Escolha as funcionalidades experimentais que pretende experimentar

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62010CO0076

    Despacho do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 16 de Novembro de 2010.
    Pohotovosť s.r.o. contra Iveta Korčkovská.
    Pedido de decisão prejudicial: Krajský súd v Prešove - Eslováquia.
    Reenvio prejudicial – Protecção dos consumidores – Directiva 93/13/CEE – Cláusulas abusivas – Directiva 2008/48/CE – Directiva 87/102 – Contratos de crédito ao consumo – Taxa anual de encargos efectiva global – Processo de arbitragem – Sentença arbitral – Faculdade de o juiz nacional apreciar oficiosamente o eventual carácter abusivo de certas cláusulas.
    Processo C-76/10.

    Colectânea de Jurisprudência 2010 I-11557

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2010:685

    Processo C‑76/10

    Pohotovosť s.r.o.

    contra

    Iveta Korčkovská

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Krajský súd v Prešove)

    «Reenvio prejudicial – Protecção dos consumidores – Directiva 93/13/CEE – Cláusulas abusivas – Directiva 2008/48/CE – Directiva 87/102 – Contratos de crédito ao consumo – Taxa anual de encargos efectiva global – Processo de arbitragem – Sentença arbitral – Faculdade de o juiz nacional apreciar oficiosamente o eventual carácter abusivo de certas cláusulas»

    Sumário do despacho

    1.        Aproximação das legislações – Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – Directiva 93/13 – Pedido de execução de uma decisão arbitral que adquiriu força de caso julgado e foi proferida à revelia

    (Directiva 93/13 do Conselho, artigo 6.°, n.° 1)

    2.        Aproximação das legislações – Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – Directiva 93/13 – Cláusula abusiva – Critérios gerais de apreciação

    (Directiva 93/13 do Conselho, artigos 3.° e 4.°)

    3.        Aproximação das legislações – Protecção dos consumidores em matéria de crédito ao consumo – Directiva 87/102 – Contrato de crédito ao consumo – Não inclusão, no contrato, da indicação da taxa anual de encargos efectiva global

    (Directiva 87/102 do Conselho, conforme alterada pela Directiva 98/7, artigo 4.°, e Directiva 93/13 do Conselho, artigos 3.° e 4.°)

    1.        A Directiva 93/13, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, obriga a que um órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer de uma acção que visa a execução coerciva de uma sentença arbitral que adquiriu força de caso julgado e proferida à revelia, por o consumidor não se encontrar presente, quando disponha dos elementos sobre a situação jurídica e factual necessários para o efeito, aprecie, mesmo oficiosamente, o carácter abusivo da penalidade prevista num contrato de crédito celebrado entre uma entidade financeira e um consumidor, penalidade essa que foi aplicada na referida sentença, podendo esse órgão jurisdicional, em conformidade com as disposições processuais nacionais, efectuar tal apreciação no âmbito de procedimentos análogos com fundamento no direito nacional.

    Atendendo à natureza e à importância do interesse público que está na base da protecção que a Directiva 93/13 garante aos consumidores, o seu artigo 6.° deve ser considerado uma norma equivalente às regras nacionais que ocupam, na ordem jurídica interna, o grau de normas de ordem pública.

    (cf. n.os 50, 54, disp. 1)

    2.        Quanto à questão de saber se uma cláusula contratual particular apresenta ou não carácter abusivo, o artigo 4.° da Directiva 93/13, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, indica que a resposta deve ser dada em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objecto do contrato e mediante a consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração. Neste contexto, devem igualmente ser avaliadas as consequências que a referida cláusula pode ter no âmbito do direito aplicável ao contrato, o que implica um exame do sistema jurídico nacional.

    Por conseguinte, o Tribunal de Justiça pode, no âmbito da competência de interpretação do direito da União que lhe é atribuída pelo artigo 267.° TFUE, interpretar os critérios gerais utilizados pelo legislador da União para definir o conceito de cláusula abusiva. Ao invés, não se pode pronunciar sobre a aplicação desses critérios gerais a uma cláusula particular que deve ser apreciada em função das circunstâncias próprias do caso.

    Consequentemente, é ao órgão jurisdicional nacional em causa que compete determinar se uma cláusula de um contrato de crédito na qual se prevê uma penalidade de montante desproporcionadamente elevado a suportar pelo consumidor, deve, à luz do conjunto das circunstâncias que rodearam a celebração desse contrato, ser considerada abusiva na acepção dos artigos 3.° e 4.° da Directiva 93/13. Em caso de resposta afirmativa, cabe ao referido órgão jurisdicional extrair todas as consequências daí decorrentes segundo o direito nacional, a fim de se certificar de que esse consumidor não é vinculado por essa cláusula. Esse órgão jurisdicional deve, além disso, em conformidade com o disposto no artigo 6.°, n.° 1, dessa directiva, apreciar se o contrato pode subsistir sem essa eventual cláusula abusiva.

    (cf. n.os 59‑61, 63, disp. 2)

    3.        A não indicação da taxa anual de encargos efectiva global (TAEG) num contrato de crédito ao consumo, indicação que é de importância essencial no contexto da Directiva 87/102, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao crédito ao consumo, conforme alterada pela Directiva 98/7, pode constituir um elemento decisivo no quadro da análise, a efectuar por um órgão jurisdicional nacional, da questão de saber se uma cláusula de um contrato de crédito ao consumo relativa ao custo deste em que não figura essa indicação está redigida de forma clara e compreensível na acepção do artigo 4.° da Directiva 93/13, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores. Se assim não for, esse órgão jurisdicional pode apreciar, mesmo oficiosamente, se, tendo em conta todas as circunstâncias que rodearam a celebração desse contrato, a não indicação da TAEG na cláusula desse contrato relativa ao custo desse crédito pode conferir a essa cláusula um carácter abusivo na acepção dos artigos 3.° e 4.° da Directiva 93/13.

    No entanto, não obstante a possibilidade de esse contrato ser apreciado à luz da Directiva 93/13, a Directiva 87/102 deve ser interpretada no sentido de que permite ao órgão jurisdicional nacional aplicar oficiosamente as disposições que transpõem para o ordenamento jurídico interno o artigo 4.° desta última directiva e que prevêem que a não indicação da TAEG num contrato de crédito ao consumo implica que o crédito concedido seja considerado isento de juros e de despesas.

    (cf. n.° 77, disp. 3)







    DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

    16 de Novembro de 2010 (*)

    «Reenvio prejudicial – Protecção dos consumidores – Directiva 93/13/CEE – Cláusulas abusivas – Directiva 2008/48/CE – Directiva 87/102 – Contratos de crédito ao consumo – Taxa anual de encargos efectiva global – Processo de arbitragem – Sentença arbitral – Faculdade de o juiz nacional apreciar oficiosamente o eventual carácter abusivo de certas cláusulas»

    No processo C‑76/10,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Krajský súd v Prešove (Eslováquia), por decisão de 19 de Janeiro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 9 de Fevereiro de 2010, no processo

    Pohotovosť s. r. o.

    contra

    Iveta Korčkovská,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

    composto por: L. Bay Larsen, exercendo funções de presidente da Oitava Secção, C. Toader (relatora) e A. Prechal, juízes,

    advogado-geral: N. Jääskinen,

    secretário: A. Calot Escobar,

    tencionando o Tribunal decidir por meio de despacho fundamentado, em conformidade com o disposto no artigo 104.º, n.º 3, primeiro parágrafo, do seu Regulamento de Processo,

    ouvido o advogado-geral,

    profere o presente

    Despacho

    1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29), conjugada com a regulamentação da União aplicável aos contratos de crédito ao consumo.

