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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62004CJ0053

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 7 de Septembro de 2006.
    Cristiano Marrosu e Gianluca Sardino contra Azienda Ospedaliera Ospedale San Martino di Genova e Cliniche Universitarie Convenzionate.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunale di Genova - Itália.
    Directiva 1999/70/CE - Artigos 1.º, alínea b), e 5.º do acordo-quadro relativo a contratos de trabalho a termo - Constituição de uma relação de trabalho por tempo indeterminado em caso de violação das regras que disciplinam os contratos de trabalho a termo sucessivos - Possibilidade de derrogação no caso de contratos de trabalho celebrados com a Administração Pública.
    Processo C-53/04.

    Colectânea de Jurisprudência 2006 I-07213

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2006:517

    Processo C‑53/04

    Cristiano Marrosu et Gianluca Sardino

    contra

    Azienda Ospedaliera Ospedale San Martino di Genova e Cliniche Universitarie Convenzionate

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale di Genova)

    «Directiva 1999/70/CE – Artigos 1.°, alínea b), e 5.° do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo – Constituição de uma relação de trabalho por tempo indeterminado em caso de violação das regras que disciplinam os contratos de trabalho a termo sucessivos – Possibilidade de derrogação no caso de contratos de trabalho celebrados com a Administração Pública»

    Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro apresentadas em 20 de Setembro de 2005 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 7 de Setembro de 2006 

    Sumário do acórdão

    Política social – Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo – Directiva 1999/70

    [Directiva 1999/70 do Conselho, anexo, Artigos 1.°, alínea b), e 5.°]

    O acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, anexo à Directiva 1999/70/CE do Conselho, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional que exclui, em caso de abuso decorrente da utilização de contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos por uma entidade patronal pública, que os referidos contratos se convertam em contratos ou relações de trabalho por tempo indeterminado, mesmo quando essa conversão está prevista para os contratos e relações de trabalho celebrados com uma entidade patronal privada, sempre que essa legislação preveja outra medida eficaz para evitar e, sendo caso disso, punir a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos por uma entidade patronal do sector público.

    (cf. n.o 57, disp.)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    7 de Setembro de 2006 (*)

    «Directiva 1999/70/CE – Artigos 1.°, alínea b), e 5.° do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo – Constituição de uma relação de trabalho por tempo indeterminado em caso de violação das regras que disciplinam os contratos de trabalho a termo sucessivos – Possibilidade de derrogação no caso de contratos de trabalho celebrados com a Administração Pública»

    No processo C‑53/04,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunale di Genova (Itália), por decisão de 21 de Janeiro de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 10 de Fevereiro de 2004, no processo

    Cristiano Marrosu,

    Gianluca Sardino

    contra

    Azienda Ospedaliera Ospedale San Martino di Genova e Cliniche Universitarie Convenzionate,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, R. Schintgen (relator), R. Silva de Lapuerta, G. Arestis e J. Klučka, juízes,

    advogado‑geral: M. Poiares Maduro,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 14 de Julho de 2005,

    vistas as observações apresentadas:

    –       em representação de C. Marrosu e G. Sardino, por G. Bellieni e A. Lanata, avvocati,

    –       em representação da Azienda Ospedaliera Ospedale San Martino di Genova e Cliniche Universitarie Convenzionate, por C. Ciminelli, avvocato,

    –       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por D. Del Gaizo e P. Gentili, avvocati dello Stato,

    –       em representação do Governo helénico, por I. Bakopoulos, na qualidade de agente,

    –       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por N. Yerrell e A. Aresu, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de Setembro de 2005,

    profere o presente

    Acórdão

    1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 1.°, alínea b), e 5.° do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de Março de 1999 (a seguir «acordo‑quadro»), anexo à Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO L 175, p. 43).

    2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe C. Marrosu e G. Sardino à sua entidade patronal, a Azienda Ospedaliera Ospedale San Martino di Genova e Cliniche Universitarie Convenzionate (estabelecimento hospitalar, Hospital San Martino de Génova e Clínicas Universitárias Convencionadas, a seguir «estabelecimento hospitalar»), a respeito da recusa de renovação dos contratos de trabalho que os vinculavam a este último.

