condição de lhe ser reconhecida legitimidade, legitimidade esta que se verifica em duas situações. Por um lado, esse recurso pode ser interposto na condição de esse ato lhe dizer direta e individualmente respeito. Por outro, essa pessoa pode interpor recurso de um ato regulamentar que não necessite de medidas de execução, se o mesmo lhe disser diretamente respeito (v., neste sentido, designadamente, acórdãos Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 19, e Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.o 44).

    60

    No caso vertente, há que observar, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral, no n.o 59 do despacho recorrido, concluiu pela inadmissibilidade do recurso de anulação da decisão controvertida interposto pelas recorrentes ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, unicamente com o fundamento de que estas não justificaram o seu interesse em agir, sem apreciar, por outro lado, se as referidas recorrentes também tinham legitimidade, na aceção dessa mesma disposição.

    61

    Nestas condições, verifica‑se que os fundamentos pelos quais o Tribunal Geral considerou, nos n.os 29 a 35 e 55 a 58 do despacho recorrido, que, por um lado, a decisão controvertida não diz individualmente respeito à Mory e, por outro, que as recorrentes não ficaram privadas, na falta de abertura do procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, do benefício dos respetivos direitos processuais não são suscetíveis de corroborar o dispositivo desse despacho, uma vez que os referidos fundamentos não versam sobre o interesse em agir, mas sim sobre a legitimidade, o que, aliás, o próprio Tribunal Geral salientou nos n.os 30 e 34 do referido despacho.

    62

    A este respeito, as recorrentes não têm razão quando alegam que a simples circunstância de uma pessoa ser direta e individualmente afetada demonstra necessariamente o seu interesse em agir. Com efeito, como resulta dos n.os 55 a 59 do presente acórdão, o interesse em agir e a legitimidade constituem dois requisitos de admissibilidade distintos, que uma pessoa singular ou coletiva deve cumprir cumulativamente para poder interpor um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE (v., neste sentido, designadamente, acórdãos Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.os 67 e 68, e Stichting Woonlinie e o./Comissão, C‑133/12 P, EU:C:2014:105, n.os 54 e 55).

    63

    Resulta das considerações precedentes que a argumentação desenvolvida pelas recorrentes no âmbito do primeiro fundamento do recurso, na parte em que critica o despacho recorrido por ter considerado que as recorrentes não tinham legitimidade, deve ser julgada parcialmente inoperante e parcialmente improcedente.

    64

    Em segundo lugar, importa apreciar o primeiro fundamento das recorrentes na parte em que é dirigido contra as considerações do Tribunal Geral constantes dos n.os 36 a 51 do despacho recorrido, nos termos das quais este rejeitou a argumentação das referidas recorrentes de que o respetivo interesse em agir resultava, no caso vertente, da ação proposta, em 25 de abril de 2007, no tribunal administratif de Paris, para recuperação dos auxílios em causa, e da ação de indemnização que propuseram para obter a condenação solidária, nomeadamente, do grupo Sernam e da Geodis na reparação do prejuízo que estas últimas causaram às recorrentes.

    65

    A este respeito, o Tribunal Geral salientou, nos n.os 39 e 40 do despacho recorrido, que a ação para recuperação dos auxílios em causa, proposta no tribunal nacional, não se destinava à reparação de um prejuízo que as recorrentes sustentavam terem sofrido.

    66

    Por outro lado, o Tribunal Geral, após ter sublinhado, no n.o 41 do despacho recorrido, que as recorrentes não envidaram, durante muitos anos, nenhuma diligência para obter a reparação do alegado prejuízo resultante da distorção de concorrência induzida por esses auxílios, decidiu, nos n.os 42 a 49 desse despacho, que a ação de indemnização que as mesmas propuseram no tribunal de commerce de Paris, posteriormente à interposição do recurso de anulação no tribunal da União, tão‑pouco lhes conferia interesse em agir neste último tribunal, uma vez que não tinham demonstrado que a Geodis era suscetível de lhes causar um prejuízo, de modo a que tivessem o direito de propor uma ação de responsabilidade contra ela no tribunal nacional.

