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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62003CJ0078

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 13 de Dezembro de 2005.
    Comissão das Comunidades Europeias contra Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum eV.
    Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Auxílios concedidos pelas autoridades alemãs para a aquisição de terras - Programa destinado à privatização de terras e à reestruturação da agricultura nos novos Länder.
    Processo C-78/03 P.

    Colectânea de Jurisprudência 2005 I-10737

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2005:761

    Processo C‑78/03 P

    Comissão das Comunidades Europeias

    contra

    Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum eV

    «Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Auxílios concedidos pelas autoridades alemãs para a aquisição de terras – Programa destinado à privatização de terras e à reestruturação da agricultura nos novos Länder»

    Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs apresentadas em 24 de Fevereiro de 2005 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 13 de Dezembro de 2005 

    Sumário do acórdão

    1.     Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito – Decisão da Comissão que declara a compatibilidade de um auxílio com o mercado comum sem dar início ao procedimento formal de investigação – Recurso de uma associação constituída para promover os interesses colectivos dos particulares e que tem como seus membros determinados concorrentes directos dos beneficiários do referido auxílio – Inadmissibilidade

    (Artigos 88.°, n.os 2 e 3, CE e 230.°, quarto parágrafo, CE)

    2.     Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito – Decisão da Comissão que autoriza um regime de auxílios alterado após uma primeira decisão que declara a sua incompatibilidade com o mercado comum no fim de um procedimento formal de investigação – Recurso de uma associação que desempenha um papel activo durante o referido procedimento mas que não ultrapassou o exercício dos direitos processuais reconhecidos aos interessados no artigo 88.°, n.° 2, CE – Inadmissibilidade

    (Artigo 88.°, n.os 2 e 3, CE)

    1.     Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, uma pessoa singular ou colectiva só pode interpor recurso de uma decisão dirigida a outra pessoa, se essa decisão lhe disser directa e individualmente respeito. Os sujeitos que não sejam os destinatários de uma decisão só podem alegar que ela lhes diz individualmente respeito se esta os prejudicar por determinadas qualidades que lhes são específicas ou por uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma idêntica à do destinatário.

    No que respeita a uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado, no âmbito do processo de controlo desses auxílios previsto no artigo 88.° CE, é apenas na fase da investigação a que se refere o n.° 2 do mesmo artigo que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do caso, que o Tratado prevê a obrigação de a Comissão dar aos interessados a oportunidade de apresentarem as suas observações.

    Sempre que, sem iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão concluir, através de uma decisão adoptada com base no n.° 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado comum, os beneficiários dessas garantias processuais só podem conseguir que elas sejam respeitadas se tiverem a possibilidade de impugnar essa decisão perante o juiz comunitário. Por estas razões, julga‑se admissível um recurso de anulação dessa decisão, interposto por um interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, quando o autor desse recurso pretenda, com a sua interposição, salvaguardar os direitos processuais conferidos por esta última disposição. Ora, os interessados, na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, que podem assim, em conformidade com o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, interpor recursos de anulação são as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão de um auxílio, isto é, designadamente, as empresas concorrentes dos beneficiários desse auxílio e as organizações profissionais.

    Em contrapartida, se o recorrente põe em causa a correcção da decisão de apreciação do auxílio enquanto tal, o simples facto de poder ser considerado interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE não basta para a admissibilidade do recurso. Deve também demonstrar que tem um estatuto particular, isto é, que a decisão o prejudica por determinadas qualidades que lhe são específicas ou por uma situação de facto que o caracteriza relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑o, por isso, de forma idêntica à do destinatário. Seria esse o caso, nomeadamente, se a posição do recorrente no mercado fosse substancialmente afectada pelo auxílio objecto da decisão em causa.

    Só se pode considerar que uma associação constituída para promover os interesses colectivos de uma categoria de particulares é individualmente afectada quando a situação dos seus membros no mercado for substancialmente afectada pelo regime de auxílios objecto da decisão controvertida. Não é esse o caso, mesmo admitindo que certos membros dessa associação sejam operadores económicos que podem ser considerados concorrentes directos dos beneficiários dos auxílios instituídos e que, portanto, são necessariamente afectados na sua posição concorrencial pela decisão controvertida quando é admitido que podem ser considerados concorrentes dos beneficiários dos referidos auxílios todos os intervenientes do sector em causa na União Europeia.

