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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62008CJ0333

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 28 de Janeiro de 2010.
Comissão Europeia contra República Francesa.
Incumprimento de Estado - Livre circulação de mercadorias - Artigos 28.º CE e 30.º CE - Restrição quantitativa à importação - Medida de efeito equivalente - Regime de autorização prévia - Adjuvantes tecnológicos e géneros alimentícios em cuja preparação foram utilizados adjuvantes tecnológicos provenientes de outros Estados-Membros onde são legalmente fabricados e/ou comercializados - Procedimento que permite aos operadores económicos obter a inscrição dessas substâncias numa ‘lista positiva’ - Cláusula de reconhecimento mútuo - Quadro regulamentar nacional que cria uma situação de insegurança jurídica para os operadores económicos.
Processo C-333/08.

Colectânea de Jurisprudência 2010 I-00757

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2010:44

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

28 de Janeiro de 2010 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Livre circulação de mercadorias — Artigos 28.o CE e 30.o CE — Restrição quantitativa à importação — Medida de efeito equivalente — Regime de autorização prévia — Adjuvantes tecnológicos e géneros alimentícios em cuja preparação foram utilizados adjuvantes tecnológicos provenientes de outros Estados-Membros onde são legalmente fabricados e/ou comercializados — Procedimento que permite aos operadores económicos obter a inscrição dessas substâncias numa ‘lista positiva’ — Cláusula de reconhecimento mútuo — Quadro regulamentar nacional que cria uma situação de insegurança jurídica para os operadores económicos»

No processo C-333/08,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.o CE, entrada em 18 de Julho de 2008,

Comissão Europeia, representada por B. Stromsky, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Francesa, representada por G. de Bergues e R. Loosli-Surrans, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, P. Lindh, A. Rosas, A. Ó Caoimh (relator) e A. Arabadjiev, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: R. Grass,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 8 de Setembro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1

Na petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao estabelecer, para os adjuvantes tecnológicos (a seguir «AT») e os géneros alimentícios em cuja preparação foram utilizados AT provenientes de outros Estados-Membros onde são legalmente fabricados e/ou comercializados, um regime de autorização prévia que não respeita o princípio da proporcionalidade, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.o CE.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

2

Os AT são substâncias utilizadas no processo de elaboração ou fabrico de géneros alimentícios e que visam a obtenção de um determinado efeito técnico durante esse processo.

3

Embora o direito comunitário proceda à harmonização de determinadas categorias de AT, estes não foram objecto de harmonização horizontal a nível comunitário, pelo que, de modo geral, os Estados-Membros, desde que respeitem as regras do Tratado CE, podem livremente regulamentar a sua utilização.

Directiva 89/107/CEE

4

O artigo 1.o, n.o 3, alínea a), da Directiva 89/107/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos aditivos que podem ser utilizados nos géneros destinados à alimentação humana (JO 1989, L 40, p. 27), define os AT, em nota de pé de página, como «qualquer substância que não é consumida como ingrediente alimentar em si e que é intencionalmente utilizada na transformação das matérias-primas, dos géneros alimentícios ou dos seus ingredientes, para atingir determinado objectivo tecnológico durante o tratamento ou a transformação e que possa ter como resultado a presença não intencional de resíduos tecnicamente inevitáveis da substância em causa ou dos derivados no produto acabado, na condição de que esses resíduos não apresentem qualquer risco sanitário e não produzam efeitos tecnológicos sobre o produto acabado».

5

Desta mesma disposição da Directiva 89/107 resulta que os AT estão excluídos do seu âmbito de aplicação.

Directiva 98/34/CE

6

O artigo 8.o da Directiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 204, p. 37), estatui:

«1.   Sob reserva do disposto no artigo 10.o, os Estados-Membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projecto de regra técnica, excepto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviarão igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas já transparecerem do projecto.

[…]

Sempre que o projecto de regra técnica se destine em especial a limitar a comercialização ou a utilização de uma substância, de uma preparação ou de um produto químico, inclusive por razões de saúde pública, defesa dos consumidores ou protecção do ambiente, os Estados-Membros devem também comunicar um resumo ou as referências dos dados pertinentes relativos à substância, à preparação ou ao produto em causa e os referentes aos produtos alternativos conhecidos e disponíveis, na medida em que tais informações estejam disponíveis, bem como os efeitos previsíveis da medida sobre a saúde pública, a defesa dos consumidores e a protecção do ambiente, com uma análise de risco efectuada, quando necessário […].

[…]

2.   A Comissão e os Estados-Membros podem enviar ao Estado-Membro que tiver apresentado um projecto de regra técnica observações que este Estado-Membro tomará em consideração, na medida do possível, aquando da elaboração definitiva da regra técnica.

[…]»

Directiva 2000/13/CE

7

O artigo 3.o, n.o 1, da Directiva 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Março de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios (JO L 109, p. 29), prevê que a rotulagem dos géneros alimentícios incluirá, nas condições e sem prejuízo das derrogações previstas nos artigos 4.o a 17.o da mesma directiva, certas indicações obrigatórias, incluindo a lista dos ingredientes.

8

Todavia, nos termos do artigo 6.o, n.o 4, alínea c), ii), da Directiva 2000/13, os aditivos utilizados como AT não são considerados ingredientes.

9

O artigo 18.o da Directiva 2000/13 tem o seguinte teor:

«1.   Os Estados-Membros não podem proibir o comércio dos géneros alimentícios que estejam conformes às regras previstas na presente directiva, através da aplicação de disposições nacionais não harmonizadas que regulem a rotulagem e apresentação de certos géneros alimentícios ou dos géneros alimentícios em geral.

2.   O n.o 1 não é aplicável às disposições nacionais não harmonizadas justificadas por razões:

de protecção da saúde pública,

[…]»

Regulamento (CE) n.o 178/2002

10

O terceiro considerando do Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31, p. 1), tem a seguinte redacção:

«A livre circulação de géneros alimentícios e de alimentos para animais na Comunidade só pode ser alcançada se os requisitos de segurança dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais não diferirem de forma significativa entre os Estados-Membros.»

11

Nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 178/2002, este último prevê os fundamentos para garantir um elevado nível de protecção da saúde humana e dos interesses dos consumidores em relação aos géneros alimentícios, tendo nomeadamente em conta a diversidade da oferta de géneros alimentícios, incluindo produtos tradicionais, e assegurando, ao mesmo tempo, o funcionamento eficaz do mercado interno. Estabelece princípios e responsabilidades comuns, a maneira de assegurar uma sólida base científica e disposições e procedimentos organizacionais eficientes para servir de base à tomada de decisões no domínio da segurança dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais.

12

O artigo 5.o do Regulamento n.o 178/2002, sob a epígrafe «Objectivos gerais», dispõe:

«1.   A legislação alimentar deve procurar alcançar um ou mais dos objectivos gerais de um elevado nível de protecção da vida e da saúde humanas, a protecção dos interesses dos consumidores, incluindo as boas práticas no comércio de géneros alimentícios, tendo em conta, sempre que adequado, a protecção da saúde e do bem-estar animal, a fitossanidade e o ambiente.

2.   A legislação alimentar deve visar a realização da livre circulação na Comunidade de géneros alimentícios e de alimentos para animais, fabricados ou comercializados em conformidade com os princípios e os requisitos gerais constantes do presente capítulo.

[…]»

13

O artigo 6.o do Regulamento n.o 178/2002, intitulado «Análise dos riscos», tem o seguinte teor:

«1.   A fim de alcançar o objectivo geral de um elevado nível de protecção da vida e da saúde humanas, a legislação alimentar basear-se-á na análise dos riscos, excepto quando tal não for adequado às circunstâncias ou à natureza da medida.

2.   A avaliação dos riscos basear-se-á nas provas científicas disponíveis e será realizada de forma independente, objectiva e transparente.