    2        Esse pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe a Pohotovosť s. r. o. (a seguir «Pohotovosť») a I. Korčkovská relativamente à execução de uma sentença arbitral que a condena a pagar a essa sociedade, em aplicação de cláusulas de um contrato de mútuo no montante de 20 000 SKK (663,88 euros) celebrado entre essas partes, a quantia de 48 820 SKK (1 620,53 euros) acrescida dos juros de mora e das despesas.

     Quadro jurídico

     A regulamentação da União

     A Directiva 87/102/CEE

    3        O vigésimo quinto considerando da Directiva 87/102/CEE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas ao crédito ao consumo (JO 1987 L 42, p. 48), conforme alterada pela Directiva 98/7/CE do Parlamento e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998 (JO L 101, p. 17, a seguir «Directiva 87/102»), encontra‑se redigido nos seguintes termos:

    «Considerando que, uma vez que a presente directiva prevê certo grau de aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao crédito ao consumo e um determinado nível de protecção ao consumidor, os Estados‑Membros não devem ser impedidos de aplicar ou de adoptar medidas mais severas de defesa do consumidor compatíveis com as obrigações decorrentes do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia».

    4        O artigo 1.° da Directiva 87/102 dispõe:

    «1.      A presente directiva aplica-se a contratos de crédito.

    2.      Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

    a)      ‘Consumidor’, a pessoa singular que, nas transacções abrangidas pela presente directiva, actue com objectivos que possam ser considerados alheios à sua actividade comercial ou profissão;

    b)      ‘Credor’, a pessoa singular ou colectiva, que conceda o crédito no âmbito da sua actividade comercial, ramo de negócio ou profissão, ou um grupo de tais pessoas;

    c)      ‘Contrato de Crédito’, o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de pagamento diferido, empréstimo ou qualquer outro acordo financeiro semelhante.

    […]

    d)       Custo total do crédito para o consumidor: todos os custos, incluindo juros e outras despesas, que o consumidor deve pagar pelo crédito;

    e)      Taxa anual de encargos efectiva global: o custo total do crédito para o consumidor expresso em percentagem anual do montante do crédito concedido e calculado de acordo com o artigo 1.ºA da presente directiva.»

    5        O artigo 1.°A dessa directiva prevê:

    «1.      a)     A taxa anual de encargos efectiva global que torna equivalentes, numa base anual, os valores actuais do conjunto dos compromissos (empréstimos, reembolsos e encargos) existentes ou futuros, assumidos pelo mutuante e pelo consumidor, será calculada de acordo com a fórmula matemática constante do anexo II.

             b)     Expõem-se no anexo III quatro exemplos de cálculo, a título indicativo.

    2.      Para calcular a taxa anual de encargos efectiva global, determina‑se o custo total do crédito para o consumidor, tal como é definido no n.º 2, alínea d), do artigo 1.º, com excepção das seguintes despesas:

    i)      As despesas a pagar pelo consumidor por incumprimento de alguma das obrigações que lhe incumbem, constantes do contrato de crédito;

    […]

    iii)      As despesas de transferência de fundos, bem como os encargos relativos à manutenção de uma conta destinada a receber os montantes debitados a título de reembolso do crédito, do pagamento dos juros e dos outros encargos, excepto se o consumidor não dispuser de uma razoável liberdade de escolha na matéria e se essas despesas forem excepcionalmente elevadas; no entanto, esta disposição não se aplica às despesas de cobrança de tais reembolsos ou pagamentos, quer sejam recebidos em numerário quer de outro modo;

    […]

    4.       a)     A taxa anual de encargos efectiva global será calculada no momento da celebração do contrato de crédito, sem prejuízo do disposto no artigo 3.º relativamente aos anúncios e ofertas publicitários.

             b)     O cálculo será efectuado no pressuposto de que o contrato de crédito permanece em vigor durante o período de tempo acordado e que o mutuante e o consumidor cumprem as respectivas obrigações nos prazos e datas acordados.

    6.      Quanto aos contratos de crédito que contenham cláusulas que permitam alterar a taxa de juro e o montante ou o nível das outras despesas incluídas na taxa anual de encargos efectiva global, mas que não possam ser quantificados no momento do respectivo cálculo, a taxa anual de encargos efectiva global será calculada tomando como hipótese que a taxa e as outras despesas se mantêm fixas relativamente ao nível inicial e são aplicáveis até ao termo do contrato de crédito.

    […]»

    6        O artigo 4.° da Directiva 87/102 dispõe:

    «1.      Os contratos de crédito devem ser feitos por escrito. O consumidor deve receber uma cópia do contrato escrito.

    2.      O contrato escrito deve indicar:

    a)      A taxa anual de encargos efectiva global;

    b)      As condições em que pode ser alterada a taxa anual de encargos efectiva global;

    c)      Uma relação do montante, do número e da periodicidade ou datas dos pagamentos que o consumidor deve efectuar para o reembolso do crédito e o pagamento dos juros e restantes despesas, bem como o montante total desses pagamentos sempre que possível;

    d)      Uma relação dos elementos de custo constantes do n.º 2 do artigo 1.ºA, com excepção das despesas relacionadas com a não observância das obrigações contratuais, que não tenham sido incluídos no cálculo da taxa anual de encargos efectiva global mas que devam ser pagos pelo consumidor em determinadas condições, bem como uma lista que especifique essas condições. Se o montante exacto desses elementos for conhecido deve ser indicado; caso contrário e sempre que possível, deve ser fornecido quer um método de cálculo quer uma estimativa tão realista quanto possível.

    Nos casos em que não for possível indicar a taxa anual de encargos efectiva global, será prestada ao consumidor uma informação adequada no contrato escrito. Tal informação incluirá pelo menos a informação prevista no n.º 1, segundo travessão, do artigo 6.º

    […]».

    7        O artigo 6.°, n.os 1 e 2, da Directiva 87/102 prevê:

    «1.       Não obstante a exclusão prevista no n.º 1, alínea e), do artigo 2.º, quando exista um contrato entre uma instituição de crédito ou instituição financeira e um consumidor para a concessão de crédito sob a forma de adiantamento numa conta corrente, com exclusão das contas de cartões de crédito, o consumidor será informado na altura ou antes da celebração do acordo,

    –        do eventual limite do crédito,

    –        da taxa anual de juro e dos encargos aplicáveis no momento da celebração do contrato e das condições em que os mesmos poderão ser alterados,

    –        da forma de pôr termo ao contrato.

    Essa informação será dada por escrito.