    (cf. n.os 32‑37, 70‑72)

    2.     O facto de uma associação ter participado activamente no procedimento formal de investigação de um regime de auxílios, bem como nas discussões informais referentes à aplicação da decisão de incompatibilidade com o mercado comum adoptada no fim desse procedimento, tendo‑o feito de modo activo, múltiplo e acompanhado de peritagem científica, e a circunstância de ter tido um papel de interlocutor importante ao longo do referido procedimento e o facto de a decisão controvertida que autoriza o referido regime após alterações mas sem o início de um novo procedimento formal de investigação estar directamente ligada à decisão e que a própria Comissão admitiu que esta associação influenciou o processo decisório e constituiu uma fonte de informações interessante não podem permitir que se encare esta última como um negociador a que a decisão diz individualmente respeito, dado que o seu papel ao longo do procedimento formal de investigação não ultrapassou o exercício dos direitos processuais reconhecidos aos interessados no artigo 88.°, n.° 2, CE. A referida associação não tem legitimidade suficiente para poder impugnar uma decisão adoptada pela Comissão nos termos do artigo 88.°, n.os 2 ou 3, CE e dirigida a outro sujeito que não essa associação.

    (cf. n.os 55‑58)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    13 de Dezembro de 2005 (*)

    «Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Auxílios concedidos pelas autoridades alemãs para a aquisição de terras – Programa destinado à privatização de terras e à reestruturação da agricultura nos novos Länder»

    No processo C‑78/03 P,

    que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 19 de Fevereiro de 2003,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Flett e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    recorrente,

    sendo as outras partes no processo:

    República Federal da Alemanha, representada por M. Lumma, na qualidade de agente,

    interveniente em primeira instância,

    Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum eV, com sede em Borken (Alemanha), representada por M. Pechstein, professeur,

    recorrente em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Schiemann e J. Makarczyk, presidentes de secção, C. Gulmann (relator), A. La Pergola, J.‑P. Puissochet, P. Kūris, E. Juhász, E. Levits e A. Ó Caoimh, juízes,

    advogado‑geral: F. G. Jacobs,

    secretário: R. Grass,

    vistos os autos,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de Fevereiro de 2005,

    profere o presente

    Acórdão

    1       Com o presente recurso, a Comissão das Comunidades Europeias pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 5 de Dezembro de 2002, Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum/Comissão (T‑114/00, Colect., p. II‑5121, a seguir «acórdão recorrido»), que julgou improcedente a questão prévia de inadmissibilidade que ela opôs ao recurso da Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum eV (grupo de defesa do direito e da propriedade, a seguir «ARE»), destinado à anulação da decisão da Comissão, de 22 de Dezembro de 1999, que autoriza auxílios de Estado no âmbito das disposições dos artigos 87.° e 88.° (ex‑artigos 92.° e 93.°) do Tratado CE (JO 2000, C 46, p. 2, a seguir «decisão controvertida»), e relativa a um programa de aquisição de terras nos novos Länder alemães.

     Quadro jurídico

    2       Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE:

    «Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.»

    3       O artigo 88.°, n.° 2, primeiro parágrafo, CE dispõe:

    «Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87.°, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar.»

    4       O artigo 88.°, n.° 3, CE está redigido como segue:

    «Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87.°, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado‑Membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final.»

     Factos na origem do litígio

    5       A ARE é uma associação que reúne grupos de pessoas afectadas pelos problemas relacionados com a propriedade nos sectores da agricultura e da silvicultura, pessoas deslocadas e expropriadas, vítimas de espoliação nos sectores da indústria, do artesanato e do comércio, e pequenas e médias empresas com o seu estabelecimento principal na antiga zona de ocupação soviética ou na ex‑República Democrática Alemã.

    6       Na sequência da reunificação da Alemanha em 1990, cerca de 1,8 milhões de hectares de terras agrícolas e silvícolas foram transferidos do património do Estado da República Democrática Alemã para o da República Federal da Alemanha.