     Quadro jurídico

     Regulamentação comunitária

    3       Nos termos do seu artigo 1.°, o acordo‑quadro tem por «objectivo […]:

    a)      Melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação;

    b)      Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo».

    4       O artigo 2.°, n.° 1, do acordo‑quadro dispõe que este «é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções colectivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro».

    5       Nos termos do artigo 5.° do acordo‑quadro:

    «1.      Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos colectivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de sectores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

    a)      Razões objectivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;

    b)      Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

    c)      Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.

    2.      Os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definir em que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:

    a)      Como sucessivos;

    b)      Como celebrados sem termo.»

    6       Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 1999/70, os Estados‑Membros deviam pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à mesma até 10 de Julho de 2001.

     Legislação nacional

    7       Através da Lei n.° 422, de 29 de Dezembro de 2000, que prevê disposições adoptadas para dar cumprimento às obrigações resultantes do facto de a Itália pertencer às Comunidades Europeias – Lei Comunitária 2000 (suplemento ordinário ao GURI n.° 16, de 20 de Janeiro de 2001, a seguir «Lei n.° 422/2000»), o legislador nacional deu ao Governo italiano uma autorização legislativa para aprovar os decretos legislativos necessários para a transposição das directivas comunitárias visadas nos anexos A e B dessa lei. O anexo B menciona, entre outras, a Directiva 1999/70.

    8       O artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 422/2000 dispõe em particular que, «para evitar eventuais situações de incompatibilidade com a regulamentação vigente para cada um dos sectores abrangidos pela legislação de transposição, a regulamentação em causa será, se for caso disso, alterada ou completada […]», e a mesma disposição, na alínea f), dispõe que «os decretos legislativos assegurarão, em qualquer caso, que, nas matérias abrangidas pelas directivas a transpor, a regulamentação adoptada seja plenamente conforme com as prescrições das mesmas directivas […]».

    9       Em 6 de Setembro de 2001, o Governo italiano adoptou, com base no artigo 2.°, n.° 1, alínea f), da Lei n.° 422/2000, o Decreto Legislativo n.° 368, relativo à transposição da Directiva 1999/70/CE respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (GURI n.° 235, de 9 de Outubro de 2001, p. 4, a seguir «Decreto Legislativo n.° 368/2001»).

    10     O artigo 1.°, n.° 1, do Decreto Legislativo n.° 368/2001 prevê que «o contrato de trabalho pode ser celebrado a termo, por razões de ordem técnica ou respeitantes a imperativos de produção, de organização ou de substituição de assalariados».

    11     Ao abrigo do artigo 4.°, n.° 1, do Decreto Legislativo n.° 368/2001, a duração do contrato de trabalho pode ser prolongada uma única vez quando a sua duração inicial tiver sido inferior a três anos, «na condição de tal se ficar a dever a razões objectivas e respeitar ao mesmo trabalho para o qual o contrato estipulava um termo certo». Todavia, neste caso, a duração total desse contrato não pode ser superior a três anos.

    12     O artigo 5.° do Decreto Legislativo n.° 368/2001, intitulado «Expiração do prazo e sanções. Contratos sucessivos», dispõe:

    «1.      Se a relação de trabalho continuar depois do termo do prazo inicialmente fixado ou se for posteriormente prorrogada nos termos do artigo 4.°, a entidade patronal é obrigada a pagar ao trabalhador um acréscimo da remuneração por cada dia de continuação da relação de trabalho, igual a 20%, até ao décimo dia seguinte, e a 40%, por cada dia adicional.

    2.      Se a relação de trabalho continuar para além do vigésimo dia, no caso de contratos de duração inferior a seis meses, ou para além do trigésimo dia, nos outros casos, o contrato é considerado celebrado por tempo indeterminado no final dos referidos prazos.

    3.      No caso de o trabalhador ser readmitido por tempo determinado, em conformidade com o disposto no artigo 1.°, no prazo de dez dias a contar da data do termo de um contrato de duração inferior ou igual a seis meses, ou de vinte dias a partir da data do termo de um contrato de duração superior a seis meses, o segundo contrato considera‑se celebrado sem termo.

    4.      Quando se tratar de duas contratações sucessivas a termo, isto é, efectuadas sem quebra de continuidade, a relação de trabalho considera‑se constituída por tempo indeterminado desde a data de celebração do primeiro contrato.»