3.   A gestão dos riscos terá em conta os resultados da avaliação dos riscos, em especial os pareceres da Autoridade a que se refere o artigo 22.o, outros factores legítimos para a matéria em consideração e o princípio da precaução sempre que se verifiquem as condições previstas no n.o 1 do artigo 7.o, a fim de alcançar os objectivos gerais da legislação alimentar definidos no artigo 5.o»

14

O artigo 7.o do Regulamento n.o 178/2002, sob a epígrafe «Princípio da precaução», dispõe:

«1.   Nos casos específicos em que, na sequência de uma avaliação das informações disponíveis, se identifique uma possibilidade de efeitos nocivos para a saúde, mas persistam incertezas a nível científico, podem ser adoptadas as medidas provisórias de gestão dos riscos necessárias para assegurar o elevado nível de protecção da saúde por que se optou na Comunidade, enquanto se aguardam outras informações científicas que permitam uma avaliação mais exaustiva dos riscos.

2.   As medidas adoptadas com base no n.o 1 devem ser proporcionadas e não devem impor mais restrições ao comércio do que as necessárias para se alcançar o elevado nível de protecção por que se optou na Comunidade, tendo em conta a viabilidade técnica e económica e outros factores considerados legítimos na matéria em questão. Tais medidas devem ser reexaminadas dentro de um prazo razoável, consoante a natureza do risco para a vida ou a saúde e o tipo de informação científica necessária para clarificar a incerteza científica e proceder a uma avaliação mais exaustiva do risco.»

15

O artigo 14.o do Regulamento n.o 178/2002, intitulado «Requisitos de segurança dos géneros alimentícios», tem a seguinte redacção:

«1.   Não serão colocados no mercado quaisquer géneros alimentícios que não sejam seguros.

2.   Os géneros alimentícios não serão considerados seguros se se entender que são:

a)

prejudiciais para a saúde;

b)

impróprios para consumo humano.

[…]

7.   São considerados seguros os géneros alimentícios que estejam em conformidade com as disposições comunitárias específicas que regem a sua segurança, no que diz respeito aos aspectos cobertos por essas disposições.

[…]

9.   Na ausência de disposições comunitárias específicas, os géneros alimentícios são considerados seguros quando estiverem em conformidade com as disposições específicas da legislação alimentar do Estado-Membro em cujo território são comercializados, desde que tais disposições sejam formuladas e aplicadas sem prejuízo do Tratado CE, nomeadamente dos artigos 28.o e 30.o»

Legislação nacional

Decreto de 1912

16

Nos termos do artigo 1.o do Decreto de 15 de Abril de 1912, que institui o regulamento administrativo de execução da Lei de sobre o combate à fraude na venda de mercadorias e às falsificações de géneros alimentícios, conforme alterado por diversas vezes (a seguir «Decreto de 1912»):

«É proibido deter para venda, pôr à venda ou vender qualquer mercadoria ou género alimentício destinado à alimentação humana que contenha aditivos químicos cuja utilização não tenha sido autorizada por [‘arrêtés’] regulamentos conjuntos do Ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, do Ministro da Economia e das Finanças, do Ministro do Desenvolvimento Industrial e Científico e do Ministro da Saúde, após parecer do Conseil supérieur d’hygiène publique de France [CSHPF] e da académie nationale de médecine.»

17

O CSHPF é um organismo, dependente do Ministério da Saúde, responsável por peritagens de natureza científica e técnica.

18

O artigo 2.o do Decreto de 1912 estabelece:

«Também é proibido utilizar, ainda que temporariamente, na preparação dos produtos e géneros alimentícios destinados à alimentação humana, produtos químicos diferentes daqueles cuja utilização tenha sido autorizada por regulamentos adoptados nos termos do disposto no artigo 1.o»

19

Foi aprovada toda uma série de regulamentos de execução do Decreto de 1912, que determinam as condições em que os AT podem ser utilizados nos processos de fabrico.

20

Esses regulamentos estabelecem, em geral, a substância autorizada assim como a utilização e o género alimentício para os quais foi autorizada. Especificam os critérios de pureza e outras características que os AT devem respeitar e estabelecem, para além das condições de utilização do AT em questão no processo de fabrico, os teores residuais máximos dos AT utilizados no género alimentício acabado.

21

Apenas quatro desses regulamentos incluem uma cláusula de reconhecimento mútuo, a saber, o de 6 de Fevereiro de 1989, que fixa a lista dos AT que podem ser utilizados em doçaria, o de , relativo à utilização da ß ciclodextrina como AT, o de , relativo à utilização de diversos AT em alimentação humana, e o de , relativo à utilização de agentes antiespuma na lavagem de batatas e cogumelos.

Decreto de 2001

22

O artigo 1.o, primeiro parágrafo, do Decreto n.o 2001-725, de 31 de Julho de 2001, relativo aos AT que podem ser utilizados no fabrico de géneros destinados à alimentação humana (JORF de , a seguir «Decreto de 2001»), define os AT como «qualquer substância não consumida isoladamente como ingrediente alimentar e intencionalmente utilizada na transformação das matérias-primas, dos géneros alimentícios ou dos seus ingredientes, para atingir determinado objectivo tecnológico durante o tratamento ou a transformação e que possa conduzir à presença não intencional de resíduos tecnicamente inevitáveis dessa substância ou dos seus derivados no produto final, e desde que esses resíduos não apresentem qualquer risco sanitário nem produzam efeitos tecnológicos no produto acabado».

23

O artigo 1.o, segundo parágrafo, deste decreto determina:

«O disposto no presente decreto aplica-se aos [AT] das categorias enumeradas no anexo do presente diploma, utilizados ou que se destinam a ser utilizados no fabrico de géneros alimentícios destinados à alimentação humana.

Não se aplica:

Aos [AT] utilizados na produção de aditivos alimentares, aromas, vitaminas e outros aditivos com valor nutritivo;

Às substâncias utilizadas nas operações de tratamento das águas minerais naturais ou das águas de nascente quando essas operações antecedem a colocação no mercado dessas águas sob uma das denominações de venda definidas no Decreto de 6 de Junho de 1989 […];

Às substâncias utilizadas quando da aplicação dos métodos de correcção das águas destinadas à alimentação humana, quando esses métodos tenham sido definidos nos termos das disposições regulamentares aprovadas ao abrigo do disposto no artigo L. 1321-4 do Código da Saúde Pública.»

24

O artigo 2.o do Decreto de 2001 está redigido nos seguintes termos:

«Mediante regulamento dos Ministros responsáveis pelo consumo, pela agricultura, pela saúde e pela indústria, após parecer da Agence française de sécurité sanitaire des aliments [a seguir ‘AFSSA’], são fixados, para as categorias constantes do anexo do presente diploma:

A lista dos [AT] cuja utilização é autorizada e, eventualmente, as condições da sua utilização assim como os limites máximos de resíduos admissíveis;

Os critérios de identidade e de pureza que devem cumprir;

As regras relativas às substâncias utilizadas como produtos de suporte ou de diluição.

Os [AT] devem ser utilizados com respeito pelas boas práticas de higiene e de fabrico, nomeadamente quando o regulamento previsto no presente artigo não estabeleça qualquer requisito de utilização.

A quantidade de [AT] utilizada não deve exceder o estritamente necessário à obtenção do efeito pretendido nem induzir o consumidor em erro.

Os fabricantes devem conservar à disposição dos agentes de fiscalização todos os elementos susceptíveis de comprovar que essas substâncias foram utilizadas com respeito pelas boas práticas de fabrico.»

25

Resulta do artigo L. 1323-1 do Código da Saúde Pública que a AFSSA é um organismo público do Estado, sob tutela dos Ministros responsáveis pela agricultura, pelo consumo e pela saúde.