    2.      Por outro lado, durante o período do acordo, o consumidor será informado de qualquer alteração da taxa de juro anual ou dos encargos a que está sujeito, quando estes ocorram. Tal informação pode ser dada juntamente com o extracto da conta ou por qualquer outra forma aceitável para os Estados‑Membros.»

    8        O artigo 14.° dessa directiva dispõe:

    «1.      Os Estados‑Membros assegurarão que os contratos de crédito não possam derrogar, em detrimento do consumidor, as disposições da legislação nacional que dão cumprimento ou correspondem à presente directiva.

    2.      Os Estados-Membros assegurarão, além disso, que as disposições que adoptarem para darem cumprimento à presente directiva não possam ser contornadas em resultado da formulação dos contratos, em especial através do artifício de distribuir o montante do crédito por vários contratos separados.»

    9        O artigo 15.° da referida directiva estabelece:

    «A presente directiva não impede os Estados‑Membros de manter ou adoptar disposições mais severas de protecção dos consumidores que sejam compatíveis com as suas obrigações decorrentes do Tratado.»

     A Directiva 2008/48/CE

    10      A Directiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Directiva 87/102 (JO L 133, p. 66), institui a obrigação geral de o credor indicar ao consumidor, na fase pré‑contratual e também no próprio contrato de mútuo, certos dados, entre os quais a taxa anual de encargos efectiva global (a seguir «TAEG». O anexo I dessa directiva prevê um método de cálculo harmonizado da TAEG.

    11      Em conformidade com o disposto nos artigos 27.° e 29.° da Directiva 2008/48, o prazo de transposição deste diploma expirou em 12 de Maio de 2010, data em que a Directiva 87/102 foi revogada.

     A Directiva 93/13

    12      O artigo 3.° da Directiva 93/13 dispõe:

    «1.       Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

    2.       Considera-se que uma cláusula não foi objecto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

    O facto de alguns elementos de uma cláusula ou uma cláusula isolada terem sido objecto de negociação individual não exclui a aplicação do presente artigo ao resto de um contrato se a apreciação global revelar que, apesar disso, se trata de um contrato de adesão.

    Se o profissional sus[ten]tar que uma cláusula normalizada foi objecto de negociação individual, caber-lhe-á o ónus da prova.

    3.      O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

    13      O artigo 4.° dessa directiva prevê:

    «1.       Sem prejuízo do artigo 7.°, o carácter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objecto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

    2.      A avaliação do carácter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objecto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

    14      O artigo 5.° da referida directiva tem o seguinte teor:

    «No caso dos contratos em que as cláusulas propostas ao consumidor estejam, na totalidade ou em parte, consignadas por escrito, essas cláusulas deverão ser sempre redigidas de forma clara e compreensível. Em caso de dúvida sobre o significado de uma cláusula, prevalecerá a interpretação mais favorável ao consumidor. Esta regra de interpretação não é aplicável no âmbito dos processos previstos no n.° 2 do artigo 7.°»

    15      Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da mesma directiva «[o]s Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respectivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas».

    16      O artigo 7.° da Directiva 93/13 prevê:

    «1.      Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

    2.      Os meios a que se refere o n.° 1 incluirão disposições que habilitem as pessoas ou organizações que, segundo a legislação nacional, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, a recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou aos órgãos administrativos competentes para decidir se determinadas cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um carácter abusivo, e para aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas.

    3.      Respeitando a legislação nacional, os recursos previstos no n.° 2 podem ser interpostos, individualmente ou em conjunto, contra vários profissionais do mesmo sector económico ou respectivas associações que utilizem ou recomendem a utilização das mesmas cláusulas contratuais gerais ou de cláusulas semelhantes.»

    17      Nos termos do artigo 8.° da Directiva 93/13, «[o]s Estados-membros podem adoptar ou manter, no domínio regido pela presente directiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de protecção mais elevado para o consumidor».

    18      O n.° 1, alínea e), do anexo da directiva, relativo às cláusulas previstas no n.° 3 do artigo 3.° desse diploma, menciona as «[c]láusulas que têm como objectivo ou como efeito [...] e) (i)mpor ao consumidor que não cumpra as suas obrigações uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado».

     A regulamentação eslovaca

    19      O artigo 52.° do Código Civil dispõe:

    «1)      Por ‘contrato celebrado com o consumidor’ deve entender‑se todo o contrato, independentemente da forma jurídica que assuma, celebrado entre um fornecedor e um consumidor.

    2)      As cláusulas dos contratos celebrados com os consumidores e as disposições que regem as relações jurídicas em que os consumidores se encontrem envolvidos, devem ser sempre interpretadas em sentido favorável ao consumidor parte no contrato. As convenções ou acordos contratuais distintos cujo conteúdo ou finalidade vise contornar essas disposições são inválidos.

    [...]

    4)      Por ‘consumidor’ deve entender‑se a pessoa singular que, na celebração e no cumprimento de um contrato de consumo, não actua no quadro da sua actividade comercial ou de outra actividade económica.»

    20      O artigo 53.° desse código prevê:

    «1)      Os contratos celebrados com os consumidores não podem conter cláusulas que provoquem, em detrimento do consumidor, um desequilíbrio significativo dos direitos e obrigações das partes contratantes (cláusula abusiva). As cláusulas contratuais relativas ao objecto principal da execução e à adequação do preço não são consideradas abusivas se formuladas de forma precisa, clara e compreensível, ou se a cláusula abusiva tiver sido objecto de negociação individual.

    […]

    4)      São consideradas cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor, nomeadamente, as disposições que:

    […]

    k)      impõem como penalidade, ao consumidor que não cumpriu as suas obrigações, uma indemnização de montante desproporcionadamente elevado,

    […]

    5)      As cláusulas abusivas que figuram num contrato concluído com um consumidor são inválidas.»

    21      O artigo 4.° da Lei n.° 258/2001 sobre o crédito ao consumo, na versão aplicável à data dos factos do processo principal, dispõe:

    «Contrato de crédito ao consumo

    1)      O contrato de crédito ao consumo deve ser reduzido a escrito, sob pena de invalidade, devendo o consumidor receber um exemplar.

    2)      O contrato de crédito ao consumo deve conter, além dos elementos gerais,

    […]

    j)      a taxa anual de encargos efectiva global e o total das despesas associadas ao crédito que ficam a cargo do consumidor, calculadas com base em dados válidos no momento da celebração do contrato,

    [...]

    Se o contrato de crédito ao consumo não incluir os elementos indicados no n.° 2 [alínea] […] j), o crédito concedido considera‑se isento de juros e de despesas.»

    22      O artigo 45.° da Lei n.° 244/2002 sobre o processo de arbitral, na versão aplicável à data dos factos do processo principal, dispõe:

    «1)      O órgão jurisdicional competente para aplicar uma decisão ou proceder a uma execução nos termos da regulamentação particular põe termo, a pedido da parte no processo contra a qual foi ordenada a aplicação da sentença arbitral, ao processo de aplicação da decisão ou ao processo de execução,

    [...]

    c)      se a sentença arbitral impuser à parte no processo arbitral uma prestação que seja materialmente impossível, proibida pela lei ou contrária aos bons costumes.