    67

    A este respeito, o Tribunal Geral salientou, antes de mais, nos n.os 44 e 45 do despacho recorrido, que, uma vez que a Geodis adquiriu os ativos do grupo Sernam numa data posterior à entrada das sociedades Mory em liquidação judicial, essa aquisição não podia ser a causa da entrada dessas sociedades em liquidação judicial, pelo que a Geodis não podia ser responsabilizada pela má situação financeira daquelas. Em seguida, o Tribunal Geral sublinhou, no n.o 47 desse despacho, que tão‑pouco estava provado que a Geodis, pelo simples facto de ter adquirido determinados ativos do grupo Sernam, poderia, teoricamente, ser responsabilizada, com fundamento no direito nacional, pelo alegado prejuízo que esse grupo causou às recorrentes. Por último, na medida em que as recorrentes aludem ao prejuízo que a Geodis lhes poderá causar, ao adquirir determinados ativos do grupo Sernam, sem ser obrigada a restituir os auxílios em causa, o Tribunal Geral considerou, no n.o 48 do referido despacho, que, como as sociedades Mory cessaram todas as atividades económicas desde a sua entrada em liquidação, as mesmas não podem sofrer qualquer prejuízo causado pelo adquirente.

    68

    Observe‑se desde já que, embora compita exclusivamente ao Tribunal Geral constatar e proceder ao apuramento dos factos e, em princípio, analisar as provas que considera sustentarem esses factos, o Tribunal de Justiça é competente para exercer a sua fiscalização a partir do momento em que o Tribunal Geral os tenha qualificado juridicamente e deles tenha extraído conclusões em matéria de direito (v., neste sentido, acórdão E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.os 64, 65 e jurisprudência aí referida). Consequentemente, a questão de saber se, face a esses factos e elementos de prova, a anulação da decisão controvertida pelo tribunal da União é suscetível de proporcionar às recorrentes um benefício, no âmbito de uma ação proposta nos tribunais nacionais, que possa provar o interesse daquelas em agir nos tribunal da União, é uma questão de direito abrangida pela fiscalização que o Tribunal de Justiça exerce no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral.

    69

    Recorde‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o recurso de anulação pode conservar interesse como fundamento de uma eventual ação de responsabilidade (v., neste sentido, acórdãos Könecke Fleischwarenfabrik/Comissão, 76/79, EU:C:1980:68, n.o 9; França e o./Comissão, C‑68/94 e C‑30/95, EU:C:1998:148, n.o 74; despachos Lech‑Stahlwerke/Comissão, C‑111/99 P, EU:C:2001:58, n.os 19 e 20; Comissão/Provincia di Imperia, C‑183/08 P, EU:C:2009:136, n.o 30; e acórdão Abdulrahim/Conselho e Comissão, C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 64).

    70

    A manutenção do interesse em agir de um recorrente deve ser apreciada in concreto, tendo em conta, nomeadamente, as consequências da ilegalidade alegada e a natureza do prejuízo pretensamente sofrido (acórdão Abdulrahim/Conselho e Comissão, C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 65).

    71

    No caso vertente, como resulta, em substância, do n.o 46 do despacho recorrido, o prejuízo alegado pelas recorrentes resulta do facto de o grupo Sernam ter beneficiado, durante dez anos, de auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno, concedidos pela República Francesa e cuja restituição a Comissão ordenou, de acordo com a decisão Sernam 3.

    72

    Ora, pela decisão controvertida, a Comissão informou a República Francesa de que essa obrigação de restituição não seria tornada extensiva à Geodis caso esta adquirisse uma parte dos ativos do grupo Sernam, uma vez que, por falta de continuidade económica, não estava provado que a Geodis efetivamente usufruía dos auxílios em causa.