    13     O artigo 10.° do Decreto Legislativo n.° 368/2001 prevê uma lista de casos em que se exclui a aplicação da nova legislação relativa aos contratos a termo. Nenhum desses casos diz respeito à Administração Pública.

    14     O Decreto Legislativo n.° 368/2001 entrou em vigor, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, em 21 de Setembro de 2001. O seu artigo 11.°, n.° 1, dispõe que, «[a] contar da entrada em vigor do presente decreto legislativo, são revogadas […] todas as disposições legislativas incompatíveis e não expressamente mencionadas no presente decreto legislativo». O n.° 3 do mesmo artigo acrescenta que «os contratos individuais celebrados na vigência da legislação anterior continuam a produzir os seus efeitos até ao seu termo».

    15     Por outro lado, nos termos do artigo 36.° do Decreto Legislativo n.° 165, de 30 de Março de 2001, que prevê regras gerais relativas à organização do trabalho na Administração Pública (suplemento ordinário ao GURI n.° 106, de 9 de Maio de 2001, a seguir «Decreto Legislativo n.° 165/2001):

    «1.      Os órgãos da Administração Pública, no respeito das disposições sobre o recrutamento do pessoal constantes dos artigos anteriores, podem recorrer às formas contratuais flexíveis de admissão e de emprego de pessoal previstas no Código Civil ou nas leis sobre as relações de trabalho na empresa. As convenções colectivas nacionais regulamentam os contratos a termo certo, os contratos de formação e de trabalho, as outras relações laborais relativas à formação e [à prestação] de trabalho temporário […]

    2.      Em qualquer caso, a violação de disposições imperativas respeitantes à admissão ou ao emprego de trabalhadores por parte dos órgãos da Administração Pública não pode implicar a constituição de relações de trabalho por tempo indeterminado com os referidos órgãos, sem prejuízo da responsabilidade e das consequências legais que dela possam decorrer. O trabalhador em causa tem direito ao ressarcimento dos prejuízos derivados da prestação de trabalho efectuada em violação de disposições imperativas. Os órgãos da Administração devem recuperar dos dirigentes responsáveis os montantes pagos a esse título, quando a violação seja devida a dolo ou resulte de falta grave.»

    16     O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) declarou, no seu acórdão n.° 89, de 13 de Março de 2003, que o artigo 36.°, n.° 2, primeira frase, do Decreto Legislativo n.° 165/2001 é conforme com os princípios constitucionais da igualdade e da boa administração, enunciados, respectivamente, nos artigos 3.° e 97.° da Constituição italiana. A Corte costituzionale considerou que o princípio fundamental segundo o qual o acesso aos empregos nos organismos públicos se efectua por concurso, em aplicação do artigo 97.°, n.° 3, da mesma Constituição, torna legítima a diferença de tratamento entre os trabalhadores do sector privado e os trabalhadores da Administração Pública, no caso de se verificar a existência de uma irregularidade na celebração de contratos a termo sucessivos.

     Litígio no processo principal e questão prejudicial

    17     Os demandantes no processo principal foram contratados na qualidade de agentes técnicos de cozinha, pelo estabelecimento hospitalar, ao abrigo de uma série de contratos a termo sucessivos, tendo o último contrato de cada um desses trabalhadores sido celebrado no mês de Janeiro de 2002, por um período de 6 meses.

    18     Estes recrutamentos foram efectuados com base numa lista de candidatos aptos, constituída na sequência de um concurso público organizado em 1998 pelo estabelecimento hospitalar, tendo em vista contratar, a título temporário, «agentes técnicos de cozinha», concurso em que participaram e foram aprovados os demandantes no processo principal.

    19     Os últimos contratos a termo, cujo prazo terminou no mês de Julho de 2002, não foram renovados pelo estabelecimento hospitalar, que despediu formalmente os demandantes no processo principal quando estes se apresentaram no seu posto de trabalho no termo do prazo do contrato respectivo.

    20     Os demandantes no processo principal impugnaram a decisão de despedimento no Tribunale di Genova, pedindo, por um lado, com base no Decreto Legislativo n.° 368/2001, a declaração da existência de contratos de trabalho por tempo indeterminado com o estabelecimento hospitalar, a contar do início das primeiras relações laborais em curso no momento da entrada em vigor do decreto legislativo, e, por outro, a condenação desse estabelecimento no pagamento das remunerações devidas e na reparação do prejuízo sofrido.

