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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62010CJ0201

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 5 de Maio de 2011.
    Ze Fu Fleischhandel GmbH (C-201/10) e Vion Trading GmbH (C-202/10) contra Hauptzollamt Hamburg-Jonas.
    Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht Hamburg - Alemanha.
    Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 - Protecção dos interesses financeiros da União Europeia - Artigo 3.º - Recuperação de uma restituição à exportação - Prazo de prescrição de trinta anos - Regra de prescrição do direito civil geral de um Estado-Membro - Aplicação ‘por analogia’ - Princípio da segurança jurídica - Princípio da confiança legítima - Princípio da proporcionalidade.
    Processos apensos C-201/10 e C-202/10.

    Colectânea de Jurisprudência 2011 I-03545

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2011:282

    Processos apensos C‑201/10 e C‑202/10

    Ze Fu Fleischhandel GmbH

    e

    Vion Trading GmbH

    contra

    Hauptzollamt Hamburg‑Jonas

    (pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Finanzgericht Hamburg)

    «Regulamento (CE, Euratom) n.° 2988/95 – Protecção dos interesses financeiros da União Europeia – Artigo 3.° – Recuperação de uma restituição à exportação – Prazo de prescrição de trinta anos – Regra de prescrição do direito civil geral de um Estado‑Membro – Aplicação ‘por analogia’ – Princípio da segurança jurídica – Princípio da confiança legítima – Princípio da proporcionalidade»

    Sumário do acórdão

    1.        Recursos próprios da União Europeia – Regulamento relativo à protecção dos interesses financeiros da União – Procedimento por irregularidades – Prazo de prescrição – Aplicabilidade de prazos de prescrição nacionais mais longos

    (Regulamento n.° 2988/95 do Conselho, artigo 3.°, n.° 3)

    2.        Recursos próprios da União Europeia – Regulamento relativo à protecção dos interesses financeiros da União – Procedimento por irregularidades – Prazo de prescrição – Aplicabilidade de prazos de prescrição nacionais mais longos

    (Regulamento n.° 2988/95 do Conselho, artigo 3.°, n.° 1, primeiro e terceiro parágrafos)

    3.        Recursos próprios da União Europeia – Regulamento relativo à protecção dos interesses financeiros da União – Procedimento por irregularidades – Prazo de prescrição – Aplicabilidade de prazos de prescrição nacionais mais longos

    (Regulamento n.° 2988/95 do Conselho, artigo 3.°, n.° 1, primeiro e terceiro parágrafos)

    1.        O princípio da segurança jurídica não se opõe em princípio a que, no contexto da protecção dos interesses financeiros da União Europeia definida pelo Regulamento, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, e nos termos do artigo 3.°, n.° 3, desse regulamento, as autoridades e os tribunais nacionais de um Estado‑Membro apliquem «por analogia», no contencioso relativo ao reembolso de uma restituição à exportação indevidamente paga, um prazo de prescrição baseado numa disposição nacional de direito comum, desde que, porém, essa aplicação resultante de uma prática jurisprudencial fosse suficientemente previsível, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.

    (cf. n.° 35, disp. 1)

    2.        O princípio da proporcionalidade opõe‑se, no âmbito da utilização pelos Estados‑Membros da faculdade que lhes é dada pelo artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, à aplicação de um prazo de prescrição de trinta anos ao contencioso relativo ao reembolso de restituições indevidamente recebidas.

    À luz do objectivo de protecção dos interesses financeiros da União, para o qual o legislador da União entendeu que um prazo de prescrição de quatro anos, ou mesmo de três, era só por si suficiente para permitir às autoridades nacionais a actuação contra uma irregularidade lesiva desses interesses financeiros e que pode levar à adopção de uma medida como a recuperação de um benefício indevidamente recebido, dar a essas autoridades um prazo de trinta anos vai além do necessário a uma administração diligente.

    (cf. n.os 43, 47, disp. 2)

    3.        Numa situação abrangida pelo Regulamento n.° 2988/95, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, o princípio da segurança jurídica opõe‑se a que um prazo de prescrição «mais longo» na acepção do artigo 3.°, n.° 3, deste regulamento possa resultar de um prazo de prescrição de direito comum reduzido por via jurisprudencial para a sua aplicação poder respeitar o princípio da proporcionalidade, uma vez que, de qualquer forma, o prazo de prescrição de quatro anos previsto no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 tem vocação para ser aplicado nessas circunstâncias.

