Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex
Documento 62002CJ0255
Judgment of the Court (Grand Chamber) of 21 February 2006.#Halifax plc, Leeds Permanent Development Services Ltd and County Wide Property Investments Ltd v Commissioners of Customs & Excise.#Reference for a preliminary ruling: VAT and Duties Tribunal, London - United Kingdom.#Sixth VAT Directive - Article 2(1), Article 4(1) and (2), Article 5(1) and Article 6(1) - Economic activity - Supplies of goods - Supplies of services - Abusive practice -Transactions designed solely to obtain a tax advantage.#Case C-255/02.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 21 de Fevereiro de 2006.
Halifax plc, Leeds Permanent Development Services Ltd e County Wide Property Investments Ltd contra Commissioners of Customs & Excise.
Pedido de decisão prejudicial: VAT and Duties Tribunal, London - Reino Unido.
Sexta Directiva IVA - Artigo 2.º, ponto 1, artigo 4.º, n.os 1 e 2, artigo 5.º, n.º 1, e artigo 6.º, n.º 1 - Actividade económica - Entregas de bens - Prestações de serviços - Prática abusiva - Operações cujo único fim é a obtenção de um benefício fiscal.
Processo C-255/02.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 21 de Fevereiro de 2006.
Halifax plc, Leeds Permanent Development Services Ltd e County Wide Property Investments Ltd contra Commissioners of Customs & Excise.
Pedido de decisão prejudicial: VAT and Duties Tribunal, London - Reino Unido.
Sexta Directiva IVA - Artigo 2.º, ponto 1, artigo 4.º, n.os 1 e 2, artigo 5.º, n.º 1, e artigo 6.º, n.º 1 - Actividade económica - Entregas de bens - Prestações de serviços - Prática abusiva - Operações cujo único fim é a obtenção de um benefício fiscal.
Processo C-255/02.
Colectânea de Jurisprudência 2006 I-01609
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2006:121
Processo C‑255/02
Halifax plc e o.
contra
Commissioners of Customs & Excise
(pedido de decisão prejudicial apresentado
pelo VAT and Duties Tribunal, Londres)
«Sexta Directiva IVA – Artigo 2.°, ponto 1, artigo 4.°, n.os 1 e 2, artigo 5.°, n.° 1, e artigo 6.°, n.° 1 – Actividade económica – Entregas de bens – Prestações de serviços – Prática abusiva – Operações cujo único fim é a obtenção de uma vantagem fiscal»
Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro, apresentadas em 7 de Abril de 2005
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 21 de Fevereiro de 2006
Sumário do acórdão
1. Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Entrega de bens – Prestações de serviços
(Directiva 77/388 do Conselho, artigos 2.°, ponto 1, 4.°, n.os 1 e 2, 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1)
2. Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Dedução do imposto pago a montante
(Directiva 77/388 do Conselho, artigo 17.°)
1. As operações constituem entregas de bens ou prestações de serviços e integram uma actividade económica na acepção dos artigos 2.°, ponto 1, 4.°, n.os 1 e 2, 5.°, n.° 1 e 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, alterada pela Directiva 95/7, desde que preencham os requisitos objectivos em que assentam aqueles conceitos, mesmo que tenham sido efectuadas com o único objectivo de obter uma vantagem fiscal, sem outro objectivo económico.
Com efeito, os conceitos de sujeito passivo e de actividades económicas, bem como de entrega de bens e de prestação de serviços, que definem as operações tributáveis nos termos da Sexta Directiva, têm todos um carácter objectivo e aplicam‑se independentemente dos objectivos e dos resultados das operações em causa. Assim, uma obrigação da Administração Fiscal de proceder a inquéritos para apurar a intenção do sujeito passivo seria contrária aos objectivos do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado de garantir a segurança jurídica e facilitar os actos inerentes à aplicação do imposto sobre o valor acrescentado através da tomada em consideração, salvo em casos excepcionais, da natureza objectiva da operação em causa.
Embora, na verdade, os objectivos acima referidos não estejam preenchidos em caso de fraude fiscal, por exemplo através de falsas declarações ou da emissão de facturas irregulares, não é menos certo que a questão de saber se a operação em causa foi efectuada com o único objectivo de obter uma vantagem fiscal é irrelevante para determinar se a mesma constitui uma entrega de bens ou uma prestação de serviços e uma actividade económica.
(cf. n.os 55‑57, 59, 60, disp. 1)
2. A Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, alterada pela Directiva 95/7, deve ser interpretada no sentido de que se opõe ao direito do sujeito passivo a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante quando as operações em que esse direito se baseia forem constitutivas de uma prática abusiva.
A declaração da existência de uma prática abusiva exige, por um lado, que as operações em causa, apesar da aplicação formal das condições previstas nas disposições pertinentes da Sexta Directiva e da legislação nacional que transpõe essa directiva, tenham por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seria contrária ao objectivo prosseguido por essas disposições. Por outro lado, deve igualmente resultar de um conjunto de elementos objectivos que as operações em causa têm por finalidade essencial a obtenção de uma vantagem fiscal.
Ora, permitir aos sujeitos passivos deduzir a totalidade do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante ao passo que, no âmbito das suas transacções comerciais normais, nenhuma operação conforme às disposições do regime de deduções da Sexta Directiva ou da legislação nacional que a transpõe lhes teria permitido deduzir esse imposto sobre o valor acrescentado, ou apenas permitiria deduzir uma parte, seria contrário ao princípio da neutralidade discal e, portanto, contrário ao objectivo do referido regime.
No que respeita ao segundo elemento, segundo o qual as operações em causa devem ter como objectivo essencial a obtenção de um benefício fiscal, há que recordar que compete ao órgão jurisdicional nacional averiguar o conteúdo e significado reais das operações em causa. Para esse efeito, pode ter em consideração o carácter puramente artificial das operações, bem como as relações de natureza jurídica, económica e/ou pessoal entre os operadores envolvidos no plano de redução da carga fiscal.