    21     No caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio constata que, em cada um dos casos submetidos à sua apreciação, decorreram oito dias entre o termo do penúltimo contrato celebrado com o estabelecimento hospitalar e a data em que o último contrato foi celebrado com esse estabelecimento. Ora, o artigo 5.°, n.° 3, do Decreto Legislativo n.° 368/2001 prevê que se o trabalhador for novamente contratado a prazo «no prazo de dez dias a contar da data do termo de um contrato de duração inferior ou igual a seis meses», se considera automaticamente que o segundo contrato é celebrado sem termo.

    22     O estabelecimento hospitalar alega que o artigo 5.° do Decreto Legislativo n.° 368/2001 não é aplicável ao caso vertente, uma vez que o artigo 36.° do Decreto Legislativo n.° 165/2001 proíbe a Administração Pública de celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado.

    23     O órgão jurisdicional de reenvio observa que o acordo‑quadro não identifica nenhum sector de actividade que possa ser excluído do seu âmbito de aplicação, à excepção de certas relações de formação profissional ou de trabalho visadas no artigo 2.°, n.° 2, desse mesmo acordo‑quadro, as quais são, em todo o caso, estranhas ao litígio submetido à apreciação desse órgão jurisdicional. Além disso, a Lei n.° 422/2000, que atribui competência ao governo para executar a Directiva 1999/70, não previu nenhuma restrição quanto à sua aplicação à Administração Pública. De facto, o Decreto Legislativo n.° 368/2001 não prevê nenhuma restrição desse tipo. Sendo posterior ao Decreto Legislativo n.° 165/2001, revoga expressamente «todas as disposições legislativas incompatíveis e não expressamente mencionadas no presente decreto legislativo».

    24     O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quando à compatibilidade do artigo 36.°, n.° 2, primeira frase, do Decreto Legislativo n.° 165/2001 com o direito comunitário, na medida em que, no que respeita às consequências de uma violação de disposições imperativas relativas a contratos de trabalho a termo sucessivos, essa frase opera uma distinção bastante clara entre estes contratos, consoante eles tenham sido celebrados com a Administração Pública ou com empregadores do sector privado. O referido órgão jurisdicional observa, a esse respeito, que a protecção por meio de uma indemnização, que reveste um carácter geral na ordem jurídica interna, não pode, tendo em conta, nomeadamente, a questão do ónus da prova do prejuízo alegadamente sofrido pelos trabalhadores, ser considerada equivalente à que decorre da reintegração no emprego precedentemente ocupado. Esta última forma de protecção é mais adequada para responder à necessidade de se evitar eventuais abusos de um empregador que conclua contratos de trabalho a termo sucessivos.

    25     Nestas condições, o Tribunale di Genova decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «A Directiva 1999/70/CE (artigo 1.° do texto da directiva, assim como artigos 1.°, alínea b), e 5.° do acordo‑quadro […]) deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação interna (em vigor antes da transposição da directiva) que diferencia os contratos de trabalho celebrados com a Administração Pública dos contratos com entidades patronais privadas, excluindo os primeiros da protecção que representa a constituição de uma relação de trabalho por tempo indeterminado em caso de violação de regras imperativas sobre a sucessão dos contratos de trabalho a termo?»

     Quanto à questão prejudicial

     Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

     Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

    26     O estabelecimento hospitalar considera que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível na medida em que a Directiva 1999/70 não é directamente aplicável ao processo principal, em virtude da falta de efeito directo horizontal das directivas, uma vez que esse estabelecimento não depende do Estado italiano nem de nenhum ministério. Trata‑se de um estabelecimento autónomo com directores próprios, que são obrigados, no quadro da sua gestão, a aplicar as regras do direito interno, regras que não podem pôr em causa nem derrogar.

    27     O Governo italiano alega igualmente que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível. Por um lado, considera que o pedido é puramente hipotético, na medida em que a aplicabilidade ao litígio no processo principal do artigo 5.° do Decreto Legislativo n.° 368/2001, que derroga o artigo 36.° do Decreto Legislativo n.° 165/2001, não suscita quaisquer dúvidas ao órgão jurisdicional de reenvio, que é o único competente para interpretar as normas de direito interno.