    (cf. n.os 50, 54, disp. 3)








    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    5 de Maio de 2011 (*)

    «Regulamento (CE, Euratom) n.° 2988/95 – Protecção dos interesses financeiros da União Europeia – Artigo 3.° – Recuperação de uma restituição à exportação – Prazo de prescrição de trinta anos – Regra de prescrição do direito civil geral de um Estado‑Membro – Aplicação ‘por analogia’ – Princípio da segurança jurídica – Princípio da confiança legítima – Princípio da proporcionalidade»

    Nos processos apensos C‑201/10 e C‑202/10,

    que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentados pelo Finanzgericht Hamburg (Alemanha), por decisões de 12 de Fevereiro de 2010, entrados no Tribunal de Justiça em 26 de Abril de 2010, nos processos

    Ze Fu Fleischhandel GmbH (C‑201/10),

    Vion Trading GmbH (C‑202/10),

    contra

    Hauptzollamt Hamburg‑Jonas,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, K. Schiemann, L. Bay Larsen, C. Toader (relatora) e A. Prechal, juízes,

    advogado‑geral: E. Sharpston,

    secretário: K. Malacek, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 16 de Fevereiro de 2011,

    vistas as observações apresentadas:

    –        em representação da Ze Fu Fleischhandel GmbH, por D. Ehle, Rechtsanwalt,

    –        em representação da Vion Trading GmbH, por K. Landry e G. Schwendinger, Rechtsanwälte,

    –        em representação da Comissão Europeia, por G. von Rintelen e M. Vollkommer, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar as causas sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do artigo 3.°, n.os 1 e 3, do Regulamento (CE, Euratom) n.° 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO L 312, p. 1), e dos princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica.

    2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a Ze Fu Fleischhandel GmbH e a Vion Trading GmbH (a seguir «recorrentes nos processos principais») ao Hauptzollamt Hamburg‑Jonas (a seguir «Hauptzollamt») a respeito do reembolso de restituições à exportação.

     Quadro jurídico

     Direito da União

    3        Nos termos do terceiro considerando do Regulamento n.° 2988/95, «[…] importa combater em todos os domínios os actos lesivos dos interesses financeiros das Comunidades».

    4        O quinto considerando deste regulamento prevê:

    «[…] os comportamentos que constituem irregularidades, bem como as medidas e sanções administrativas que lhes dizem respeito, estão previstos em regulamentos sectoriais em conformidade com o presente regulamento».

    5        O artigo 1.° do mesmo regulamento dispõe:

    «1.      Para efeitos da protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, é adoptada uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário.

    2.      Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um acto ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas directamente por conta das Comunidades, quer por uma despesa indevida.»

    6        O artigo 3.°, n.os 1 e 3, do Regulamento n.° 2988/95 prevê:

    «1.      O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.° 1 do artigo 1.° Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

    O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. […]

    A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

    […]

    3.      Os Estados‑Membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respectivamente nos n.os 1 e […]»

    7        O artigo 4.°, n.os 1 e 4, deste regulamento enuncia:

    «1.      Qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida:

    –        através da obrigação de pagar os montantes em dívida ou de reembolsar os montantes indevidamente recebidos,

    […]

    4.      As medidas previstas no presente artigo não são consideradas sanções.»

     Direito nacional

    8        Segundo as indicações do Finanzgericht Hamburg, à data dos factos nos processos principais, não existia na Alemanha nenhuma disposição específica relativa aos prazos de prescrição aplicáveis aos litígios de natureza administrativa relativos a benefícios indevidamente concedidos. Contudo, quer a administração quer os tribunais alemães aplicavam «por analogia» a prescrição de trinta anos de direito comum, prevista no § 195 do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch, a seguir «BGB»). Contudo, desde 2002, esse prazo de prescrição de direito comum era, em princípio, de três anos.

     Litígios nos processos principais e processo de reenvio prejudicial nos processos apensos C‑278/07 a C‑280/07

    9        Durante o ano de 1993, as recorrentes nos processos principais procederam ao desalfandegamento de carne de bovino, tendo em vista a sua exportação para a Jordânia, e, a seu pedido, beneficiaram, a esse título, de adiantamentos por conta das restituições à exportação. Na sequência de fiscalizações efectuadas no início de 1998, foi descoberto que, na realidade, as cargas em questão tinham sido expedidas para o Iraque no âmbito de procedimentos de trânsito ou de reexportação.

    10      Nestas condições, o Hauptzollamt, por decisões de 13 de Outubro de 1999, reclamou o reembolso dessas restituições à exportação.