Quando se verifique a existência de uma prática abusiva, as operações implicadas devem ser redefinidas de forma a restabelecer a situação tal como ela existiria na ausência das operações constitutivas da prática abusiva.
A este respeito, a Administração Fiscal pode reclamar, com efeitos retroactivos, a restituição dos montantes deduzidos por cada operação em que verifique que o direito à dedução foi exercido de forma abusiva. Todavia, a Administração Fiscal deve igualmente subtrair qualquer imposto que tenha incidido sobre uma operação efectuada a jusante, imposto em relação ao qual o sujeito passivo em causa era artificialmente devedor no âmbito de um plano de redução da carga fiscal e, se for caso disso, deve reembolsar o montante excedente. Do mesmo modo, deve permitir ao sujeito passivo que, na ausência de operações constitutivas de uma prática abusiva, seria o beneficiário da primeira operação não constitutiva de uma tal prática, deduzir, em conformidade com as disposições do regime de deduções da Sexta Directiva, o IVA que incide sobre essa operação a montante.
(cf. n.os 74, 75, 80, 81, 85, 86, 94‑98, disp. 2, 3)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
21 de Fevereiro de 2006 (*)
«Sexta Directiva IVA – Artigo 2.°, ponto 1, artigo 4.°, n.os 1 e 2, artigo 5.°, n.° 1, e artigo 6.°, n.° 1 – Actividade económica – Entregas de bens – Prestações de serviços – Prática abusiva – Operações cujo único fim é a obtenção de uma vantagem fiscal»
No processo C‑255/02,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo VAT and Duties Tribunal, London (Reino Unido), por decisão de 27 de Junho de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de Julho de 2002, no processo
Halifax plc,
Leeds Permanent Development Services Ltd,
County Wide Property Investments Ltd
contra
Commissioners of Customs & Excise,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),
composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Schiemann, J. Makarczyk, presidentes de secção, S. von Bahr (relator), J. N. Cunha Rodrigues, R. Silva de Lapuerta, K. Lenaerts, P. Kūris, E. Juhász e G. Arestis, juízes,
advogado‑geral: M. Poiares Maduro,
secretário: K. Sztranc, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 23 de Novembro de 2004,
vistas as observações apresentadas:
– em representação da Halifax plc, da Leeds Permanent Development Services Ltd e da County Wide Property Investments Ltd, por K. P. E. Lasok, QC, e M. Patchett‑Joyce, barrister, mandatados por S. Garrett, solicitor,
– em representação do Governo do Reino Unido, por J. Collins e R. Caudwell, na qualidade de agentes, assistidos por J. Peacock e C. Vajda, QC, e M. Angiolini, barrister,
– em representação do Governo francês, por G. de Bergues e C. Jurgensen‑Mercier, na qualidade de agentes,
– em representação da Irlanda, por D. J. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por A. M. Collins, SC,
– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal, na qualidade de agente,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de Abril de 2005,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), alterada pela Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995 (JO L 102, p. 18, a seguir «Sexta Directiva»).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Halifax plc (a seguir «Halifax»), a Leeds Permanent Development Services Ltd (a seguir «Leeds Development»), a County Wide Property Investments Ltd (a seguir «County») e os Commissioners of Customs & Excise (a seguir «Commissioners»), a propósito do indeferimento, por estes últimos, dos pedidos de reembolso ou de remissão do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») apresentados pela Leeds Development e pela County no âmbito de um plano de redução da carga fiscal do Halifax plc Group.
Quadro jurídico
3 O artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Directiva sujeita ao IVA as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.
4 Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, desta directiva, por sujeito passivo entende‑se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, uma das actividades económicas referidas no n.° 2 deste artigo. O conceito de «actividades económicas» é definido, no referido n.° 2, englobando todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços e, designadamente, as operações que impliquem a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência.
5 Nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da mesma directiva, «[p]or ‘entrega de um bem’ entende‑se a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário».
6 Segundo o artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva, «[p]or ‘prestação de serviços’ entende‑se qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens na acepção do artigo 5.°».
7 Resulta do artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Directiva que, salvo algumas excepções aí enumeradas, os Estados‑Membros isentarão a locação de bens imóveis. Todavia, resulta do artigo 13.°, C, primeiro parágrafo, alínea a), da mesma directiva que os Estados‑Membros podem conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação dessas operações.
8 O artigo 13.°, B, alínea d), da mesma directiva prevê que os Estados‑Membros isentarão de IVA determinadas actividades no sector dos serviços financeiros.
9 O artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da mesma directiva prevê:
«Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:
a) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;».
10 No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar não só operações com direito a dedução como operações que não conferem esse direito, o artigo 17.°, n.° 5, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva precisa que «a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações».
11 Nos termos do segundo parágrafo da mesma disposição, «[e]ste pro rata é determinado nos termos do artigo 19.°, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo».
Processo principal e questões prejudiciais
12 A Halifax é uma instituição bancária. A grande maioria dos serviços que presta é isenta de IVA. À data dos factos em causa no processo principal, podia recuperar menos de 5% do IVA pago a montante.
13 Segundo as observações apresentadas pela Halifax, a Leeds Development é uma sociedade de promoção imobiliária e a County uma sociedade de promoção imobiliária e de investimento.
14 Resulta da decisão de reenvio que a Leeds Development e a County bem como outra sociedade do Halifax plc Group implicada nas operações em causa, a Halifax Property Investments Ltd (a seguir «Property»), são filiais integralmente detidas pela Halifax. A Leeds Development e a County estão registadas separadamente para efeitos de IVA, ao passo que a Property não está registada.
15 Para efeitos da sua actividade comercial, a Halifax devia construir «centros de chamadas» («call centres») em quatro imóveis distintos, a saber, em Cromac Wood e em Dundonald na Irlanda do Norte, em Livingston na Escócia e em West Bank, Leeds, no nordeste de Inglaterra, em relação aos quais era titular de um contrato de locação por cerca de 125 anos ou tinha a propriedade plena ou ainda o usufruto pleno.