    28     Por outro lado, considera que esse pedido é desprovido de qualquer pertinência para a solução do litígio no processo principal, uma vez que os primeiros contratos foram celebrados antes do termo do prazo de transposição da Directiva 1999/70, fixado em 10 de Julho de 2001.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    29     Em primeiro lugar, no que respeita à questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo estabelecimento hospitalar, basta assinalar que decorre da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional nacional considera assente o facto de esse estabelecimento constituir uma instituição do sector público vinculada à Administração Pública. Ora, segundo jurisprudência assente, uma directiva pode ser invocada não só contra as autoridades estatais mas também contra organismos ou entidades submetidas à autoridade ou ao controlo do Estado, ou que disponham de poderes exorbitantes que ultrapassam os que resultam das normas aplicáveis nas relações entre particulares, tais como pessoas colectivas territoriais ou organismos que, qualquer que seja a sua forma jurídica, foram encarregados, por força de um acto de autoridade pública, de prestar, sob o controlo desta última, um serviço de interesse público (acórdãos de 22 de Junho de 1989, Fratelli Costanzo, 103/88, Colect., p. 1839, n.° 31; de 12 de Julho de 1990, Foster e o., C‑188/89, Colect., p. I‑3313, n.° 19; e de 5 de Fevereiro de 2004, Rieser Internationale Transporte, C‑157/02, Colect., p. I‑1477, n.° 24).

    30     Por conseguinte, a referida questão prévia de inadmissibilidade não pode ser acolhida no caso vertente.

    31     Em segundo lugar, no que respeita à primeira das questões prévias de inadmissibilidade suscitadas pelo Governo italiano, importa observar que decorre da jurisprudência que, no âmbito do processo previsto no artigo 234.° CE, não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação do direito nacional ou sobre a compatibilidade das disposições do direito nacional com o direito comunitário (v., designadamente, acórdãos de 19 de Março de 1964, Unger, 75/63, Colect. 1962‑1964, p. 419, e de 8 de Setembro de 2005, Yonemoto, C‑40/04, Colect., p. I‑7755, n.° 27).

    32     Todavia, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência assente, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, instituída pelo mesmo artigo do Tratado CE, compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando as questões prejudiciais colocadas sejam relativas à interpretação do direito comunitário, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir (v., designadamente, acórdãos de 15 de Dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, Colect., p. I‑4921, n.° 59, e de 10 de Novembro de 2005, Stichting Zuid‑Hollandse Milieufederatie, C‑316/04, Colect., p. I‑9759, n.° 29).

    33     Apenas em casos excepcionais cabe ao Tribunal de Justiça examinar as condições em que os pedidos de interpretação lhe são submetidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais, para verificar a sua própria competência (v., neste sentido, acórdão de 16 de Dezembro de 1981, Foglia, 244/80, Recueil, p. 3045, n.° 21). A recusa de decidir sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando for manifesto que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Bosman, n.° 61, e Stichting Zuid‑Hollandse Milieufederatie, n.° 30).

    34     Ora, no caso vertente, não pode validamente sustentar‑se que a interpretação da Directiva 1999/70 não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, ou que o problema é de natureza hipotética, uma vez que a interpretação solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio visa, precisamente, permitir que este responda a uma questão relativa à compatibilidade de uma disposição do direito nacional com essa directiva.

    35     A referida questão prévia de inadmissibilidade deve, pois, ser igualmente rejeitada.

    36     Em terceiro lugar, no que respeita à segunda questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Governo italiano, basta assinalar que resulta da Directiva 1999/70, cujo prazo de transposição terminou em 10 de Julho de 2001, que esta visa evitar os abusos decorrentes da utilização de contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos e que as suas disposições dizem essencialmente respeito à renovação dos contratos a termo e às condições a que está sujeita essa renovação. Ora, as renovações dos contratos em causa no processo principal tiveram lugar, respectivamente, em 10 e 11 de Janeiro de 2002, sendo, portanto, posteriores à data em que a referida directiva devia ter sido transposta para a ordem jurídica interna. Nestas condições, não pode validamente sustentar‑se que a interpretação da directiva é desprovida de pertinência para a solução dos litígios submetidos ao órgão jurisdicional de reenvio.