    11      As recorrentes nos processos principais, bem como a Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb GmbH & Co, interpuseram então recursos dessas decisões para o Finanzgericht Hamburg. Por sentença de 21 de Abril de 2005, este deu provimento aos recursos com o fundamento de que a regra de prescrição, tal como prevista no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95, obstava aos reembolsos em questão, dado que estes tinham sido reclamados mais de quatro anos após as operações de exportação controvertidas.

    12      O Hauptzollamt interpôs recursos de «Revision» das decisões do referido Finanzgericht para o Bundesfinanzhof.

    13      Verificando, nomeadamente, que as irregularidades imputadas respeitavam a um período anterior à adopção do Regulamento n.° 2988/95, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, redigidas em termos idênticos nos três processos C‑278/07 a C‑280/07:

    «1) O prazo de prescrição previsto no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, primeira frase, do Regulamento […] n.° 2988/95 […] também deve ser aplicado quando uma irregularidade tenha sido praticada ou tenha cessado antes de esse regulamento ter entrado em vigor?

    2)      O prazo de prescrição previsto no referido regulamento também se aplica a medidas administrativas como, por exemplo, o reembolso de uma restituição à exportação indevidamente atribuída em virtude de irregularidades?

    Em caso de resposta afirmativa às questões acima enunciadas:

    3)       Um prazo mais longo na acepção do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento […] n.° 2988/95 também pode ser aplicado por um Estado‑Membro nos casos em que esse prazo já estava previsto no direito interno do Estado‑Membro em causa no período anterior à adopção do referido regulamento? Esse prazo mais longo também pode ser aplicado nos casos em que não estava previsto numa regulamentação específica relativa ao reembolso de restituições à exportação ou a medidas administrativas em geral, resultando, pelo contrário, de um regime geral (regime residual) do Estado‑Membro em causa, que abrange todos os casos de prescrição não regulados especificamente?»

    14      Esses pedidos de decisão prejudicial deram origem ao acórdão de 29 de Janeiro de 2009, Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o. (C‑278/07 a C‑280/07, Colect., p. I‑457), no qual o Tribunal de Justiça declarou:

    «1)      O prazo de prescrição previsto no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento […] n.° 2988/95 […] é aplicável às medidas administrativas como a recuperação de uma restituição à exportação indevidamente recebida pelo exportador em virtude de irregularidades por ele cometidas.

    2)      Em situações como as que estão em causa no processo principal, o prazo de prescrição previsto no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95:

    –        aplica‑se a irregularidades cometidas antes da entrada em vigor desse regulamento;

    –        começa a correr a partir da data em que a irregularidade em causa foi cometida.

    3)      Os prazos de prescrição mais longos que os Estados‑Membros continuam a ter a faculdade de aplicar ao abrigo do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95 podem resultar de disposições de direito comum anteriores à data de adopção desse regulamento.»

     Desenvolvimentos ocorridos nos litígios nos processos principais e questões prejudiciais nos presentes processos

    15      Por acórdão de 7 de Julho de 2009, o Bundesfinanzhof anulou a sentença do Finanzgericht Hamburg de 21 de Abril de 2005 ao qual fez baixar os processos, considerando que o direito ao reembolso não tinha prescrito, uma vez que o § 195 do BGB podia e devia ser aplicado «por analogia» até ao final de 2001. Esse tribunal rejeitou a argumentação das recorrentes nos processos principais de que, se algum prazo fosse aplicável «por analogia», deveria ser o de dez anos aplicável em matéria fiscal, e não o de trinta anos previsto no BGB.

    16      Quanto a esse acórdão do Bundesfinanzhof, o Finanzgericht Hamburg refere o seguinte:

    «O Bundesfinanzhof entendeu que o § 195 do BGB na sua versão em vigor até ao final de 2001 (a seguir: § 195 do BGB a. v.) devia ser aplicado por analogia. Não se pronunciou sobre a questão de saber se era incompatível com o princípio da segurança jurídica exigir o reembolso da restituição à exportação quase trinta anos depois da sua concessão. Se fosse esse o caso, poderia reduzir o prazo excessivo previsto no direito nacional para proporções mais justas de modo conforme à Constituição ou ao direito comunitário no exercício da sua competência jurisdicional supletiva. Não entendeu necessário analisar e decidir definitivamente a questão de saber se, no exercício dessa competência jurisdicional supletiva, o prazo previsto no § 195 do BGB a. v. devia ser reduzido ou, pelo menos, se, por aplicação analógica dessa disposição, devia ser fixado um prazo mais curto, de acordo com o princípio da segurança jurídica ou com o princípio da paz jurídica, para a prescrição do direito ao reembolso de uma restituição à exportação indevidamente concedida, com base numa irregularidade. Com efeito e de qualquer modo, esse prazo não poderia ser reduzido ao ponto de o pedido de reembolso apresentado pelos serviços aduaneiros já ter prescrito no momento da adopção da decisão controvertida.»

