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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62010CJ0182

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 16 de fevereiro de 2012.
Marie‑Noëlle Solvay e o. contra Région wallonne.
[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour constitutionnelle Bélgica].
Avaliação dos efeitos de projetos no ambiente ― Conceito de ‘ato legislativo’ ― Valor e alcance das precisões fornecidas pelo Guia de aplicação da Convenção de Aarhus ― Autorização de um projeto na falta de uma adequada avaliação dos seus efeitos no ambiente ― Acesso à justiça em matéria de ambiente ― Alcance do direito de recurso ― Diretiva ‘habitats’ ― Plano ou projeto que afeta a integridade do sítio ― Razão imperativa de reconhecido interesse público.
Processo C‑182/10.

Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2012:82

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

16 de fevereiro de 2012 ( *1 )

«Avaliação dos efeitos de projetos no ambiente — Conceito de ‘ato legislativo’ — Valor e alcance das precisões fornecidas pelo Guia de aplicação da Convenção de Aarhus — Autorização de um projeto na falta de uma adequada avaliação dos seus efeitos no ambiente — Acesso à justiça em matéria de ambiente — Alcance do direito de recurso — Diretiva ‘habitats’ — Plano ou projeto que afeta a integridade do sítio — Razão imperativa de reconhecido interesse público»

No processo C-182/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela Cour constitutionnelle (Bélgica), por decisão de 30 de março de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 9 de abril de 2010, no processo

Marie-Noëlle Solvay e o.

contra

Região da Valónia,

sendo intervenientes:

Infrabel SA,

Codic Belgique SA,

Federal Express European Services Inc. (FEDEX),

Société wallonne des aéroports (Sowaer),

Société régionale wallonne du transport (SRWT),

Société Intercommunale du Brabant wallon (IBW),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.-C. Bonichot (relator), presidente de secção, K Schiemann, L. Bay Larsen, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado-geral: E. Sharpston,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 24 de novembro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

 

em representação de M.-N. Solvay e o., por T. Vandenput e M.-L. Giovannelli, avocats,

 

em representação da association des riverains et habitants des communes proches de l’aéroport BSCA (Brussels South Charleroi Airport) (ARACh), por A. Lebrun, avocat,

 

em representação da association Inter-Environnement Wallonie e o., por J. Sambon, avocat,

 

em representação da association Charleroi South Air Pur e o., por D. Brusselmans, avocat,

 

em representação de M. Boxus e o., por L. Misson e A. Kettels, avocats,

 

em representação de Laloux e o., por L. Dehin, avocat,

 

em representação da Região da Valónia, por F. Haumont, avocat,

 

em representação da Comissão Europeia, por O. Beynet, J.-B. Laignelot e D. Recchia, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.°, 3.°, 6.° e 9.° da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, celebrada em 25 de junho de 1998 e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO L 124, p. 1, a seguir «Convenção de Aarhus»), dos artigos 1.°, 9.° e 10.°-A da Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9), conforme alterada pela Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003 (JO L 156, p. 17, a seguir «Diretiva 85/337»), bem como do artigo 6.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7, a seguir «diretiva ‘habitats’»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de litígios que opõem residentes nas imediações dos aeroportos de Liège-Bierset e de Charleroi-Bruxelas Sul e da linha ferroviária Bruxelas-Charleroi à Região da Valónia relativamente a autorizações de obras nessas instalações.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, a definição dada à expressão «autoridade pública»«não inclui organismos ou instituições que atuem na qualidade de órgãos […] legislativos».

4

O artigo 3.o, n.o 9, da Convenção de Aarhus dispõe:

«Nos termos das disposições relevantes da presente convenção, o público terá acesso à informação, poderá participar no processo de tomada de decisões e beneficiará de acesso à justiça no domínio do ambiente sem discriminação em matéria de cidadania, nacionalidade ou domicílio e, no caso das pessoas coletivas, sem discriminações em função da localização da sua sede ou do centro efetivo das suas atividades.»

5

O artigo 6.o, n.o 9, da Convenção de Aarhus precisa:

«Cada parte assegurará que o público seja imediatamente informado da decisão adotada pelas autoridades públicas, de acordo com os procedimentos adequados. Cada parte facultará ao público o texto da decisão juntamente com os fundamentos e considerações em que aquela se baseia.»

6

O artigo 9.o, n.os 2 a 4, da Convenção de Aarhus estabelece:

«2.   Cada parte garantirá, nos termos da respetiva legislação nacional, que os membros do público em causa:

a)

que tenham um interesse suficiente;

ou, em alternativa;

b)

cujo direito tenha sido ofendido, caso a lei de procedimento administrativo da parte o imponha como condição prévia, tenham acesso a um recurso junto dos tribunais e/ou de outra instância independente instituída por lei, para impugnar a legalidade material e processual de qualquer decisão, ato ou omissão sujeita às disposições previstas no artigo 6.o e, salvo disposição em contrário no direito interno, a outras disposições relevantes da presente convenção.

O interesse suficiente e a ofensa do direito serão determinados em conformidade com os requisitos do direito interno e com o objetivo de conceder ao público envolvido um amplo acesso à justiça nos termos da presente convenção. Para este fim, o interesse das organizações não governamentais que satisfaçam os requisitos mencionados no n.o 5 do artigo 2.o serão considerados suficientes para efeitos da alínea a). Presumir-se-á igualmente que tais organizações têm direitos suscetíveis de serem ofendidos para efeitos da alínea b).

O disposto no n.o 2 não exclui a possibilidade de interposição de recurso preliminar junto de uma autoridade administrativa e não prejudica o requisito do recurso judicial que consiste no esgotamento prévio dos recursos administrativos, caso tal requisito seja previsto no direito interno.

3.   Além disso, e sem prejuízo dos processos de recurso referidos nos n.os 1 e 2, cada parte assegurará que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os atos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respetivo direito interno do domínio do ambiente.

4.   Além disso, e sem prejuízo do disposto no n.o 1, os processos referidos nos n.os 1, 2 e 3 deverão proporcionar soluções eficazes e adequadas, incluindo, se necessário, a reparação injuntiva do direito, ser justos, equitativos, céleres e não exageradamente dispendiosos. As decisões adotadas em aplicação do presente artigo serão apresentadas ou registadas por escrito. As decisões dos tribunais e, quando possível, de outras instâncias, serão acessíveis ao público.»

Direito da União

Diretiva 85/337

7

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 85/337, o conceito de «projeto» é definido como «a realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras» e «outras intervenções no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração dos recursos do solo». O conceito de «aprovação» é definido como «a decisão da autoridade ou das autoridades competentes que confere ao dono da obra o direito de realizar o projeto». Os conceitos de «público» e de «público em causa» são ainda definidos do seguinte modo:

«‘Público’:

uma ou mais pessoas singulares ou coletivas, bem como, de acordo com a legislação ou práticas nacionais, as suas associações, organizações ou agrupamentos;

‘Público em causa’:

o público afetado ou suscetível de ser afetado pelos processos de tomada de decisão no domínio do ambiente a que se refere o n.o 2 do artigo 2.o, ou neles interessado. Para efeitos da presente definição, consideram-se interessadas as organizações não governamentais que promovem a proteção do ambiente e cumprem os requisitos previstos na legislação nacional.»