    7       Ao abrigo da lei alemã sobre compensações (Ausgleichsleistungsgesetz), que constitui o artigo 2.° da lei sobre indemnizações e compensações (Entschädigungs‑ und Ausgleichsleistungsgesetz, a seguir «EALG») e que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 1994, as terras agrícolas situadas na ex‑República Democrática Alemã detidas pelo Treuhandanstalt, organismo de direito público encarregado da reestruturação das empresas da ex‑República Democrática Alemã, podiam ser adquiridas por diversas categorias de pessoas, a um preço inferior a metade do seu real valor venal. Pertencem a essas categorias, por ordem de preferência e na condição de residirem no local em 3 de Outubro de 1990 e de, em 1 de Outubro de 1996, serem titulares de um arrendamento de longa duração tendo por objecto terras que anteriormente eram propriedade pública e a privatizar pelo Treuhandanstalt, os titulares de um arrendamento rural, os sucessores das antigas cooperativas de produção agrícola, as pessoas reinstaladas que tinham sido expropriadas entre 1945 e 1949 ou no período da República Democrática Alemã e que, desde então, estejam novamente a explorar terras, e os agricultores descritos como pessoas instaladas de novo que antes não possuíam terras nos novos Länder. Pertencem, subsidiariamente, a essas categorias os antigos proprietários expropriados antes de 1949, que não tenham beneficiado da restituição dos seus bens nem retomado uma actividade agrícola no local. Estes últimos só podem adquirir terras que não tenham sido compradas pelos beneficiários da primeira categoria.

    8       A referida lei previa também a possibilidade de aquisição de terras silvícolas numa base preferencial, bem como a definição legal das categorias de pessoas nela previstas.

    9       Na sequência de denúncias respeitantes a este programa de aquisição de terras, apresentadas por nacionais alemães e de outros Estados‑Membros, a Comissão deu início, em 18 de Março de 1998, a um procedimento formal de investigação nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CE (actual artigo 88.°, n.° 2, CE) (JO C 215, p. 7).

    10     Através da Decisão 1999/268/CE, de 20 de Janeiro de 1999, relativa à aquisição de terras nos termos da Lei sobre compensações (JO L 107, p. 21, a seguir «decisão de 20 de Janeiro de 1999»), que se seguiu ao referido procedimento formal de investigação, a Comissão declarou que o acima mencionado programa de aquisição de terras era incompatível com o mercado comum, na medida em que os auxílios concedidos estavam ligados à condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990 e ultrapassavam o limite máximo de intensidade dos auxílios à aquisição de terras agrícolas, fixado em 35% para as superfícies agrícolas das zonas não desfavorecidas na acepção do Regulamento (CE) n.° 950/97 do Conselho, de 20 de Maio de 1997, relativo à melhoria da eficácia das estruturas agrícolas (JO L 142, p. 1). No que respeita, especificamente, à condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990, prevista na Lei sobre compensações, a Comissão considerou que:

    «[…] a lei favorece as pessoas [singulares] e colectivas dos novos Länder em relação àquelas que não têm residência ou sede na Alemanha, sendo susceptível de constituir uma violação à proibição de discriminação prevista nos artigos [43.° CE] a [48.° CE].

    Embora, de jure, fosse possível a todos os cidadãos comunitários provarem que a sua residência principal se situava no território da [ex‑República Democrática Alemã] em 3 de Outubro de 1990, esta condição era de facto preenchida quase exclusivamente por nacionais alemães − nomeadamente, aqueles cuja última residência se situava nos novos Länder.

    Por conseguinte, esta condição tem um efeito de exclusão em relação às pessoas que não satisfazem o critério da residência/sede no território da [ex‑República Democrática Alemã].

    […]

    Apenas é possível justificar o critério de distinção ‘residência no local em 3 de Outubro de 1990’ se este for simultaneamente necessário e adequado à realização dos objectivos prosseguidos pelo legislador.

    […]

    O objectivo era […] o de fazer beneficiar do programa as pessoas interessadas ou as suas famílias que viveram e trabalharam durante décadas na [República Democrática Alemã].

    [...]

    Contudo, para a realização desse objectivo, não era necessário fixar a data de referência de 3 de Outubro de 1990 para a residência/estabelecimento no local. De facto, as pessoas instaladas de novo ou as pessoas colectivas nos termos do n.° 1 do [§] 3 da [Lei sobre compensações] teriam sido autorizadas a participar no programa de aquisição de terras se, em 1 de Outubro de 1996, tivessem arrendado por longa duração as terras anteriormente propriedade do povo, em vias de privatização pelo Treuhandanstalt.