26

O artigo 3.o do Decreto de 2001 prevê:

«Os pedidos que visem modificar ou completar as disposições do regulamento previsto no artigo 2.o podem ser apresentados por qualquer pessoa singular ou colectiva. São dirigidos à direction générale de la concurrence, de la consommation et de la répression des fraudes [Direcção-Geral da Concorrência, do Consumo e da Repressão das Fraudes] e acompanhados do dossier necessário à sua instrução, com vista à sua transmissão à [AFSSA].

Um regulamento dos Ministros responsáveis pelo consumo, pela agricultura, pela saúde e pela indústria fixará as regras relativas à constituição dos processos.

Logo que o processo esteja completo, a direction générale de la concurrence, de la consommation et de la répression des fraudes acusará a recepção do mesmo e assegurará a sua transmissão à [AFSSA]. A agência dispõe de um prazo de quatro meses a contar da recepção do pedido para emitir um parecer.

A direction générale de la concurrence, de la consommation et de la répression des fraudes notificará ao requerente o parecer desse organismo e a decisão fundamentada do Ministro, tomada na sequência do referido parecer. Esta notificação é feita no mês seguinte à adopção do parecer.»

27

Nos termos do artigo 4.o deste mesmo decreto:

«O regulamento previsto no artigo 2.o será actualizado, designadamente, para efeitos do cumprimento das obrigações comunitárias e para responder às propostas da [AFSSA], na sequência de novas informações sobre a eventual toxicidade dos [AT].»

28

O artigo 6.o do Decreto de 2001 prevê:

«É proibido deter ou expor para venda, pôr à venda, vender ou distribuir a título gratuito:

Géneros alimentícios destinados à alimentação humana em cuja preparação tenham sido utilizados [AT] que não cumpram o disposto no artigo 2.o ou no Decreto n.o 2004-187, de 26 de Fevereiro de 2004, relativo à transposição da Directiva 98/8/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de , relativa à colocação de produtos biocidas no mercado;

[AT] que não cumpram o disposto nos artigos 2.o e 5.o ou no Decreto n.o 2004-187, de 26 de Fevereiro de 2004, relativo à transposição da Directiva 98/8 […].

Todavia, estas disposições não constituem obstáculo ao princípio da livre circulação:

a)

dos géneros referidos no n.o 1 do presente artigo que sejam provenientes de outros Estados-Membros da Comunidade Europeia ou de outras partes contratantes do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, desde que esses Estados tenham aprovado uma forma de avaliação dos riscos que a utilização de [AT] representa, permitindo assegurar um nível de segurança equivalente ao garantido pelo presente decreto;

b)

dos [AT] provenientes de outros Estados-Membros da Comunidade Europeia ou de outras partes contratantes do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que apresentem critérios de pureza diferentes dos fixados no regulamento previsto no artigo 2.o, quando esses critérios tenham sido fixados por um desses Estados ou tenham sido objecto de um parecer favorável de uma entidade competente num desses países, oficialmente publicado.»

29

Nos termos do artigo 7.o do Decreto de 2001:

«[A]s disposições do presente decreto entram em vigor na data de publicação do regulamento previsto no artigo 2.o Os responsáveis pela colocação de [AT] no mercado dispõem de um prazo de seis meses a contar da data de publicação do referido regulamento para dar cumprimento ao disposto no artigo 5.o do presente diploma.»

30

O anexo do Decreto de 2001 enumera as categorias de AT a que este último se aplica. Trata-se dos agentes antiespuma, dos catalisadores, dos agentes clarificantes/adjuvantes de filtragem, dos agentes descolorantes, dos agentes de lavagem e de pelagem/descasque, dos agentes de depenagem e de epilação, das resinas de permuta iónica, dos agentes de congelação por contacto e dos agentes de refrigeração, dos agentes de dessecação/antiaglomerantes, das enzimas, dos agentes de acidificação, de alcalinização ou de neutralização, dos agentes de desmoldagem, dos floculantes e coagulantes, dos biocidas, dos antitártaro, dos solventes de extracção e de uma categoria denominada «Diversos».

Regulamento Ministerial de 19 de Outubro de 2006

31

Em 5 de Outubro de 2005, foi notificado à Comissão e aos Estados-Membros, nos termos do artigo 8.o da Directiva 98/34, um projecto de regulamento ministerial.

32

Resulta dos autos que esse projecto de regulamento não foi objecto de observações por parte da Comissão, embora tenha dado azo a pareceres circunstanciados do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e do Reino da Dinamarca.

33

O Regulamento de 19 de Outubro de 2006, relativo à utilização de AT no fabrico de certos géneros alimentícios (JORF de ), revogou as disposições dos regulamentos adoptados em execução do Decreto de 1912.

34

Este regulamento inclui, em anexo, uma lista dos AT cuja utilização é autorizada em França. Define as condições de utilização dos referidos AT, as doses residuais máximas autorizadas e os critérios de pureza aplicáveis.

Aviso às empresas

35

Em 19 de Janeiro de 2002, as autoridades francesas procederam à publicação de um aviso às empresas do sector alimentar (JORF de , p. 1234, a seguir «aviso às empresas»).

36

Esse aviso às empresas prevê:

«O artigo 7.o do [Decreto de 2001] determina que ‘as disposições do presente decreto entram em vigor na data de publicação do regulamento previsto no artigo 2.o’ […]

Todavia, não existem obstáculos à aplicação, a partir da data de publicação do presente aviso, das disposições relativas à apresentação dos dossiers (artigo 3.o) e ao princípio da livre circulação (artigo 6.o) do referido [Decreto de 2001].»

Procedimento pré-contencioso

37

Na sequência de uma primeira notificação para cumprir de 3 de Julho de 1996 e de um parecer fundamentado de , a Comissão enviou à República Francesa uma notificação para cumprir complementar, datada de , que anulava e substituía a notificação para cumprir e o parecer fundamentado anteriores.

38

Nessa notificação, a Comissão afirmava que a regulamentação francesa, tanto o Decreto de 1912 como o Decreto de 2001, era contrária ao artigo 28.o CE, porquanto previa, para os AT e os géneros alimentícios em cuja preparação tenham sido utilizados AT provenientes de outros Estados-Membros onde são legalmente fabricados e/ou comercializados, um regime de autorização prévia e, a título subsidiário, não consagrava, para efeitos da obtenção de autorizações de utilização de AT, um processo suficientemente claro, facilmente acessível, transparente e que cumprisse as exigências de segurança jurídica.

39

No que respeita ao Decreto de 2001, a Comissão concluiu que, por não ter sido adoptado um regulamento ministerial, esse decreto ainda não tinha entrado em vigor. A Comissão afirma, a propósito do aviso às empresas, que, como este não tem natureza vinculativa, não proporciona a segurança jurídica necessária aos operadores económicos.

40

Resulta da petição e da notificação para cumprir complementar que esta foi enviada devido à abundante troca de correspondência entre a República Francesa e a Comissão, ao tempo decorrido desde o envio da primeira notificação para cumprir, à reforma não concluída da regulamentação francesa e a novas reflexões da Comissão.

41

Na sequência de uma prorrogação do prazo de resposta à notificação para cumprir complementar, a República Francesa respondeu por ofício de 16 de Fevereiro de 2006. Transmitiu à Comissão o conjunto dos regulamentos aprovados em execução do Decreto de 1912 e recordou que tinha sido essencialmente devido à inexistência de um dispositivo capaz de assegurar o reconhecimento mútuo que se tinha procedido à reforma do referido decreto, que culminou na adopção do Decreto de 2001. A República Francesa insistiu no facto de que a existência de um aviso às empresas já permitia, na prática, a aplicação do princípio da livre circulação, muito embora o regulamento ministerial previsto no Decreto de 2001 ainda não tivesse sido adoptado.

42

Quanto à nova regulamentação nacional que, para o futuro, devia reger a utilização dos AT, a República Francesa afirmou pretender aprovar o referido regulamento de execução do Decreto de 2001 o mais rapidamente possível, tentou justificar o regime de autorização prévia dos AT e propôs-se alterar a redacção da cláusula de reconhecimento mútuo constante do mencionado Decreto de 2001.