    73

    Daqui resulta que, devido à adoção desta decisão, a Geodis, que efetivamente veio a adquirir determinados ativos do grupo Sernam, está isenta dessa obrigação de restituição, uma vez que não pode ser considerada beneficiária dos auxílios em causa.

    74

    Como referiu o advogado‑geral no n.o 91 das suas conclusões, esta circunstância, só por si, é suscetível de demonstrar que as recorrentes têm interesse em pedir a anulação da decisão controvertida, uma vez que a sua ação de indemnização nos tribunais nacionais, porque se destina a obter a reparação do prejuízo que alegam ter sofrido devido à concessão dos auxílios em causa, assenta precisamente na premissa de que a Geodis deve, enquanto adquirente, ser considerada beneficiária dos mesmos.

    75

    Com efeito, uma vez que a anulação da decisão controvertida pode ter a consequência de a Geodis dever passar a ser considerada beneficiária dos auxílios em causa, cuja concessão causou o prejuízo alegado pelas recorrentes, essa anulação é, por si só, suscetível de incrementar as hipóteses de sucesso da ação de indemnização proposta no tribunal de commerce de Paris, já que esta foi proposta contra a Geodis, e, assim, de lhes proporcionar um benefício no âmbito dessa ação.

    76

    Neste aspeto, não se pode exigir, ao invés do que o Tribunal Geral decidiu no n.o 47 do despacho recorrido, que as recorrentes demonstrem que, segundo o direito nacional, a Geodis efetivamente possa ser responsabilizada pelo alegado prejuízo, pelo mero facto de ter adquirido os ativos do grupo Sernam. Com efeito, não cabe ao tribunal da União apreciar, para efeitos da análise do interesse em agir nesse tribunal, a probabilidade de procedência de uma ação proposta nos tribunais nacionais ao abrigo do direito interno e, assim, substituir‑se aos tribunais nacionais nessa apreciação. Em contrapartida, é necessário, mas bastante, que o recurso de anulação interposto no tribunal da União seja suscetível, pelo seu resultado, de proporcionar um benefício à parte que o interpôs. Ora, é o que sucede no caso vertente, como resulta dos n.os 74 e 75 do presente acórdão.

    77

    Diversamente do que o Tribunal Geral referiu no n.o 48 do despacho recorrido, é igualmente irrelevante que as sociedades Mory tenham cessado todas as atividades económicas desde a sua liquidação, uma vez que, como a própria Comissão reconheceu na audiência, o prejuízo alegado pelas recorrentes resulta precisamente da distorção de concorrência induzida pela concessão dos auxílios em causa durante um período em que é pacífico que as sociedades Mory exerciam uma atividade económica no mercado em causa e por isso eram concorrentes do beneficiário desses auxílios.

    78

    Pelo mesmo motivo, é irrelevante que a aquisição pela Geodis de determinados ativos do grupo Sernam, que é posterior à data em que as sociedades Mory entraram em liquidação judicial, circunstância destacada pelo Tribunal Geral nos n.os 44 e 45 do despacho recorrido, não seja a causa da entrada dessas sociedades em liquidação judicial.

    79

    Acresce que foi também sem razão que a Comissão criticou as recorrentes, na fase do presente recurso do despacho do Tribunal Geral, por terem proposto a sua ação de indemnização no tribunal nacional numa data posterior à da interposição do recurso de anulação no Tribunal Geral. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada nos n.os 56 e 69 do presente acórdão que a eventualidade de uma ação de indemnização basta para fundar esse interesse em agir, desde que essa ação não seja hipotética. Ora, no caso vertente, é pacífico que as recorrentes anunciaram a propositura dessa ação de indemnização na petição inicial que apresentaram no Tribunal Geral e que a mesma foi efetivamente proposta antes da adoção da decisão controvertida, como resulta do n.o 42 do despacho recorrido.