    2)      O órgão jurisdicional competente para aplicar uma decisão ou proceder a uma execução põe termo, mesmo oficiosamente, à aplicação da sentença arbitral ou ao processo de execução caso detecte irregularidades, na acepção do n.° 1, alíneas b) e c), no processo arbitral.»

     O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

    23      I. Korčkovská, que é deficiente e beneficia de uma pensão de invalidez no valor de cerca de 370 euros por mês, em 26 de Fevereiro de 2008, contratou com a Pohotovosť um crédito cujas condições gerais eram as seguintes. A quantia mutuada foi de 20 000 SKK (663,88 euros) e os encargos correspondentes de 19 120 SKK (634,67 euros). I. Korčkovská obrigou‑se a reembolsar os referidos crédito e encargos no prazo de um ano através de prestações mensais no valor de 3 260 SKK (108,21 euros). Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a TAEG desse crédito ascendia assim a 95,6%, embora nunca viesse referido como tal nem nas condições gerais dos empréstimos concedidos pela Pohotovosť nem no contrato de mútuo celebrado.

    24      Por força do artigo 4.° das condições gerais, caso o devedor não liquide integralmente duas mensalidades consecutivas, o valor em dívida torna‑se imediatamente exigível. Além disso, se tal acontecer, o artigo 6.° das referidas condições gerais prevê o pagamento de juros de mora diários à taxa 0,25% sobre o montante devido contados da data em que a dívida se tornou exigível até ao dia do seu efectivo pagamento. Essa penalidade corresponde a uma taxa de 91,25% ao ano. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, a este propósito, que, segundo o direito eslovaco, as penalidades previstas em matéria cível sob a forma de juros de mora não devem ultrapassar as taxas de referência do Banco Central Europeu, actualmente fixadas em 1%, acrescidas de 8%, ou seja, 9% no total.

    25      O artigo 17.° das mesmas condições gerais determina que os litígios que tenham a sua origem num contrato de crédito serão decididos em Bratislava pelo Stály rozhodcovský súd (Tribunal Permanente de Arbitragem) ou por um órgão jurisdicional nacional competente para o efeito escolhido pela parte contratante que propõe a acção. Além disso, segundo o artigo 19.° das referidas condições, todas as relações entre o mutuante e o mutuário regem‑se pelas disposições do Código Comercial e não pelas do Código Civil. O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que o contrato em causa no processo principal incluía um mandato conferido a um advogado para representar I. Korčkovská.

    26      Como I. KorčKovská não liquidou duas mensalidades consecutivas, a Pohotovosť, em 9 de Outubro de 2008, intentou uma acção no Stály rozhodcovský súd, que, em 3 de Novembro de 2008, proferiu uma sentença arbitral em que condenou a interessada a pagar a essa sociedade a quantia de 48 820 SKK (1 620,53 euros), acrescida de juros de mora no montante de 39 120 SKK (1 298,55 euros) e das despesas no valor de 9 928 SKK (329,55 euros). Essa sentença adquiriu força de caso julgado em 15 de Dezembro de 2008 e tornou‑se exequível em 18 de Dezembro seguinte.

    27      Com base na referida sentença, um oficial de justiça requereu, em 9 de Março de 2009, ao Okresný súd Stará Ľubovňa (Tribunal de primeira instância de Stará Ľubovňa) uma autorização de execução para pagamento da quantia de 3 467 euros. Por despacho de 31 de Julho de 2009, esse órgão jurisdicional suspendeu o processo de execução por violação dos bons costumes no que respeita às despesas do representante legal da requerente no processo de execução, que ultrapassavam o montante de 94,61 euros, e ao pagamento de juros de mora à taxa de 0,25% por dia, no valor de 1 298,52 euros, contados desde de 21 de Julho de 2008 até à data de extinção da dívida.

    28      A Pohotovosť interpôs recurso desse despacho para o Krajský súd v Prešove (Tribunal de segunda instância de Prešov) em 26 de Agosto de 2009. A Asociácia spotrebiteľských subjektov Slovenska (Associação Eslovaca dos Consumidores, a seguir «Asociácia») foi autorizada a apresentar um articulado em apoio de I. Korčkovská. Nesse articulado, entre outras coisas, informou esse órgão jurisdicional do elevado número de processos de execução que a Pohotovosť havia intentado na Eslováquia. Ora, a Asociácia considera que as condições gerais dos empréstimos concedidos por essa sociedade incluem cláusulas abusivas e constituem práticas comerciais desleais, pelo que sugeriu ao órgão jurisdicional de reenvio que submetesse ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE.

    29      Para além de considerar que a denúncia apresentada pela Asociácia revela factos que lhe compete conhecer oficiosamente, o Krajský súd v Prešove decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudicais:

    «1)      a)     Os dados relativos ao custo total para o consumidor, expressos em pontos percentuais (taxa anual efectiva global – TAEG), assumem tal importância que, quando não sejam estipulados no contrato, não se pode considerar que o custo do crédito ao consumo foi indicado de forma transparente, suficientemente clara e compreensível?

             b)     Segundo o regime de protecção do consumidor, previsto na Directiva 93/13[…], pode considerar‑se que o custo constitui também uma cláusula abusiva num contrato de crédito ao consumo, por não ser suficientemente transparente e compreensível, quando não consta do contrato o custo total do crédito ao consumo, expresso em pontos percentuais, e o custo [do crédito] é expresso unicamente por um montante em dinheiro constituído por diversas prestações acessórias, parte das quais figura no contrato e outra parte nas condições gerais do contrato?

    2)      a)     Deve interpretar‑se a Directiva 93/13 […], no sentido de que o órgão jurisdicional nacional ao qual foi submetida uma acção executiva que visa a execução de uma sentença arbitral transitada em julgado e proferida à revelia, deve, quando disponha das informações necessárias sobre a situação jurídica e factual, apreciar oficiosamente o carácter desproporcionado de uma penalidade prevista num contrato de crédito celebrado entre uma entidade financeira e um consumidor, no caso de, nos termos das disposições processuais nacionais, ser possível efectuar tal apreciação no âmbito de procedimentos análogos com fundamento no direito nacional?

             b)     Caso uma penalidade por incumprimento das obrigações do consumidor seja desproporcionada, cabe ao órgão jurisdicional nacional deduzir todas as consequências daí decorrentes segundo o direito nacional, de modo a assegurar que a referida penalidade não seja aplicada ao consumidor?

             c)     Pode considerar‑se abusiva, em virtude do seu carácter desproporcionado, uma penalidade de 0,25% diários, ou seja, de 91,25% anuais, sobre o total do crédito concedido?

    3)      O regime de protecção do consumidor resultante da aplicação aos contratos de crédito ao consumo da legislação da União (Directiva 93/13[…], Directiva 2008/48[…] que revoga a Directiva 87/102[…]), permite ao juiz, quando um contrato viola as disposições relativas à protecção dos consumidores no âmbito do crédito ao consumo e, com base no referido contrato, já tenha sido apresentado um pedido de execução de uma sentença arbitral, suspender a execução ou ordená‑la a expensas do credor e no limite do valor não reembolsado do crédito concedido, quando, em conformidade com as disposições nacionais, seja possível realizar tal apreciação da sentença arbitral e o juiz disponha das informações necessárias sobre a situação jurídica e factual?»