    37     Resulta das considerações que precedem que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

     Quanto ao mérito

    38     Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que exclui, em caso de abuso decorrente da utilização de contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos por uma entidade patronal pública, que estes se convertam em contratos ou em relações de trabalho por tempo indeterminado, mesmo quando essa transformação está prevista para os contratos e relações de trabalho celebrados com uma entidade patronal privada.

    39     Para dar resposta a essa questão, importa, desde logo, realçar que, contrariamente ao que foi alegado pelo Governo italiano na audiência, a Directiva 1999/70 e o acordo‑quadro se destinam a regular os contratos e relações de trabalho a termo celebrados com os órgãos da Administração e outras entidades do sector público (acórdão de 4 de Julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 54).

    40     De facto, as disposições desses dois actos não incluem nenhuma indicação que permita inferir que o seu campo de aplicação se limita aos contratos a termo celebrados por trabalhadores com entidades patronais do sector privado (acórdão Adeneler e o., já referido, n.° 55).

    41     Pelo contrário, por um lado, como resulta da própria redacção do artigo 2.°, n.° 1, do acordo‑quadro, o seu âmbito de aplicação é concebido de modo amplo, abrangendo, de maneira geral, os «trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções colectivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro». Além disso, o conceito de «trabalhador contratado a termo», na acepção do acordo‑quadro, enunciado no seu artigo 3.°, n.° 1, abrange todos os trabalhadores, sem fazer distinção de acordo com a natureza pública ou privada da sua entidade patronal (acórdão Adeneler e o., já referido, n.° 56).

    42     Por outro lado, o artigo 2.°, n.° 2, do mesmo acordo‑quadro, longe de prever a exclusão dos contratos ou relações de trabalho a termo celebrados com uma entidade patronal pública, limita‑se a dar aos Estados‑Membros e/ou aos parceiros sociais a faculdade de subtrair ao âmbito de aplicação desse acordo‑quadro a «formação profissional inicial e regimes de aprendizagem» e os contratos e relações de trabalho «estabelecidos no âmbito de um programa específico público ou que beneficie de comparticipação de carácter público, de formação, integração ou reconversão profissional» (acórdão Adeneler e o., já referido, n.° 57).

    43     Importa igualmente recordar que, tal como resulta do artigo 1.°, alínea b), do acordo‑quadro, o seu objecto consiste em estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos.

    44     Para este efeito, o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro impõe aos Estados‑Membros a obrigação de introduzirem na sua ordem jurídica pelo menos uma das medidas enumeradas no referido n.° 1, alíneas a) a c), quando, no Estado‑Membro em causa, não existam já disposições legais equivalentes destinadas a evitar efectivamente a utilização abusiva de contratos de trabalho a termo sucessivos (acórdão Adeneler e o., já referido, n.° 65).

    45     Todavia, importa salientar que, como decorre do seu texto, a referida disposição reconhece aos Estados‑Membros a faculdade, desde que objectivamente justificada, de ter em conta as necessidades específicas de determinados sectores de actividades e/ou das categorias de trabalhadores em causa.

    46     É certo que o artigo 5.°, n.° 2, do acordo‑quadro não reconhece explicitamente aos Estados‑Membros a mesma faculdade no que respeita à determinação das condições em que os contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos devem ser considerados concluídos por tempo indeterminado.

    47     Contudo, uma vez que essa disposição não impõe uma obrigação geral de os Estados‑Membros preverem a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, nem regula as condições precisas em que se pode fazer uso dos primeiros (acórdão Adeneler e o., já referido, n.° 91), deixa uma certa margem de apreciação na matéria aos Estados‑Membros.

    48     Do exposto decorre que o artigo 5.° do acordo‑quadro não se opõe, em si mesmo, a que um Estado‑Membro preveja consequências diferentes para o abuso decorrente da utilização de contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos, consoante esses contratos ou relações de trabalho tenham sido celebrados com uma entidade patronal privada ou com uma entidade patronal pública.

