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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62006CJ0521

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 17 de Julho de 2008.
    Athinaïki Techniki AE contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Auxílio de Estado - Auxílio concedido pela República Helénica ao consórcio Hyatt Regency - Denúncia - Decisão de arquivar a denúncia - Regulamento (CE) n.º 659/1999 - Artigos 4.º, 13.º e 20.º - Conceito de ‘acto impugnável’ para efeitos do artigo 230.º CE.
    Processo C-521/06 P.

    Colectânea de Jurisprudência 2008 I-05829

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2008:422

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    17 de Julho de 2008 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância — Auxílio de Estado — Auxílio concedido pela República Helénica ao consórcio Hyatt Regency — Denúncia — Decisão de arquivar a denúncia — Regulamento (CE) n.o 659/1999 — Artigos 4.o, 13.o e 20.o — Conceito de ‘acto impugnável’ para efeitos do artigo 230.o CE»

    No processo C-521/06 P,

    que tem por objecto o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, interposto ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, em 18 de Dezembro de 2006,

    Athinaïki Techniki AE, com sede em Atenas (Grécia), representada por S. Pappas, dikigoros,

    recorrente,

    sendo as outras partes no processo:

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por D. Triantafyllou, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    recorrida em primeira instância,

    Athens Resort Casino AE Symmetochon, com sede em Marrousi (Grécia), representada por F. Carlin, barrister, e N. Korogiannakis, dikigoros,

    interveniente em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, G. Arestis, R. Silva de Lapuerta, J. Malenovský (relator) e T. von Danwitz, juízes,

    advogado-geral: Y. Bot,

    secretário: R. Grass,

    vistos os autos,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 3 de Abril de 2008,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Através do seu recurso, a Athinaïki Techniki AE (a seguir «Athinaïki Techniki») pede a anulação do despacho do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 26 de Setembro de 2006, Athinaïki Techniki/Comissão (T-94/05, a seguir «despacho recorrido»), que declarou inadmissível o recurso de anulação interposto pela Athinaïki Techniki da decisão da Comissão das Comunidades Europeias, de 2 de Junho de 2004, de arquivar a sua denúncia relativa a um alegado auxílio de Estado concedido pela República Helénica ao consórcio Hyatt Regency no âmbito do concurso público relativo à cessão de 49% do capital do casino Mont Parnès e de que a recorrente tomou conhecimento por carta de 2 de Dezembro de 2004 (a seguir «carta controvertida»).

    Quadro jurídico

    2

    Nos termos do artigo 87.o, n.o 1, CE:

    «1.   Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.»

    3

    O artigo 88.o, n.o 2, primeiro parágrafo, CE dispõe:

    «Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87.o, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar.»

    4

    O artigo 88.o, n.o 3, CE tem a seguinte redacção:

    «Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87.o, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado-Membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final.»

    5

    Como resulta do seu segundo considerando, o Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.o] do Tratado CE (JO L 83, p. 1), codifica e reforça a prática da análise dos auxílios de Estado estabelecida pela Comissão em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    6

    No capítulo II desse regulamento, intitulado «Processo aplicável aos auxílios notificados», o artigo 4.o dispõe:

    «1.   A Comissão procederá à análise da notificação imediatamente após a sua recepção. Sem prejuízo do disposto no artigo 8.o, a Comissão tomará uma decisão nos termos dos n.os 2, 3 ou 4 do presente artigo.

    2.   Quando, após análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada não constitui um auxílio, fará constar esse facto por via de decisão.

    3.   Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que não há dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado comum, na medida em que está abrangida pelo n.o 1 do artigo [87.o] do Tratado, decidirá que essa medida é compatível com o mercado comum, adiante designada ‘decisão de não levantar objecções’. A decisão referirá expressamente a derrogação do Tratado que foi aplicada.

    4.   Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do n.o 2 do artigo [88.o] do Tratado, adiante designada ‘decisão de início de um procedimento formal de investigação’.

    […]»

    7

    O artigo 7.o do Regulamento n.o 659/1999 indica os casos em que a Comissão decide encerrar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE.

    8

    O capítulo III do referido regulamento regula o procedimento aplicável aos auxílios ilegais.

    9

    Nesse capítulo, o artigo 10.o, n.o 1, dispõe:

    «Quando a Comissão dispuser de informações relativas a um auxílio alegadamente ilegal, qualquer que seja a fonte, examiná-las-á imediatamente.»

    10

    No referido capítulo III, o artigo 13.o, n.o 1, prevê:

    «O exame de um auxílio eventualmente ilegal conduz a uma decisão nos termos dos n.os 2, 3 ou 4 do artigo 4.o Em caso de decisão de início de um procedimento formal de investigação, este é encerrado por uma decisão, nos termos do artigo 7.o Em caso de incumprimento de uma injunção para prestação de informações, a decisão será tomada com base nas informações disponíveis.»