    No decurso do processo de apreciação, houve interessados que chamaram expressamente a atenção da Comissão para o facto de a grande maioria dos contratos de arrendamento de longa duração terem sido concluídos com cidadãos da Alemanha de Leste […]

    Resulta claramente do que precede que a realização do objectivo fixado pelo legislador, mesmo reconhecendo a sua legitimidade (a saber, a participação de alemães de Leste no programa de aquisição de terras), não teria sido posta em causa na prática caso se tivesse renunciado à fixação da data de referência de 3 de Outubro de 1990.»

    11     Nos artigos 2.° e 3.° da decisão de 20 de Janeiro de 1999, a Comissão ordenou à República Federal da Alemanha que recuperasse os auxílios já concedidos, que tivessem sido declarados incompatíveis com o mercado comum, e que não concedesse novos auxílios ao abrigo do programa em causa.

    12     O dispositivo dessa mesma decisão está redigido como segue:

    «Artigo 1.°

    O programa previsto no [§] 3 da Lei alemã sobre compensações e indemnizações não contém quaisquer ajudas na medida em que as suas disposições se refiram apenas a compensações na sequência de expropriações ou de acções equiparáveis [operadas pelos poderes públicos] e em que os benefícios concedidos sejam equivalentes ou inferiores aos danos patrimoniais causados por essa intervenção.

    Artigo 2.°

    As ajudas são compatíveis com o mercado comum desde que não estejam ligadas à condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990 e desde que observem o limite de 35% aplicável às superfícies agrícolas situadas em regiões não desfavorecidas nos termos do Regulamento […] n.° 950/97.

    São incompatíveis com o mercado comum as ajudas que se encontram ligadas à condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990, assim como as que ultrapassam o limite máximo de intensidade de 35% aplicável às superfícies agrícolas em regiões não desfavorecidas nos termos do Regulamento […] n.° 950/97.

    A Alemanha deve suprimir as ajudas referidas no segundo parágrafo e não tornar a concedê‑las.

    Artigo 3.°

    A Alemanha exigirá a restituição integral das ajudas enumeradas no n.° 2 do artigo 2.° no prazo de dois meses a contar da data de notificação da presente decisão. As ajudas serão restituídas de acordo com o direito material e processual alemão, majoradas de juros calculados na taxa de referência aplicável aos auxílios regionais, que vencem a partir da data da sua concessão.

    [...]»

    13     Posteriormente à adopção da decisão de 20 de Janeiro de 1999, o legislador alemão redigiu o projecto de lei que completa a lei sobre o restabelecimento dos direitos patrimoniais (Vermögensrechtsergänzungsgesetz), que suprimiu e alterou algumas das modalidades previstas no programa de aquisição de terras. Resulta, nomeadamente, desse projecto que a exigência de residência no local em 3 de Outubro de 1990 foi suprimida e que a intensidade do auxílio foi fixada em 35% (ou seja, o preço de aquisição das terras em questão foi fixado no seu valor real, menos 35%). A exigência principal para a aquisição das terras a preço reduzido passou a ser um arrendamento de longa duração.

    14     Este novo projecto de lei foi notificado à Comissão e foi autorizado através da decisão controvertida, sem o procedimento de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE. No seu n.° 123, a Comissão declara o seguinte:

    «Tendo em conta as garantias prestadas pelas autoridades alemãs, a Comissão declarou claramente a existência de superfícies de terras em quantidade suficiente para corrigir qualquer discriminação sem anular os contratos celebrados nos termos da EALG [na sua versão inicial]. Na medida em que a nova regulamentação apresente ainda elementos que, através de critérios que quanto ao mais são equivalentes, favorecem os alemães de Leste, semelhante vantagem insere‑se no objectivo da reestruturação da agricultura nos novos Länder, garantindo paralelamente que as pessoas interessadas ou as suas famílias, que viveram e trabalharam na República Democrática Alemã durante décadas, possam igualmente beneficiar desta regulamentação. Na sua decisão de 20 de Janeiro de 1999, a Comissão reconheceu a legitimidade deste objectivo e não o contestou.»