8

O artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337 dispõe:

«A presente diretiva não se aplica aos projetos que são adotados em pormenor por um ato legislativo nacional específico, visto os objetivos da presente diretiva, incluindo o de fornecer informações, serem atingidos através do processo legislativo.»

9

O artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:

«Os Estados-Membros tomarão as disposições necessárias para garantir que, antes de concedida a aprovação, os projetos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensão ou localização, fiquem sujeitos a um pedido de aprovação e a uma avaliação dos seus efeitos [...]»

10

O artigo 5.o, n.o 4, da mesma diretiva estabelece:

«Sempre que o considerem necessário, os Estados-Membros providenciarão para que as autoridades que possuem informações relevantes […] as coloquem à disposição do dono da obra.»

11

O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 85/337 precisa:

«Quando a aprovação tiver sido concedida ou recusada, a autoridade ou autoridades competentes comunicarão esse facto ao público, de acordo com os procedimentos adequados, e porão à disposição do público as seguintes informações:

o teor da decisão e as condições que eventualmente a acompanhem,

tendo examinado as preocupações e opiniões expressas pelo público interessado, os motivos e considerações principais em que se baseia a decisão, incluindo a informação sobre o processo de participação do público,

uma descrição, caso seja necessário, das principais medidas a evitar, reduzir e, se possível, contrabalançar os maiores efeitos adversos.»

12

O artigo 10.o-A desta diretiva dispõe:

«Os Estados-Membros devem assegurar que, de acordo com o sistema jurídico nacional relevante, os membros do público em causa que:

a)

Tenham um interesse suficiente ou, em alternativa;

b)

Invoquem a violação de um direito, sempre que a legislação de processo administrativo de um Estado-Membro assim o exija como requisito prévio,

tenham a possibilidade de interpor recurso perante um tribunal ou outro órgão independente e imparcial criado por lei para impugnar a legalidade substantiva ou processual de qualquer decisão, ato ou omissão abrangido pelas disposições de participação do público estabelecidas na presente diretiva.

Os Estados-Membros devem determinar a fase na qual as decisões, atos ou omissões podem ser impugnados.

Os Estados-Membros devem determinar o que constitui um interesse suficiente e a violação de um direito, de acordo com o objetivo que consiste em proporcionar ao público em causa um vasto acesso à justiça. Para tal, considera-se suficiente, para efeitos da alínea a) do presente artigo, o interesse de qualquer organização não governamental que cumpra os requisitos referidos no n.o 2 do artigo 1.o Igualmente se considera, para efeitos da alínea b) do presente artigo, que tais organizações têm direitos suscetíveis de ser violados.

O presente artigo não exclui a possibilidade de um recurso preliminar para uma autoridade administrativa e não afeta o requisito de exaustão dos recursos administrativos prévios aos recursos judiciais, caso esse requisito exista na legislação nacional.

O referido processo deve ser justo, equitativo, atempado e não exageradamente dispendioso.

Para melhorar a eficácia das disposições do presente artigo, os Estados-Membros devem garantir que sejam postas à disposição do público informações práticas relativas ao acesso às vias de recurso administrativo e judicial.»

Diretiva «habitats»

13

Nos termos do artigo 6.o, n.os 3 e 4, da diretiva «habitats»:

«3.   Os planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projetos, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.o 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

4.   Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projeto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado-Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a proteção da coerência global da rede Natura 2000. O Estado-Membro informará a Comissão das medidas compensatórias adotadas.

No caso de o sítio em causa abrigar um tipo de habitat natural e/ou uma espécie prioritária, apenas podem ser evocadas razões relacionadas com a saúde do homem ou a segurança pública ou com consequências benéficas primordiais para o ambiente ou, após parecer da Comissão, outras razões imperativas de reconhecido interesse público.»

Direito nacional

14

Os artigos 1.° a 4.° do Decreto do Parlamento da Valónia, de 17 de julho de 2008, relativo a determinadas licenças em relação às quais existem razões imperiosas de interesse geral (Moniteur belge de 25 de julho de 2008, p. 38900), na sua versão inicial, dispõem:

«Artigo 1.o Existem razões imperiosas de interesse geral para a concessão de licenças de urbanização, licenças ambientais e licenças únicas relativas aos seguintes atos e obras:

1.°   Os seguintes atos e obras de ordenamento das infraestruturas e edifícios administrativos dos aeroportos regionais de Liège-Bierset e de Charleroi-Bruxelas Sul:

a)

no tocante ao aeroporto de Liège-Bierset:

a ampliação da zona norte do frete para o estacionamento de aviões e os futuros hangares de frete;

a via de contorno e a taxiway sul;

a implantação do quarto reservatório do parque petrolífero;

a estação de TGV frete;

a ampliação do parque de estacionamento de veículos a sul da autoestrada;

o futuro edifício de escritórios;

b)

no tocante ao aeroporto de Charleroi-Bruxelas Sul:

a ampliação da pista, incluindo a construção das vias de acesso e o prolongamento do taxiway norte entre estas vias;

a torre de controlo e o radar;

a ampliação dos estacionamentos para aviões;

o ordenamento das zonas de limpeza do gelo;

a ligação rodoviária R3-aeroporto;

a via periférica e o taxiway sul;

a ampliação da aerogare;

a ampliação dos parque de estacionamento para veículos;

a estação e as infraestruturas ferroviárias;

2.°   Em execução do acordo de cooperação de 11 de outubro de 2001 entre o Estado federal, as Regiões da Flandres, da Valónia e de Bruxelas-Capital relativo ao plano de investimento plurianual 2001-2012 da S.N.C.B., os atos e obras no território da Região da Valónia relacionados com a rede RER [Réseau Express Régional (caminhos de ferro)];

3.°   No quadro da execução do esquema de desenvolvimento do espaço regional (terceira parte, ponto 1.4.) adotado pelo Governo da Valónia em 27 de maio de 1999, os atos e obras relacionados com os modos estruturantes do transporte público para Charleroi, Liège, Namur e Mons;

4.°   Os elos rodoviários e fluviais em falta no território da Região da Valónia da rede transeuropeia de transportes referida na Decisão n.o 884/2004/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que altera a Decisão n.o 1692/96/CE sobre as orientações comunitárias para o desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes.

Artigo 2.o Quando os atos e obras enumerados no artigo 1.o sejam visados pelo artigo 84.o do Código valão do Ordenamento do Território, do Urbanismo, do Património e da Energia, a licença é emitida pelo Governo ou um seu delegado de acordo com as modalidades e as condições fixadas no artigo 127.o do mesmo Código, inclusive as constantes do terceiro parágrafo do referido artigo.

Quando os atos e obras enumerados no artigo 1.o respeitem a um estabelecimento na aceção do Decreto de 11 de março de 1999 relativo à licença ambiental, é aplicável o disposto no artigo 13.o, segundo parágrafo, do referido decreto.