    11

    No capítulo VI do Regulamento n.o 659/1999, intitulado «Partes interessadas», o artigo 20.o dispõe:

    «1.   Qualquer parte interessada pode apresentar observações nos termos do artigo 6.o na sequência da decisão da Comissão de iniciar o procedimento formal de investigação. Todas as partes interessadas que tenham apresentado observações e todos os beneficiários de um auxílio individual receberão cópia da decisão da Comissão nos termos do artigo 7.o

    2.   Qualquer parte interessada pode informar a Comissão sobre qualquer alegado auxílio ilegal e qualquer utilização abusiva de um auxílio. Quando a Comissão considerar que, com base nas informações de que dispõe, não há motivos suficientes para analisar o caso, informará a parte interessada desse facto. Quando a Comissão tomar uma decisão sobre um caso que diga respeito às informações fornecidas, enviará cópia dessa decisão à parte interessada.

    3.   A seu pedido, qualquer parte interessada obterá cópia de qualquer decisão nos termos dos artigos 4.o e 7.o, do n.o 3 do artigo 10.o e do artigo 11.o»

    12

    Nos termos do artigo 25.o do Regulamento n.o 659/1999:

    «As decisões tomadas nos termos dos capítulos II, III, IV, V e VII são dirigidas ao Estado-Membro interessado. […]»

    Factos na origem do litígio

    13

    Os antecedentes do litígio estão expostos pelo Tribunal de Primeira Instância no despacho recorrido, como se segue:

    «1

    Em Outubro de 2001, as autoridades helénicas abriram um processo de adjudicação de contrato de direito público com vista a ceder 49% do capital do casino Mont Parnès. Concorreram dois candidatos, a saber, o consórcio Casino Attikis e o Hyatt Consortium. Na sequência de um processo alegadamente viciado, o contrato foi atribuído ao Hyatt Consortium.

    2

    A [Athinaïki Techniki] que, na sequência de uma fusão, sucedeu à Egnatia SA, membro do consórcio Casino Attikis, apresentou denúncias, respectivamente, aos serviços da Direcção-Geral (DG) ‘Mercado Interno’ e à DG ‘Concorrência’ da Comissão. Pedia à primeira que se pronunciasse sobre a regularidade do processo [de cessão de 49% do capital do Casino Mont Parnès] à luz do direito comunitário dos contratos de direito público, e à segunda que apreciasse uma denúncia relativa a um auxílio de Estado que fora concedido ao Hyatt Consortium no quadro desse mesmo processo.

    3

    Por carta de 15 de Julho de 2003, a DG ‘Concorrência’ lembrou à [Athinaïki Techniki] a sua prática decisória segundo a qual a cessão de um bem público no quadro de um processo de concurso não constituía um auxílio de Estado, quando esse processo se tivesse desenrolado de forma transparente e não discriminatória. Por consequência, informou-a de que não se pronunciaria antes de a DG ‘Mercado Interno’ ter terminado o exame do processo de adjudicação do contrato de direito público em causa.

    4

    Por correio electrónico de 28 de Agosto de 2003, o representante da [Athinaïki Techniki] precisou, em substância, que a denúncia relativa à existência de um auxílio de Estado dizia respeito a elementos distintos do processo de adjudicação do contrato de direito público e que, por conseguinte, os serviços da DG ‘Concorrência’ não deviam esperar pelas conclusões da DG ‘Mercado Interno’.

    5

    Por carta de 16 de Setembro de 2003, os serviços da DG ‘Concorrência’ reiteraram os termos da carta de 15 de Julho de 2003, convidando, todavia, a [Athinaïki Techniki] a comunicar-lhes informações adicionais respeitantes a qualquer outro auxílio que não estivesse ligado à adjudicação do casino.

    6

    Por cartas de 22 de Janeiro e 4 de Agosto de 2004, os serviços da DG ‘Mercado Interno’ informaram a [Athinaïki Techniki] de que não tencionavam prosseguir com o exame das duas denúncias que lhes tinham sido dirigidas.»

    14

    Em seguida, a Comissão enviou à Athinaïki Techniki a carta controvertida, redigida nos seguintes termos:

    «Refiro-me à questão que colocou por telefone para confirmar se a Comissão prossegue a sua investigação no processo mencionado ou se esse processo foi arquivado.

    Por carta de 16 de Setembro de 2003, a Comissão informou que, com base nas informações de que dispõe, não há razões suficientes para continuar a investigação desse processo (de harmonia com o artigo 20.o do [Regulamento n.o 659/1999]).

    Na falta de informações suplementares que justifiquem o prosseguimento da investigação, a Comissão arquivou administrativamente o processo em 2 de Junho de 2004.»