16 Em primeiro lugar, em 17 de Dezembro de 1999, celebrou um contrato de beneficiação do imóvel de Cromac Wood com a Cusp Ltd, uma sociedade independente de promoção e construção imobiliária. Mediante aditamento de 28 de Fevereiro de 2000, a Halifax desvinculou‑se desse contrato e os seus direitos e obrigações foram assumidos pela County.
17 Entre 29 de Fevereiro e 6 de Abril de 2000, a Halifax, a Leeds Development, a County e a Property celebraram um conjunto de contratos relativamente aos diferentes imóveis. Resulta da decisão de reenvio que as operações se realizaram de forma similar em relação a todos os imóveis.
18 No que respeita aos imóveis de Cromac Wood, Dundonald e Livingston, em 29 de Fevereiro de 2000, a Halifax celebrou contratos de mútuo com a Leeds Development nos termos dos quais aceitava emprestar a esta última montantes suficientes para que a Leeds Development pudesse adquirir direitos sobre esses imóveis e beneficiá‑los, no montante total de 59 000 000 GBP.
19 A Halifax e a Leeds Development celebraram igualmente um contrato tendo em vista a execução de determinados trabalhos de construção nos imóveis referidos. Por esses trabalhos, a Halifax pagou à Leeds Development um pouco mais de 120 000 GBP, das quais 20 000 GBP a título de IVA. A Leeds Development enviou à Halifax três facturas respeitantes ao IVA relativo a esse montante. Além disso, a Halifax celebrou um contrato de locação, mediante retribuição, com a Leeds Development relativo aos três imóveis, cada um por um prazo de 20 anos, com a possibilidade de o locatário prorrogar esse prazo até 99 anos.
20 Em 29 de Fevereiro de 2000, a Leeds Development celebrou igualmente um contrato de beneficiação e de financiamento com a County, nos termos do qual esta teria de executar ou mandar executar os trabalhos de construção nos terrenos de Cromac Wood, Dundonald e Livingston, incluindo os trabalhos que a Leeds Development acordou executar ou mandar executar nos termos do seu contrato com a Halifax.
21 Na mesma data, a Halifax efectuou os primeiros adiantamentos relativos aos empréstimos à Leeds Development e pagou os trabalhos referidos, num montante total de 44 815 000 GBP. Este montante foi depositado numa conta bancária movimentada segundo as instruções da Leeds Development. Esta última solicitou que um montante idêntico, incluindo mais de 6 600 000 GBP de IVA, fosse pago à County a título de adiantamento pelos trabalhos executados ou promovidos por esta última. Esta operação foi registada no mesmo dia pelo banco em causa, tendo os fundos sido depositados durante a noite. Na mesma data, a County emitiu à Leeds Development uma factura do IVA pago.
22 O dia 29 de Fevereiro de 2000 era igualmente o último dia do período contabilístico de Fevereiro de 2000 da Leeds Development. A mesma apresentou uma declaração com um pedido de reembolso de IVA no valor aproximado de 6 700 000 GBP.
23 Em 1 de Março de 2000, foi transferido o montante de 44 815 000 GBP, acrescido de juros, por ordem da Leeds Development para uma conta aberta em nome da County num outro banco.
24 Em 6 de Abril de 2000, em conformidade com o contrato de 29 de Fevereiro de 2000, a Halifax deu em locação à Leeds Development os terrenos situados nos locais de Cromac Wood, Dundonald e Livingston, mediante retribuições de um montante total de cerca de 7 400 000 GBP, sendo cada um dos contratos de locação considerado uma prestação isenta para efeitos de IVA. Estas retribuições foram financiadas através de um levantamento ulterior do montante colocado à disposição nos termos dos contratos de mútuo iniciais.
25 Na mesma data, a Leeds Development celebrou igualmente um contrato de cessão, mediante retribuição, da sua posição em cada um dos contratos de locação à Property, devendo esses actos de cessão tornar‑se efectivos no primeiro dia útil seguinte à conclusão dos trabalhos no imóvel em causa e ser considerados operações isentas de IVA. A retribuição devia ser calculada segundo uma fórmula que permitia que a Leeds Development obtivesse um lucro total de 180 000 GBP. Por sua vez, a Property acordou em sublocar os imóveis de Cromac Wood, Dundonald e Livingston à Halifax, em cada um dos casos mediante uma retribuição a calcular por referência ao preço a pagar pela Property à Leeds Development pela cessão das locações respectivas, acrescido de uma margem de lucro. O lucro total a obter pela Property através das referidas sublocações era de 85 000 GBP.
26 No que diz respeito ao imóvel de West Bank, em Leeds, em 13 de Março de 2000, a Halifax e a Leeds Development celebraram um contrato de mútuo, um contrato de locação e um contrato para a realização de obras. A Halifax pagou o montante de 41 900 GBP, do qual um pouco mais de 6 000 GBP a título de IVA, relativamente aos trabalhos iniciais executados e a Leeds Development emitiu uma factura de IVA pago correspondente a esse montante total. A Halifax fez um primeiro adiantamento de fundos em favor da Leeds Development no montante aproximado de 3 000 000 GBP nos termos do contrato de mútuo.
27 No mesmo dia, a Leeds Development e a County celebraram um contrato de beneficiação e de financiamento. A Leeds Development efectuou um pagamento antecipado à County e esta emitiu facturas respeitantes ao IVA pago relativamente aos trabalhos executados, num montante de mais de 3 000 000 GBP, do qual cerca de 455 000 GBP de IVA. Na sua declaração relativa a Março de 2000, a Leeds Development pediu o reembolso de quase 455 000 GBP relativo ao IVA pago a montante.
28 Em 6 de Abril de 2000, a Halifax deu em locação à Leeds Development o terreno situado em West Bank e foi celebrado um contrato de cessão da referida locação pela Leeds Development à Property, mediante retribuição. Através de um outro contrato, a Property comprometeu‑se a sublocar à Halifax.