    17      O tribunal de reenvio, aderindo nesse ponto ao entendimento da advogada‑geral E. Sharpston expresso nas suas conclusões no acórdão Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., já referido, considera, por um lado, que é incompatível com o princípio da segurança jurídica aplicar «por analogia» uma regra de prescrição prevista no BGB aos pedidos de reembolso de restituições à exportação e, por outro, que a aplicação de um prazo de prescrição de trinta anos a esse contencioso é contrária ao princípio da proporcionalidade na medida em que esses prazos não são razoáveis.

    18      Em particular, esse tribunal não partilha da interpretação dada pelo Bundesfinanzhof ao acórdão Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., já referido, proferido pelo Tribunal de Justiça a seu pedido. Com efeito, o Bundesfinanzhof deduziu desse acórdão que o Tribunal de Justiça, ao guardar um «silêncio eloquente» sobre a questão de saber se a aplicação «por analogia» de uma regra de direito civil ao contencioso do reembolso de restituições indevidamente recebidas entrava no âmbito de aplicação do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95, aceitava, em princípio, essa aplicação e também não tinha objecções, à luz dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, a que uma regra de prescrição de trinta anos fosse aplicada dessa forma. Ora, o Finanzgericht, por seu turno, é de opinião de que o Tribunal de Justiça não tinha nenhuma razão para analisar nem abordar esses aspectos na sua decisão prejudicial, na medida em que o Bundesfinanzhof não lhe tinha submetido nenhuma questão claramente definida a esse respeito.

    19      O tribunal de reenvio considera ainda o seguinte:

    «No acórdão de 7 de Julho de 2009, já referido, [o Bundesfinanzhof] entendeu dispor de uma competência supletiva para reduzir, na prática como faria um legislador, o prazo de prescrição de trinta anos para proporções mais justas pela via pretoriana. A duração precisa do prazo de prescrição a utilizar na Alemanha de acordo com o § 195 do BGB a. v. aplicado por analogia não é conhecida na presente data, pois não é possível determinar ou prever se e, sendo caso disso, em que medida o Bundesfinanzhof fará uso de uma tal competência supletiva no futuro. A única coisa que essa jurisprudência determinou é que o prazo de prescrição previsto no § 195 do BGB a. v. aplicado por analogia é de pelo menos seis anos e pode chegar aos trinta anos em casos extremos. De acordo com essa jurisprudência, o prazo de prescrição em vigor na Alemanha de acordo com o § 195 do BGB a. v. aplicado por analogia e, eventualmente, rectificado por via pretoriana situa‑se algures no interior desse intervalo de vinte e quatro anos.»

    20      Nestas condições, o Finanzgericht Hamburg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)       É incompatível com o princípio de direito comunitário da segurança jurídica a aplicação por analogia [da regra] de prescrição previst[a] no § 195 do [BGB], na redacção em vigor até ao final de 2001, ao direito ao reembolso de uma restituição à exportação indevidamente concedida?

    2)       É incompatível com o princípio de direito comunitário da proporcionalidade a aplicação do prazo de prescrição de [trinta] anos previsto no § 195 do BGB ao pedido de reembolso de uma restituição à exportação indevidamente concedida?

    3)       Em caso de resposta afirmativa à segunda questão: é incompatível com o princípio de direito comunitário da segurança jurídica a aplicação de um prazo de prescrição nacional mais longo, na acepção do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento […] n.° 2988/95, fixado no caso concreto pela jurisprudência ao abrigo de uma suposta competência excepcional?»

     Quanto às questões prejudiciais

     Quanto à primeira questão

    21      Com a sua primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, se o princípio da segurança jurídica se opõe a que, no contexto da protecção dos interesses financeiros da União definida pelo Regulamento n.° 2988/95, um prazo de prescrição nacional «mais longo» na acepção do artigo 3.°, n.° 3, deste regulamento possa decorrer de uma aplicação «por analogia», no reembolso de uma restituição à exportação indevidamente paga, de um prazo de prescrição previsto numa disposição nacional de direito comum.

    22      A título preliminar, há que observar, como refere o tribunal de reenvio, que a terceira questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça nos processos apensos C‑278/07 a C‑280/07, já referidos, era, no essencial, a de saber se um prazo nacional de prescrição «mais longo» na acepção do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95 podia resultar de uma disposição geral de direito comum anterior a este regulamento. Contudo, não foi expressamente colocada ao Tribunal de Justiça a questão que é o objecto da presente questão prejudicial, que respeita às modalidades de aplicação de uma disposição como essa, no caso a aplicação de uma disposição de direito comum «por analogia» ao contencioso específico relativo ao reembolso de restituições à exportação, decidida por via jurisprudencial e não pelo legislador nacional.