    Recurso no Tribunal de Primeira Instância e despacho recorrido

    15

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a Athinaïki Techniki interpôs recurso de anulação da decisão mencionada no n.o 1 do presente acórdão, de que tomou conhecimento através da carta controvertida.

    16

    Por acto separado apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 21 de Abril de 2005, a Comissão suscitou uma excepção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 114.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que este último julgou procedente pelo despacho recorrido.

    17

    Fazendo referência ao Regulamento n.o 659/1999, o Tribunal de Primeira Instância salientou que as decisões adoptadas pela Comissão em matéria de auxílios de Estado têm por destinatários os Estados-Membros.

    18

    Declarou de seguida, nos n.os 29 a 31 do despacho recorrido:

    «29

    No caso em apreço, a carta [controvertida], que era unicamente dirigida à Athinaïki Techniki, informou-a, de harmonia com o disposto no artigo 20.o do Regulamento n.o 659/1999, de que, com base nas informações de que dispunha, a Comissão considerava que não havia motivos suficientes para se pronunciar sobre o caso que lhe fora submetido na denúncia. [Na] carta [controvertida], a Comissão indicou, em seguida, que, por falta de informações suplementares que justificassem o prosseguimento do inquérito, tinha arquivado administrativamente a denúncia da [Athinaïki Techniki], em 2 de Junho de 2004. A Comissão não tomou, portanto, uma posição definitiva sobre a qualificação e a compatibilidade, com o mercado comum, da medida que é objecto da denúncia da [Athinaïki Techniki].

    30

    Daqui decorre que a carta [controvertida] não constitui uma decisão na acepção do artigo 25.o do Regulamento n.o 659/1999 e não produz efeitos jurídicos. Essa carta não é, portanto, susceptível de recurso, de acordo com o disposto no artigo 230.o CE.

    31

    Há que salientar [que a Athinaïki Techniki] não pode defender que o facto de não se poder recorrer de um carta de indeferimento de uma denúncia tem por efeito privar os administrados do acesso à justiça comunitária, visto que o denunciante pode fornecer informações suplementares para sustentar a sua denúncia. Com efeito, no caso de essas informações serem insuficientes, a Comissão pode ser obrigada a tomar posição sobre a medida estatal em causa, mediante a adopção de um decisão na acepção do artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999, oferecendo, assim, ao denunciante a possibilidade de interpor um recurso de anulação ao abrigo do artigo 230.o, quarto parágrafo, CE. Por outro lado, como observa a Comissão, o denunciante tem igualmente a possibilidade de intentar uma acção por omissão ao abrigo do artigo 232.o, terceiro parágrafo, CE.»

    19

    Finalmente, o Tribunal de Primeira Instância considerou que o procedimento em matéria de auxílios de Estado não deve ser equiparado ao aplicável em matéria de concorrência. Contrariamente aos artigos 81.o CE e 82.o CE, o Regulamento n.o 659/1999 não conferiu direitos processuais aos denunciantes, antes do início do procedimento formal de investigação em matéria de auxílios de Estado.

    Pedidos das partes

    20

    No seu recurso, a Athinaïki Techniki pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    anular o despacho recorrido;

    julgar procedentes os pedidos apresentados em primeira instância;

    condenar a Comissão nas despesas.

    21

    A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    declarar o recurso desprovido de fundamento e

    condenar a Athinaïki Techniki nas despesas.

    22

    A Athens Resort Casino AE Symmetochon pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    negar provimento ao recurso e

    condenar a Athinaïki Techniki nas despesas.

    Quanto ao presente recurso

    Argumentos das partes

    23

    A Athinaïki Techniki defende que o despacho recorrido está viciado de erro de direito, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não qualificou de «decisão» o acto mencionado no n.o 1 do presente acórdão. A Athinaïki Techniki afirma que uma posição definitiva e fundamentada sobre a qualificação de um alegado auxílio de Estado, como o que está em causa no caso vertente, constitui uma «decisão» na acepção do artigo 230.o CE.

    24

    Por um lado, a Athinaïki Techniki alega que o carácter definitivo da posição expressa na carta controvertida não é posto em causa pelo facto de que podia ter fornecido elementos novos depois da adopção do acto referido.

    25

    Por outro lado, no que respeita ao carácter fundamentado da carta controvertida, a Athinaïki Techniki considera que a Comissão adoptou implicitamente uma decisão fundamentada sobre a qualificação dos alegados auxílios de Estado. Com efeito, essa fundamentação decorre do contexto em que a carta controvertida foi redigida. O Tribunal de Primeira Instância cometeu, deste modo, um erro de direito ao ater-se ao texto dessa carta, em vez de a inserir no seu contexto. A Athinaïki Techniki afirma que a Comissão redigiu deliberadamente a carta controvertida de forma lacónica, para evitar pôr em evidência um eventual incumprimento da regulamentação dos contratos públicos.