29 A execução dos trabalhos nos termos dos diferentes contratos celebrados com a Leeds Development foi entregue pela County a empresas independentes e profissionais liberais (a seguir «construtores independentes»). O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que puderam ser celebrados contratos por fases com os construtores independentes e que aqueles que lhe foram dados a conhecer eram acompanhados por contratos separados, nos quais era parte a Halifax. Estes contratos separados garantiam à Halifax, designadamente, a execução das tarefas e obrigações pelo construtor independente em causa.
30 O órgão jurisdicional de reenvio indica que as consequências fiscais visadas pelos contratos mencionados eram as seguintes:
– A Halifax poderia deduzir a parte dedutível do IVA pago a montante relativo aos trabalhos visados pelos contratos celebrados com a Leeds Development.
– A Leeds Development poderia deduzir, relativamente ao período contabilístico de Fevereiro de 2000, o IVA indicado na factura da County de 29 de Fevereiro de 2000, a saber, mais de 6 600 000 GBP e, relativamente ao período contabilístico de Março de 2000, o IVA indicado na factura de 13 de Março de 2000, a saber, cerca de 455 000 GBP.
– A County declararia a totalidade do IVA a jusante indicado nas facturas referidas e poderia deduzir o IVA a montante relativamente aos trabalhos realizados pelos construtores independentes.
– Os contratos da Leeds Development, de 6 de Abril de 2000, relativos à cessão à Property das locações respeitantes aos quatro imóveis seriam operações isentas. Como ocorreram noutro período contabilístico, essas prestações não implicariam uma alteração dos direitos da Leeds Development a recuperar o imposto pago a montante relativo aos períodos contabilísticos de Fevereiro e de Março de 2000, que ocorreriam durante o exercício encerrado em 31 de Março de 2000.
31 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, para que essa solução funcionasse, era necessário que:
– a Halifax, a Leeds Development e a County estivessem registadas separadamente para fins de IVA,
– ao longo de todo o primeiro exercício contabilístico em causa, a produção tributada à taxa normal da Leeds Development representasse uma proporção o mais elevada possível da sua produção total. Para tal, as prestações isentas da Leeds Development, constituídas pela cessão dos seus direitos sobre os imóveis à Property, deveriam ser diferidas para um exercício posterior, e
– os direitos de propriedade da Leeds Development sobre os imóveis fossem concebidos de forma a não serem considerados como bem de investimento. Em caso contrário, a cessão desses direitos à Property afectaria os seus direitos a dedução.
32 Por decisões de 4 e 7 de Julho de 2000, os Commissioners indeferiram os pedidos de reembolso apresentados pela Leeds Development e pela County respeitantes ao IVA que os construtores independentes tinham facturado a esta última.
33 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os Commissioners consideraram que:
– não tendo a Leeds Development prestado serviços à Halifax, nem recebido prestações de serviços de construção da County, essas operações não deviam ser tomadas em conta para efeitos de IVA;
– resulta de uma análise dos contratos vistos como um todo que a Halifax recebeu prestações de serviços dos construtores independentes e não da Leeds Development. A Halifax podia, por conseguinte, deduzir o IVA sobre esses trabalhos aplicando a sua taxa normal de reembolso.
34 A Halifax, a Leeds Development e a County impugnaram as decisões dos Commissioners no VAT and Duties Tribunal, London. A Halifax alegou que essas decisões tinham por efeito considerá‑la beneficiária de prestações de serviços de construção sujeitas a imposto, as quais deviam ser consideradas como efectuadas à County. A Leeds Development e a County alegaram que essas decisões equivaliam a indeferir os seus pedidos de reembolso ou de remissão do IVA pago a montante.
35 A Halifax, a Leeds Development e a County observaram que as operações efectuadas no âmbito dos contratos visados pelo seu recurso eram reais. Não só as entregas ou prestações dos construtores independentes mas também as prestações de serviços de construção por parte da County e as prestações de serviços de construção e a cedência dos terrenos por parte da Leeds Development serviram interesses comerciais. Estas duas sociedades, bem como a Property, deviam auferir lucros das suas participações nos contratos. Apesar de esses contratos terem sido estruturados de forma a obter um resultado fiscal vantajoso, o sistema do IVA obrigava a aplicar o imposto operação a operação.
36 Em primeiro lugar, os Commissioners alegaram que uma operação efectuada com o único objectivo de contornar o IVA não constitui em si mesma uma «entrega» ou uma «prestação» nem uma medida tomada no exercício de uma «actividade económica» tal como estes termos da Sexta Directiva devem ser correctamente interpretados. A aplicação deste princípio de interpretação aos contratos em causa significa que os compromissos assumidos pela Leeds Development em relação à Halifax não podem ser considerados «entregas» ou «prestações», o mesmo valendo para os compromissos assumidos pela County para com a Leeds Development.
37 Em segundo lugar, os Commissioners alegaram que, em conformidade com o princípio geral de direito comunitário que impõe que se evite o abuso do direito, as operações efectuadas com o único objectivo de contornar o IVA não devem ser tidas em conta, mas, em lugar disso, as disposições da Sexta Directiva devem ser aplicadas à verdadeira natureza das operações em questão. Seja qual for a abordagem adoptada para examinar os contratos, verifica‑se que apenas os construtores independentes terão realmente prestado serviços de construção, e directamente à Halifax.
38 Através de decisão de 5 de Julho de 2001, o VAT and Duties Tribunal negou provimento ao recurso.
39 A Halifax, a Leeds Development e a County interpuseram recurso para a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, que anulou a decisão referida e remeteu o processo ao VAT and Duties Tribunal.
40 Este último assinala que, na sua primeira decisão, proferida em 5 de Julho de 2001, se baseou numa interpretação do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva segundo a qual se devia atender às características objectivas das operações para se poder concluir que as operações em causa não constituíam entregas ou prestações para efeitos do IVA. A interpretação dessa disposição deve agora ser submetida ao Tribunal de Justiça.
41 Além disso, na sua primeira decisão, o órgão jurisdicional de reenvio pronunciou‑se sobre o litígio no processo principal sem se interrogar se teria havido qualquer «abuso do direito» por parte dos participantes na operação em causa. Uma vez que essa decisão foi anulada, convém igualmente questionar a interpretação daquele princípio.