    15     Com esta declaração, a Comissão afastou uma série de críticas que lhe tinham sido dirigidas por vários interessados na sequência da decisão de 20 de Janeiro de 1999, segundo as quais o programa de aquisição de terras, mesmo sem a exigência de residência no local em 3 de Outubro de 1990, continuava a ser discriminatório, devido à condição de se ser titular de um arrendamento de longa duração, condição essa que tinha por consequência a subsistência do critério de residência no local e tornar insuficiente o número de terras disponíveis para aquisição.

    16     Na sequência da autorização do programa de aquisição de terras pela decisão controvertida, o projecto de lei que completa a lei sobre o restabelecimento dos direitos patrimoniais foi adoptado pelo legislador alemão.

     Tramitação no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

    17     Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Maio de 2000, a ARE interpôs recurso de anulação da decisão controvertida.

    18     A Comissão, por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 20 de Junho de 2000, suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade relativa ao facto de, por um lado, a decisão controvertida não dizer directa e individualmente respeito à ARE e, por outro, a ARE ter feito um uso abusivo do processo.

    19     Por despacho de 9 de Novembro de 2000, o presidente da Quarta Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância deferiu o requerimento da República Federal da Alemanha, de intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

    20     No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou improcedente a questão prévia de inadmissibilidade oposta ao recurso pela Comissão.

    21     No n.° 45 do acórdão recorrido, recorda que a decisão controvertida foi tomada com base no artigo 88.°, n.° 3, CE, sem que a Comissão tivesse iniciado o procedimento formal de investigação previsto no n.° 2 desse mesmo artigo. O Tribunal de Primeira Instância indica, além disso, que deve, portanto, considerar‑se que a decisão controvertida diz directa e individualmente respeito à ARE, caso, em primeiro lugar, o seu recurso pretenda salvaguardar os direitos processuais previstos no referido n.° 2, e, em segundo lugar, caso se verifique que tem a qualidade de interessada na acepção dessa mesma disposição.

    22     No n.° 47 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância observa que «a recorrente não denunciou explicitamente uma violação, por parte da Comissão, da obrigação de iniciar o procedimento [formal de investigação] previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE que tenha impedido o exercício dos direitos processuais previstos por esta disposição. Todavia, os fundamentos de anulação invocados em apoio do presente recurso, e designadamente o assente na violação da proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, devem ser interpretados como tendo por objectivo a verificação da existência de dificuldades sérias levantadas pelas medidas controvertidas no que respeita à sua compatibilidade com o mercado comum, dificuldades que colocam a Comissão na obrigação de iniciar o procedimento formal [de investigação]».

    23     O Tribunal de Primeira Instância conclui, a este propósito, no n.° 49 do acórdão recorrido, que «o recurso deve, portanto, ser interpretado como criticando à Comissão não ter iniciado, apesar das dificuldades sérias levantadas pela apreciação da compatibilidade dos auxílios em causa, o procedimento formal [de investigação] previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE e como tendo por objectivo, em última análise, a salvaguarda dos direitos processuais conferidos pelo referido número».

    24     Quanto à questão de saber se a ARE tem a qualidade de interessada na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, o Tribunal de Primeira Instância indica, no n.° 52 do acórdão recorrido, que, «sendo a recorrente uma associação, há, em primeiro lugar, que examinar se os seus membros têm a qualidade de interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE. Com efeito, uma associação constituída para promover os interesses colectivos de uma categoria de sujeitos jurídicos não pode, salvo circunstâncias especiais como o papel que poderá ter desempenhado no quadro do procedimento [formal de investigação] que conduziu à adopção do acto em causa (v., infra, n.os 65 e seguintes), ser considerada individualmente atingida, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, por um acto que afecta os interesses gerais dessa categoria e, por conseguinte, não pode interpor recurso de anulação quando os seus membros não o possam fazer a título individual (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1962, Fédération nationale de la boucherie en gros et du commerce en gros des viandes e o./Conselho, 19/62 a 22/62, Recueil, p. 943, Colect. 1962‑1964, p. 191, e de 2 de Abril de 1998, Greenpeace Council e o./Comissão, C‑321/95 P, Colect., p. I‑1651, n.os 14 e 29; despachos do Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1997, Sveriges Betodlares e Henrikson/Comissão, C‑409/96 P, Colect., p. I‑7531, n.° 45, e acórdão [do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Março de 2001,] Hamburger Hafen‑ und Lagerhaus e o./Comissão, já referido, n.° 49)».