Por derrogação ao primeiro e segundo parágrafos, o pedido de licença cujo aviso de receção ou cuja apresentação sejam anteriores à entrada em vigor do presente decreto continuará a ser instruído de acordo com as disposições em vigor a essa data.

Artigo 3.o O Governo apresentará ao Parlamento da Valónia a licença de urbanização, a licença ambiental ou a licença única relativa aos atos e obras mencionados no artigo 1.o no prazo de quarenta e cinco dias a contar da sua concessão. As licenças mencionadas no artigo 2.o, terceiro parágrafo, serão apresentadas ao Parlamento no prazo de quarenta e cinco dias após a sua receção pelo Governo.

O Parlamento da Valónia ratificará a licença apresentada no prazo de sessenta dias a contar da apresentação das licenças no Gabinete do Parlamento da Valónia. Não sendo aprovado nenhum decreto de ratificação no prazo supramencionado, considera-se não concedida a licença.

Os prazos visados no primeiro e segundo parágrafos são suspensos entre 16 de julho e 15 de agosto.

A licença ratificada pelo Parlamento da Valónia é executória a contar da data da publicação do decreto no Moniteur belge e a licença é enviada pelo Governo em conformidade com as disposições do mesmo Código ou do decreto de 11 de março de 1999.

Artigo 4.o Quando um pedido de licença respeita a uma alteração mínima de uma licença ratificada pelo Parlamento da Valónia, este pedido é tratado segundo as regras de direito comum do mesmo Código ou do mesmo decreto.»

15

Os artigos 5.° a 9.° do Decreto do Parlamento da Valónia de 17 de julho de 2008 preveem:

«Artigo 5.o É ratificada a licença seguinte, relativamente à qual existem razões imperiosas de interesse geral:

no que respeita aos atos e obras de construção das infraestruturas e edifícios de acolhimento dos aeroportos regionais, o Decreto Ministerial de 25 de agosto de 2005 relativo à licença ambiental concedida à SA SAB para o aeroporto de Liège-Bierset.

Artigo 6.o É ratificada a licença seguinte, relativamente à qual existem razões imperiosas de interesse geral:

no que respeita aos atos e obras de construção de infraestruturas e aerogares dos aeroportos regionais, o Despacho Ministerial de 13 de setembro de 2006 que concede uma licença de construção à Société régionale wallonne des Transports para a ampliação da pista do aeroporto de Liège-Bierset.

Artigo 7.o É ratificada a licença seguinte, relativamente à qual existem razões imperiosas de interesse geral:

no que respeita aos atos e obras de construção de infraestruturas e aerogares dos aeroportos regionais, a licença de construção de 16 de setembro de 2003 emitida pelo funcionário delegado da Direction générale de l’Aménagement du Territoire, du Logement et du Patrimoine de Charleroi à SA SOWAER para cobertura do caudal do Tintia e alteração do relevo do terreno na parte nordeste da zona aeroportuária.

Artigo 8.o É ratificada a licença seguinte, relativamente à qual existem razões imperiosas de interesse geral:

no que respeita aos atos e obras de construção das infraestruturas e edifícios de acolhimento dos aeroportos regionais, o Decreto Ministerial de 25 de julho de 2005 relativo à licença única concedida à SA SOWAER para o aeroporto de Charleroi-Bruxelas Sul (aerogare: 3000000 passageiros/ano), parques de estacionamento para veículos (1600 lugares ao nível do solo e 1000 lugares em níveis superiores), vias de acesso a estes parques de estacionamento, vias de circulação de aeronaves, zonas de estacionamento para aviões ligadas à aerogare, estação de tratamento de águas residuais, edifícios técnicos, parque petrolífero (armazenagem de 2420 m3 de querosene e 30 m3 de carburante rodoviário) e abertura de novas vias municipais.

Artigo 9.o É ratificada a licença seguinte, relativamente à qual existem razões imperiosas de interesse geral:

no que respeita aos atos e obras de construção de infraestruturas e aerogares dos aeroportos regionais, o Despacho Ministerial de 27 de julho de 2005 relativo à licença ambiental concedida à SA SOWAER para a exploração do aeroporto de Charleroi-Bruxelas Sul.»

16

Os artigos 14.° a 17.° deste decreto estabelecem:

«Artigo 14.o É ratificada a licença seguinte, relativamente à qual existem razões imperiosas de interesse geral:

no que diz respeito à rede RER, bem como aos anexos, acessos e serventias com ela relacionados, o Despacho Ministerial de 9 de fevereiro de 2006 relativo à licença única concedida à S.N.C.B. para a construção e exploração da terceira e quarta vias na linha Infrabel 124 Bruxelas-Charleroi nos municípios de Waterloo, Braine-l’Alleud e Nivelles.

Artigo 15.o É ratificada a licença seguinte, relativamente à qual existem razões imperiosas de interesse geral:

Decreto Ministerial de 19 de junho de 2008 relativo à licença única concedida à intercommunale IBW para a construção e exploração da estação de tratamento das águas residuais do Hain de 92000 EP (equivalente população), no município de Braine-le-Château.

Artigo 16.o É ratificada a licença seguinte, relativamente à qual existem razões imperiosas de interesse geral:

Decreto Ministerial de 7 de julho de 2008 relativo à licença ambiental concedida à SA Codic Belgique que tem por objeto a exploração de um centro administrativo e de formação constituído por diversas instalações técnicas num prédio situado em La Hulpe, chaussée de Bruxelles 135.

Artigo 17.o É ratificada a licença seguinte, relativamente à qual existem razões imperiosas de interesse geral:

Decreto Ministerial de 4 de junho de 2008 relativo à licença de urbanização concedida à SA Codic Belgique respeitante à construção de um centro administrativo e de formação constituído por diversas instalações técnicas num prédio situado em La Hulpe, chaussée de Bruxelles 135.»

17

Resulta, no essencial, dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o Conseil d’État é competente para decidir dos recursos de anulação de atos administrativos e dos regulamentos das autoridades administrativas, bem como de atos administrativos das assembleias legislativas ou dos seus órgãos.

18

Em contrapartida, não pode conhecer dos recursos de atos de natureza legislativa.

19

Ora, a ratificação, por decreto do Parlamento da Valónia, de licenças de construção e de autorizações de obras confere a estes atos um valor legislativo. Consequentemente, o Conseil d’État deixa de ser competente para conhecer dos recursos de anulação desses atos ratificados, os quais passam a só poder ser impugnados na Cour constitutionnelle, perante a qual, contudo, apenas podem ser invocados determinados fundamentos.

Litígios no processo principal e questões prejudiciais

20

A Cour constitutionnelle [Tribunal Constitucional belga] deve conhecer de vários recursos em que se pede a anulação do Decreto do Parlamento da Valónia de 17 de julho de 2008 que «ratificou» as licenças de construção respeitantes a diversas obras ligadas ao aeroporto de Liège-Bierset, ao de Charleroi-Bruxelas Sul e à linha ferroviária Bruxelas-Charleroi, ou seja, que as validou à luz de «razões imperiosas de interesse geral».