    80

    Ademais, importa também observar que a anulação da decisão controvertida também é, por si só, suscetível de proporcionar às recorrentes um benefício no âmbito da ação que propuseram no tribunal administratif de Paris para obrigar o Estado francês a recuperar os auxílios em causa, uma vez que essa anulação terá o efeito de a Geodis deixar necessariamente de estar subtraída à obrigação de restituição decorrente da decisão controvertida, pelo que a anulação desta última é suscetível de incrementar as hipóteses de sucesso dessa ação no tribunal administratif de Paris.

    81

    Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando decidiu, no n.o 40 do despacho recorrido, que esta última ação não era suscetível de conferir interesse em agir às recorrentes, pelo simples facto de essa ação não se destinar à reparação do prejuízo sofrido, uma vez que o interesse em agir pode decorrer, como salientou o advogado‑geral no n.o 40 das suas conclusões, de qualquer ação nos tribunais nacionais, no âmbito da qual a eventual anulação do ato impugnado no tribunal da União seja suscetível de proporcionar um benefício ao autor.

    82

    Neste aspeto, a Comissão não tem razão quando sustenta que a ação proposta pelas recorrentes no tribunal administratif de Paris não é adequada para fundar o interesse das recorrentes em agir no tribunal da União, porque se destina unicamente a obter a recuperação dos auxílios, não junto da Geodis, mas sim junto do grupo Sernam. Com efeito, resulta claramente dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a referida ação era extensiva aos beneficiários sucessivos dos auxílios em causa. Uma vez que, de resto, as recorrentes mencionaram expressamente essa extensão da ação nos seus articulados no Tribunal Geral, há que indeferir a exceção de inadmissibilidade deduzida pela Comissão com o fundamento de que esse argumento das recorrentes não foi apresentado no âmbito do processo no Tribunal Geral.

    83

    Por outro lado, embora não se possa excluir que a adoção da decisão Sernam 3, na parte em que ordena a recuperação dos auxílios em causa, ou a cessação das atividades económicas das sociedades Mory, possa eventualmente afetar o interesse das recorrentes em agir no tribunal administratif de Paris, em contrapartida essa circunstância não tem, ao invés do que a Comissão alegou nomeadamente na audiência, a menor relevância para o interesse das recorrentes em agir no tribunal da União, uma vez que, pelo seu resultado, o recurso de anulação interposto nesse tribunal pode influenciar o desfecho da ação proposta no tribunal nacional para obter a recuperação dos auxílios em causa.

    84

    Resulta do exposto, em especial dos n.os 77, 78 e 83 do presente acórdão, que o Tribunal Geral também cometeu um erro de direito quando decidiu, nos n.os 52 a 54 do despacho recorrido, que a Superga Invest, enquanto acionista principal das sociedades Mory, não tinha provado o seu interesse em agir, uma vez que essas sociedades, porque já não estão em atividade, não podiam sofrer qualquer perturbação concorrencial, cujas consequências a Superga Invest sofreria. Como o interesse da Superga Invest em agir se confunde com o das sociedades Mory, a primeira também tem, por identidade de razão, um interesse desses no tribunal da União.

    85

    Em face destas considerações, conclui‑se que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando decidiu que as recorrentes não tinham provado o respetivo interesse em agir, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, para obter a anulação da decisão controvertida.

    86

    Nestas condições, há que julgar procedente o primeiro fundamento aduzido pelas recorrentes para fundamentar o recurso do despacho do Tribunal Geral.

    87

    Por conseguinte, há que anular o despacho recorrido, sem que seja necessário analisar o segundo fundamento aduzido pelas recorrentes para fundamentar o recurso desse despacho.

    Quanto ao recurso no Tribunal Geral

    88

    Nos termos do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

    89

    No caso vertente, o Tribunal de Justiça entende que dispõe dos elementos necessários para julgar definitivamente a exceção de inadmissibilidade deduzida pela Comissão no processo em primeira instância.

    90

    Em primeiro lugar, pelos fundamentos expostos nos n.os 74 a 85 do presente acórdão, importa julgar essa exceção de inadmissibilidade improcedente na parte em que nela é arguida a falta de interesse das recorrentes em agir.