    26

    A Comissão considera que a qualificação da carta controvertida se baseia no artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999, que permite evitar a activação do mecanismo de decisão, na falta de qualquer elemento sério e circunstanciado. Segundo a Comissão, resulta do artigo 25.o desse regulamento que as decisões que ela adopta em matéria de auxílios de Estado têm por destinatários os Estados-Membros. Alega que a distinção entre os actos decisórios e as cartas de informação está patente na jurisprudência assente do Tribunal de Primeira Instância. Uma carta informativa, como a carta controvertida, não produz efeitos jurídicos vinculativos e não pode, por conseguinte, ser objecto de recurso de anulação.

    27

    Por outro lado, a Comissão considera que, dado que a carta controvertida não está fundamentada, há que considerar que se trata de uma decisão inexistente que não produz efeitos jurídicos em si mesma e que, portanto, não pode prejudicar a Athinaïki Techniki. A Comissão defende igualmente que a argumentação dessa sociedade, segundo a qual a carta controvertida é fundamentada, é inútil, uma vez que não põe em causa a distinção entre os actos decisórios e as cartas informativas. Defende que a Athinaïki Techniki procura contornar a impossibilidade de impugnar a recusa da Comissão em dar início a um procedimento por incumprimento contra um Estado-Membro, utilizando o recurso de anulação contra uma simples carta de informação.

    28

    Segundo a Athens Resort Casino AE Symmetochon, a carta controvertida não constitui uma decisão na acepção do artigo 25.o do Regulamento n.o 659/1999 e não produz efeitos jurídicos. Resulta dos artigos 20.o e 25.o desse regulamento que às partes interessadas são enviadas cartas com carácter informal, não constituindo actos impugnáveis na acepção do artigo 230.o CE. A carta controvertida não é, pois, susceptível de recurso ao abrigo desse artigo.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    29

    Resulta de jurisprudência assente que é possível interpor recurso de anulação, na acepção do artigo 230.o CE, de todos os actos adoptados pelas instituições, independentemente da sua natureza ou forma, que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a situação jurídica deste (v., designadamente, acórdãos de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Colect., p. 2639, n.o 9; de 6 de Abril de 2000, Espanha/Comissão, C-443/97, Colect., p. I-2415, n.o 27; e de 12 de Setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão, C-131/03 P, Colect., p. I-7795, n.o 54).

    Observações liminares sobre o objecto do recurso de anulação interposto no Tribunal de Primeira Instância

    30

    A título liminar, há que salientar que o recurso de anulação da Athinaïki Techniki não visava a carta controvertida em si mesma. Com efeito, resulta da petição apresentada em primeira instância que a Athinaïki Techniki pediu a «anulação da decisão da Direcção-Geral da Concorrência de arquivar a denúncia da recorrente relativa a um auxílio concedido pela República Helénica ao consórcio do Hyatt Regency no âmbito do concurso público ‘casino Mont Parnès’» (a seguir «acto impugnado»). Este acto impugnado foi comunicado à Athinaïki Techniki através da carta controvertida. Por conseguinte, esta é apenas uma carta pela qual a Athinaïki Techniki tomou conhecimento do acto impugnado e a partir da qual começou a correr o prazo para interpor recurso do mesmo, em conformidade com o artigo 230.o, quinto parágrafo, CE.

    31

    Seguidamente, importa sublinhar que a Athinaïki Techniki pediu a anulação do acto controvertido pelo facto de ter sido adoptado com base no artigo 88.o, n.o 3, CE, sem que a Comissão tenha previamente dado início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE, que lhe teria permitido apresentar as suas observações.

    32

    Nestas condições, há que determinar, antes de mais, a natureza dos actos adoptados antes desse procedimento formal de investigação e, de seguida, examinar se o Tribunal de Primeira Instância podia concluir que o acto controvertido não visa produzir efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses da Athinaïki Techniki, alterando de forma caracterizada a situação jurídica desta.

    Quanto à natureza dos actos adoptados na sequência da fase de análise preliminar dos auxílios de Estado

    33

    No âmbito do procedimento de controlo dos auxílios de Estado, há que distinguir, por um lado, a fase de análise preliminar dos auxílios, instituída pelo artigo 88.o, n.o 3, CE e regida pelos artigos 4.o e 5.o do Regulamento n.o 659/1999, que tem apenas por objectivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase de investigação propriamente dita, prevista no artigo 88.o, n.o 2, CE e regida pelos artigos 6.o e 7.o do referido regulamento, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa de todos os dados do processo (v., neste sentido, acórdãos de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C-198/91, Colect., p. I-2487, n.o 22; de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C-225/91, Colect., p. I-3203, n.o 16, e de 15 de Abril de 2008, Nuova Agricast, C-390/06, Colect., p. I-2577, n.o 57).