42 A esse respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que resulta dos depoimentos dos directores da Halifax, da Leeds Development e da County que a evasão fiscal era o único objectivo destas duas últimas sociedades ao participarem nas operações em causa. Noutros termos, a Halifax, a Leeds Development e a County pretenderam obter uma vantagem fiscal ao executarem um plano artificial de evasão fiscal. O órgão jurisdicional de reenvio remete, a esse respeito, para o acórdão de 14 de Dezembro de 2000, Emsland‑Stärke (C‑110/99, Colect., p. I‑11569, n.° 53).
43 Nestas condições, o VAT and Duties Tribunal, London, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) a) Nas circunstâncias relevantes, as operações:
i) realizadas por cada participante com o único propósito de obter uma vantagem fiscal e
ii) sem qualquer objectivo empresarial independente,
podem ser qualificadas para efeitos de IVA como prestações de serviços efectuadas pelas ou às participantes no exercício da respectiva actividade económica?
b) Nas circunstâncias relevantes, que factores devem ser tidos em conta para determinar a identidade dos destinatários dos serviços prestados pelos construtores independentes?
2) O princípio do abuso do direito, conforme foi desenvolvido pelo Tribunal de Justiça, implica que sejam indeferidos os pedidos das recorrentes de reembolso ou remissão do imposto a montante decorrentes da execução das operações relevantes?»
Quanto à primeira questão, alínea a)
44 Através da sua primeira questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se operações como as que estão em causa no processo principal constituem entregas de bens ou prestações de serviços e uma actividade económica na acepção do artigo 2.°, ponto 1, do artigo 4.°, n.os 1 e 2, do artigo 5.°, n.° 1, e do artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva, quando forem realizadas com o único objectivo de obter uma vantagem fiscal, sem outro objectivo económico.
Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça
45 A Halifax, a Leeds Development e a County alegam que, segundo a sistemática da Sexta Directiva, operações executadas, mas que foram realizadas com o único propósito de obter uma vantagem fiscal e que são desprovidas de um objectivo económico autónomo, são, para efeitos do IVA, entregas ou prestações efectuadas pelos participantes, ou em seu benefício, no âmbito das suas actividades económicas.
46 O Governo do Reino Unido e a Irlanda alegam que as operações que são, por um lado, efectuadas por cada participante com o único propósito de obter uma vantagem fiscal e, por outro, desprovidas de objectivo económico autónomo não constituem entregas ou prestações efectuadas pelos participantes no âmbito das suas actividades económicas.
47 A Comissão considera que, para efeitos do artigo 2.° da Sexta Directiva, o objectivo para o qual uma operação é efectuada é irrelevante.
Apreciação do Tribunal de Justiça
48 Antes de mais, há que recordar que a Sexta Directiva estabelece um sistema comum de IVA baseado, nomeadamente, numa definição uniforme das operações tributáveis (v., designadamente, acórdão de 26 de Junho de 2003, MGK‑Kraftfahrzeuge‑Factoring, C‑305/01, Colect., p. I‑6729, n.° 38).
49 A este respeito, a Sexta Directiva atribui um âmbito de aplicação muito amplo ao IVA ao visar, no artigo 2.°, relativo às operações tributáveis, para além das importações de bens, as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso no interior do país por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.
50 No que respeita, em primeiro lugar, ao conceito de «entregas de bens», o artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Directiva precisa que por entrega de um bem se entende a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.
51 Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este conceito inclui qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que confira a outra parte o poder de dispor dele, de facto, como se fosse o seu proprietário (v., designadamente, acórdãos de 8 de Fevereiro de 1990, Shipping and Forwarding Enterprise Safe, C‑320/88, Colect., p. I‑285, n.° 7, e de 21 de Abril de 2005, HE, C‑25/03, Colect., p. I‑3123, n.° 64).
52 No que diz respeito ao conceito de «prestações de serviços», resulta do artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva que o mesmo abrange qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens na acepção do artigo 5.° da mesma directiva.
53 Além disso, segundo o artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva, é considerado sujeito passivo qualquer pessoa que exerça, de modo independente, uma actividade económica, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.
54 Finalmente, o conceito de «actividades económicas» é definido no artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva, englobando «todas» as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços e, segundo a jurisprudência, inclui todos os estádios da produção, da distribuição e da prestação de serviços (v., designadamente, acórdãos de 4 de Dezembro de 1990, Van Tiem, C‑186/89, Colect., p. I‑4363, n.° 17, e MGK‑Kraftfahrzeuge‑Factoring, já referido, n.° 42).
55 Como o Tribunal de Justiça declarou no n.° 26 do acórdão de 12 de Setembro de 2000, Comissão/Grécia (C‑260/98, Colect., p. I‑6537), a análise dos conceitos de sujeito passivo e de actividades económicas põe em evidência a extensão do âmbito de aplicação abrangido pelo conceito de actividades económicas e o seu carácter objectivo, no sentido de que a actividade é considerada em si mesma, independentemente dos seus objectivos ou dos seus resultados (v., igualmente, acórdão de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos, 235/85, Colect., p. 1471, n.° 8, bem como, no mesmo sentido, designadamente, acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, Recueil, p. 655, n.° 19, e de 27 de Novembro de 2003, Zita Modes, C‑497/01, Colect., p. I‑14393, n.° 38).
56 Com efeito, essa análise bem como a dos conceitos de entregas de bens e de prestações de serviços demonstram que estes conceitos, que definem as operações tributáveis nos termos da Sexta Directiva, têm todos um carácter objectivo e que se aplicam independentemente dos objectivos e dos resultados das operações em causa (v., neste sentido, acórdão de 12 de Janeiro de 2006, Optigen e o., C‑354/03, C‑355/03 e C‑484/03, Colect., p. I‑483, n.° 44).
57 Como o Tribunal declarou no n.° 24 do acórdão de 6 de Abril de 1995, BLP Group (C‑4/94, Colect., p. I‑983), a obrigação por parte da Administração Fiscal de apurar a intenção do sujeito passivo seria contrária aos objectivos do sistema comum do IVA de garantir a segurança jurídica e de facilitar os actos inerentes à aplicação do imposto através da tomada em consideração, salvo em casos excepcionais, da natureza objectiva da operação em causa.