43

Por ofício de 4 de Julho de 2006, a Comissão enviou a esse Estado-Membro um parecer fundamentado complementar.

44

Por ofício de 8 de Setembro de 2006, a República Francesa respondeu ao parecer fundamentado complementar, indicando que tinha dado início ao procedimento de assinatura do regulamento de execução do Decreto de 2001. Recordando que certas categorias de AT já estavam regulamentadas ou em vias de serem harmonizadas a nível comunitário, defendeu que a existência de um regime de autorização prévia para os AT se justificava. Também chamou a atenção da Comissão para os riscos derivados da utilização dos AT como biocidas ou agentes de descontaminação em produtos de origem vegetal e da utilização de agentes antiespuma em certas condições. Quanto à cláusula de reconhecimento mútuo, a República Francesa indicou ter iniciado uma reflexão sobre a alteração da disposição pertinente do Decreto de 2001 a fim de responder aos argumentos da Comissão.

45

Não tendo ficado satisfeita com a resposta dada por esse Estado-Membro, a Comissão decidiu propor a presente acção.

Quanto à acção

46

No essencial, a Comissão, na sua petição, faz três alegações em relação à legislação em causa: em primeiro lugar, considera não haver justificação, fundada no objectivo de protecção da saúde pública, para os entraves à livre circulação de mercadorias criados pelos regimes de autorização prévia previstos nessa legislação; em segundo lugar e a título subsidiário, no que respeita ao Decreto de 2001, entende existir um entrave ao artigo 28.o CE, resultante da insegurança jurídica causada por esse decreto; e, em terceiro lugar, considera não existirem procedimentos simplificados de inscrição dos AT na lista nacional dos AT autorizados.

Observações preliminares sobre o âmbito da acção

47

Importa precisar, por um lado, que a acção da Comissão relativa à violação do artigo 28.o CE tem por objecto todos os AT, com excepção daqueles para os quais existem medidas de harmonização a nível comunitário.

48

Por outro lado, embora o objecto da acção da Comissão tenha sido descrito no sentido de, genericamente, visar a regulamentação francesa, decorre do procedimento pré-contencioso e da fundamentação da petição que a acção visa os dois regimes de autorização prévia previstos nos Decretos de 1912 e de 2001.

49

A propósito do Decreto de 2001, tal como resulta dos autos, a Comissão e a República Francesa não estão de acordo quanto à questão de saber se o aviso às empresas já permitia, designadamente no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a aplicação do princípio da livre circulação consagrado no Decreto de 2001, pois o regulamento ministerial previsto no artigo 2.o desse diploma ainda não tinha então sido adoptado. Segundo esse Estado-Membro, o aviso às empresas permitia, no termo do referido prazo, a aplicação do dito princípio e dos artigos 3.o e 6.o do Decreto de 2001.

50

A este respeito, cabe observar que, com base nas informações transmitidas ao Tribunal a propósito do valor jurídico e do alcance do aviso às empresas e tendo em conta a própria letra do Decreto de 2001, o referido aviso não contrabalança a não adopção do regulamento ministerial previsto no artigo 2.o do referido decreto, permitindo a entrada em vigor, nomeadamente, dos artigos 3.o e 6.o do Decreto de 2001 e a substituição definitiva do Decreto de 1912.

51

Em primeiro lugar, a República Francesa, ao responder aos argumentos da Comissão relativos ao aviso às empresas, não logrou demonstrar que esse aviso não é uma simples circular administrativa, destituída de carácter obrigatório e juridicamente não vinculativa. Com efeito, na sua resposta à notificação para cumprir da Comissão, esse Estado-Membro reconheceu que a integral execução do Decreto de 2001 implica a publicação de um regulamento ministerial que contenha a lista de todas as substâncias autorizadas, bem como as respectivas condições de utilização, e conclui que só quando esse regulamento for publicado é que o Decreto de 2001 substituirá definitivamente o Decreto de 1912.

52

Em segundo lugar, nada na letra clara e explícita dos artigos 2.o e 7.o do Decreto de 2001 confirma os efeitos que a República Francesa atribui ao mencionado aviso. Assim, nos termos do artigo 2.o desse diploma, deveria ser adoptado um regulamento ministerial contendo a lista dos AT cuja utilização é autorizada. Quanto ao artigo 7.o, resulta da sua própria letra que as disposições «[desse] decreto entram em vigor na data de publicação do regulamento previsto no artigo 2.o». Por conseguinte, a publicação desse regulamento ministerial é uma condição necessária para a entrada em vigor do Decreto de 2001, o que de resto vem explicitamente referido no próprio aviso às empresas.

53

Em terceiro lugar, embora esse aviso refira que não existem obstáculos à aplicação, a partir de 19 de Janeiro de 2002, data da sua publicação, das disposições do Decreto de 2001 relativas, por exemplo, à apresentação dos dossiers pelos operadores económicos por força do artigo 3.o desse diploma, é difícil compreender como é que um operador económico pode apresentar um dossier pedindo modificação da lista dos AT autorizados constante de um regulamento ministerial quando essa lista ainda não existe por o regulamento em causa ainda não ter sido adoptado.

54

Nestas circunstâncias, importa observar que o aviso às empresas não permitiu compensar a não adopção do regulamento ministerial previsto no artigo 2.o do Decreto de 2001 e que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, o Decreto de 1912 ainda não tinha deixado de produzir efeitos.

55

No âmbito de uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.o CE, a existência do incumprimento deve ser apreciada em função da situação existente no termo do prazo fixado no parecer fundamentado e as alterações posteriormente ocorridas não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal (acórdão de 25 de Novembro de 1998, Comissão/Espanha, C-214/96, Colect., p. I-7661, n.o 25).

56

No quadro da presente acção, a Comissão sustentou repetidamente que o Decreto de 2001 condiciona a sua entrada em vigor à publicação de um regulamento ministerial e que, como essa publicação não teve lugar, o referido decreto não entrou em vigor. Na petição, por exemplo, afirmou que, «em França, aplicaram-se sucessivamente dois regimes aos AT. O primeiro vigorou durante todo o procedimento pré-contencioso e só deixou de existir em 2 de Dezembro de 2006. O [segundo] regime foi definitivamente adoptado em , tendo a sua entrada em vigor sido diferida até ao termo da vigência do primeiro regime».

57

O prazo fixado no parecer fundamentado terminou em 4 de Setembro de 2006. O regulamento ministerial previsto no artigo 2.o do Decreto de 2001 foi adoptado em e publicado no Journal officiel de la République française em .

58

Conclui-se que, não tendo o regulamento ministerial previsto no artigo 2.o do Decreto de 2001 sido adoptado, a acção da Comissão relativa ao referido decreto só pode ser apreciada pelo Tribunal na parte relativa à alegação respeitante à existência de um entrave ao artigo 28.o CE decorrente da insegurança jurídica que esse decreto origina.

Quanto à primeira alegação, relativa à inexistência de justificação fundada no objectivo de protecção da saúde pública

Argumentos das partes

59

A Comissão sustenta que compete à República Francesa justificar a existência de um regime de autorização prévia para as diferentes categorias de AT. O recurso a um regime de autorização prévia, que não está em princípio excluído, deveria centrar-se e encontrar a sua justificação precisa em razões de natureza científica. O regime francês de autorização prévia assenta numa presunção generalizada do risco, cujo princípio não é compatível com o artigo 28.o CE.

60

O regime geral de autorização prévia, como consagrado no Decreto de 1912, é desproporcionado na perspectiva dos eventuais riscos que os AT podem representar para a saúde humana. A observância de certas condições na utilização de um AT autorizado ou de certos critérios de pureza não podem ser justificados por um motivo de saúde pública quando os produtos finais não contenham resíduos de AT ou quando os resíduos não sejam perigosos para a saúde humana quando ingeridos pelos consumidores.