    34

    O procedimento previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE é indispensável sempre que a Comissão depare com dificuldades sérias em apreciar se um auxílio é compatível com o mercado comum. A Comissão só pode, portanto, limitar-se à fase de análise preliminar prevista no artigo 88.o, n.o 3, CE para adoptar uma decisão favorável a um auxílio, se tiver a convicção, no termo de uma primeira análise, de que esse auxílio é compatível com o mercado comum. Pelo contrário, se essa primeira análise a tiver levado à convicção oposta, ou não tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado comum, a Comissão tem o dever de obter todos os pareceres necessários e de dar início, para o efeito, ao procedimento (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Cook/Comissão, n.o 29; Matra/Comissão, n.o 33; e acórdão de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n.o 39).

    35

    Só no decurso deste último procedimento, que se destina a permitir à Comissão obter uma informação completa de todos os dados do processo, é que o Tratado prevê a obrigação de a Comissão dar aos interessados a oportunidade de apresentarem as suas observações (acórdãos, já referidos, Cook/Comissão, n.o 22; Matra/Comissão, n.o 16; e acórdão de 13 de Dezembro de 2005, Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, C-78/03 P, Colect., p. I-10737, n.o 34)

    36

    Sempre que, sem iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE, a Comissão concluir, através de uma decisão adoptada com base no n.o 3 do mesmo artigo e no artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999, que uma medida estatal não constitui um auxílio incompatível com o mercado comum, os beneficiários dessas garantias processuais só podem conseguir que elas sejam respeitadas se tiverem a possibilidade de impugnar essa decisão perante o juiz comunitário. Por estas razões, este último julga admissível um recurso de anulação dessa decisão, interposto por um interessado na acepção do artigo 88.o, n.o 2, CE, quando o autor desse recurso pretenda, com a sua interposição, salvaguardar os direitos processuais que lhe confere esta última disposição (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Cook/Comissão, n.os 23 a 26; Matra/Comissão, n.os 17 a 20; Comissão/Sytraval e Brink’s France, n.o 40; e Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, n.o 35).

    37

    Além disso, os artigos 10.o, n.o 1, e 20.o, n.o 2, primeiro período, do Regulamento n.o 659/1999 concedem a tal interessado o direito de desencadear a fase de análise preliminar prevista no artigo 88.o, n.o 3, CE, através do envio à Comissão de informações relativas a um auxílio alegadamente ilegal, tendo esta a obrigação de examinar sem demora a existência eventual de um auxílio e a sua compatibilidade com o mercado comum.

    38

    Embora os interessados não possam invocar direitos de defesa no âmbito desse procedimento, dispõem, em contrapartida, do direito de se associarem ao mesmo na medida do adequado, tendo em conta as circunstâncias do caso em questão (v., neste sentido, acórdão de 8 de Maio de 2008, Ferriere Nord/Comissão, C-49/05 P, n.o 69).

    39

    Essa associação ao referido procedimento deve implicar que, sempre que a Comissão informar os interessados, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 2, segundo período, do Regulamento n.o 659/1999, de que não há razões suficientes para se pronunciar sobre o caso, deve igualmente, como foi assinalado pelo advogado-geral no n.o 101 das suas conclusões, permitir-lhes que lhe submetam observações suplementares num prazo razoável.

    40

    Uma vez apresentadas essas observações ou expirado o prazo razoável, o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 obriga a Comissão a encerrar a fase de análise preliminar através da adopção de uma decisão ao abrigo do artigo 4.o, n.os 2, 3 ou 4 desse regulamento, a saber, uma decisão que declare a inexistência de auxílio, ou não levantar objecções ou dar início ao procedimento formal de investigação. Assim, essa instituição não está autorizada a perpetuar um estado de inacção durante a fase de análise preliminar. Chegado o momento, incumbe-lhe dar início à fase seguinte da investigação ou arquivar o processo mediante a adopção de uma decisão nesse sentido (v., no âmbito do procedimento em matéria de concorrência, acórdão de 18 de Março de 1997, Guérin automobiles/Comissão, C-282/95 P, Colect., p. I-1503, n.o 36). Nos termos do artigo 20.o, n.o 2, terceiro período, do Regulamento n.o 659/1999, quando a Comissão toma tal decisão na sequência de informações fornecidas por uma parte interessada, enviar-lhe-á cópia dessa decisão.

    41

    Neste contexto, há que assinalar que a Comissão pode adoptar uma das decisões acima mencionadas, previstas no artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999, sem, todavia, a designar como uma decisão ao abrigo dessa disposição.