58 Resulta das considerações precedentes que operações como as que estão em causa no processo principal constituem entregas de bens ou prestações de serviços e integram uma actividade económica na acepção dos artigos 2.°, ponto 1, 4.°, n.os 1 e 2, 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva, desde que preencham os requisitos objectivos em que assentam os referidos conceitos.
59 É certo que esses requisitos não são preenchidos em caso de fraude fiscal, por exemplo através de falsas declarações ou da emissão de facturas irregulares. Não é menos certo que a questão de saber se a operação em causa foi efectuada com o único objectivo de obter uma vantagem fiscal é irrelevante para determinar se a mesma constitui uma entrega de bens ou uma prestação de serviços e integra uma actividade económica.
60 Resulta das considerações precedentes que há que responder à primeira questão, alínea a), que as operações como as que estão em causa no processo principal constituem entregas de bens ou prestações de serviços e integram uma actividade económica na acepção dos artigos 2.°, ponto 1, 4.°, n.os 1 e 2, 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva, desde que preencham os requisitos objectivos em que assentam aqueles conceitos, mesmo que tenham sido efectuadas com o único objectivo de obter uma vantagem fiscal, sem outro objectivo económico.
Quanto à segunda questão
61 Através da sua segunda questão, que há que examinar antes da alínea b) da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Sexta Directiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe ao direito do sujeito passivo a deduzir o IVA pago a montante quando as operações em que esse direito se baseia são constitutivas de uma prática abusiva.
Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça
62 A Halifax, a Leeds Development e a County consideram que, no contexto do sistema do IVA, não existe, em direito comunitário, um princípio do abuso de direito que as autoridades fiscais dos Estados‑Membros possam invocar em relação a particulares para indeferirem os seus pedidos de reembolso ou de dedução do imposto pago a montante.
63 O Governo do Reino Unido considera que o princípio do abuso de direito é um princípio geral de direito comunitário que impede um sujeito passivo de deduzir o IVA, em conformidade com o artigo 17.° da Sexta Directiva e com qualquer legislação nacional aplicável que transponha esse artigo, quando resulte do pedido de dedução que os objectivos do IVA, fixados pela Sexta Directiva, não são atingidos e que o sujeito passivo criou artificialmente as condições que justificam o pedido de dedução.
64 O Governo francês alega que o direito comunitário, na medida em que permite que um Estado‑Membro tome medidas destinadas a impedir que, com base nas facilidades criadas em virtude do Tratado CE, alguns dos seus nacionais se prevaleçam abusiva ou fraudulentamente das normas comunitárias, não se opõe a que um Estado‑Membro prive do direito à dedução um sujeito passivo ou um grupo de sujeitos passivos, com ligações entre eles, que tenham realizado operações puramente artificiais, com o único propósito de obter um reembolso indevido de IVA.
65 A Irlanda alega que o princípio do abuso de direito, tal como desenvolvido pelo Tribunal de Justiça, permite às autoridades fiscais indeferir os pedidos, apresentados pelos devedores, de reembolso ou de dedução do IVA pago a montante decorrentes da realização de operações como as que estão em causa no processo principal.
66 A Comissão considera que, quando um sujeito passivo ou um grupo de sujeitos passivos com ligações entre si se envolvem numa série de operações que, consideradas no seu conjunto, produzem uma situação artificial cujo único objectivo consiste em criar as condições necessárias à recuperação do IVA pago a montante, essas operações não devem ser tidas em consideração.
Apreciação do Tribunal de Justiça
67 A título liminar, importa assinalar que, de facto, os problemas levantados pelas questões submetidas pelo VAT and Duties Tribunal parecem, pelo menos em parte, resultar de uma regulamentação nacional que permite a um sujeito passivo que efectua simultaneamente operações tributáveis e não tributáveis, ou apenas operações não tributáveis, transferir os contratos de locação de um bem imóvel para uma outra entidade sob a sua direcção, que tem o direito de optar pela tributação da locação desse bem e, dessa forma, de deduzir a totalidade do IVA a montante pago em relação a despesas de construção ou de renovação.
68 Não obstante esse facto, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, os particulares não podem abusiva ou fraudulentamente prevalecer‑se das normas comunitárias (v., nomeadamente, acórdãos de 12 de Maio de 1998, Kefalas e o., C‑367/96, Colect., p. I‑2843, n.° 20; de 23 de Março de 2000, Diamantis, C‑373/97, Colect., p. I‑1705, n.° 33; e de 3 de Março de 2005, Fini H, C‑32/03, Colect., p. I‑1599, n.° 32).
69 Com efeito, a aplicação da regulamentação comunitária não pode ser alargada até abranger as práticas abusivas de operadores económicos, isto é, as operações que não são realizadas no âmbito de transacções comerciais normais, mas antes com o único objectivo de beneficiar abusivamente das vantagens previstas pelo direito comunitário (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 11 de Outubro de 1977, Cremer, 125/76, Recueil, p. 1593, n.° 21, Colect., p. 561; de 3 de Março de 1993, General Milk Products, C‑8/92, Colect., p. I‑779, n.° 21; e Emsland‑Stärke, já referido, n.°51).
70 Este princípio de proibição de práticas abusivas aplica‑se igualmente no domínio do IVA.
71 Com efeito, a luta contra possíveis fraudes, evasões e abusos é um objectivo reconhecido e encorajado pela Sexta Directiva (v. acórdão de 29 de Abril de 2004, Gemeente Leusden e Holin Groep, C‑487/01 e C‑7/02, Colect., p. I‑5337, n.° 76).