    91

    Em segundo lugar, na parte em que nessa exceção é arguida a ilegitimidade das recorrentes, recorde‑se que, como já se referiu no n.o 59 do presente acórdão, o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE prevê duas situações em que é reconhecida legitimidade a uma pessoa singular ou coletiva para interpor recurso de um ato da União do qual não é destinatária. Por um lado, esse recurso pode ser interposto na condição de esse ato lhe dizer direta e individualmente respeito. Por outro, essa pessoa pode interpor recurso de um ato regulamentar que não necessite de medidas de execução, se o mesmo lhe disser diretamente respeito.

    92

    Como a decisão controvertida, de que a República Francesa é destinatária, não constitui um ato regulamentar nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, visto que não é um ato de alcance geral (v., neste sentido, acórdão Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 56), importa verificar se aquela decisão diz direta e individualmente respeito às recorrentes, na aceção desta disposição.

    93

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os sujeitos que não sejam destinatários de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se a mesma os prejudicar em razão de determinadas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma análoga à do destinatário dessa decisão (v., designadamente, acórdãos Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 284; Sniace/Comissão, C‑260/05 P, EU:C:2007:700, n.o 53; 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.o 29; e T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.o 63).

    94

    Tendo em conta que o presente recurso tem por objeto uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado, importa recordar que, no âmbito do procedimento de controlo desses auxílios previsto no artigo 108.o TFUE, é preciso distinguir entre, por um lado, a fase preliminar de investigação dos auxílios instituída pelo n.o 3 deste artigo, que tem apenas por objetivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase da investigação a que se refere o n.o 2 do mesmo artigo. É apenas no âmbito desta fase, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do caso, que o Tratado prevê a obrigação da Comissão de dar aos interessados a oportunidade de apresentarem as suas observações (v., designadamente, acórdão 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.o 30 e jurisprudência referida).

    95

    Daqui resulta que, sempre que, sem iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, a Comissão concluir, através de uma decisão adotada com base no n.o 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado interno, os beneficiários dessas garantias processuais só podem conseguir que elas sejam respeitadas se tiverem a possibilidade de impugnar essa decisão perante o juiz da União. Por estas razões, o juiz da União julga admissíveis os recursos de anulação dessas decisões, interpostos por um interessado na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, quando os recorrentes pretendam, com a sua interposição, salvaguardar os direitos processuais que lhes são conferidos por esta última disposição (v., neste sentido, designadamente, acórdãos 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.o 31 e jurisprudência aí referida, e Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 47).

    96

    O Tribunal de Justiça já teve ocasião de esclarecer que estes interessados são as pessoas, empresas ou associações cujos interesses são eventualmente afetados pela concessão de um auxílio, isto é, em particular, as empresas concorrentes dos beneficiários desse auxílio e as organizações profissionais (v., designadamente, acórdão 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

    97

    Em contrapartida, se o recorrente puser em causa a correção da decisão de apreciação do auxílio tomada com fundamento no n.o 108.°, n.o 3, TFUE, ou no termo do procedimento formal de investigação, o simples facto de poder ser considerado interessado, na aceção do n.o 2 desse artigo, não basta para que o recurso seja julgado admissível. Deve também demonstrar que tem um estatuto específico, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 93 do presente acórdão. Será esse o caso, nomeadamente, se a posição do recorrente no mercado for substancialmente afetada pelo auxílio objeto da decisão em causa (v., neste sentido, acórdãos Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, C‑78/03 P, EU:C:2005:761, n.o 37 e jurisprudência aí referida, e British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 30).

    98

    A este respeito, foram designadamente reconhecidas como individualmente abrangidas por uma decisão da Comissão de encerramento do procedimento formal de investigação, além da empresa beneficiária, as empresas concorrentes desta última que tenham desempenhado um papel ativo no âmbito desse procedimento, desde que a sua posição no mercado seja substancialmente afetada pela medida de auxílio que é objeto da decisão impugnada (v. acórdão Sniace/Comissão, EU:C:2007:700, n.o 55 e jurisprudência aí referida).