    23      Em situações como as em causa nos processos principais, em que as irregularidades imputadas aos operadores foram cometidas em 1993 sob o regime de uma regra nacional de prescrição de trinta anos, uma acção das autoridades nacionais para a recuperação das quantias indevidamente recebidas por causa dessas irregularidades, e na falta de um facto suspensivo, era susceptível de prescrever durante o ano de 1997 por força da regra de prescrição quadrienal prevista no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95, na condição, porém, de o Estado‑Membro onde foram praticadas as irregularidades não ter feito uso da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 3.°, n.° 3, desse regulamento (v. acórdão Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., já referido, n.os 36 e 38).

    24      É certo que, ao adoptar o Regulamento n.° 2988/95 e, em particular, o seu artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, o legislador da União pretendeu instituir uma regra geral de prescrição aplicável na matéria e mediante a qual procurava, por um lado, definir um prazo mínimo aplicado em todos os Estados‑Membros e, por outro, renunciar à possibilidade de recuperar somas indevidamente recebidas do orçamento da União, depois de decorrido um período de quatro anos sobre a prática da irregularidade que afectasse os pagamentos controvertidos (acórdão Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., já referido, n.° 27).

    25      Contudo, na medida em que o legislador da União previu expressamente a possibilidade de os Estados‑Membros aplicarem prazos de prescrição mais longos que esse prazo mínimo de quatro anos, não se pode deixar de observar que não quis uniformizar os prazos aplicáveis nessa matéria e que, por conseguinte, a entrada em vigor do Regulamento n.° 2988/95 não pode ter a consequência de obrigar os Estados‑Membros a fixar em quatro anos os prazos de prescrição que, na falta de regras de direito da União anteriormente existentes na matéria, aplicavam no passado.

    26      No âmbito da possibilidade prevista no artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95, os Estados‑Membros mantêm um amplo poder de apreciação quanto à fixação de prazos de prescrição mais longos que tencionem aplicar em casos de irregularidades lesivas dos interesses financeiros da União (acórdão de 22 de Dezembro de 2010, Corman, C‑131/10, ainda não publicado na Colectânea, n.° 54).

    27      Com efeito, o Regulamento n.° 2988/95 não prevê nenhum mecanismo de informação ou de notificação relativo ao uso feito pelos Estados‑Membros da sua faculdade de preverem prazos de prescrição mais longos, em conformidade com o seu artigo 3.°, n.° 3. Assim, a nível da União, não se previu nenhuma forma de fiscalização no que respeita tanto aos prazos de prescrição derrogatórios aplicados pelos Estados‑Membros ao abrigo dessa disposição como aos sectores em que estes tenham decidido aplicar esses prazos (acórdãos, já referidos, Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., n.° 45, e Corman, n.° 55).

    28      Nos processos principais, como indica o próprio órgão jurisdicional de reenvio, os tribunais alemães continuaram a aplicar, depois da entrada em vigor do Regulamento n.° 2988/95, o prazo de prescrição de trinta anos resultante do § 195 do BGB nas acções de recuperação de restituições indevidamente recebidas pelos operadores.

    29      A este respeito, ao responder à terceira questão prejudicial formulada pelo Bundesfinanzhof nos processos C‑278/07 a C‑280/07, já referidos, que os prazos de prescrição mais longos, que os Estados‑Membros continuam a poder aplicar nos termos do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95, podem resultar de disposições de direito comum anteriores à data da adopção deste regulamento, o Tribunal de Justiça confirmou implicitamente, mas necessariamente, a esse tribunal que esses Estados podiam aplicar esses prazos mais longos através da aplicação decidida por via jurisprudencial de uma disposição com vocação geral que previa um prazo de prescrição superior a quatro anos no domínio da recuperação de benefícios indevidamente recebidos, prática que os tribunais alemães qualificam de aplicação «por analogia».

    30      Essa prática é, em princípio, admissível à luz do direito da União e, em particular, do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95 (v., neste sentido, acórdão Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., já referido, n.° 47). Contudo, é também necessário que essa prática respeite os princípios gerais desse direito, entre os quais figura o princípio da segurança jurídica (v., neste sentido, acórdão de 28 de Outubro de 2010, SGS Belgium e o., C‑367/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 40).