21

Ao que acresce que o Conseil d’État submeteu à Cour constitutionnelle questões prejudiciais relativas à legalidade do referido decreto. O Conseil d’État já se tinha ele próprio interrogado sobre a compatibilidade deste mesmo decreto com o direito da União e com a Convenção de Aarhus, e a este respeito tinha submetido ao Tribunal de Justiça pedidos de decisão prejudicial que foram objeto do acórdão de 18 de outubro de 2011, Boxus e o. (C-128/09 a C-131/09, C-134/09 e C-135/09, Colet., p. I-9711).

22

Em virtude desse ato legislativo, as referidas licenças de construção deixaram de poder ser contestadas no Conseil d’État, mas podem sê-lo unicamente na Cour constitutionnelle, e unicamente por fundamentos assentes na sua não conformidade com as normas cuja fiscalização incumbe a essa Cour.

23

Assim, em cada um dos processos principais, é designadamente pedido ao órgão jurisdicional de reenvio que se pronuncie sobre a questão de saber se o decreto impugnado podia subtrair à fiscalização do Conseil d’État as autorizações em causa para as submeter à fiscalização da Cour constitutionnelle, sendo certo que esta não oferece possibilidades de recurso tão amplas como as previstas no âmbito do Conseil d’État. Agindo deste modo, o legislador violou a Constituição belga, em conjugação com o artigo 9.o, n.os 2 a 4, da Convenção de Aarhus e o artigo 10.o-A da Diretiva 85/337.

24

Foi neste contexto que a Cour constitutionnelle decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Os artigos 2.°, n.o 2, e 9.°, n.o 4, da Convenção de Aarhus [...] devem ser interpretados em conformidade com as precisões fornecidas pelo Guia de aplicação desta Convenção?

2)

a)

O artigo 2.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus deve ser interpretado no sentido de que exclui do âmbito de aplicação da referida Convenção atos legislativos como as autorizações urbanísticas ou ambientais concedidas em conformidade com o procedimento instituído pelos artigos 1.° a 4.° do Decreto [do Parlamento da Valónia] de 17 de julho de 2008 [...]?

b)

O artigo 2.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus deve ser interpretado no sentido de que exclui do âmbito de aplicação da referida Convenção atos legislativos como as ratificações de autorizações urbanísticas ou ambientais contidas nos artigos 5.° a 9.° e 14.° a 17.° do mesmo decreto?

c)

O artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337[...] deve ser interpretado no sentido de que exclui do âmbito de aplicação da referida diretiva atos legislativos como as autorizações urbanísticas ou ambientais concedidas em conformidade com o procedimento instituído pelos artigos 1.° a 4.° do mesmo decreto?

d)

O artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337[...] deve ser interpretado no sentido de que exclui do âmbito de aplicação da referida diretiva atos legislativos como as ratificações de autorizações urbanísticas ou ambientais contidas nos artigos 5.° a 9.° e 14.° a 17.° do mesmo decreto?

3)

a)

Os artigos 3.°, n.o 9, e 9.°, n.os 2, 3 e 4, da Convenção de Aarhus e o artigo 10.o-A da Diretiva 85/337[...] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um procedimento, como o instituído pelos artigos 1.° a 4.° do referido decreto, ao abrigo do qual o legislador emite autorizações urbanísticas e ambientais que são preparadas por uma autoridade administrativa e que apenas podem ser objeto dos recursos referidos [na decisão de reenvio] para a Cour constitutionnelle e os tribunais?

b)

Os artigos 3.°, n.o 9, e 9.°, n.os 2, 3 e 4, da Convenção de Aarhus e o artigo 10.o-A da Diretiva 85/337[...] devem ser interpretados no sentido de que se opõem à [adoção] de atos legislativos como as ratificações com efeito retroativo constantes dos artigos 5.° a 9.° e 14.° a 17.° do mesmo decreto, que apenas podem ser objeto dos recursos referidos [na decisão de reenvio] para a Cour constitutionnelle e os tribunais?

4)

a)

O artigo 6.o, n.o 9, da Convenção de Aarhus e o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 85/337[...] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um procedimento como o instituído pelos artigos 1.° a 4.° do mesmo decreto, ao abrigo do qual um decreto que concede autorizações urbanísticas ou ambientais não deve conter ele próprio todos os elementos que permitam controlar que essas autorizações se baseiam numa verificação prévia adequada, efetuada em conformidade com os requisitos da Convenção de Aarhus e da Diretiva 85/337[...]?

b)

O artigo 6.o, n.o 9, da Convenção de Aarhus e o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 85/337[...] devem ser interpretados no sentido de que se opõem à [adoção] de atos legislativos como as ratificações constantes dos artigos 5.° a 9.° e 14.° a 17.° do mesmo decreto, que não contêm eles próprios todos os elementos que permitam controlar que essas autorizações se baseiam numa verificação prévia adequada, efetuada em conformidade com os requisitos da Convenção de Aarhus e da Diretiva 85/337[...]?

5)

O artigo 6.o, n.o 3, da [d]iretiva [‘habitats’] deve ser interpretado no sentido de que permite a uma autoridade legislativa autorizar projetos como os referidos nos artigos 16.° e 17.° do mesmo decreto, apesar de o Conseil d’État, decidindo no quadro do processo de extrema urgência, ter considerado que o estudo de impacto realizado a este respeito continha lacunas e de este estudo ter sido contrariado por um parecer da autoridade da Região da Valónia competente em matéria de gestão ecológica do meio natural?

6)

Em caso de resposta negativa à questão precedente, o artigo 6.o, n.o 4, da [d]iretiva [‘habitats’] deve ser interpretado no sentido de que permite considerar como razão imperiosa de reconhecido interesse público a realização de uma infraestrutura destinada a instalar o centro administrativo de uma sociedade privada e a acolher um grande número de trabalhadores?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

25

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se os artigos 2.°, n.o 2, e 9.°, n.o 4, da Convenção de Aarhus devem ser interpretados em conformidade com as precisões fornecidas pelo Guia de aplicação desta Convenção.

26

Resulta do teor deste Guia, e designadamente das explicações que contém na secção intitulada «Como utilizar o Guia», que este documento, redigido por peritos internacionais, tem por único objetivo fornecer uma análise da Convenção de Aarhus a fim de permitir que os seus leitores «façam uma ideia do que é a [C]onvenção e do que pode significar na prática».

27

Assim, podendo embora o Guia de aplicação da Convenção de Aarhus ser considerado um documento explicativo, eventualmente suscetível de ser tomado em consideração, entre outros elementos pertinentes, para efeitos da interpretação desta Convenção, as análises que contém não revestem força obrigatória e não têm o alcance normativo que se prende com as disposições da Convenção de Aarhus.