     Quanto às questões prejudiciais

    30      Nos termos do artigo 104.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, quando a resposta a uma questão prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal pode, depois de ouvir o advogado‑geral, a qualquer momento, decidir por meio de despacho fundamentado.

    31      O Tribunal de Justiça considera ser isso o que se verifica no presente caso.

     Quanto à admissibilidade

    32      A Pohotovosť alega nas suas observações escritas, por um lado, que as respostas a algumas das questões prejudiciais podem ser dadas por meio de despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 104.°, n.° 3, do Regulamento de Processo. Por outro lado, ela sustenta, nomeadamente, que a primeira e a terceira questões não têm por objecto a interpretação do direito da União e que, de forma geral, o órgão jurisdicional de reenvio não respeitou a obrigação que lhe incumbe de resolver as questões de direito nacional previamente à solicitação da intervenção do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.° TFUE.

    33      A esse propósito, basta lembrar que, embora possa ser vantajoso, segundo as circunstâncias, que os problemas de puro direito nacional estejam resolvidos no momento do reenvio para o Tribunal de Justiça, os órgãos jurisdicionais nacionais dispõem da mais ampla faculdade para recorrer ao Tribunal de Justiça, se considerarem que um processo perante eles pendente suscita questões sobre as quais têm de decidir e que implicam uma interpretação ou uma apreciação de validade de disposições do direito da União que necessitam de uma decisão da sua parte (acórdão de 22 de Junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, ainda não publicado na Colectânea, n.° 41 e jurisprudência aí indicada).

    34      Quanto às questões prejudiciais formuladas pelo órgão jurisdicional de reenvio, cabe reconhecer que são relativas à interpretação do direito da União.

    35      Por conseguinte, há que responder a essas questões submetidas pelo Krajský súd v Prešove.

     Quanto à segunda questão, alínea a)

    36      Através da sua segunda questão, alínea a), que deve ser examinada em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, por força da Directiva 93/13, um órgão jurisdicional nacional chamado a conhecer de uma acção que visa a execução coerciva de uma sentença arbitral que adquiriu força de caso julgado e proferida à revelia, por o consumidor não se encontrar presente, deve, quando disponha dos elementos sobre a situação jurídica e factual necessários para o efeito, apreciar, mesmo oficiosamente, o carácter abusivo de uma penalidade prevista num contrato de crédito celebrado entre uma entidade financeira e um consumidor, penalidade essa que foi aplicada na referida sentença, no caso de, nos termos das disposições processuais nacionais, ser possível efectuar tal apreciação no âmbito de procedimentos análogos com fundamento no direito nacional.

    37      Segundo jurisprudência constante, o sistema de protecção instituído pela Directiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o conteúdo destas (acórdãos de 27 de Junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores, C‑240/98 a C‑244/98, Colect., p. I‑4941, n.° 25, e de 26 de Outubro de 2006, Mostaza Claro, C-168/05, Colect., p. I‑10421, n.° 25).

    38      Tendo em atenção esta situação de inferioridade, o artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 93/13 prevê que as cláusulas abusivas não vinculam o consumidor. Tal como resulta da jurisprudência, trata‑se de uma disposição imperativa que pretende substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e obrigações das partes por um equilíbrio real susceptível de restabelecer a igualdade entre estas (acórdãos Mostaza Claro, já referido, n.° 36, e de 4 de Junho de 2009, Pannon GSM, C‑243/08, Colect., p.  I‑4713, n.° 25).

    39      A fim de assegurar a protecção pretendida pela Directiva 93/13, o Tribunal de Justiça tem repetidamente sublinhado que a situação de desequilíbrio entre o consumidor e o profissional só pode ser compensada por uma intervenção positiva, exterior às partes do contrato (acórdãos Océano Grupo Editorial e Salvat Editores, já referido, n.° 27, Mostaza Claro, já referido, n.° 26, e de 6 de Outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones, C‑40/08, Colect., p. I‑9579, n.° 31).

    40      Foi à luz destes princípios que o Tribunal de Justiça julgou que o juiz nacional deve apreciar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula contratual (acórdão Asturcom Telecomunicaciones, já referido, n.° 32).

    41      A faculdade de o juiz apreciar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula constitui um meio adequado para, simultaneamente, atingir o resultado fixado no artigo 6.° da Directiva 93/13, isto é, impedir que um consumidor individual fique vinculado por uma cláusula abusiva, e contribuir para a realização do objectivo visado no seu artigo 7.°, uma vez que tal apreciação pode ter um efeito dissuasor que contribua para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional (acórdãos de 21 de Novembro de 2002, Cofidis, C‑473/00, Colect., p. I‑10875, n.° 32, e Mostaza Claro, já referido, n.° 27).

    42      Esta faculdade reconhecida ao juiz foi considerada necessária para assegurar ao consumidor uma protecção efectiva, tendo nomeadamente em conta o risco não despiciendo de este ignorar os seus direitos ou de ter dificuldade em exercê-los (acórdãos Cofidis, já referido, n.° 33, e Mostaza Claro, n.° 28).

    43      A protecção que a referida directiva confere aos consumidores estende‑se, assim, aos casos em que o consumidor que celebrou com um profissional um contrato que inclua uma cláusula abusiva se abstenha de invocar o carácter abusivo dessa cláusula, ou porque desconhece os seus direitos ou porque é dissuadido de o fazer devido aos custos de uma acção judicial (acórdão Cofidis, já referido, n.° 34).

    44      Essa protecção ainda mais se justifica quando, como parece considerar o órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial, o contrato de crédito em causa no processo principal inclui um mandato conferido a um advogado escolhido pelo credor e que deve representar o consumidor devedor, o qual só pode optar por fazer‑se representar por outro advogado caso pague uma penalidade contratual que representa 15% do montante do crédito.

    45      Na realidade, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito da União não obriga um órgão jurisdicional nacional a afastar a aplicação das regras processuais internas que conferem autoridade de caso julgado a uma decisão, como uma sentença arbitral, mesmo que isso permita obviar a uma violação de uma disposição, seja qual for a sua natureza, do direito da União pela decisão em causa (acórdão Asturcom Telecommunicaciones, já referido, n.° 37).

    46      A este propósito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar que, para garantir a estabilidade do direito e das relações jurídicas, e uma boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que se tornaram definitivas após o esgotamento das vias de recurso disponíveis ou depois de decorridos os prazos previstos para tais recursos já não possam ser postas em causa (acórdão Asturcom Telecommunicaciones, já referido, n.° 36 e jurisprudência aí indicada).

    47      Assim, na falta de regulamentação da União na matéria, as modalidades de aplicação do princípio da autoridade do caso julgado fazem parte da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros ao abrigo do princípio da autonomia processual destes últimos. Todavia, essas modalidades não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser concebidas de forma a tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efectividade) (acórdão Asturcom Telecommunicaciones, já referido, n.° 38).