61

Segundo a Comissão, a presunção de risco em que assenta o regime francês ainda é mais difícil de justificar tendo em conta o Regulamento n.o 178/2002. Em conformidade com esse regulamento, os outros Estados-Membros procedem normalmente a uma avaliação dos riscos dos géneros alimentícios e a controlos da observância da respectiva legislação alimentar.

62

A Comissão observa que a República Francesa parece ser um dos raros Estados-Membros a submeter a utilização de AT a um procedimento de autorização prévia. Embora esta circunstância, por si só, não implique que o regime de autorização prévia instituído pela República Francesa seja incompatível com o artigo 28.o CE, demonstra que o risco invocado por esse Estado-Membro está longe de ser geralmente aceite e que um regime que sistematicamente sujeita todos os AT a uma autorização prévia excede o objectivo legítimo que prossegue.

63

A Comissão insiste que as cláusulas de reconhecimento mútuo incluídas em certos regulamentos de execução do Decreto de 1912 não podem ter eficácia prática pois a França parece ser um dos raros Estados-Membros a prever um procedimento de autorização prévia no que respeita à utilização de AT. Nestas circunstâncias, as referências a um «teor residual superior» reconhecido noutros Estados-Membros só têm utilidade teórica. É a regulamentação francesa que se aplica em todos os casos.

64

Alega que, uma vez que os outros Estados-Membros devem respeitar as exigências, nomeadamente, do artigo 14.o do Regulamento n.o 178/2002, relativo às prescrições referentes aos géneros alimentícios colocados no mercado, e que não se pode presumir que violaram o direito comunitário, uma cláusula de reconhecimento mútuo deve limitar-se a prever que as disposições da legislação nacional pertinente não obstam ao princípio da livre circulação dos géneros alimentícios em cuja preparação foram utilizados AT que não respeitem o disposto na referida legislação, mas sejam provenientes de outros Estados-Membros onde são legalmente fabricados e/ou comercializados.

65

A República Francesa reconhece que, à primeira vista, os AT podem apresentar menos riscos sanitários do que substâncias nutritivas, como as vitaminas e os aditivos alimentares que são adicionados aos géneros alimentícios, onde permanecem até à ingestão desses géneros pelo consumidor. Porém, isto não obsta a que os AT também possam apresentar riscos para a saúde pública. Esses riscos estão ligados à presença de resíduos dos próprios AT e/ou de produtos denominados «neoformados». A este propósito, a República Francesa explica que, por efeito de certos processos de transformação, os AT podem dar origem a modificações na estrutura das moléculas constitutivas do alimento e essas novas moléculas podem ter efeitos tóxicos para a saúde do consumidor.

66

A República Francesa menciona a nota da AFSSA de 13 de Agosto de 2008, enviada ao directeur général de la concurrence, de la consommation et de la répression des fraudes (director-geral da Concorrência, do Consumo e da Repressão das Fraudes), na qual resumiu o seu balanço de oito anos de avaliação dos pedidos de autorização de utilização de AT. Nessa nota, a AFSSA observa que, na maioria dos casos, se desconhece qual o valor das quantidades residuais de AT presentes nos géneros alimentícios acabados e que a exposição dos consumidores aos AT apresenta o risco de, em certos casos, exceder os valores toxicológicos de referência, quando tenham sido definidos. Também suscitou a questão da formação de produtos «neoformados» resultante da utilização de certos AT nos processos de fabrico.

67

Segundo a República Francesa, para se saber se um produto não contém resíduos de AT, é necessário que esse AT seja conhecido e que tenha sido identificado através de um regime de autorização ou de declaração. Por outro lado, para determinar se os resíduos não apresentam risco para a saúde humana, é necessário que o próprio AT tenha dado lugar a uma avaliação sanitária dos resíduos presentes nos géneros alimentícios que tenha tido em conta as condições normais de consumo desses géneros. Este tipo de avaliação do risco sanitário final dos géneros alimentícios que contêm AT só é eficaz se praticado no quadro de um procedimento de autorização de colocação no mercado ou de um estudo científico pertinente no quadro de instâncias internacionais, comunitárias ou nacionais. Tendo em consideração os riscos potenciais que certas categorias de AT podem apresentar para a saúde pública, é perfeitamente lícito que um Estado-Membro preveja, para as categorias que não são objecto de disposições comunitárias de harmonização, procedimentos de autorização prévia com vista à sua colocação no mercado. Além disso, sustenta que, dada a permanente evolução dos processos de fabrico, não é possível identificar antecipadamente as categorias de AT que são inofensivas.

68

Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual as autoridades nacionais devem demonstrar a existência de um risco preciso relativamente a cada uma das categorias de AT, a República Francesa recorda a aplicação do princípio da precaução no domínio da saúde pública. Segundo afirma, por força desse princípio, compete aos Estados-Membros demonstrar o risco que pode apresentar a utilização dos AT, embora não tenham de demonstrar, com precisão e cientificamente, a existência do risco que esses AT apresentam.

69

Como não existem dispositivos de avaliação dos AT na grande maioria dos Estados-Membros, o facto de uma substância ter sido comercializada noutro Estado-Membro não a pode dispensar de ser avaliada pela AFSSA e pela Administração francesa. O facto de um Estado-Membro impor regras menos rigorosas do que as aplicáveis noutro Estado-Membro não significa, por si só, que estas últimas sejam desproporcionadas.

70

Quanto às cláusulas de reconhecimento mútuo, a República Francesa limita-se a alegar que foi precisamente para responder à crítica da Comissão segundo a qual o Decreto de 1912 não incluía cláusulas desse tipo que o Decreto de 2001 foi adoptado.

71

Quanto à possibilidade de informar e de proteger os consumidores através da rotulagem, a República Francesa alega que a rotulagem não substitui um dispositivo de análise dos riscos para a saúde dos consumidores e que, como a Directiva 2000/13 dispensa os AT da obrigação de rotulagem, impor a indicação dessas substâncias no rótulo consubstancia uma violação desta directiva.

72

No que respeita ao relatório de análise da AFSSA de Abril de 2007, junto pela primeira vez ao processo na tréplica, a República Francesa observa que, embora esse relatório se concentre em determinados produtos e procedimentos, como a Comissão observou, essa concentração é lógica dado o problema específico suscitado pela produção de produtos neoformados. Não é possível um exame exaustivo dos AT devido à enorme quantidade de AT susceptíveis de serem utilizados. De todo o modo, contrariamente ao que a Comissão afirma, a regulamentação francesa não foi aprovada sem um aprofundado estudo prévio de conjunto do impacto dos AT sobre a saúde, estudo esse iniciado entre 2001 e 2003 e cuja segunda fase está prevista para o período compreendido entre 2009 e 2011.

Apreciação do Tribunal

73

A título preliminar, importa recordar que a livre circulação de mercadorias entre Estados-Membros é um princípio fundamental do Tratado que encontra expressão na proibição, enunciada no artigo 28.o CE, das restrições quantitativas à importação entre os Estados-Membros, bem como de quaisquer medidas de efeito equivalente.

74

A proibição das medidas de efeito equivalente a restrições prevista no artigo 28.o CE visa qualquer regulamentação comercial dos Estados-Membros susceptível de entravar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário (v., designadamente, acórdãos de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74, Recueil, p. 837, n.o 5, Colect., p. 423; de , Comissão/Dinamarca, C-192/01, Colect., p. I-9693, n.o 39; e de , Comissão/França, C-24/00, Colect., p. I-1277, n.o 22).

75

Não é contestado que o regime de autorização prévia previsto pelo Decreto de 1912 constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa na acepção do artigo 28.o CE.

76

Com efeito, o regime de autorização prévia previsto nesse decreto torna mais onerosa e difícil, ou, em certos casos, impossível, a comercialização de AT e de géneros alimentícios em cuja preparação foram utilizados AT legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados-Membros.