28

Há, pois, que responder à primeira questão que, para a interpretação dos artigos 2.°, n.o 2, e 9.°, n.o 4, da Convenção de Aarhus, embora seja admissível tomar em consideração o Guia de aplicação desta Convenção, este não reveste força obrigatória e não tem o alcance normativo das disposições da Convenção de Aarhus.

Quanto à segunda questão

29

Com a sua segunda questão, cujas subdivisões devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 2.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus e o artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337 devem ser interpretados no sentido de que um ato, como o Decreto do Parlamento da Valónia de 17 de julho de 2008, que «ratifica», ao conferir-lhes um valor legislativo, licenças de construção, ambientais ou de obras previamente concedidas pela autoridade administrativa relativamente às quais é afirmado que «existem razões imperiosas de interesse geral» está excluído dos âmbitos de aplicação respetivos desta Convenção e desta diretiva.

30

Decorre do artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337 que, quando os objetivos desta diretiva forem atingidos através do processo legislativo, incluindo o de fornecer informações, a referida diretiva não se aplica ao projeto em causa (v. acórdãos de 19 de setembro de 2000, Linster, C-287/98, Colet., p. I-6917, n.o 51, e Boxus e o., já referido, n.o 36).

31

Esta disposição sujeita a duas condições a exclusão de um projeto do âmbito de aplicação da Diretiva 85/337. A primeira exige que o projeto seja adotado em pormenor por um ato legislativo específico. De acordo com a segunda, os objetivos desta diretiva, incluindo o de fornecer informações, devem ser atingidos através do processo legislativo (v. acórdãos de 16 de setembro de 1999, WWF e o., C-435/97, Colet., p. I-5613, n.o 57, e Boxus e o., já referido, n.o 37).

32

Relativamente à primeira condição, ela implica, antes de mais, que o projeto seja adotado por um ato legislativo específico. A este respeito, importa observar que os conceitos de «projeto» e de «aprovação» são definidos no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 85/337. Assim, um ato legislativo que adote um projeto deve, para estar abrangido pelo artigo 1.o, n.o 5, desta diretiva, ser específico e apresentar as mesmas características que uma tal aprovação. Deve, nomeadamente, conferir ao dono da obra o direito de realizar o projeto (v. acórdãos, já referidos, WWF e o., n.o 58, e Boxus e o., n.o 38).

33

Além disso, o projeto deve ser adotado em pormenor, ou seja, de forma suficientemente precisa e definitiva, de forma que o ato legislativo que o adota deve incluir, à semelhança de uma aprovação, após a sua apreciação pelo legislador, todos os elementos do projeto que importam na perspetiva da avaliação dos efeitos no ambiente (v. acórdãos, já referidos, WWF e o., n.o 59, e Boxus e o., n.o 39). O ato legislativo deve, assim, atestar que os objetivos da Diretiva 85/337 foram atingidos no que se refere ao dito projeto (v. acórdãos, já referidos, Linster, n.o 56, e Boxus e o., n.o 39).

34

Daqui resulta não se poder considerar que um ato legislativo aprova um projeto em pormenor, na aceção do artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337, quando não inclui os elementos necessários à avaliação dos efeitos desse projeto no ambiente ou obriga à adoção de outros atos para conferir ao dono da obra o direito de realizar o projeto (v. acórdãos, já referidos, WWF e o., n.o 62; Linster, n.o 57; e Boxus e o., n.o 40).

35

Relativamente à segunda condição, resulta do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 85/337 que o seu objetivo principal é garantir que os projetos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos antes da concessão de uma aprovação (v. acórdãos, já referidos, Linster, n.o 52, e Boxus e o., n.o 41).

36

Além disso, o sexto considerando da Diretiva 85/337 precisa que a avaliação se deve efetuar com base na informação adequada fornecida pelo dono da obra e eventualmente completada pelas autoridades e pelo público a quem o projeto diga respeito (v. acórdãos, já referidos, WWF e o., n.o 61; Linster, n.o 53; e Boxus e o., n.o 42).

37

Em seguida, no momento da adoção do projeto, o legislador deve ter à sua disposição informações suficientes. Resulta do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 85/337 e do seu anexo IV que as informações a fornecer pelo dono da obra devem incluir pelo menos uma descrição do projeto com informações relativas à sua localização, conceção e dimensões, uma descrição das medidas previstas para evitar, reduzir e, se possível, remediar os efeitos negativos significativos, bem como os dados necessários para identificar e avaliar os efeitos principais que o projeto pode ter no ambiente (v. acórdãos, já referidos, Linster, n.o 55, e Boxus e o., n.o 43).

38

Tendo em conta as características dos processos de aprovação de um plano em diversas fases, a Diretiva 85/337 não se opõe a que um mesmo projeto seja aprovado por dois atos de direito nacional, considerados no seu conjunto como uma aprovação na aceção do seu artigo 1.o, n.o 2 (v., neste sentido, acórdão de 4 de maio de 2006, Comissão/Reino Unido, C-508/03, Colet., p. I-3969, n.o 102). Consequentemente, o legislador pode, na adoção do ato final de aprovação de um projeto, beneficiar das informações recolhidas no âmbito de um processo administrativo prévio (v. acórdão Boxus e o., já referido, n.o 44).

39

A existência desse processo administrativo não pode, contudo, ter como consequência que um projeto possa ser considerado adotado em pormenor por um ato legislativo específico, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337, se esse ato legislativo não respeitar as duas condições recordadas no n.o 31 do presente acórdão. Como recordou o Tribunal de Justiça no n.o 45 do acórdão Boxus e o., já referido, um ato legislativo que mais não fizesse do que «ratificar» pura e simplesmente um ato administrativo preexistente, limitando-se a referir razões imperiosas de interesse geral sem prévia abertura de um processo legislativo quanto ao mérito que permitisse respeitar as referidas condições, não se pode considerar um ato legislativo específico na aceção desta disposição e, portanto, não é suficiente para excluir um projeto do âmbito de aplicação da Diretiva 85/337.

40

Em especial, um ato legislativo adotado sem que os membros do órgão legislativo tenham tido à sua disposição as informações mencionadas no n.o 37 do presente acórdão não pode estar abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337 (v. acórdão Boxus e o., já referido, n.o 46).

41

Cabe ao juiz nacional determinar se essas condições estão preenchidas. Para esse efeito, deve ter em conta não só o conteúdo do ato legislativo adotado mas também o conjunto do processo legislativo que levou à sua adoção, nomeadamente os atos preparatórios e os debates parlamentares (v. acórdão Boxus e o., já referido, n.o 47).

42

Esta solução enunciada no acórdão Boxus e o., já referido, a respeito do artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337, pode ser transposta relativamente ao artigo 2.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus. Com efeito, por um lado, o artigo 2.o, n.o 2, desta Convenção tem, no essencial, um teor semelhante ao do artigo 1.o, n.o 5, desta diretiva. Por outro lado, não existe nenhuma razão que se possa retirar do objeto ou do alcance da Convenção de Aarhus que seja suscetível de obstar a que o Tribunal de Justiça transponha, para a interpretação das disposições desta Convenção, a interpretação a que chegou a respeito das disposições similares da Diretiva 85/337.