    25     O Tribunal de Primeira Instância declara, no n.° 63 do acórdão recorrido, que «deve considerar‑se que [a ARE] tem legitimidade para interpor o presente recurso de anulação em nome d[os seus membros], os quais, como interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, podiam fazê‑lo a título individual».

    26     Os n.os 65 a 70 do acórdão recorrido estão redigidos como segue:

    «65      Há, além disso, que declarar que a decisão [controvertida] pode dizer individualmente respeito à recorrente a outro título, ou seja, na medida em que esta invoca a sua própria legitimidade activa por a sua posição negocial ter sido afectada pela referida decisão (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, n.os 19 a 25, e de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C‑313/90, Colect., p. I‑1125, n.os 29 e 30; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância [de 12 de Dezembro de 1996] AIUFFASS e AKT/Comissão, [T‑380/94, Colect., p. II‑2169], n.° 50, e de 29 de Setembro de 2000, CETM/Comissão, T‑55/99, Colect., p. II‑3207, n.° 23).

    66      Com efeito, a recorrente participou activamente no procedimento formal de investigação que conduziu à adopção da decisão de 20 de Janeiro de 1999, bem como nas discussões informais referentes à sua aplicação, e isto de modo activo, múltiplo e acompanhado de peritagem científica. A própria Comissão admitiu que a recorrente influenciou o processo decis[ório] e que constituiu uma fonte de informações interessante.

    67      Por conseguinte, a recorrente tem legitimidade, como individualmente afectada no sentido da jurisprudência recordada no n.° 65 anterior, para interpor recurso de anulação da decisão que põe termo ao referido procedimento formal, caso esta decisão seja desfavorável aos interesses que a recorrente representa.

    68      Ora, como a Comissão confirmou na audiência, a decisão [controvertida] diz respeito ‘exclusiva e directamente à execução de uma decisão da Comissão que já tinha sido previamente tomada’, ou seja, a decisão de 20 de Janeiro de 1999. Assim, a decisão [controvertida] prende‑se directamente com a decisão de 20 de Janeiro de 1999.

    69      Portanto, vista a relação existente entre estas duas decisões e o papel de interlocutor importante que a recorrente desempenhou no decurso do procedimento formal encerrado pela decisão de 20 de Janeiro de 1999, a individualização da recorrente relativamente a esta mesma decisão prolongou‑se necessariamente no que respeita à decisão [controvertida], apesar de a recorrente não ter sido implicada na [investigação] efectuada pela Comissão que conduziu à adopção desta última decisão. Esta consideração não é infirmada pelo facto de, no caso em apreço, a decisão de 20 de Janeiro de 1999 não ser, em princípio, contrária aos interesses defendidos pela recorrente.

    70      Resulta das precedentes considerações que a decisão diz individualmente respeito à recorrente no sentido da jurisprudência citada no n.° 42, supra

     Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

    27     No presente recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    –       anular o acórdão recorrido,

    –       decidir definitivamente quanto ao mérito do presente recurso e julgar inadmissível o recurso de anulação interposto pela ARE, na medida em que a decisão controvertida não lhe diz directa e individualmente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, ou

    –       remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância, relativamente à questão da admissibilidade, e

    –       condenar a ARE nas despesas das duas instâncias.

    28     A ARE pede que o Tribunal de Justiça:

    –       negue provimento ao presente recurso na íntegra e

    –       condene a Comissão nas despesas do presente recurso.

    29     Por articulado entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de Maio de 2003, a República Federal da Alemanha informou que não tinha outras observações a apresentar além das que constavam no recurso da Comissão e que prescindia de apresentar alegações separadas.