    42

    Com efeito, resulta de jurisprudência assente relativa à admissibilidade dos recursos de anulação que há que atender à própria essência dos actos impugnados e à intenção dos seus autores na qualificação desses actos. Nesta matéria, constituem, em princípio, actos impugnáveis as medidas que fixam definitivamente a posição da Comissão no termo de um procedimento administrativo e que visam produzir efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses do recorrente, com excepção das medidas intermédias cujo objectivo é preparar a decisão final, que não produzem tais efeitos (v., neste sentido, acórdãos IBM/Comissão, já referido, n.os 9 e 10, e de 22 de Junho de 2000, Países Baixos/Comissão, C-147/96, Colect., p. I-4723, n.os 26 e 27).

    43

    Em contrapartida, a forma que reveste um acto ou uma decisão é, em princípio, irrelevante para a admissibilidade de um recurso de anulação (v., neste sentido, acórdãos IBM/Comissão, já referido, n.o 9, e de 7 de Julho de 2005, Le Pen/Parlamento, C-208/03 P, Colect., p. I-6051, n.o 46).

    44

    Em princípio, é, portanto, irrelevante para a qualificação do acto em causa que o mesmo preencha ou não determinados requisitos de forma, a saber, se está devidamente designado pelo seu autor, se está suficientemente fundamentado ou se menciona as disposições que constituem a sua base legal (v., no que respeita ao requisito de fundamentação, acórdão de 16 de Junho de 1994, SFEI e o./Comissão, C-39/93 P, Colect., p. I-2681, n.o 31). Não é, pois, pertinente que esse acto não seja designado como «decisão» ou que não se refira ao artigo 4.o, n.os 2, 3 ou 4, do Regulamento n.o 659/1999. Também não é importante que o acto não tenha sido notificado pela Comissão ao Estado-Membro em causa, em violação do artigo 25.o desse regulamento, visto que tal vício não é susceptível de alterar a substância do acto (v., a este respeito, acórdão de 20 de Março de 1997, França/Comissão, C-57/95, Colect., p. I-1627, n.o 22).

    45

    Se assim não fosse, a Comissão poderia subtrair-se à fiscalização do juiz comunitário mediante o simples incumprimento desses requisitos de forma. Ora, resulta da jurisprudência que, sendo a Comunidade Europeia uma comunidade de direito em que as suas instituições estão sujeitas à fiscalização da conformidade dos seus actos com o Tratado, as modalidades processuais aplicáveis aos recursos interpostos para o juiz comunitário devem ser interpretadas, na medida do possível, de modo a que estas modalidades possam ser aplicadas de forma a contribuir para a realização do objectivo de garantir uma protecção jurisdicional efectiva dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito comunitário (v., neste sentido, acórdãos de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C-50/00 P, Colect., p. I-6677, n.o 44; de 18 de Janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C-229/05 P, Colect., p. I-439, n.o 109; e de 13 de Março de 2007, Unibet, C-432/05, Colect., p. I-2271, n.os 37 e 44).

    46

    Resulta do exposto que, para determinar se um acto em matéria de auxílios de Estado constitui uma «decisão» na acepção do artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999, há que verificar se, tendo em conta a substância do mesmo e a intenção da Comissão, esta instituição fixou definitivamente, através do acto examinado, no termo da fase de análise preliminar, a sua posição sobre a medida denunciada, e portanto, se concluiu que esta constituía ou não um auxílio, que não suscitava dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum ou que suscitava tais dúvidas.

    Quanto ao acto impugnado

    47

    Como foi assinalado no n.o 30 do presente acórdão, a Athinaïki Techniki, no seu recurso, não impugnou a carta controvertida, dado que esta é uma mera carta informativa que lhe comunica a adopção do acto impugnado. A Athinaïki Techniki impugnou expressamente este último acto.

    48

    Através da carta referida, a Comissão indicou, em primeiro lugar, à Athinaïki Techniki que, através da carta anterior de 16 de Setembro de 2003, a tinha informado de que, «com base nas informações de que disp[unha], não h[avia] razões suficientes para continuar a análise desse processo».

    49

    Seguidamente, a carta controvertida precisava que, «[n]a falta de informações suplementares que justifi[cassem] o prosseguimento da investigação, a Comissão [tinha] arquiv[ado] administrativamente o processo em 2 de Junho de 2004».

    50

    Partindo do princípio de que foi redigida nos termos indicados na carta controvertida, a referida carta de 16 de Setembro de 2003 constitui o acto preliminar, na acepção do artigo 20.o, n.o 2, segundo período, do Regulamento n.o 659/1999, pelo qual a Comissão cumpriu a sua obrigação decorrente dessa disposição, de informar a parte interessada de que não tencionava pronunciar-se sobre o caso. Consequentemente, a Athinaïki Techniki tinha a possibilidade de fornecer à Comissão informações suplementares.