77

Em primeiro lugar, esse regime entrava a livre circulação dos AT, destinados a ser utilizados na preparação de géneros alimentícios, provenientes de outros Estados-Membros onde são legalmente fabricados e/ou comercializados, na medida em que estão sujeitos aos critérios de pureza ou a outras características, como as doses residuais máximas autorizadas, definidos na regulamentação francesa.

78

Em segundo lugar, entrava a livre circulação de géneros alimentícios acabados provenientes de outros Estados-Membros em que possa ser detectada a presença, ainda que ínfima, de resíduos de AT não autorizados em França ou de resíduos autorizados em França quando os teores residuais máximos fixados pelos regulamentos de autorização sejam excedidos.

79

Em terceiro lugar, o referido regime de autorização prévia entrava a livre circulação dos géneros alimentícios acabados provenientes de outros Estados-Membros em cuja preparação tenha sido utilizado um AT não autorizado em França, ou um AT autorizado que não cumpra os critérios de pureza ou outras características definidos na regulamentação francesa, ou um AT autorizado em França mas utilizado de forma diferente da autorizada pela regulamentação francesa, mesmo que não existam resíduos nos géneros alimentícios acabados ou que existam resíduos dentro dos limites autorizados.

80

Segundo jurisprudência constante, uma regulamentação nacional que sujeite a autorização prévia a adição de uma substância nutritiva a um género alimentício legalmente fabricado e/ou comercializado noutros Estados-Membros não é, em princípio, contrária ao direito comunitário desde que estejam preenchidas determinadas condições (v., neste sentido, acórdãos de 16 de Julho de 1992, Comissão/França, C-344/90, Colect., p. I-4719, n.o 8, e Comissão/Dinamarca, já referido, n.o 44).

81

Por um lado, essa regulamentação deve prever um procedimento que permita aos operadores económicos obter a inscrição da substância nutritiva na lista nacional das substâncias autorizadas. Esse procedimento deve ser facilmente acessível, deve poder ser concluído em prazos razoáveis e, se conduzir a um indeferimento, a decisão de indeferimento deve poder ser objecto de recurso jurisdicional (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, de 16 de Julho de 1992, Comissão/França, n.o 9, e de , Comissão/França, n.o 26).

82

Por outro lado, um pedido destinado a obter a inscrição de uma substância nutritiva na lista nacional das substâncias autorizadas só pode ser indeferido pelas autoridades nacionais competentes se essa substância apresentar um risco real para a saúde pública (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Dinamarca, n.o 46, e de 5 de Fevereiro de 2004, Comissão/França, n.o 27).

83

No presente caso, a Comissão alega que, diferentemente dos aditivos e das substâncias nutritivas, como as vitaminas, que foram objecto dos acórdãos, já referidos, Comissão/Dinamarca e de 5 de Fevereiro de 2004, Comissão/França, os AT não são substâncias adicionadas aos géneros alimentícios, mas apenas substâncias, utilizadas no processo de elaboração ou de fabrico de géneros alimentícios, de que podem ser encontrados vestígios em certos casos. Contrariamente às vitaminas e aos aditivos, a sua presença no género alimentício acabado é rara e involuntária. Dadas estas diferenças, a Comissão considera não se justificar um regime de autorização prévia para os AT, pois estes não são potencialmente tão nocivos para a saúde pública como os aditivos ou as vitaminas.

84

A este propósito, importa sublinhar que estas diferenças entre as substâncias nutritivas voluntariamente e intencionalmente adicionadas aos géneros alimentícios e os AT não obstam à possibilidade de um Estado-Membro se fundar, em princípio, no artigo 30.o CE e no objectivo de protecção da saúde pública para justificar regimes de autorização prévia como os ora em apreço. Se essas diferenças existissem no que toca às substâncias objecto de um regime de autorização prévia, seriam pertinentes, não para determinar se a opção por tal regime está em princípio vedada aos Estados-Membros, mas no que respeita às modalidades de aplicação do princípio da proporcionalidade relativamente ao regime que lhes é aplicável.

85

Quanto ao objectivo de protecção da saúde, compete aos Estados-Membros, na falta de harmonização e na medida em que subsistam incertezas no estádio actual da investigação científica, decidir sobre o nível a que pretendem assegurar a protecção da saúde e da vida das pessoas e sobre a exigência de uma autorização prévia à colocação no mercado de AT e de géneros alimentícios em cuja preparação foram utilizados AT, tendo simultaneamente em conta as exigências da livre circulação de mercadorias no interior da Comunidade (v., neste sentido, acórdãos de 14 de Julho de 1983, Sandoz, 174/82, Recueil, p. 2445, n.o 16; de , Bellon, C-42/90, Colect., p. I-4863, n.o 11; Comissão/Dinamarca, já referido, n.o 42; e de , Comissão/França, já referido, n.o 49).

86

Este poder de apreciação relativo à protecção da saúde pública é particularmente importante quando estiver demonstrado que, no estádio actual da investigação científica, subsistem incertezas quanto a certas substâncias utilizadas na preparação dos géneros alimentícios (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Dinamarca, n.o 43, e de 5 de Fevereiro de 2004, Comissão/França, n.o 50).

87

Uma vez que o artigo 30.o CE contém uma excepção, de interpretação estrita, à regra da livre circulação de mercadorias no interior da Comunidade, compete às autoridades nacionais que a invocam demonstrar, em cada caso concreto, tendo em conta os resultados da investigação científica internacional, que a sua regulamentação é necessária para proteger efectivamente os interesses mencionados na referida disposição, nomeadamente que a comercialização do produto em questão representa um risco real para a saúde pública (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Comissão/Dinamarca, n.o 46, e de 5 de Fevereiro de 2004, Comissão/França, n.o 53 e jurisprudência aí referida).

88

Uma proibição de comercialização de AT ou de géneros alimentícios em cuja preparação tenham sido utilizados AT legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados-Membros deve, portanto, basear-se numa avaliação profunda do risco alegado pelo Estado-Membro que invoca o artigo 30.o CE (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Comissão/Dinamarca, n.o 47, e de 5 de Fevereiro de 2004, Comissão/França, n.o 54; e de , Comissão/Países Baixos, C-41/02, p. I-11375, n.o 48).

89

Uma decisão de proibição da comercialização, que constitui, aliás, o entrave mais restritivo às trocas relativamente aos produtos legalmente fabricados e comercializados noutros Estados-Membros, apenas pode ser adoptada quando o alegado risco real para a saúde pública estiver suficientemente demonstrado com base nos dados científicos mais recentes que estejam disponíveis na data da adopção dessa decisão. Em tal contexto, a avaliação do risco que o Estado-Membro é obrigado a efectuar tem por objectivo a apreciação do grau de probabilidade dos efeitos nefastos da utilização dos AT na preparação dos géneros alimentícios para a saúde humana e a gravidade desses potenciais efeitos (acórdãos, já referidos, Comissão/Dinamarca, n.o 48; de 5 de Fevereiro de 2004, Comissão/França, n.o 55; e Comissão/Países Baixos, n.o 49).

90

Ao exercerem o seu poder de apreciação relativo à protecção da saúde pública, os Estados-Membros devem respeitar o princípio da proporcionalidade. Os meios que escolhem devem, portanto, ser limitados ao que é efectivamente necessário para assegurar a protecção da saúde pública, ser proporcionados ao objectivo assim prosseguido, o qual não poderia ser alcançado por medidas menos restritivas das trocas comerciais intracomunitárias (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Dinamarca, n.o 45, e de 5 de Fevereiro de 2004, Comissão/França, n.o 52).