    48      Relativamente ao princípio da equivalência, trata‑se de um princípio que exige que os requisitos impostos pelo direito nacional para suscitar oficiosamente uma regra de direito da União não sejam menos favoráveis do que as que regulam a aplicação oficiosa de regras do mesmo grau hierárquico de direito interno (acórdão Asturcom Telecommunicaciones, já referido, n.° 49 e jurisprudência aí indicada).

    49      Ora, a este propósito, importa precisar que o artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 93/13 constitui uma disposição de carácter imperativo. Além disso, deve salientar‑se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta directiva constitui, na sua totalidade, uma medida indispensável para o cumprimento das missões confiadas à União Europeia e, em particular, para aumentar o nível e a qualidade de vida em todo o seu território (v. acórdãos, já referidos, Mostaza Claro, n.° 37, e Asturcom Telecommunicaciones, n.° 51).

    50      Assim, atendendo à natureza e à importância do interesse público que está na base da protecção que a Directiva 93/13 garante aos consumidores, o seu artigo 6.° deve ser considerado uma norma equivalente às regras nacionais que ocupam, na ordem jurídica interna, o grau de normas de ordem pública (acórdão Asturcom Telecommunicaciones, n.° 52).

    51      Daqui resulta nomeadamente que, na medida em que o juiz nacional chamado a conhecer de uma acção executiva tendente à execução coerciva de uma decisão arbitral definitiva deva, segundo as regras processuais internas, apreciar oficiosamente se uma cláusula arbitral é contrária às regras nacionais de ordem pública, incumbe‑lhe igualmente apreciar oficiosamente o carácter abusivo dessa cláusula à luz do artigo 6.° da referida directiva, desde que disponha dos elementos jurídicos e de facto necessários para esse efeito (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Pannon GSM, n.° 32, e Asturcom Telecommunicaciones, n.° 53).

    52      No processo principal, afigura‑se que, segundo as indicações dadas pelo juiz de reenvio, a regulamentação nacional relativa ao processo de arbitragem obriga o juiz a pôr termo à execução de uma prestação prevista por uma sentença arbitral quando essa prestação é proibida por lei ou contrária aos bons costumes. Além disso, esse órgão jurisdicional considera que qualquer cláusula abusiva constante de um contrato celebrado com um consumidor é, nos termos do direito nacional, contrária aos bons costumes pois, a despeito da exigência de boa fé, cria em seu prejuízo um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações do profissional e os do referido consumidor.

    53      Assim, da mesma maneira que no contexto do processo que deu lugar ao acórdão Asturcom Telecommunicaciones, já referido, numa situação como a do processo principal, em que o órgão jurisdicional demandado para efeitos da execução de uma sentença arbitral pode pôr termo, mesmo oficiosamente, à aplicação dessa sentença arbitral quando esta imponha à parte em causa uma prestação materialmente impossível, proibida por lei e contrária aos bons costumes, esse órgão jurisdicional é obrigado, desde que disponha dos elementos sobre a situação jurídica e factual necessários para o efeito, a apreciar, mesmo oficiosamente, no quadro do processo de execução, o carácter abusivo da penalidade prevista num contrato de crédito celebrado entre uma entidade financeira e um consumidor.

    54      Deve, portanto, responder-se à segunda questão, alínea a), que, por força da Directiva 93/13, um órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer de uma acção que visa a execução coerciva de uma sentença arbitral que adquiriu força de caso julgado e proferida à revelia, por o consumidor não se encontrar presente, quando disponha dos elementos sobre a situação jurídica e factual necessários para o efeito, é obrigado a apreciar, mesmo oficiosamente, o carácter abusivo da penalidade prevista num contrato de crédito celebrado entre uma entidade financeira e um consumidor, penalidade essa que foi aplicada na referida sentença, e que, em conformidade com as disposições processuais nacionais, esse órgão jurisdicional pode efectuar tal apreciação no âmbito de procedimentos análogos com fundamento no direito nacional.

     Quanto à segunda questão, alíneas b) e c)

    55      Através da sua segunda questão, alíneas b) e c), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, por um lado, se uma cláusula de um contrato de crédito na qual se prevê, em caso de não pagamento pelo consumidor, uma penalidade diária de 0,25% do montante do crédito, ou seja, 91,25% desse montante por ano, pode ser qualificada de abusiva na acepção dos artigos 3.° e 4.° da Directiva 93/13 em virtude do seu carácter desproporcionado, e , por outro, em caso afirmativo, se cabe ao órgão jurisdicional nacional que verifica esse carácter desproporcionado garantir que essa cláusula não seja oponível ao consumidor.

    56      A este propósito, importa declarar que, referindo‑se aos conceitos de boa fé e de desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes, o artigo 3.° da Directiva 93/13 enuncia de forma meramente abstracta os elementos que conferem um carácter abusivo a uma cláusula contratual que não foi objecto de negociação individual (v., neste sentido, acórdãos de 7 de Maio de 2002, Comissão/Suécia, C‑478/99, Colect., p. I‑4147, n.° 17, e de 1 de Abril de 2004, Freiburger Kommunalbauten, C‑237/02, Colect., p. I‑3403, n.° 19).

    57      Porém, o artigo 3.°, n.° 2, da referida directiva prevê que se considera sempre que uma cláusula não foi objecto de negociação individual sempre que tenha sido redigida previamente e o consumidor não tenha, por essa razão, podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão, o que parece ser o que se passa no processo principal.

    58      O anexo para o qual remete o artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 93/13 contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser declaradas abusivas, entre as quais figuram, no n.° 1), alínea e), do referido anexo «que tem como objectivo ou como efeito (i)mpor ao consumidor que não cumpra as suas obrigações uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado».

    59      Quanto à questão de saber se uma cláusula contratual particular apresenta ou não carácter abusivo, o artigo 4.° da Directiva 93/13 indica que a resposta deve ser dada em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objecto do contrato e mediante a consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração. É de observar que, neste contexto, devem igualmente ser avaliadas as consequências que a referida cláusula pode ter no âmbito do direito aplicável ao contrato, o que implica um exame do sistema jurídico nacional (acórdão Freiburger Kommunalbauten, já referido, n.° 21).

    60      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça pode, no âmbito da competência de interpretação do direito da União que lhe é atribuída pelo artigo 267.° TFUE, interpretar os critérios gerais utilizados pelo legislador da União para definir o conceito de cláusula abusiva. Ao invés, não se pode pronunciar sobre a aplicação desses critérios gerais a uma cláusula particular que deve ser apreciada em função das circunstâncias próprias do caso, pelo que é ao órgão jurisdicional nacional que compete determinar se uma cláusula contratual como a em causa no processo principal, que prevê, segundo o apurado pelo tribunal de reenvio, uma indemnização de montante desproporcionadamente elevado, deve ser considerada abusiva à luz do conjunto das circunstâncias que rodeiam a celebração do contrato (v., neste sentido, acórdão Freiburger Kommunalbauten, já referido, n.os 22 e 25).