43

Consequentemente, há que responder à segunda questão que o artigo 2.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus e o artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337 devem ser interpretados no sentido de que apenas estão excluídos dos âmbitos de aplicação respetivos destes diplomas os projetos adotados em pormenor por um ato legislativo específico, de forma a que os objetivos dos referidos diplomas tenham sido alcançados através do processo legislativo. Cabe ao juiz nacional determinar se essas duas condições estão preenchidas tendo em conta não só o conteúdo do ato legislativo adotado mas também o conjunto do processo legislativo que levou à sua adoção, nomeadamente os atos preparatórios e os debates parlamentares. A este respeito, um ato legislativo que mais não faça do que «ratificar» pura e simplesmente um ato administrativo preexistente, limitando-se a referir razões imperiosas de interesse geral sem prévia abertura de um processo legislativo quanto ao mérito que permita respeitar as ditas condições, não pode ser considerado um ato legislativo específico na aceção desta disposição e, portanto, não é suficiente para excluir um projeto dos âmbitos de aplicação respetivos desta Convenção e desta diretiva.

Quanto à terceira questão

44

Com a sua terceira questão, cujas subdivisões devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 9.o, n.os 2 a 4, da Convenção de Aarhus e o artigo 10.o-A da Diretiva 85/337 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que o direito de realizar um projeto abrangido pelo seu âmbito de aplicação seja conferido por um ato legislativo contra o qual o direito nacional não prevê uma via de recurso perante um órgão jurisdicional ou outro órgão independente e imparcial instituído por lei que permita impugnar esse ato quanto ao mérito e ao processo seguido.

45

Resulta do artigo 2.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus, lido em conjugação com os artigos 6.° e 9.° desta Convenção, bem como do artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337, que nem esta Convenção nem esta diretiva são aplicáveis aos projetos adotados por um ato legislativo que preencha as condições recordadas no n.o 31 do presente acórdão (v. acórdão Boxus e o., já referido, n.o 50).

46

Relativamente aos outros projetos, ou seja, aos adotados por um ato que não tenha natureza legislativa ou por um ato legislativo que não preencha essas condições, decorre da própria redação do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus e do artigo 10.o-A da Diretiva 85/337 que os Estados devem prever a possibilidade de interpor recurso perante um órgão jurisdicional ou outro órgão independente e imparcial instituído por lei para impugnar a legalidade, quanto ao mérito ou ao processo, de decisões, atos ou omissões abrangidos, respetivamente, pelo âmbito de aplicação do artigo 6.o da Convenção de Aarhus ou da Diretiva 85/337 (v. acórdão Boxus e o., já referido, n.o 51).

47

Os Estados-Membros dispõem, em virtude da sua autonomia processual e sem prejuízo do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade, de uma margem de manobra na aplicação do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus e do artigo 10.o-A da Diretiva 85/337. Cabe-lhes, em especial, determinar qual o órgão jurisdicional ou o órgão independente e imparcial instituído por lei competente para conhecer dos recursos previstos nessas disposições e à luz de que modalidades processuais, desde que as disposições acima referidas sejam respeitadas (v. acórdão Boxus e o., já referido, n.o 52).

48

Todavia, o artigo 9.o da Convenção de Aarhus e o artigo 10.o-A da Diretiva 85/337 perderiam todo o efeito útil se a simples circunstância de um projeto ser adotado através de um ato legislativo que não cumpre as condições recordadas no n.o 31 do presente acórdão tivesse como consequência privá-lo de qualquer via de recurso que permitisse impugnar a sua legalidade, quanto ao mérito ou ao processo, na aceção destas duas disposições (v. acórdão Boxus e o., já referido, n.o 53).

49

As exigências que decorrem do artigo 9.o da Convenção de Aarhus e do artigo 10.o-A da Diretiva 85/337 implicam, a este respeito, que, quando um projeto que está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 6.o da Convenção de Aarhus ou da Diretiva 85/337 é adotado por um ato legislativo, a questão de saber se esse ato legislativo preenche as condições fixadas no artigo 1.o, n.o 5, desta diretiva e recordadas no n.o 31 do presente acórdão deve poder ser objeto de uma fiscalização, segundo as regras processuais nacionais, por um órgão jurisdicional ou por um órgão independente e imparcial instituído por lei (v. acórdão Boxus e o., já referido, n.o 54).

50

No caso de não ser possível interpor nenhum recurso da natureza e do alcance acima recordados contra um tal ato, caberá a qualquer órgão jurisdicional nacional que tenha sido chamado a pronunciar-se no âmbito da sua competência exercer a fiscalização descrita no número anterior e daí retirar, se necessário, as devidas consequências não aplicando esse ato legislativo (v. acórdão Boxus e o., já referido, n.o 55).

51

No caso em apreço, se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o Decreto do Parlamento da Valónia de 17 de julho de 2008 não responde às condições fixadas no artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337 e recordadas no n.o 31 do presente acórdão, e se se verificar que, segundo as regras nacionais aplicáveis, nenhum órgão jurisdicional ou nenhum órgão independente e imparcial instituído por lei é competente para fiscalizar a legalidade deste decreto, quanto ao mérito ou ao processo seguido, este deve então ser considerado incompatível com as exigências decorrentes do artigo 9.o da Convenção de Aarhus e do artigo 10.o-A da Diretiva 85/337. Cabe, então, ao órgão jurisdicional de reenvio não o aplicar (v. acórdão Boxus e o., já referido, n.o 56).

52

Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 9.o, n.os 2 a 4, da Convenção de Aarhus e o artigo 10.o-A da Diretiva 85/337 devem ser interpretados no sentido de que:

quando um projeto que está abrangido pelo âmbito de aplicação destas disposições é adotado por um ato legislativo, a questão de saber se esse ato preenche as condições fixadas no artigo 1.o, n.o 5, desta diretiva deve poder ser submetida, segundo as regras processuais nacionais, a um órgão jurisdicional ou a um órgão independente e imparcial instituído por lei; e,

no caso de não ser possível interpor um recurso da natureza e do alcance acima recordados contra tal ato, caberá a qualquer órgão jurisdicional nacional que tenha sido chamado a pronunciar-se no âmbito da sua competência exercer a fiscalização descrita no travessão anterior e daí retirar, se necessário, as devidas consequências não aplicando esse ato legislativo.

Quanto à quarta questão

53

Com a sua quarta questão, cujas subdivisões devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 6.o, n.o 9, da Convenção de Aarhus e o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 85/337 devem ser interpretados no sentido de que se opõem à adoção de atos legislativos que não contenham eles próprios todos os fundamentos que presidiram à sua adoção e que permitam controlar que essas autorizações se baseiam numa verificação prévia adequada, efetuada em conformidade com os requisitos desta Convenção e desta diretiva.