    31      Quanto a esse aspecto, as recorrentes nos processos principais alegam nomeadamente que, depois da entrada em vigor no ordenamento jurídico alemão da regra de prescrição geral e de efeito directo prevista no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95, que supriu a falta de uma regra específica na matéria nesse ordenamento jurídico, as autoridades e os tribunais nacionais deixaram de ter razões e já não podiam, portanto, na falta de uma disposição legislativa nacional que os obrigasse a proceder assim, continuar a aplicar «por analogia» uma regra de prescrição geral do BGB na actuação contra uma «irregularidade» na acepção deste regulamento.

    32      A este respeito, refira‑se que, no contexto da actuação contra uma irregularidade lesiva dos interesses financeiros da União e que dê origem a uma medida administrativa como a obrigação de o operador reembolsar restituições indevidamente recebidas, o princípio da segurança jurídica exige nomeadamente que a situação desse operador, tendo em conta os seus direitos e obrigações face à autoridade nacional, não seja indefinidamente susceptível de ser posta em causa (v., por analogia, acórdão de 21 de Janeiro de 2010, Alstom Power Hydro, C‑472/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 16) e que, consequentemente, deve ser aplicado um prazo de prescrição à actuação contra essa irregularidade e, para cumprir a sua função de garantir a segurança jurídica, esse prazo deve ser fixado antecipadamente (v. acórdãos de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969‑1970, p. 447, n.° 19, e de 11 de Julho de 2002, Marks & Spencer, C‑62/00, Colect., p. I‑6325, n.° 39). Consequentemente, qualquer aplicação «por analogia» de um prazo de prescrição deve ser suficientemente previsível para o destinatário (v., por analogia, acórdão de 24 de Março de 2009, Danske Slagterier, C‑445/06, Colect., p. I‑2119, n.° 34).

    33      É certo que é mais fácil para esse operador determinar o prazo de prescrição aplicável à actuação contra uma irregularidade por ele cometida quando esse prazo e a sua aplicação no domínio dessa irregularidade são definidos pelo legislador nacional numa disposição especificamente aplicável ao domínio em causa. Contudo, quando, como parece ser o caso nos processos principais, o legislador nacional não tinha aprovado qualquer disposição específica aplicável a um domínio como o do reembolso das restituições à exportação indevidamente recebidas em prejuízo do orçamento da União, o princípio da segurança jurídica não se opõe, em princípio, a que as autoridades administrativas e judiciais continuem, segundo a sua prática jurisprudencial anterior do conhecimento desse operador, a aplicar «por analogia» um prazo de prescrição de carácter geral previsto numa disposição de direito civil e superior ao prazo de quatro anos previsto no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95.

    34      Contudo, essa aplicação só respeita o princípio da segurança jurídica se resultar de uma prática jurisprudencial que fosse suficientemente previsível. A este respeito, basta recordar que não cabe ao Tribunal de Justiça declarar, no âmbito da presente lide prejudicial, a existência ou não dessa prática jurisprudencial.

    35      Em face do exposto, há que responder à primeira questão que, em circunstâncias como as em causa nos processos principais, o princípio da segurança jurídica não se opõe em princípio a que, no contexto da protecção dos interesses financeiros da União definida pelo Regulamento n.° 2988/95 e nos termos do artigo 3.°, n.° 3, deste regulamento, as autoridades e os tribunais nacionais de um Estado‑Membro apliquem «por analogia», no contencioso relativo ao reembolso de uma restituição à exportação indevidamente paga, um prazo de prescrição baseado numa disposição nacional de direito comum, desde que, porém, essa aplicação resultante de uma prática jurisprudencial fosse suficientemente previsível, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.

     Quanto à segunda questão

    36      Com a sua segunda questão, o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, se o princípio da proporcionalidade se opõe, no âmbito da utilização pelos Estados‑Membros da faculdade que lhes é conferida pelo artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95, à aplicação de um prazo de prescrição de trinta anos ao contencioso relativo ao reembolso de restituições indevidamente recebidas.

    37      Como resulta dos n.os 26 e 30 do presente acórdão, embora, no âmbito da possibilidade prevista no artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95, os Estados‑Membros mantenham um amplo poder de apreciação quanto à fixação de prazos de prescrição mais longos que tencionem aplicar em casos de irregularidade lesiva dos interesses financeiros da União, devem contudo respeitar os princípios gerais do direito da União, em particular o princípio da proporcionalidade.

    38      Assim, um prazo nacional de prescrição «mais longo», na acepção do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95, não deve, nomeadamente, ir manifestamente além do necessário para atingir o objectivo de protecção dos interesses financeiros da União (v., neste sentido, acórdão de 17 de Março de 2011, AJD Tuna, C‑221/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 79 e jurisprudência aí referida).