    99

    Quanto à determinação dessa afetação, o Tribunal de Justiça teve ocasião de esclarecer que a simples circunstância de um ato como a decisão controvertida ser suscetível de exercer uma certa influência sobre as relações de concorrência existentes no mercado pertinente e de a empresa em causa se encontrar numa qualquer relação de concorrência com o beneficiário desse ato não pode, em qualquer caso, bastar para se poder considerar que o referido ato diz direta e individualmente respeito à empresa em questão (v., neste sentido, acórdão British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 47).

    100

    Assim, uma empresa não pode invocar unicamente a sua qualidade de concorrente da empresa beneficiária, mas deve provar, além disso, que está numa posição de facto que a individualiza de forma análoga à do destinatário (v., designadamente, acórdão British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 48).

    101

    No caso vertente, como resulta do n.o 72 do presente acórdão, pela decisão controvertida, a Comissão informou a República Francesa de que a obrigação de restituição dos auxílios ilegais e incompatíveis imposta a esse Estado‑Membro pela decisão Sernam 3 não seria tornada extensiva à Geodis caso esta adquirisse uma parte dos ativos do grupo Sernam, uma vez que, por falta de continuidade económica, não estava provado que a Geodis efetivamente usufruía dos auxílios em causa.

    102

    Além disso, resulta expressamente do n.o 54 da decisão controvertida que esta não incide sobre a prudência ou não do investimento efetuado pela Geodis, que consistia na aquisição de parte dos ativos do grupo Sernam, pelo que não prejudica a apreciação desse investimento pela Comissão à luz do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

    103

    Daqui resulta que os auxílios que, de acordo com a decisão controvertida, não podem ser recuperados junto do adquirente de parte dos ativos do respetivo beneficiário inicial são precisa e unicamente os auxílios que já eram objeto da decisão Sernam 3.

    104

    Como salientou o advogado‑geral nos n.os 147 e 169 das suas conclusões, a decisão controvertida deve, por conseguinte, ser considerada uma decisão conexa e complementar à decisão Sernam 3, na medida em que especifica o alcance desta quanto à qualidade de beneficiário dos auxílios em causa e, por conseguinte, quanto à de devedor da obrigação de restituição destes, na sequência de um evento posterior à adoção dessa decisão, a saber, no caso vertente, a aquisição, por um terceiro, de parte dos ativos do beneficiário inicial dos referidos auxílios.

    105

    Ora, é pacífico que a decisão Sernam 3 foi adotada pela Comissão no termo do procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

    106

    Nestas condições, pode considerar‑se que a decisão controvertida diz individualmente respeito às recorrentes, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, se estas demonstrarem, nomeadamente, que a sua posição no mercado foi substancialmente afetada pela concessão dos auxílios em causa. Em contrapartida, o simples facto de aquelas poderem ser consideradas interessadas na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE não basta para julgar o recurso admissível.

    107

    No caso vertente, as recorrentes sustentam que a decisão controvertida diz individualmente respeito às sociedades Mory, uma vez que a Comissão, ao não abrir o procedimento formal de investigação, as privou dos direitos processuais que lhes são reconhecidos pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE, nomeadamente para arguir a incompetência dessa instituição para adotar essa decisão. Além disso, as sociedades Mory demonstraram a existência de interesse em agir. Ademais, participaram no procedimento administrativo que levou à adoção da decisão Sernam 3 e interrogaram a Comissão, na véspera da adoção da decisão controvertida, sobre a base jurídica a que esta pretendia recorrer para esse efeito. Acresce que essas sociedades foram as únicas a propor uma ação, nos tribunais franceses, para obrigar as autoridades francesas a recuperar os auxílios em causa junto dos respetivos beneficiários e, tal como a Superga Invest, propuseram uma ação nesses tribunais para obter a reparação do prejuízo que sofreram devido à concessão desses auxílios.