    49     Todavia, como decorre do n.° 105 do acórdão Adeneler e o., já referido, para que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que proíbe, apenas no sector público, a conversão de contratos de trabalho a termo sucessivos num contrato de trabalho por tempo indeterminado, possa ser considerada conforme com o acordo‑quadro, a ordem jurídica interna do Estado‑Membro em causa deve prever, para o sector em questão, outra medida eficaz para evitar e, sendo caso disso, punir a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos.

    50     No que respeita a esta última condição, importa recordar que o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro impõe aos Estados‑Membros a adopção efectiva e imperativa de pelo menos uma das medidas enumeradas nessa disposição, destinadas a evitar a utilização abusiva de contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos, sempre que o direito nacional não preveja já medidas equivalentes.

    51     Além disso, quando, como no caso em apreço, o direito comunitário não prevê sanções específicas para o caso de se verificarem abusos, compete às autoridades nacionais adoptar as medidas adequadas para fazer face a essa situação, medidas que devem revestir‑se de carácter não só proporcionado mas também suficientemente eficaz e dissuasivo para garantirem a plena eficácia das normas adoptadas em aplicação do acordo‑quadro (acórdão Adeneler e o., já referido, n.° 94).

    52     Embora as modalidades de transposição dessas normas sejam da competência da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros por força do princípio da autonomia processual destes últimos, não devem, no entanto, ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v., designadamente, acórdãos de 14 de Dezembro de 1995, Peterbroeck, C‑312/93, Colect., p. I‑4599, n.° 12, e Adeneler e o., já referido, n.° 95).

    53     Do exposto decorre que quando se tenha verificado um recurso abusivo a contratos de trabalho a termo sucessivos, deve poder ser aplicada uma medida que apresente garantias efectivas e equivalentes de protecção dos trabalhadores, para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito comunitário. Com efeito, nos próprios termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Directiva 1999/70, os Estados‑Membros devem «tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos pela [referida] directiva» (acórdão Adeneler e o., já referido, n.° 102).

    54     Não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação do direito interno, tarefa que incumbe em exclusivo ao órgão jurisdicional de reenvio, que deve, no caso vertente, determinar se as exigências recordadas nos três números precedentes estão satisfeitas pelas disposições da legislação nacional pertinente. Todavia, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode, sendo caso disso, fornecer esclarecimentos que permitam orientar o órgão jurisdicional nacional na sua apreciação (v. acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax e o., C‑255/02, Colect., p. I‑1609, n.os 76 e 77).

    55     A esse respeito, há que assinalar que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê regras imperativas relativamente à duração e à renovação de contratos a termo, bem como o direito à reparação do prejuízo sofrido pelo trabalhador resultante do recurso abusivo, pela Administração Pública, a contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos, parece, à primeira vista, satisfazer as exigências recordadas nos n.os 51 a 53 do presente acórdão.

    56     Todavia, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar em que medida é que as condições de aplicação bem como a execução efectiva do artigo 36.°, n.° 2, primeira frase, do Decreto Legislativo n.° 165/2001 fazem com que esta disposição constitua uma medida adequada para evitar e, sendo caso disso, punir a utilização abusiva, pela Administração Pública, de contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos.

    57     À luz das considerações que precedem, importa responder à questão submetida que o acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional que exclui, em caso de abuso decorrente da utilização de contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos por uma entidade patronal pública, que os referidos contratos se convertam em contratos ou relações de trabalho por tempo indeterminado, mesmo quando esta conversão está prevista para os contratos e relações de trabalho celebrados com uma entidade patronal privada, sempre que essa legislação preveja outra medida eficaz para evitar e, sendo caso disso, punir a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos por uma entidade patronal do sector público.

     Quanto às despesas

    58     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

    O acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de Março de 1999, anexo à Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional que exclui, em caso de abuso decorrente da utilização de contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos por uma entidade patronal pública, que os referidos contratos se convertam em contratos ou relações de trabalho por tempo indeterminado, mesmo quando essa conversão está prevista para os contratos e relações de trabalho celebrados com uma entidade patronal privada, sempre que essa legislação preveja outra medida eficaz para evitar e, sendo caso disso, punir a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos por uma entidade patronal do sector público.

    Assinaturas


    * Língua do processo: italiano.

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