    61      Por conseguinte, para o caso de esse órgão jurisdicional chegar à conclusão de que a cláusula em questão no processo principal é abusiva na acepção da Directiva 93/13, deve recordar‑se que essa cláusula, em conformidade com o disposto no artigo 6.°, n.° 1, desse diploma, não deve vincular o consumidor, nas condições fixadas pelo direito nacional, e que, além disso, por força dessa mesma disposição, o referido órgão jurisdicional deverá apreciar se o contrato pode subsistir sem essa eventual cláusula abusiva.

    62      Assim, numa tal situação, incumbe a esse órgão jurisdicional extrair todas as consequências daí decorrentes segundo o direito nacional, a fim de se certificar de que esse consumidor não é vinculado por essa cláusula (v., neste sentido, acórdão Asturcom Telecommunicaciones, n.° 59).

    63      Atento o que precede, deve responder‑se à segunda questão, alíneas b) e c), que é ao órgão jurisdicional nacional em causa que compete determinar se uma cláusula de um contrato de crédito como a cláusula em causa no processo principal, na qual se prevê, segundo o apurado por esse órgão jurisdicional, uma penalidade de montante desproporcionadamente elevado a suportar pelo consumidor, deve, à luz do conjunto das circunstâncias que rodearam a celebração desse contrato, ser considerada abusiva na acepção dos artigos 3.° e 4.° da Directiva 93/13. Em caso de resposta afirmativa, cabe ao referido órgão jurisdicional extrair todas as consequências daí decorrentes segundo o direito nacional, a fim de se certificar de que esse consumidor não é vinculado por essa cláusula.

     Quanto à primeira questão

    64      Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a indicação, num contrato de crédito ao consumo, da TAEG, como prevista no artigo 4.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 87/102, constitui um dado essencial nesse tipo de contrato e, por conseguinte, se a falta dessa indicação permite considerar, para efeitos do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva 93/13, que as cláusulas desse contrato não estão redigidas de forma clara e compreensível, o que implicará que a cláusula relativa ao custo desse crédito poderá, então, ser objecto de uma apreciação por esse órgão jurisdicional em relação ao seu carácter eventualmente abusivo na acepção do artigo 3.° desta última directiva.

    65      A título preliminar, deve salientar‑se que, tendo em conta a data da celebração do contrato de mútuo em causa no processo principal e as precisões que figuram no n.° 11 do presente despacho, é à luz da Directiva 87/102 e não da Directiva 2008/48 que se deve responder à presente questão prejudicial.

    66      A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou que o objectivo prosseguido pela Directiva 87/102 consiste em assegurar o respeito de uma norma de protecção mínima dos consumidores em matéria de crédito ao consumo (acórdãos de 4 de Outubro de 2007, Rampion e Godard, C‑429/05, Colect., p. I‑8017, n.° 47, e de 23 de Abril de 2009, Scarpelli, C‑509/07, Colect., p. I‑3311, n.° 25). Com efeito, este diploma, como resulta do seu artigo 15.° e do seu vigésimo quinto considerando, segundo os quais a referida directiva não impede os Estados‑Membros de manter ou adoptar disposições mais severas de protecção dos consumidores, apenas procede a uma harmonização mínima das disposições nacionais relativas ao crédito ao consumo (acórdão Rampion e Godard, já referido, n.° 18).

    67      O Tribunal de Justiça também tem reiteradamente declarado que a Directiva 87/102, como resulta dos seus considerandos, foi adoptada com o duplo objectivo de assegurar, por um lado, a criação de um mercado comum do crédito ao consumo (terceiro a quinto considerandos) e, por outro, a protecção dos consumidores subscritores desses créditos (sexto, sétimo e nono considerandos) (acórdãos de 23 de Março de 2000, Berliner Kindl Brauerei, C‑208/98, Colect., p. I‑1741, n.° 20, e de 4 de Março de 2004, Cofinoga, C‑264/02, Colect., p. I‑2157, n.° 25).

    68      É nesta perspectiva de protecção do consumidor contra as condições de crédito injustas e para lhe permitir ter um completo conhecimento das condições da execução futura do contrato celebrado que o artigo 4.° exige que o devedor, no momento da celebração, esteja na posse de todos os elementos susceptíveis de ter influência sobre a sua obrigação (acórdão Berliner Kindl Brauerei, já referido, n.° 21).

    69      O artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Directiva 87/102 prevê que o contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e que o contrato escrito deve indicar a TAEG e as condições em que esta pode ser alterada. O seu artigo 1.°A fixa as modalidades de cálculo da TAEG e precisa, no seu n.° 4, alínea a), que esta será calculada «no momento da celebração do contrato» (v., neste sentido, acórdão Cofinoga, já referido, n.° 23).

    70      Essa informação do consumidor sobre o custo global do crédito, na forma de uma taxa calculada segundo uma fórmula matemática única, reveste, assim, importância essencial. Por um lado, esta informação, que, segundo o artigo 3.° da Directiva 87/102, deve ser comunicada logo na fase da publicidade, contribui para a transparência do mercado, pois permite ao consumidor comparar as ofertas de crédito. Por outro lado, permite ao consumidor apreciar o alcance das obrigações que assume (acórdão Cofinoga, já referido, n.° 26).

    71      Por conseguinte, numa situação como a do processo principal, a não indicação da TAEG no contrato de crédito em causa, indicação essa que é de importância essencial no contexto da Directiva 87/102, pode ser um elemento decisivo no quadro da análise, a efectuar por um órgão jurisdicional nacional, da questão de saber se uma cláusula de um contrato de crédito relativa ao custo deste em que não figura essa indicação está redigida de forma clara e compreensível na acepção do artigo 4.° da Directiva 93/13.

    72      Se assim não for, os órgãos jurisdicionais nacionais podem apreciar o carácter abusivo dessa cláusula na acepção do artigo 3.° da Directiva 93/13. Com efeito, mesmo que essa cláusula possa ser analisada como integrada na exclusão prevista no referido artigo, deve recordar‑se que as cláusulas visadas no artigo 4.°, n.° 2, dessa directiva, embora incluídas no domínio regulado pela Directiva 93/13, escapam somente à avaliação do seu carácter abusivo, na medida em que o órgão jurisdicional competente deva considerar, após uma apreciação do caso concreto, que foram redigidas pelo profissional de maneira clara e compreensível (v. acórdão de 3 de Junho de 2010, Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid, C‑484/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 32).

    73      No processo principal, pode‑se considerar, à luz da Directiva 93/13, a possibilidade de um exame do carácter abusivo da cláusula do contrato de crédito que não inclui a indicação da TAEG e, a este propósito, como se reconheceu no n.° 53 do presente despacho, o juiz nacional tem a faculdade de apreciar oficiosamente essa cláusula. Em tal situação, como se recordou no n.° 60 do presente despacho, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, atentas todas as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato em causa no processo principal, a não indicação da TAEG numa cláusula de um contrato de crédito ao consumo relativa ao custo desse crédito é susceptível de conferir à referida cláusula um carácter abusivo na acepção dos artigos 3.° e 4.° da Directiva 93/13.