     Quanto ao pedido de anulação do acórdão recorrido

    30     A Comissão suscita sete fundamentos de recurso relativos a erros de direito cometidos pelo Tribunal de Primeira Instância:

    –       ao declarar que, apesar do seu carácter geral, a decisão controvertida diz individualmente respeito à ARE, lesando‑a a ela ou a alguns dos seus membros por certas qualidades que lhes são específicas ou por uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa;

    –       ao basear as suas considerações no facto de, no que respeita à condição de a decisão em causa dizer individualmente respeito ao interessado, o critério da individualização relativo à relação de concorrência diferir consoante a decisão seja adoptada com base no artigo 88.°, n.° 2, CE ou no n.° 3 do mesmo artigo, pelo que são aplicáveis critérios diferentes em matéria de admissibilidade;

    –       ao aplicar um critério relativo à relação de concorrência, segundo o qual a posição concorrencial da ARE deve ser lesada, que é diferente e menos rigoroso do que o critério enunciado pelo Tribunal de Justiça, segundo o qual a posição concorrencial da recorrente deve ser substancialmente lesada;

    –       ao introduzir oficiosamente, sem ouvir a Comissão, a interveniente em primeira instância ou a ARE, um novo fundamento jurídico que não constava da petição;

    –       ao declarar que a posição de negociadora da ARE foi lesada e que, consequentemente, a decisão controvertida lhe diz individualmente respeito;

    –       ao não expor de forma adequada os fundamentos em que assenta o acórdão recorrido, e

    –       ao declarar contraditoriamente que, por um lado, no âmbito do procedimento relativo aos auxílios de Estado, a ARE, não tinha sido ouvida e que, por outro, tinha sido ouvida a ponto de obter o estatuto de negociadora.

     Observações liminares

    31     Antes de examinar os fundamentos invocados em apoio do recurso, há que recordar as regras pertinentes relativas à legitimidade para impugnar uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado de outro sujeito que não o Estado‑Membro destinatário dessa decisão.

    32     Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, uma pessoa singular ou colectiva só pode interpor recurso de uma decisão dirigida a outra pessoa, se essa decisão lhe disser directa e individualmente respeito.

    33     Segundo jurisprudência constante, os sujeitos que não sejam os destinatários de uma decisão só podem alegar que ela lhes diz individualmente respeito se esta os prejudicar por determinadas qualidades que lhes são específicas ou por uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma idêntica à do destinatário (v., designadamente, acórdãos de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect., p. 279; de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C‑198/91, Colect., p. I‑2487, n.° 20; e de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão, C‑298/00 P, Colect., p. I‑4087, n.° 36).

    34     No que respeita a uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado, importa recordar que, no âmbito do processo de controlo desses auxílios previsto no artigo 88.° CE, é preciso distinguir entre, por um lado, a fase preliminar de investigação dos auxílios instituída pelo n.° 3 deste artigo, que tem apenas por objecto permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase da investigação a que se refere o n.° 2 do mesmo artigo. É apenas no âmbito desta fase, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do caso, que o Tratado CE prevê a obrigação de a Comissão dar aos interessados a oportunidade de apresentarem as suas observações (acórdãos Cook/Comissão, já referido, n.° 22; de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, Colect., p. I‑3203, n.° 16; e de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 38).

    35     Sempre que, sem iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão concluir, através de uma decisão adoptada com base no n.° 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado comum, os beneficiários dessas garantias processuais só podem conseguir que elas sejam respeitadas se tiverem a possibilidade de impugnar essa decisão perante o juiz comunitário (acórdãos, já referidos, Cook/Comissão, n.° 23; Matra/Comissão, n.° 17; e Comissão/Sytraval e Brink’s France, n.° 40). Por estas razões, julga‑se admissível um recurso de anulação dessa decisão, interposto por um interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, quando o autor desse recurso pretenda, com a sua interposição, salvaguardar os direitos processuais conferidos por esta última disposição (acórdãos, já referidos, Cook/Comissão, n.os 23 a 26, e Matra/Comissão, n.os 17 a 20).

    36     Ora, os interessados, na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, que podem assim, em conformidade com o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, interpor recursos de anulação são as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão de um auxílio, isto é, designadamente, as empresas concorrentes dos beneficiários desse auxílio e as organizações profissionais (v., designadamente, acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 41).

    37     Em contrapartida, se o recorrente põe em causa a correcção da decisão de apreciação do auxílio enquanto tal, o simples facto de poder ser considerado interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE não basta para a admissibilidade do recurso. Deve também demonstrar que tem um estatuto particular na acepção da jurisprudência Plaumann/Comissão, já referida. Seria esse o caso, nomeadamente, se a posição do recorrente no mercado fosse substancialmente afectada pelo auxílio objecto da decisão em causa (v., neste sentido, acórdão de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, Colect., p. 391, n.os 22 a 25, e despacho Sveriges Betodlares e Henrikson/Comissão, já referido, n.° 45).