54

Foi já declarado que o artigo 4.o da Diretiva 85/337 deve ser interpretado no sentido de que não exige que a decisão de não submeter à avaliação um projeto abrangido pelo anexo II da referida diretiva contenha ela própria as razões pelas quais a autoridade competente entendeu que essa avaliação não era necessária, mas que, na hipótese de um interessado o solicitar, a autoridade administrativa competente tem a obrigação de lhe comunicar os fundamentos em que esta decisão se baseou ou as informações e os documentos pertinentes, em resposta ao pedido apresentado (v. acórdão de 30 de abril de 2009, Mellor, C-75/08, Colet., p. I-3799, n.o 61).

55

Esta interpretação pode ser transposta relativamente ao artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 85/337.

56

Assim, embora o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 85/337 imponha que, de acordo com os procedimentos adequados, o público seja informado da decisão tomada pela autoridade competente e dos motivos nos quais esta decisão se baseia, daí não resulta, porém, que a decisão deva conter ela própria as razões pelas quais a autoridade competente decidiu que ela era necessária (v., por analogia, acórdão Mellor, já referido, n.o 56).

57

Daqui resulta, no entanto, que os terceiros, como, de resto, as autoridades administrativas interessadas, devem poder assegurar-se de que a autoridade competente tomou conhecimento, de acordo com as regras previstas pela lei nacional, que uma verificação prévia e adequada foi efetuada em conformidade com os requisitos da Diretiva 85/337 (v. acórdão Mellor, já referido, n.o 57).

58

Além disso, os particulares interessados, como, aliás, as outras autoridades nacionais interessadas, devem poder garantir o respeito dessa obrigação de verificação que recai sobre a autoridade competente e, caso seja necessário, pela via jurisdicional (v. acórdão Mellor, já referido, n.o 58).

59

A este respeito, a eficácia da fiscalização jurisdicional, que deve poder incidir sobre a legalidade dos fundamentos da decisão impugnada, implica, de modo geral, que o juiz a cuja apreciação o processo é submetido possa exigir à autoridade competente a comunicação desses fundamentos. No entanto, tratando-se mais especialmente de garantir a proteção efetiva de um direito conferido pelo direito da União, convém igualmente que as pessoas interessadas possam também defender esse direito, nas melhores condições possíveis, e que lhes seja reconhecida a faculdade de decidir, com pleno conhecimento de causa, se para elas é útil submeter o assunto à apreciação do órgão jurisdicional. Daqui resulta que, em tal hipótese, a autoridade nacional competente tem a obrigação de lhes dar a conhecer os fundamentos nos quais a sua decisão se baseia, seja na própria decisão seja numa comunicação posterior feita a seu pedido (v. acórdãos de 15 de outubro de 1987, Heylens e o., 222/86, Colet., p. 4097, n.o 15, e Mellor, já referido, n.o 59).

60

Esta comunicação posterior pode revestir a forma não só de um enunciado expresso dos fundamentos mas também da disponibilização de informações e de documentos pertinentes em resposta ao pedido apresentado (v. acórdão Mellor, já referido, n.o 60).

61

Embora os fundamentos não devam necessariamente constar da própria decisão, é também certo que a autoridade competente pode, nos termos da legislação nacional aplicável ou por sua própria iniciativa, indicar na decisão os fundamentos em que esta se baseia (v. acórdão Mellor, já referido, n.o 63).

62

Nesta hipótese, essa decisão deve ser de molde a permitir aos interessados julgar da oportunidade de dela interpor recurso, tendo em conta, eventualmente, elementos que posteriormente lhes venham a ser comunicados (v. acórdão Mellor, já referido, n.o 64).

63

Esta interpretação pode ser transposta relativamente ao artigo 6.o, n.o 9, da Convenção de Aarhus. Com efeito, por um lado, esta disposição tem, no essencial, um teor semelhante ao do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 85/337. Por outro lado, não existe nenhuma razão que se possa retirar do objeto ou do alcance da Convenção de Aarhus que seja suscetível de obstar a que o Tribunal de Justiça transponha, para a interpretação das disposições desta Convenção, a interpretação a que chegou a respeito das disposições similares da Diretiva 85/337.

64

Há, pois, que responder à quarta questão que o artigo 6.o, n.o 9, da Convenção de Aarhus e o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 85/337 devem ser interpretados no sentido de que não exigem que a decisão contenha ela própria as razões pelas quais a autoridade competente decidiu que tal decisão era necessária. Todavia, na hipótese de um interessado o solicitar, a autoridade competente tem a obrigação de lhe comunicar os fundamentos em que esta decisão se baseou ou as informações e os documentos pertinentes em resposta ao pedido apresentado.

Quanto à quinta questão

65

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats» deve ser interpretado no sentido de que permite a uma autoridade legislativa autorizar um plano ou um projeto sem se ter assegurado de que não afetará a integridade do sítio em causa.

66

O artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats» prevê um procedimento de avaliação com vista a garantir, graças a uma fiscalização prévia, que um plano ou um projeto não diretamente relacionado com a gestão do sítio e não necessário para essa gestão, mas suscetível de afetar este último de forma significativa, só seja autorizado desde que não afete a sua integridade (v. acórdão de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, C-127/02, Colet., p. I-7405, n.o 34).

67

A autorização de um plano ou de um projeto só pode ser concedida na condição de as autoridades competentes terem a certeza de que é desprovido de efeitos prejudiciais para a integridade do sítio em questão. Assim acontece quando não subsiste nenhuma dúvida razoável, do ponto de vista científico, quanto à inexistência de tais efeitos (v. acórdão de 26 de outubro de 2006, Comissão/Portugal, C-239/04, Colet., p. I-10183, n.o 20). Além disso, é no momento em que é tomada a decisão que autoriza a execução do projeto que não deve subsistir nenhuma dúvida razoável, do ponto de vista científico, quanto à inexistência de efeitos prejudiciais para a integridade do sítio em causa (v. acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.o 24).

68

Ao que acresce, no que se refere aos sítios suscetíveis de serem identificados como sítios de importância comunitária, e em especial aos sítios que alojam tipos de habitats naturais prioritários ou espécies prioritárias, que os Estados-Membros estão, por força da diretiva «habitats», obrigados a tomar medidas de proteção que sejam adequadas, à luz do objetivo de conservação referido pela diretiva, para salvaguardar o interesse ecológico pertinente que esses sítios revestem a nível nacional (v. acórdãos de 13 de janeiro de 2005, Dragaggi e o., C-117/03, Colet., p. I-167, n.o 30, e de 10 de junho de 2010, Comissão/Itália, C-491/08, n.o 30).

69

Estas obrigações incumbem aos Estados-Membros por força da diretiva «habitats» independentemente da natureza da autoridade nacional competente para autorizar o plano ou o projeto em causa. O artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva, que visa as «autoridades nacionais competentes», não prevê nenhuma regra específica que respeitasse aos planos ou aos projetos que seriam aprovados por uma autoridade legislativa. Consequentemente, tal qualidade não tem qualquer influência na amplitude ou no alcance das obrigações que incumbem aos Estados-Membros por força das disposições do artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats».