91

É verdade que a apreciação a que o Estado-Membro tem de proceder pode revelar que existe um grande grau de incerteza científica e prática a esse respeito. Tal incerteza, inseparável do conceito de precaução, influencia o alcance do poder de apreciação do Estado-Membro, repercutindo-se, assim, nas modalidades de aplicação do princípio da proporcionalidade. Nestas circunstâncias, há que admitir que um Estado-Membro pode, ao abrigo do princípio da precaução, adoptar medidas de protecção sem ter de esperar que a realidade e gravidade de tais riscos estejam plenamente demonstradas (v., neste sentido, acórdãos de 5 de Maio de 1998, National Farmers’ Union e o., C-157/96, Colect., p. I-2211, n.o 63, e Comissão/Países Baixos, já referido, n.os 51 e 52). Contudo, a avaliação do risco não se pode basear em considerações puramente hipotéticas (v., neste sentido, acórdãos de , Monsanto Agricoltura Italia e o., C-236/01, Colect., p. I-8105, n.o 106; Comissão/Dinamarca, já referido, n.o 49; e Comissão/Países Baixos, já referido, n.o 52).

92

A aplicação correcta do princípio da precaução pressupõe, em primeiro lugar, a identificação das consequências potencialmente negativas para a saúde pública da proposta utilização de AT e, em segundo lugar, uma avaliação global do risco para a saúde baseada nos dados científicos disponíveis mais fiáveis e nos resultados mais recentes da investigação internacional (v. acórdãos, já referidos, Monsanto Agricoltura Italia e o., n.o 113; Comissão/Dinamarca, n.o 51; e Comissão/Países Baixos, n.o 53).

93

Quando for impossível determinar com certeza a existência ou o alcance do risco alegado devido à natureza insuficiente, não conclusiva ou imprecisa dos resultados dos estudos levados a cabo, mas persista a probabilidade de um prejuízo real para a saúde pública na hipótese de o risco se realizar, o princípio da precaução justifica a adopção de medidas restritivas, sem prejuízo de as mesmas deverem ser não discriminatórias e objectivas (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Dinamarca, n.o 52, e Comissão/Países Baixos, n.o 54).

94

No presente caso, a República Francesa justifica o regime de autorização prévia previsto na sua regulamentação invocando os riscos potenciais que certas categorias de AT representam para a saúde.

95

Contudo, se existirem riscos associados a certas categorias de AT, a regulamentação nacional deve concentrar-se nessas categorias e ser claramente justificada a respeito delas, não devendo visar todos os AT ou todos os géneros alimentícios em cuja preparação foram utilizados AT não pertencentes a essas categorias perigosas ou suspeitas. Não basta invocar os riscos potenciais associados às substâncias ou produtos sujeitos à autorização.

96

É certo que um Estado-Membro se pode fundar no princípio da precaução quando seja impossível determinar com segurança a existência ou a dimensão do risco invocado. Porém, a aplicação correcta desse princípio pressupõe que o Estado-Membro demonstre a existência das condições, evocadas no n.o 92 do presente acórdão, necessárias à sua aplicação.

97

No que respeita ao regime de autorização prévia previsto pelo Decreto de 1912, não foi feita a demonstração da existência dessas condições. Com efeito, mesmo admitindo que, em conformidade com o princípio da precaução, só lhe caiba fazer prova do risco que pode decorrer da utilização de AT, como a República Francesa alega, não deixa de ser verdade que a presunção generalizada de risco para a saúde que este Estado-Membro aduziu no presente processo não encontra apoio nos elementos apresentados para explicar a razão pela qual a comercialização de qualquer género alimentício em cuja preparação foram utilizados AT legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados-Membros deve depender da inclusão dos AT em causa numa lista positiva estabelecida pela regulamentação francesa, inclusão essa que, por sua vez, depende da conformidade do género alimentício em questão com os critérios de pureza, das exigências relativas às doses residuais máximas autorizadas ou das condições de utilização dos AT definidas nessa regulamentação.

98

Além disso, no que respeita aos elementos apresentados pela República Francesa para demonstrar que a escolha dos regimes em causa se baseia numa análise global dos riscos ao abrigo dos artigos 28.o CE e 30.o CE, importa observar que a nota da AFSSA de 13 de Agosto de 2008 e o seu relatório de estudo de Abril de 2007 para demonstrar que a regulamentação em causa satisfaz o disposto nos artigos 28.o CE e 30.o CE são muito posteriores ao Decreto de 1912. Na sequência da publicação, em , do regulamento ministerial previsto no artigo 2.o do Decreto de 2001, o Decreto de 1912 não se encontrava em vigor quando foram elaborados esses documentos.

99

Como resulta do n.o 90 do presente acórdão, para que seja respeitado o princípio da proporcionalidade, os meios que os Estados-Membros escolhem devem ser limitados ao que é efectivamente necessário para assegurar a protecção da saúde.

100

O exame dos autos relativamente ao regime de autorização prévia previsto no Decreto de 1912 revela que este regime é desproporcionado porquanto, excepto em caso de autorização prévia, proíbe sistematicamente a comercialização de qualquer AT ou género alimentício em cuja preparação foram utilizados AT legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados-Membros, sem distinguir em função dos diferentes AT ou segundo o nível do risco que a sua utilização pode representar para a saúde.

101

Pelo seu carácter sistemático, o Decreto de 1912 não permite a observância do direito comunitário no que respeita à identificação prévia dos efeitos nocivos dos AT e à avaliação do risco real que representam para a saúde, identificação e avaliação essas que exigem uma análise profunda, caso a caso, dos efeitos que podem decorrer da utilização dos AT em causa.

102

Além disso, o referido regime dificulta, de forma sistemática, a comercialização de géneros alimentícios em cuja preparação foram utilizados AT se o modo de utilização destes não corresponder ao modo de utilização definido pela regulamentação francesa, ainda que não sejam detectáveis resíduos dos mencionados AT nos géneros alimentícios acabados.

103

Os Estados-Membros não podem justificar um regime de autorização prévia sistemático e não centrado, como o previsto no Decreto de 1912, enfatizando a impossibilidade de levar a cabo exames prévios mais exaustivos devido à grande quantidade de AT utilizáveis ou por os processos de fabrico estarem em constante evolução. Como resulta dos artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002, relativos à análise dos riscos e à aplicação do princípio da precaução, tal abordagem não corresponde às exigências impostas pelo legislador comunitário no que respeita à regulamentação alimentar, tanto comunitária como nacional, que visa alcançar o objectivo geral de um elevado nível de protecção da saúde.

104

É efectivamente verdade, como de resto a própria República Francesa alegou, que uma das vias alternativas menos restritivas da livre circulação de mercadorias sugerida pela Comissão, ou seja, a indicação dos AT utilizados no processo de fabrico de um género alimentício, não permite atingir o objectivo de protecção prosseguido pela regulamentação francesa relativamente aos AT a respeito dos quais esteja demonstrado representarem um risco real para a saúde. Contudo, deve rejeitar-se o argumento desse Estado-Membro segundo o qual essa indicação consubstanciaria sempre uma violação da Directiva 2000/13. Com efeito, embora do artigo 6.o, n.o 4, alínea c), ii), desta directiva resulte que os AT não são ingredientes que devam ser obrigatoriamente mencionados no rótulo, nos termos do seu artigo 3.o, n.o 1, os Estados-Membros podem, ao abrigo do disposto no artigo 18.o, n.o 1, da referida directiva, prever regras de rotulagem justificadas por razões de protecção da saúde pública.

105

Cabe ainda recordar, como observado pela República Francesa, que o simples facto de um Estado-Membro impor regras menos rigorosas do que as aplicáveis noutro Estado-Membro não significa que estas últimas sejam incompatíveis com os artigos 28.o CE e 30.o CE (v., neste sentido, acórdão de 26 de Janeiro de 2006, Comissão/Espanha, C-514/03, Colect., p. I-963, n.o 49). Todavia, a inexistência de um regime de autorização prévia no que respeita à utilização de AT na preparação dos géneros alimentícios em todos ou quase todos os Estados-Membros pode ser importante quando da apreciação da justificação objectiva aduzida a propósito da regulamentação francesa, nomeadamente a respeito da apreciação da sua proporcionalidade.