    39      A este respeito, refira‑se que os prazos de prescrição mais longos que os Estados‑Membros são desse modo levados a aplicar com base no artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95 são muito diferentes de um Estado‑Membro para outro, dependendo largamente das tradições jurídicas desses Estados e da percepção nos respectivos ordenamentos jurídicos do período de tempo necessário e suficiente a uma administração diligente para actuar contra irregularidades cometidas em prejuízo das autoridades públicas e dos orçamentos nacionais.

    40      Por outro lado, o facto de, no âmbito da faculdade prevista nessa disposição, um Estado‑Membro aplicar prazos de prescrição mais curtos que outro não significa que os do segundo sejam desproporcionados (v., por analogia, acórdãos de 11 de Setembro de 2008, Comissão/Alemanha, C‑141/07, Colect., p. I‑6935, n.° 51, e de 25 de Fevereiro de 2010, Müller Fleisch, C‑562/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 45).

    41      Refira‑se igualmente que não está excluída a possibilidade de uma regra de prescrição de trinta anos prevista numa disposição de direito civil ser necessária e proporcionada, nomeadamente no âmbito de litígios entre privados, tendo em conta o objectivo prosseguido por essa regra e definido pelo legislador nacional.

    42      A apreciação dessa regra de prescrição à luz do princípio da proporcionalidade é diferente, porém, quando essa regra é utilizada por «analogia» para prosseguir um objectivo diferente daquele que presidiu à sua adopção pelo legislador nacional, no caso dos processos principais, para prosseguir um objectivo definido pelo legislador da União.

    43      Ora, quanto a este aspecto, à luz do objectivo de protecção dos interesses financeiros da União, para o qual o legislador da União entendeu que um prazo de prescrição de quatro anos, ou mesmo de três, era só por si suficiente para permitir às autoridades nacionais a actuação contra uma irregularidade lesiva desses interesses financeiros e que pode levar à adopção de uma medida como a recuperação de um benefício indevidamente recebido, afigura‑se que dar a essas autoridades um prazo de trinta anos vai além do necessário a uma administração diligente.

    44      Com efeito, refira‑se que essa administração tem um dever geral de diligência na verificação da regularidade dos pagamentos que efectua e que pesam no orçamento da União, uma vez que os Estados‑Membros devem respeitar o dever de diligência geral do artigo 4.°, n.° 3, UE, que implica que devem tomar as medidas destinadas a remediar as irregularidades com prontidão (v., por analogia, acórdão de 13 de Novembro de 2001, França/Comissão, C‑277/98, Colect., p. I‑8453, n.° 40).

    45      Nestas condições, admitir a possibilidade de os Estados‑Membros concederem a essa administração um período para agir tão longo como o que é proporcionado por uma regra de prescrição de trinta anos poderia, de certa forma, encorajar a inércia das autoridades nacionais no combate às «irregularidades» na acepção do artigo 1.° do Regulamento n.° 2988/95, expondo os operadores, por um lado, a um longo período de incerteza jurídica e, por outro, ao risco de já não terem a possibilidade de fazer a prova da regularidade das operações em causa após esse período.

    46      De qualquer forma, há que salientar que, se um prazo de prescrição de quatro anos como o previsto no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 se revelar, para as autoridades nacionais, demasiado curto para lhes permitir actuar contra irregularidades com certa complexidade, o legislador nacional pode sempre, no âmbito da possibilidade prevista no n.° 3 desse artigo, adoptar uma regra de prescrição mais longa adaptada a esse tipo de irregularidades.

    47      Em face do exposto, há que responder à segunda questão que, em circunstâncias como as em causa nos processos principais, o princípio da proporcionalidade se opõe, no âmbito da utilização pelos Estados‑Membros da faculdade que lhes é dada pelo artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95, à aplicação de um prazo de prescrição de trinta anos ao contencioso relativo ao reembolso de restituições indevidamente recebidas.

     Quanto à terceira questão

    48      Com a sua terceira questão, o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, se, no caso de a aplicação de uma regra de prescrição de trinta anos à actuação contra uma «irregularidade» na acepção do artigo 1.° do Regulamento n.° 2988/95 se revelar desproporcionada em face do objectivo de protecção dos interesses financeiros da União, o princípio da segurança jurídica se opõe a que um tribunal nacional possa decidir reduzir o alcance dessa regra de prescrição de trinta anos, no caso até dez anos, em vez de aplicar a regra de prescrição de quatro anos prevista no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/95.