    51

    Seguidamente, os termos «[n]a falta de informações suplementares que justifiquem o prosseguimento da investigação, a Comissão arquivou administrativamente o processo em 2 de Junho de 2004» da carta controvertida indicam que, efectivamente, a Comissão adoptou nessa data um acto de arquivamento administrativo do processo, isto é, o acto impugnado.

    52

    Decorre da substância desse acto e da intenção da Comissão que esta decidiu, assim, pôr termo ao procedimento de análise preliminar desencadeado pela Athinaïki Techniki. Através desse acto, a Comissão declarou que a investigação iniciada não tinha permitido concluir pela existência de um auxílio na acepção do artigo 87.o CE e recusou-se implicitamente a dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE (v., neste sentido, acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.o 47).

    53

    Além disso, resulta da jurisprudência citada no n.o 36 do presente acórdão que, numa situação desse tipo, os beneficiários das garantias processuais previstas nessa disposição só podem conseguir que elas sejam respeitadas se tiverem a possibilidade de impugnar essa decisão perante o órgão jurisdicional comunitário, em conformidade com o artigo 230.o, quarto parágrafo, CE. Este princípio aplica-se tanto no caso de a Comissão adoptar uma decisão em que considera que o auxílio é compatível com o mercado comum como quando considera que se deve descartar a própria existência de um auxílio.

    54

    O acto impugnado não pode ser qualificado como preliminar ou preparatório, visto que, no âmbito do procedimento administrativo iniciado, não é seguido de nenhum outro acto susceptível de dar lugar a um recurso de anulação (v., neste sentido, designadamente, acórdão SFEI e o./Comissão, já referido, n.o 28).

    55

    Contrariamente ao que foi declarado pelo Tribunal de Primeira Instância, não é pertinente nesta matéria que a parte interessada ainda possa fornecer à Comissão informações suplementares que possam obrigar esta última a rever a sua posição sobre a medida estatal em causa.

    56

    Com efeito, a legalidade de uma decisão tomada na sequência da fase de análise preliminar é apreciada apenas em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a adoptou (v. acórdão Nuova Agricast, já referido, n.os 54 a 60), isto é, no caso vertente, no momento da adopção do acto impugnado.

    57

    Se uma parte interessada fornecer informações suplementares após o arquivamento do processo, a Comissão pode ver-se obrigada a dar início, sendo caso disso, a um novo procedimento administrativo. Em contrapartida, essas informações não se repercutem no facto de o primeiro procedimento de análise preliminar já estar encerrado.

    58

    Daí resulta que, contrariamente ao declarado pelo Tribunal de Primeira Instância no n.o 29 do despacho recorrido, a Comissão adoptou uma posição definitiva sobre o pedido da Athinaïki Techniki de declaração de uma violação dos artigos 87.o CE e 88.o CE.

    59

    Por último, como foi afirmado no n.o 44 do presente acórdão, é irrelevante para a qualificação do acto impugnado que a Comissão não o tenha notificado ao Estado-Membro em causa, não o tenha designado como «decisão» e não se tenha referido ao artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999.

    60

    A este respeito, resulta do desenrolar do procedimento administrativo, como recordado, designadamente, no n.o 6 do despacho recorrido, que a Comissão baseou a sua posição no facto de a medida estatal em causa não constituir um auxílio de Estado. O acto impugnado deve, pois, ser qualificado como decisão, na acepção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999, lido em conjugação com os artigos 13.o, n.o 1, e 20.o, n.o 2, terceiro período, desse regulamento.

    61

    Visto que esse acto impediu a Athinaïki Techniki de apresentar as suas observações no âmbito de um procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE, produziu efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses dessa sociedade.

    62

    O acto impugnado constitui, portanto, um acto impugnável na acepção do artigo 230.o CE.

    Quanto à anulação do despacho recorrido

    63

    Resulta de tudo o que precede que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao declarar que a Athinaïki Techniki interpôs um recurso de anulação de um acto que não produz efeitos jurídicos e que, como tal, não é susceptível de recurso ao abrigo do artigo 230.o CE.

    64

    Consequentemente, há que anular o despacho recorrido.

    Quanto ao recurso em primeira instância

    65

    Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal de Primeira Instância, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

    66

    O Tribunal de Justiça não está em condições, nesta fase do processo, de decidir do mérito do recurso interposto no Tribunal de Primeira Instância. Esse aspecto do litígio implica, com efeito, a análise de questões de facto com base em elementos que não foram apreciados pelo Tribunal de Primeira Instância nem debatidos no Tribunal de Justiça, pelo que o processo não está, quanto a esse aspecto, em condições de ser julgado. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos necessários para decidir definitivamente sobre a excepção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão no decurso do processo em primeira instância (v. acórdão de 15 de Maio de 2003, Pitsiorlas/Conselho e BCE, C-193/01 P, Colect., p. I-4837, n.o 32).