72 Todavia, como o Tribunal de Justiça recordou por diversas vezes, a legislação comunitária deve igualmente ser certa e a sua aplicação previsível para os particulares (v., designadamente, acórdão de 22 de Novembro de 2001, Países Baixos/Conselho, C‑301/97, Colect., p. I‑8853, n.° 43). Este imperativo de segurança jurídica impõe‑se com especial vigor quando se trata de uma regulamentação susceptível de comportar encargos financeiros, a fim de permitir aos interessados que conheçam com exactidão o alcance das obrigações que lhes são impostas (v., designadamente, acórdãos de 15 de Dezembro de 1987, Países Baixos/Comissão, 326/85, Colect., p. I‑5091, n.° 24, e de 29 de Abril de 2004, Sudholz, C‑17/01, Colect., p. I‑4243, n.° 34).
73 Além disso, resulta da jurisprudência que a opção, para um empresário, entre operações isentas e operações tributáveis pode basear‑se num conjunto de elementos, designadamente em considerações de natureza fiscal relativas ao regime objectivo do IVA (v., designadamente, acórdãos BLP Group, já referido, n.° 22, e de 9 de Outubro de 2001, Cantor Fitzgerald International, C‑108/99, Colect., p. I‑7257, n.° 33). Quando o sujeito passivo pode optar entre duas operações, a Sexta Directiva não o obriga a escolher a que implica o pagamento do montante de IVA mais elevado. Ao contrário, como recordou o advogado‑geral no n.° 85 das suas conclusões, o sujeito passivo tem o direito de escolher a estrutura da sua actividade de forma a limitar a sua dívida fiscal.
74 Tendo em conta estas considerações, afigura‑se que, no domínio do IVA, a verificação da existência de uma prática abusiva exige, por um lado, que as operações em causa, apesar da aplicação formal das condições previstas nas disposições pertinentes da Sexta Directiva e da legislação nacional que transponha essa directiva, tenham por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária ao objectivo prosseguido por essas disposições.
75 Por outro lado, deve igualmente resultar de um conjunto de elementos objectivos que a finalidade essencial das operações em causa é a obtenção de uma vantagem fiscal. Com efeito, como precisou o advogado‑geral no n.° 89 das suas conclusões, a proibição de práticas abusivas não é relevante nos casos em que as operações em causa possam ter alguma explicação para além da mera obtenção de vantagens fiscais.
76 É ao órgão jurisdicional nacional que compete verificar, em conformidade com as regras de prova do direito nacional, contanto que a eficácia do direito comunitário não seja posta em causa, se os elementos constitutivos de uma prática abusiva estão preenchidos no litígio no processo principal (v. acórdão de 21 de Julho de 2005, Eichsfelder Schlachtbetrieb, C‑515/03, Colect., p. I‑7355, n.° 40).
77 Todavia, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode, sendo caso disso, fornecer dados que permitam guiar o órgão jurisdicional nacional na sua interpretação (v., designadamente, acórdão de 17 de Outubro de 2002, Payroll e o., C‑79/01, Colect., p. I‑8923, n.° 29).
78 A este propósito, no que respeita ao objectivo do regime das deduções da Sexta Directiva, importa recordar que este visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (v., designadamente, acórdãos de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C‑408/98, Colect., p. I‑1361, n.° 24, e Zita Modes, já referido, n.° 38).
79 Com efeito, segundo jurisprudência assente, os artigos 2.° da Primeira Directiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO 1967, 71, p. 1301; EE 09 F1 p. 3; a seguir «Primeira Directiva»), e 17.°, n.os 2, 3 e 5, da Sexta Directiva devem ser interpretados no sentido de que, em princípio, a existência de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução é necessária para que o direito à dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão de tal direito (acórdãos de 8 de Junho de 2000, Midland Bank, C‑98/98, Colect., p. I‑4177, n.° 24; Abbey National, já referido, n.° 26; e de 27 de Setembro de 2001, Cibo Participations, C‑16/00, Colect., p. I‑6663, n.° 29).
80 Ora, permitir aos sujeitos passivos deduzir a totalidade do IVA pago a montante, quando, no âmbito das suas transacções comerciais normais, nenhuma operação conforme às disposições do regime de deduções da Sexta Directiva ou da legislação nacional que a transpõe lhes teria permitido deduzir esse IVA, ou apenas permitiria deduzir uma parte, seria contrário ao princípio da neutralidade discal e, portanto, contrário ao objectivo do referido regime.
81 No que respeita ao segundo elemento, segundo o qual as operações em causa devem ter como objectivo essencial a obtenção de uma vantagem fiscal, há que recordar que compete ao órgão jurisdicional nacional averiguar o conteúdo e significado reais das operações em causa. Para esse efeito, pode ter em consideração o carácter puramente artificial das operações, bem como as relações de natureza jurídica, económica e/ou pessoal entre os operadores envolvidos no plano de redução da carga fiscal (v., neste sentido, acórdão Emsland‑Stärke, já referido, n.° 58).
82 Em todo o caso, resulta da decisão de reenvio que o VAT and Duties Tribunal considera que as operações em causa no processo principal tiveram o único objectivo de obter uma vantagem fiscal.
83 Finalmente, importa recordar que o direito à dedução previsto nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Directiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. É exercido imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante (v., designadamente, acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C‑62/93, Colect., p. I‑1883, n.° 18, e de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C‑110/98 a C‑147/98, Colect., p. I‑1577, n.° 43).
84 Todavia, como o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de assinalar, o direito à dedução, uma vez originado, só subsiste na ausência de circunstâncias fraudulentas ou abusivas e sob reserva de eventuais regularizações em conformidade com as condições previstas no artigo 20.° da Sexta Directiva, (v., designadamente, acórdãos de 8 de Julho de 2000, Breitsohl, C‑400/98, Colect., p. I‑4321, n.° 41, e Schlossstraße, C‑396/98, Colect., p. I‑4279, n.° 42).
85 Por conseguinte, há que responder à segunda questão que a Sexta Directiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe ao direito do sujeito passivo a deduzir o IVA pago a montante quando as operações em que esse direito se baseia forem constitutivas de uma prática abusiva.