    49      Não está excluída a possibilidade de os tribunais nacionais, numa situação em que não disponham de nenhuma outra regra de prescrição aplicável, tentarem interpretar uma regra de prescrição de trinta anos no sentido de uma redução desta última para respeitarem as exigências do direito da União.

    50      Contudo, em situações como as que estão em causa nos processos principais, abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2988/95, há que observar que, de qualquer modo, na falta de uma regulamentação nacional legalmente aplicável que preveja um prazo de prescrição mais longo, o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/95 prevê um prazo de prescrição de quatro anos e continua a ser directamente aplicável nos Estados‑Membros, incluindo no domínio das restituições à exportação dos produtos agrícolas (v. acórdão de 24 de Junho de 2004, Handlbauer, C‑278/02, Colect., p. I‑6171, n.° 35).

    51      Assim, no caso de a aplicação de um prazo de prescrição de direito comum, ao contencioso relativo ao reembolso de restituições indevidamente recebidas antes da entrada em vigor do Regulamento n.° 2988/95, se revelar desproporcionada em face do objectivo de protecção dos interesses financeiros da União, essa regra deve ser afastada e o prazo geral de prescrição previsto no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95, como resulta do n.° 34 do acórdão Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., já referido, tem vocação para ser aplicado na medida em que também se dirige às irregularidades cometidas antes da entrada em vigor deste regulamento e começa a correr na data da prática da irregularidade em causa.

    52      Com efeito, nessa situação, se um tribunal nacional, no contexto do Regulamento n.° 2988/95, pudesse reduzir um determinado prazo de prescrição, até então aplicado, para o reconduzir a um nível capaz de respeitar o princípio da proporcionalidade mesmo apesar de dispor de uma regra de prescrição prevista no direito da União e directamente aplicável no seu ordenamento jurídico, isso iria mesmo contra princípios segundo os quais, por um lado, para cumprir a sua função de garantir a segurança jurídica, um prazo de prescrição deve ser fixado antecipadamente (v. acórdãos, já referidos, ACF Chemiefarma/Comissão, n.° 19, e Marks & Spencer, n.° 39) e, por outro, que qualquer aplicação «por analogia» de um prazo de prescrição deve ser suficientemente previsível para o destinatário (v., por analogia, acórdão Danske Slagterier, já referido, n.° 34).

    53      Contudo, numa situação como essa, como acima recordado no n.° 46 do presente acórdão, o legislador nacional pode sempre, no âmbito da possibilidade prevista no n.° 3 do artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/95, adoptar uma regra de prescrição mais longa.

    54      Em face do exposto, há que responder à terceira questão que, em circunstâncias como as em causa nos processos principais, o princípio da segurança jurídica se opõe a que um prazo de prescrição «mais longo» na acepção do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95 possa resultar de um prazo de prescrição de direito comum reduzido por via jurisprudencial para a sua aplicação poder respeitar o princípio da proporcionalidade, uma vez que, de qualquer forma, o prazo de prescrição de quatro anos previsto no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 tem vocação para ser aplicado nessas circunstâncias.

     Quanto às despesas

    55      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

    1)      Em circunstâncias como as em causa nos processos principais, o princípio da segurança jurídica não se opõe em princípio a que, no contexto da protecção dos interesses financeiros da União Europeia definida pelo Regulamento (CE, Euratom) n.° 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, e nos termos do artigo 3.°, n.° 3, desse regulamento, as autoridades e os tribunais nacionais de um Estado‑Membro apliquem «por analogia», no contencioso relativo ao reembolso de uma restituição à exportação indevidamente paga, um prazo de prescrição baseado numa disposição nacional de direito comum, desde que, porém, essa aplicação resultante de uma prática jurisprudencial fosse suficientemente previsível, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.

    2)      Em circunstâncias como as em causa nos processos principais, o princípio da proporcionalidade opõe‑se, no âmbito da utilização pelos Estados‑Membros da faculdade que lhes é dada pelo artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95, à aplicação de um prazo de prescrição de trinta anos ao contencioso relativo ao reembolso de restituições indevidamente recebidas.

    3)      Em circunstâncias como as em causa nos processos principais, o princípio da segurança jurídica opõe‑se a que um prazo de prescrição «mais longo» na acepção do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2988/95 possa resultar de um prazo de prescrição de direito comum reduzido por via jurisprudencial para a sua aplicação poder respeitar o princípio da proporcionalidade, uma vez que, de qualquer forma, o prazo de prescrição de quatro anos previsto no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 tem vocação para ser aplicado nessas circunstâncias.

    Assinaturas


    * Língua do processo: alemão.

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