    67

    Para além da excepção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão e baseada no facto de o acto impugnado não ser susceptível de recurso de anulação, que deve ser rejeitada pelos fundamentos apresentados nos n.os 33 a 61 do presente acórdão, a Comissão alega que a Athinaïki Techniki interpôs o recurso intempestivamente.

    68

    Recorde-se, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 230.o, quinto parágrafo, CE, os recursos previstos nesse artigo devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do acto, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tenha tomado conhecimento do acto. Em conformidade com o artigo 102.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, esse prazo deve ser acrescido, no caso vertente, de um prazo de dilação fixo, em razão da distância, de dez dias.

    69

    É pacífico que o acto impugnado não foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia, nem notificado à Athinaïki Techniki enquanto destinatária, de modo que o prazo de dois meses e dez dias só pôde começar a correr, em relação a essa sociedade, no dia em que teve pleno conhecimento do referido acto, isto é, quando recebeu a carta controvertida.

    70

    Seguidamente, resulta da jurisprudência que incumbe à parte que invoca a intempestividade de um recurso demonstrar a partir de que dia começou a correr o prazo para a sua interposição (v., neste sentido, acórdãos de 5 de Junho de 1980, Belfiore/Comissão, 108/79, Recueil, p. 1769, n.o 7, e de 23 de Outubro de 2007, Parlamento/Comissão, C-403/05, Colect., p. I-9045, n.o 35).

    71

    No caso vertente, a Athinaïki Techniki apresentou na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância uma cópia da petição por fax, em 11 de Fevereiro de 2005, e o seu original, em 18 de Fevereiro de 2005. Uma vez que a última página dessa cópia não era completamente idêntica ao original, a Secretaria do Tribunal de Primeira Instância não considerou essa cópia conforme com o original.

    72

    Não é necessário apurar se a Athinaïki Techniki apresentou validamente a sua petição em 11 de Fevereiro de 2005. Com efeito, mesmo que se tenha em consideração a data da recepção do original da petição no Tribunal de Primeira Instância, o recurso da Athinaïki Techniki contra o acto impugnado é, de qualquer modo, admissível, desde que esta tenha recebido a carta controvertida em 8 de Dezembro de 2004 ou posteriormente.

    73

    Sobre essa questão, a Comissão afirma que a carta controvertida foi enviada à Athinaïki Techniki, o mais tardar, em 6 de Dezembro de 2004, e que, portanto, não foi respeitado o prazo fixado. A este respeito, alega que enviou essa carta no dia da sua redacção, ou no dia seguinte, e que os correios a devem ter entregue à Athinaïki Techniki, o mais tardar, no terceiro dia após o seu envio.

    74

    Todavia, importa assinalar que a Comissão expediu a carta controvertida sem ter o cuidado de o fazer por correio registado, nem de a acompanhar de um aviso de recepção.

    75

    Por conseguinte, não apresenta nenhum elemento perante o Tribunal de Justiça, susceptível de provar o dia em que transmitiu efectivamente a carta controvertida aos correios.

    76

    Do mesmo modo, a Comissão não fundamentou minimamente a sua argumentação segundo a qual os correios entregaram essa carta à Athinaïki Techniki, o mais tardar, no terceiro dia após o seu envio.

    77

    Assim, a Comissão não apresenta a prova de que a Athinaïki Techniki tivesse recebido a carta controvertida em 6 de Dezembro de 2004, o mais tardar. Limita-se a avançar argumentos que são meras presunções e que não podem valer de prova (v. acórdão de 11 de Maio de 1989, Maurissen e Union syndicale/Tribunal de Contas, 193/87 e 194/87, Colect., p. 1045, n.o 47).

    78

    Nestas condições, há que rejeitar a excepção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão.

    Quanto às despesas

    79

    Sendo o processo remetido ao Tribunal de Primeira Instância, há que reservar para final a decisão quanto às despesas do presente processo.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

     

    1)

    É anulado o despacho do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 26 de Setembro de 2006, Athinaïki Techniki/Comissão (T-94/05).

     

    2)

    É rejeitada a excepção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão das Comunidades Europeias no Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias.

     

    3)

    O processo é remetido ao Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, para que decida sobre o pedido da Athinaïki Techniki AE que visa a anulação da decisão da Comissão das Comunidades Europeias, de 2 de Junho de 2004, de arquivar a sua denúncia relativa a um alegado auxílio de Estado concedido pela República Helénica ao consórcio Hyatt Regency no âmbito do concurso público relativo à cessão de 49% do capital do casino Mont Parnès.

     

    4)

    Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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