70

Há, pois, que responder à quinta questão que o artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats» deve ser interpretado no sentido de que não permite a uma autoridade nacional, mesmo que seja uma autoridade legislativa, autorizar um plano ou um projeto sem se ter certificado de que esse plano ou projeto não afetará a integridade do sítio em causa.

Quanto à sexta questão

71

Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 6.o, n.o 4, da diretiva «habitats» deve ser interpretado no sentido de que a realização de uma infraestrutura destinada a instalar o centro administrativo de uma sociedade privada pode ser considerada uma razão imperiosa de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, na aceção desta disposição, suscetível de justificar a realização de um plano ou de um projeto que afeta a integridade do sítio em causa.

72

O artigo 6.o, n.o 4, da diretiva «habitats» prevê que, no caso de, não obstante as conclusões negativas da avaliação feita em conformidade com o artigo 6.o, n.o 3, primeira frase, desta diretiva, um plano ou projeto dever, contudo, ser realizado por razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado-Membro tomará, quando não existem soluções alternativas, todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a proteção da coerência global da rede Natura 2000 (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Itália, C-304/05, Colet., p. I-7495, n.o 81).

73

O artigo 6.o, n.o 4, da referida diretiva deve, enquanto disposição derrogatória do critério de autorização enunciado no segunda frase do n.o 3 do referido artigo, ser objeto de interpretação estrita (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Itália, já referido, n.o 82).

74

Além disso, esta disposição só se pode aplicar após as repercussões de um plano ou de um projeto terem sido analisadas nos termos do artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats». Com efeito, o conhecimento destas incidências à luz dos objetivos de conservação relativos ao local em causa constitui uma condição prévia indispensável à aplicação do referido artigo 6.o, n.o 4, pois, na falta destes elementos, nenhuma condição de aplicação desta disposição derrogatória pode ser examinada. O exame de eventuais razões imperativas de reconhecido interesse público e a existência de alternativas menos prejudiciais para a zona exigem, com efeito, uma ponderação no que se refere aos prejuízos causados ao sítio pelo plano ou projeto previsto. Além disso, com o objetivo de determinar a natureza de eventuais medidas compensatórias, devem ser identificados, com precisão, os impactos negativos no referido sítio (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Itália, já referido, n.o 83).

75

O interesse suscetível de justificar, na aceção do artigo 6.o, n.o 4, da diretiva «habitats», a realização de um plano ou de um projeto deve simultaneamente ser «público» e «reconhecido», o que implica que deve assumir uma importância tal que possa ser ponderado com o objetivo de preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens prosseguido por esta diretiva.

76

Obras destinadas à instalação ou à ampliação de uma empresa, em princípio, só em circunstâncias excecionais podem satisfazer tais condições.

77

Não se pode excluir que tal possa ser o caso de um projeto que, apesar de ser de natureza privada, apresente realmente, tanto pela sua própria natureza como pelo contexto económico e social no qual se insere, um reconhecido interesse público e se estiver demonstrada a falta de soluções alternativas.

78

À luz destes critérios, a simples construção de uma infraestrutura destinada a instalar um centro administrativo não pode, em princípio, constituir uma razão imperativa de reconhecido interesse público na aceção do artigo 6.o, n.o 4, da diretiva «habitats».

79

Há, pois, que responder à sexta questão que o artigo 6.o, n.o 4, da diretiva «habitats» deve ser interpretado no sentido de que a realização de uma infraestrutura destinada a instalar um centro administrativo não pode, em princípio, ser considerada uma razão imperativa de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, na aceção desta disposição, suscetível de justificar a realização de um plano ou de um projeto que afeta a integridade do sítio em causa.

Quanto às despesas

80

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos,

o Tribunal de Justiça (Quarta Secção)

declara:

 

1)

Para a interpretação dos artigos 2.°, n.o 2, e 9.°, n.o 4, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, celebrada em 25 de junho de 1998 e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005, embora seja admissível tomar em consideração o Guia de aplicação desta Convenção, este não reveste força obrigatória e não tem o alcance normativo das disposições da referida Convenção.

 

2)

O artigo 2.o, n.o 2, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente e o artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, conforme alterada pela Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, devem ser interpretados no sentido de que apenas estão excluídos dos âmbitos de aplicação respetivos destes diplomas os projetos adotados em pormenor por um ato legislativo específico, de forma a que os objetivos dos referidos diplomas tenham sido alcançados através do processo legislativo. Cabe ao juiz nacional determinar se essas duas condições estão preenchidas tendo em conta não só o conteúdo do ato legislativo adotado mas também o conjunto do processo legislativo que levou à sua adoção, nomeadamente os atos preparatórios e os debates parlamentares. A este respeito, um ato legislativo que mais não faça do que «ratificar» pura e simplesmente um ato administrativo preexistente, limitando-se a referir razões imperiosas de interesse geral sem prévia abertura de um processo legislativo quanto ao mérito que permita respeitar as ditas condições, não pode ser considerado um ato legislativo específico na aceção desta disposição e, portanto, não é suficiente para excluir um projeto dos âmbitos de aplicação respetivos desta Convenção e desta diretiva, conforme alterada.

 

3)

Os artigos 3.°, n.o 9, e 9.°, n.os 2 a 4, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente e o artigo 10.o-A da Diretiva 85/337, conforme alterada pela Diretiva 2003/35, devem ser interpretados no sentido de que:

quando um projeto que está abrangido pelo âmbito de aplicação destas disposições é adotado por um ato legislativo, a questão de saber se esse ato preenche as condições fixadas no artigo 1.o, n.o 5, desta diretiva deve poder ser submetida, segundo as regras processuais nacionais, a um órgão jurisdicional ou a um órgão independente e imparcial instituído por lei; e,

no caso de não ser possível interpor um recurso da natureza e do alcance acima recordados contra tal ato, caberá a qualquer órgão jurisdicional nacional que tenha sido chamado a pronunciar-se no âmbito da sua competência exercer a fiscalização descrita no travessão anterior e daí retirar, se necessário, as devidas consequências não aplicando esse ato legislativo.

 

4)

O artigo 6.o, n.o 9, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente e o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 85/337, conforme alterada pela Diretiva 2003/35, devem ser interpretados no sentido de que não exigem que a decisão contenha ela própria as razões pelas quais a autoridade competente decidiu que tal decisão era necessária. Todavia, na hipótese de um interessado o solicitar, a autoridade competente tem a obrigação de lhe comunicar os fundamentos em que esta decisão se baseou ou as informações e os documentos pertinentes em resposta ao pedido apresentado.

 

5)

O artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, deve ser interpretado no sentido de que não permite a uma autoridade nacional, mesmo que seja uma autoridade legislativa, autorizar um plano ou um projeto sem se ter certificado de que esse plano ou projeto não afetará a integridade do sítio em causa.

 

6)

O artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 92/43 deve ser interpretado no sentido de que a realização de uma infraestrutura destinada a instalar um centro administrativo não pode, em princípio, ser considerada uma razão imperativa de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, na aceção desta disposição, suscetível de justificar a realização de um plano ou de um projeto que afeta a integridade do sítio em causa.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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