106

Quanto aos argumentos da Comissão relativos à natureza das cláusulas de reconhecimento mútuo que os Estados-Membros têm obrigação de incorporar na sua regulamentação nacional relativa a um regime de autorização prévia como o em apreço, cumpre recordar que, como resulta do n.o 80 do presente acórdão, uma regulamentação nacional que sujeite a autorização prévia os géneros alimentícios em cuja preparação foram utilizados AT legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados-Membros não é, em princípio, contrária ao direito comunitário, desde que sejam respeitadas as condições enumeradas nos n.os 81 e 82 do presente acórdão.

107

O argumento da Comissão apresentado no n.o 64 do presente acórdão, relativo à natureza que a cláusula de reconhecimento mútuo deve ter para ser conforme com o direito comunitário, não pode ser acolhido.

108

É certo que é ao Estado-Membro que institui um regime de autorização prévia que cabe prever um procedimento simplificado de inscrição e justificar esse regime fazendo prova da existência de um risco real para a saúde. Deve demonstrar que o regime por que optou para alcançar o objectivo legítimo de protecção da saúde não excede o necessário para atingir esse objectivo, o que a República Francesa não logrou fazer, no presente caso, relativamente ao regime previsto no Decreto de 1912.

109

Todavia, exigir que uma regulamentação nacional que institui um regime de autorização prévia inclua uma cláusula de reconhecimento mútuo, como a prevista pela Comissão, referida no n.o 64 do presente acórdão, contrariaria a própria ratio desse regime, pois o Estado-Membro em causa seria obrigado a aceitar a comercialização, no seu território, dos AT e dos géneros alimentícios que beneficiassem dessa cláusula sem poder controlar a existência de riscos reais para a saúde pública.

110

Tendo em conta o que precede, há que declarar que a primeira alegação da Comissão deve ser julgada procedente no que respeita ao Decreto de 1912.

Quanto à segunda alegação, relativa à existência de um entrave ao artigo 28.o CE, resultante da insegurança jurídica causada pelo Decreto de 2001

111

No procedimento pré-contencioso e perante o Tribunal, a Comissão alegou que a adopção do Decreto de 2001, que apenas entrou em vigor em 2 de Dezembro de 2006, na sequência da publicação do regulamento ministerial previsto no seu artigo 2.o, e a publicação, em 2002, do aviso às empresas e, em 2003, de orientações para a constituição de um dossier relativo à utilização de um AT aplicáveis às categorias de AT enumeradas no anexo do Decreto de 2001 (a seguir «orientações») criaram uma situação de insegurança jurídica que, em si mesma, constitui um entrave injustificado ao artigo 28.o CE.

112

A este propósito, importa sublinhar que o período de tempo que decorreu entre a adopção do Decreto de 2001 e a publicação, em 2 de Dezembro de 2006, do regulamento ministerial que permitiu a entrada em vigor do referido decreto assim como a coexistência, durante esse período, desse decreto e do Decreto de 1912 estiveram na origem de uma situação factual ambígua porquanto colocaram os operadores económicos num estado de incerteza quanto à possibilidade de comercializarem em França AT ou géneros alimentícios em cuja preparação foram utilizados AT legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados-Membros.

113

Esta insegurança jurídica foi reforçada, por um lado, pelo aviso às empresas que informava os operadores económicos de que, a partir da data da sua publicação, não havia obstáculos à aplicação de certas disposições do Decreto de 2001 e, por outro lado, pelas orientações publicadas pela AFSSA em 2 de Julho de 2003 que, segundo os seus próprios termos, eram aplicáveis às categorias de AT enumeradas no anexo do Decreto de 2001.

114

Mesmo admitindo que as referidas orientações fossem conformes com as exigências da jurisprudência do Tribunal relativa à existência de um procedimento simplificado de inscrição, um operador económico não poderia ter constituído um dossier relativo à utilização de um AT a fim de obter a sua inscrição numa lista positiva prevista no artigo 2.o do Decreto de 2001 pois essa lista não existia por ainda não ter sido adoptado e publicado o regulamento ministerial que a devia conter.

115

Nestas circunstâncias, há que declarar que a segunda alegação da Comissão relativa ao Decreto de 2001 deve ser julgada procedente.

Quanto à terceira alegação, relativa à inexistência de um procedimento simplificado de inscrição dos AT

116

A Comissão considera que o procedimento de inscrição previsto no Decreto de 1912 não respeita as exigências da jurisprudência do Tribunal de Justiça, evocadas no n.o 81 do presente acórdão. Esse decreto não incluía nenhuma indicação quanto à duração do procedimento nem quanto ao direito de os operadores económicos o desencadearem ou às possibilidades de recurso em caso de indeferimento. Além disso, não era dada aos referidos operadores nenhuma indicação sobre a autoridade a quem devem apresentar os seus requerimentos ou sobre os documentos que devem juntar ao processo.

117

A este respeito, cumpre recordar que, como resulta do n.o 81 do presente acórdão, uma regulamentação nacional que sujeite a autorização prévia a adição de uma substância como um AT num género alimentício deve prever um procedimento que permita aos operadores económicos obter a inscrição dessa substância na lista nacional das substâncias autorizadas. Esse procedimento deve ser facilmente acessível, deve poder ser concluído em prazos razoáveis e, se conduzir a um indeferimento, a decisão de indeferimento deve poder ser objecto de recurso jurisdicional (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, de 16 de Julho de 1992, Comissão/França, n.o 9, e de , Comissão/França, n.o 26).

118

No n.o 40 do acórdão de 5 de Fevereiro de 2004, Comissão/França, já referido, o Tribunal já sublinhou que, tendo em conta os exemplos fornecidos pela Comissão no que respeita ao procedimento de inscrição previsto no Decreto de 1912, os pedidos de inscrição ou de autorização apresentados pelos operadores económicos não eram tratados em prazos razoáveis nem segundo um procedimento suficientemente transparente quanto às possibilidades de recurso jurisdicional previstas em caso de indeferimento do pedido de autorização.

119

No presente processo, resulta dos autos que o procedimento de inscrição aplicável às substâncias nutritivas como as vitaminas em causa no processo em que foi proferido o acórdão de 5 de Fevereiro de 2004, Comissão/França, já referido, é análogo, ou mesmo idêntico, ao previsto no Decreto de 1912 para a inscrição de AT na lista das substâncias autorizadas em França. A República Francesa não forneceu nenhum elemento comprovativo de que não é isso que se verifica.

120

Nestas circunstâncias, as conclusões a que o Tribunal de Justiça chegou no acórdão de 5 de Fevereiro de 2004, Comissão/França, já referido, relativas ao procedimento de inscrição previsto no Decreto de 1912, podem ser transpostas para o procedimento de inscrição aplicável, por força do mesmo diploma, aos AT.

121

Importa concluir que, no que respeita ao Decreto de 1912, a terceira alegação da Comissão, relativa à inexistência de um procedimento simplificado de inscrição, deve ser julgada procedente.

122

Tendo em conta o que precede, há que declarar que, ao estabelecer, para os AT e os géneros alimentícios em cuja preparação foram utilizados AT provenientes de outros Estados-Membros onde são legalmente fabricados e/ou comercializados, um regime de autorização prévia que não respeita o princípio da proporcionalidade, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.o CE.

Quanto às despesas

123

Por força do disposto no artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Francesa e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

 

1)

Ao estabelecer, para os adjuvantes tecnológicos e os géneros alimentícios em cuja preparação foram utilizados adjuvantes tecnológicos provenientes de outros Estados-Membros onde são legalmente fabricados e/ou comercializados, um regime de autorização prévia que não respeita o princípio da proporcionalidade, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.o CE.

 

2)

A República Francesa é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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