86 A declaração da existência de uma prática abusiva exige, por um lado, que as operações em causa, apesar da aplicação formal das condições previstas nas disposições pertinentes da Sexta Directiva e da legislação nacional que transpõe essa directiva, tenham por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seria contrária ao objectivo prosseguido por essas disposições. Por outro lado, deve igualmente resultar de um conjunto de elementos objectivos que as operações em causa têm por finalidade essencial a obtenção de uma vantagem fiscal.
Quanto à primeira questão, alínea b)
87 À luz das respostas dadas à primeira questão, alínea a), e à segunda questão, a primeira questão, alínea b), deve ser entendida no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, em que condições é que o IVA pode ser recuperado quando se tenha verificado a existência de uma prática abusiva.
Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça
88 O Governo do Reino Unido considera que é necessário examinar os elementos que demonstram o verdadeiro fundamento económico e que determinam se as finalidades da Sexta Directiva são ou não realizadas.
89 No processo principal, esses elementos foram estabelecidos pelo VAT and Duties Tribunal na sua primeira decisão, a saber, que:
a) a Halifax dirigia essas operações;
b) a Halifax assumiu o financiamento dessas operações sem juros;
c) a Halifax manteve sempre a posse dos imóveis, pelo que os benefícios decorrentes dos trabalhos de construção resultaram directamente em seu favor;
d) a Halifax tinha relações contratuais directas com os construtores independentes sob a forma de garantias; e
e) nem a County nem a Leeds Development tinham direitos de propriedade significativos.
Estes elementos levaram à conclusão de que a Halifax é a destinatária das prestações dos construtores independentes e conduziram, assim, a um resultado conforme com as finalidades da Sexta Directiva.
Apreciação do Tribunal de Justiça
90 A título liminar, é de notar que a Sexta Directiva não contém qualquer disposição sobre a questão da cobrança do IVA. A referida directiva apenas define, no artigo 20.°, as condições a preencher para que a dedução dos impostos a montante possa ser regularizada junto do beneficiário da entrega de bens ou da prestação de serviços (v. despacho de 3 de Março de 2004, Transport Service, C‑395/02, Colect., p. I‑1991, n.° 27).
91 Assim, cabe, em princípio, aos Estados‑Membros determinar as condições em que o IVA pode ser cobrado a posteriori pelo Tesouro, mantendo‑se, contudo, dentro dos limites que decorrem do direito comunitário (v. despacho Transport Service, já referido, n.° 28).
92 Todavia, importa a esse respeito recordar que as medidas que os Estados‑Membros têm a faculdade de tomar, nos termos do artigo 22.°, n.° 8, da Sexta Directiva, para garantir o exacto recebimento do imposto e evitar a fraude não devem exceder o necessário para atingir aqueles objectivos (v. acórdão Gabalfrisa e o., já referido, n.° 52, e despacho Transport Service, já referido, n.° 29). Não poderão, por isso, ser utilizadas de forma a que ponham em causa a neutralidade do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação comunitária na matéria (v. acórdão de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C‑454/98, Colect., p. I‑6973, n.° 59).
93 Importa, além disso, recordar que a verificação da existência de uma prática abusiva não deve conduzir a uma sanção, para a qual seria necessária uma base jurídica clara e inequívoca, mas antes a uma obrigação de reembolso, como mera consequência dessa verificação, tornando indevidas, em parte ou na totalidade, as deduções do IVA pago a montante (v., neste sentido, acórdão Emsland‑Stärke, já referido, n.° 56).
94 Resulta daqui que as operações implicadas numa prática abusiva devem ser redefinidas de forma a restabelecer a situação tal como ela existiria se não se tivessem verificado operações constitutivas da referida prática abusiva.
95 A este respeito, a Administração Fiscal pode reclamar, com efeitos retroactivos, a restituição dos montantes deduzidos por cada operação em que verifique que o direito à dedução foi exercido de forma abusiva (acórdão Fini H, já referido, n.° 33).
96 Todavia, a Administração Fiscal deve igualmente subtrair qualquer imposto que tenha incidido sobre uma operação efectuada a jusante, imposto em relação ao qual o sujeito passivo em causa era artificialmente devedor no âmbito de um plano de redução da carga fiscal, e, se for caso disso, deve reembolsar o montante excedente.
97 Do mesmo modo, deve permitir ao sujeito passivo que, na ausência de operações constitutivas de uma prática abusiva, seria o beneficiário da primeira operação não constitutiva de uma tal prática, deduzir, em conformidade com as disposições do regime de deduções da Sexta Directiva, o IVA que incide sobre essa operação a montante.
98 Resulta das considerações precedentes que há que responder à primeira questão, alínea b), que, quando se verifique a existência de uma prática abusiva, as operações implicadas devem ser redefinidas de forma a restabelecer a situação tal como ela existiria na ausência das operações constitutivas da prática abusiva.
Quanto às despesas
99 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:
1) As operações como as que estão em causa no processo principal constituem entregas de bens ou prestações de serviços e integram uma actividade económica na acepção dos artigos 2.°, ponto 1, 4.°, n.os 1 e 2, 5.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, alterada pela Directiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de Abril de 1995, desde que preencham os requisitos objectivos em que assentam aqueles conceitos, mesmo que tenham sido efectuadas com o único objectivo de obter uma vantagem fiscal, sem outro objectivo económico.
2) A Sexta Directiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe ao direito do sujeito passivo a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante quando as operações em que esse direito se baseia forem constitutivas de uma prática abusiva.
A declaração da existência de uma prática abusiva exige, por um lado, que as operações em causa, apesar da aplicação formal das condições previstas nas disposições pertinentes da Sexta Directiva e da legislação nacional que transpõe essa directiva, tenham por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seria contrária ao objectivo prosseguido por essas disposições. Por outro lado, deve igualmente resultar de um conjunto de elementos objectivos que as operações em causa têm por finalidade essencial a obtenção de uma vantagem fiscal.
3) Quando se verifique a existência de uma prática abusiva, as operações implicadas devem ser redefinidas de forma a restabelecer a situação tal como ela existiria na ausência das operações constitutivas da prática abusiva.
Assinaturas
* Língua do processo: inglês.