    108

    Por outro lado, as recorrentes alegam, por questões de exaustividade, que a posição concorrencial das sociedades Mory foi substancialmente afetada pelos auxílios em causa. Essas sociedades foram até obrigadas a cessar as suas atividades, por razões que entendem estarem ligadas à concessão desses auxílios. Quanto à Superga Invest, a mesma também sofreu, enquanto acionista das sociedades Mory, os efeitos anticoncorrenciais dos referidos auxílios, visto que podia decidir penetrar, ela própria, no mercado em causa.

    109

    A este respeito, importa observar que, em consonância com a jurisprudência recordada nos n.os 62, 97 e 98 do presente acórdão, nem a alegada violação dos direitos processuais reconhecidos às sociedades Mory pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE, nem o interesse destas em agir, nem o papel ativo que tiveram no âmbito do procedimento que levou à adoção da decisão Sernam 3 e da decisão controvertida são suscetíveis, no presente processo, de as individualizar, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Quanto à circunstância de as recorrentes terem proposto ações nos tribunais nacionais para, por um lado, obrigar as autoridades francesas a recuperar os auxílios em causa e, por outro, obter a reparação do prejuízo sofrido em consequência da concessão destes, a mesma tão‑pouco pode, enquanto tal, bastar para as individualizar na aceção dessa disposição, uma vez que, potencialmente, qualquer pessoa pode propor essas ações.

    110

    Por outro lado, embora as recorrentes tenham alegado, se bem que por questões de exaustividade, que a posição concorrencial das sociedades Mory foi substancialmente afetada pelos auxílios em causa, em especial porque essas sociedades foram obrigadas a cessar as suas atividades, verifica‑se que não produziram, nem no recurso em primeira instância nem no presente recurso, elementos suscetíveis de corroborar essa alegação. Além disso, não forneceram ao Tribunal de Justiça nenhum dado sobre a estrutura do mercado em causa e sobre a sua situação concorrencial nesse mercado. Quanto à Superga Invest, é pacífico que a mesma não atua no mercado em causa e que, por isso, não pode ser qualificada de concorrente do beneficiário dos auxílios em causa. Além disso, como as sociedades Mory não demonstraram que a sua posição concorrencial foi substancialmente afetada por esses auxílios, a Superga Invest não pode extrair qualquer legitimidade unicamente da sua qualidade de acionista dessas sociedades.

    111

    Consequentemente, não se pode considerar que a decisão controvertida diz individualmente respeito a qualquer uma das recorrentes, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

    112

    Logo, há que julgar procedente a exceção de inadmissibilidade do recurso de anulação que as recorrentes interpuseram no Tribunal Geral, deduzida pela Comissão no processo em primeira instância, na parte em que nela é arguida a ilegitimidade das recorrentes, e, por conseguinte, há que julgar inadmissível esse recurso.

    Quanto às despesas

    113

    Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Nos termos do disposto no artigo 138.o, n.o 2, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, se houver várias partes vencidas, o Tribunal de Justiça decide sobre a repartição das despesas.

    114

    Uma vez que foi dado provimento ao recurso que as recorrentes interpuseram do despacho do Tribunal Geral, mas não foi admitido o seu recurso de anulação, cada uma das partes suportará as suas próprias despesas, relativas tanto ao processo em primeira instância como ao processo de recurso do despacho do Tribunal Geral.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

     

    1)

    O despacho do Tribunal Geral da União Europeia, Mory e o./Comissão (T‑545/12, EU:T:2013:607), é anulado.

     

    2)

    O recurso de anulação que a Mory SA, a Mory Team e a Superga Invest interpuseram da Decisão C (2012) 2401 final da Comissão, de 4 de abril de 2012, relativa à aquisição dos ativos do grupo Sernam no âmbito da sua liquidação judicial, é julgado inadmissível.

     

    3)

    A Mory SA, a Mory Team, a Superga Invest e a Comissão Europeia suportam as suas próprias despesas, relativas tanto ao processo em primeira instância como ao processo de recurso do despacho do Tribunal Geral.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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