    74      No entanto, resulta das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, em conformidade com o disposto no artigo 4.° da Lei n.° 258/2001, lei que transpõe a Directiva 87/102, um contrato de crédito ao consumo deve incluir a indicação da TAEG e, na falta dessa indicação, o crédito concedido considera‑se isento de juros e de despesas.

    75      Ora o artigo 14.° da referida directiva determina que os Estados‑Membros devem garantir que os contratos de crédito não derroguem, em detrimento do consumidor, as disposições da legislação nacional que dão cumprimento a essa mesma directiva ou que lhe correspondem.

    76      Por conseguinte, em circunstâncias como as do processo principal, sem que seja necessário um exame do carácter abusivo da cláusula que não inclui a indicação da TAEG à luz da Directiva 93/13, a Directiva 87/102 deve ser interpretada no sentido de que permite ao órgão jurisdicional nacional aplicar oficiosamente as disposições que transpõem para o ordenamento jurídico interno o artigo 4.° desta última directiva e que prevêem que a não indicação da TAEG num contrato de crédito ao consumo implica que o crédito concedido seja considerado isento de juros e de despesas (v. por analogia, no tocante ao artigo 11.°, n.° 2, da Directiva 87/102, acórdão Rampion e Godard, já referido, n.° 69).

    77      Deve, por conseguinte, responder‑se à primeira questão que, em circunstâncias como as do processo principal, a não indicação da TAEG num contrato de crédito ao consumo, indicação que é de importância essencial no contexto da Directiva 87/102, pode constituir um elemento decisivo no quadro da análise, a efectuar por um órgão jurisdicional nacional, da questão de saber se uma cláusula de um contrato de crédito ao consumo relativa ao custo deste em que não figura essa indicação está redigida de forma clara e compreensível na acepção do artigo 4.° da Directiva 93/13. Se assim não for, esse órgão jurisdicional pode apreciar, mesmo oficiosamente, se, tendo em conta todas as circunstâncias que rodearam a celebração desse contrato, a não indicação da TAEG na cláusula desse contrato relativa ao custo desse crédito pode conferir a essa cláusula um carácter abusivo na acepção dos artigos 3.° e 4.° da Directiva 93/13. No entanto, não obstante a possibilidade de esse contrato ser apreciado à luz da Directiva 93/13, a Directiva 87/102 deve ser interpretada no sentido de que permite ao órgão jurisdicional nacional aplicar oficiosamente as disposições que transpõem para o ordenamento jurídico interno o artigo 4.° desta última directiva e que prevêem que a não indicação da TAEG num contrato de crédito ao consumo implica que o crédito concedido seja considerado isento de juros e de despesas.

     Quanto à terceira questão

    78      Através dessa questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, em circunstâncias como as do processo principal e tendo chegado à conclusão de que as disposições das Directivas 87/102 e 93/13 não foram respeitadas, pode, ao abrigo da regulamentação da União relativa à protecção dos consumidores, pôr termo ou limitar a execução de uma sentença arbitral definitiva proferida em virtude de uma cláusula compromissória prevista no contrato de mútuo.

    79      A este propósito deve recordar‑se que, no âmbito do artigo 267.° TFUE, o Tribunal de Justiça não está habilitado a aplicar as regras comunitárias a um caso determinado, mas apenas a pronunciar‑se sobre a interpretação do Tratado e dos actos adoptados pelas instituições da União (acórdão de 6 de Outubro de 2005, MyTravel, C‑291/03, Colect., p. I‑8477, n.° 43 e jurisprudência aí indicada).

    80      Ora, com a presente questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende que o Tribunal de Justiça lhe indique se, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, tendo em atenção as respostas dadas pelo Tribunal de Justiça às primeira e segunda questão, lhe é possível, em aplicação do direito da União e do direito nacional, limitar a execução da sentença arbitral definitiva em causa no processo principal apenas à quantia ainda em dívida a título do crédito ao consumo.

    81      Na medida em que a resposta a essa questão implica que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a aplicação concreta, aos factos do caso em apreço, das regras de direito interpretadas no quadro das duas primeiras questões e em que, de qualquer forma o órgão jurisdicional de reenvio dispõe, com base nas respostas dadas às referidas questões, dos elementos de interpretação necessários à resolução do litígio que lhe foi submetido, não há que responder à presente questão.

     Quanto às despesas

    82      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

    1)      Por força da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, um órgão jurisdicional nacional, chamado a conhecer de uma acção que visa a execução coerciva de uma sentença arbitral que adquiriu força de caso julgado e proferida à revelia, por o consumidor não se encontrar presente, quando disponha dos elementos sobre a situação jurídica e factual necessários para o efeito, é obrigado a apreciar, mesmo oficiosamente, o carácter abusivo da penalidade prevista num contrato de crédito celebrado entre uma entidade financeira e um consumidor, penalidade essa que foi aplicada na referida sentença, e que, em conformidade com as disposições processuais nacionais, esse órgão jurisdicional pode efectuar tal apreciação no âmbito de procedimentos análogos com fundamento no direito nacional.

    2)      É ao órgão jurisdicional nacional em causa que compete determinar se uma cláusula de um contrato de crédito como a cláusula em causa no processo principal, na qual se prevê, segundo o apurado por esse órgão jurisdicional, uma penalidade de montante desproporcionadamente elevado a suportar pelo consumidor, deve, à luz do conjunto das circunstâncias que rodearam a celebração desse contrato, ser considerada abusiva na acepção dos artigos 3.° e 4.° da Directiva 93/13. Em caso de resposta afirmativa, cabe ao referido órgão jurisdicional extrair todas as consequências daí decorrentes segundo o direito nacional, a fim de se certificar de que esse consumidor não é vinculado por essa cláusula.

    3)      Em circunstâncias como as do processo principal, a não indicação da taxa anual de encargos efectiva global num contrato de crédito ao consumo, indicação que é de importância essencial no contexto da Directiva 87/102/CEE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao crédito ao consumo, conforme alterada pela Directiva 98/7/CE do Parlamento e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998, pode constituir um elemento decisivo no quadro da análise, a efectuar por um órgão jurisdicional nacional, da questão de saber se uma cláusula de um contrato de crédito ao consumo relativa ao custo deste em que não figura essa indicação está redigida de forma clara e compreensível na acepção do artigo 4.° da Directiva 93/13. Se assim não for, esse órgão jurisdicional pode apreciar, mesmo oficiosamente, se, tendo em conta todas as circunstâncias que rodearam a celebração desse contrato, a não indicação da taxa anual de encargos efectiva global na cláusula desse contrato relativa ao custo desse crédito pode conferir a essa cláusula um carácter abusivo na acepção dos artigos 3.° e 4.° da Directiva 93/13. No entanto, não obstante a possibilidade de esse contrato ser apreciado à luz da Directiva 93/13, a Directiva 87/102 deve ser interpretada no sentido de que permite ao órgão jurisdicional nacional aplicar oficiosamente as disposições que transpõem para o ordenamento jurídico interno o artigo 4.° desta última directiva e que prevêem que a não indicação da taxa anual de encargos efectiva global num contrato de crédito ao consumo implica que o crédito concedido seja considerado isento de juros e de despesas .

    Assinaturas


    * Língua do processo: le slovaque.

    Início