    38     É à luz destes elementos de direito que há que examinar os fundamentos de recurso da Comissão.

    39     Há que examinar em primeiro lugar o quarto e o quinto fundamento.

     Quanto ao quarto fundamento

     Argumentos das partes

    40     No quarto fundamento, a Comissão afirma que, ao considerar que, através do seu recurso, a ARE pretendia salvaguardar os direitos processuais que lhe são conferidos pelo artigo 88.°, n.° 2, CE, o Tribunal de Primeira Instância introduziu um novo fundamento relativo à violação de formalidades essenciais. Por outro lado, a Comissão nunca teve a ocasião de exercer os seus direitos de defesa quanto a este ponto.

    41     A ARE retorque que ao interpretar o seu recurso no sentido de que se dirigia contra o facto de não se ter dado início a um procedimento formal de investigação, o Tribunal de Primeira Instância respeitou o princípio da economia processual. Com efeito, limitou, a favor da Comissão, o objecto do pedido inicial desta associação. Esta última defende também que toda a argumentação quanto à ilegalidade da decisão controvertida demonstra a existência de «dificuldades sérias» para determinar a compatibilidade do auxílio em causa com o mercado comum. De qualquer modo, o juiz comunitário pode examinar oficiosamente a questão da violação dos direitos processuais da referida associação por não se ter dado início ao procedimento formal de investigação referido no artigo 88.°, n.° 2, CE. Assim, o argumento da Comissão segundo o qual foi privada da possibilidade de se defender, quanto ao fundamento relativo ao facto de não se ter dado início a um procedimento formal de investigação, não é pertinente. Por fim, a Comissão contestou largamente a posição dos membros da ARE enquanto concorrentes dos beneficiários do auxílio, e, portanto, a sua qualidade de partes interessadas num procedimento formal de investigação, sendo esta qualidade decisiva para a apreciação da condição de serem individualmente lesados.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    42     Resulta dos n.os 3, 6, 8, 9, 66 e 68 do acórdão recorrido que:

    –       através da decisão de 20 de Janeiro de 1999, tomada na sequência do procedimento de investigação nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão declarou que o programa de aquisição de terras previsto pela EALG era incompatível com o mercado comum, na medida em que os auxílios que concede estão ligados à condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990 e ultrapassam o limite máximo de intensidade do auxílio para a aquisição de terras agrícolas, estando este limite fixado em 35% para as superfícies agrícolas das zonas não desfavorecidas nos termos do Regulamento n.° 950/97. No que respeita, especificamente, à condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990 prevista na lei sobre compensações, a Comissão considerou o seguinte:

    –       a lei favorece as pessoas singulares e colectivas dos novos Länder em relação àquelas que não têm residência ou sede na Alemanha, sendo, portanto, susceptível de constituir uma infracção à proibição de discriminação prevista nos artigos 43.° CE a 48.° CE;

    –       embora, de jure, fosse possível a todos os nacionais dos Estados‑Membros da Comunidade provarem que a sua residência principal se situava no território da ex‑República Democrática Alemã em 3 de Outubro de 1990, esta condição só era de facto preenchida quase exclusivamente por nacionais alemães, nomeadamente, aqueles cuja última residência se situava no referido território;

    –       a realização do objectivo fixado pelo legislador, a saber, a participação dos alemães de Leste no programa de aquisição de terras, embora a legitimidade deste objectivo seja reconhecida, não teria sido posta em causa na prática caso se não se tivesse fixado a data de referência de 3 de Outubro de 1990;

    –       posteriormente a esta decisão de 20 de Janeiro de 1999, o legislador alemão redigiu o projecto de lei que completa a lei sobre o restabelecimento dos direitos patrimoniais, de onde resulta, nomeadamente, que a condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990 foi suprimida e que a intensidade do auxílio foi fixada em 35% (ou seja, o preço de aquisição das terras em questão foi fixado no seu valor real, menos 35%). A exigência principal para a aquisição das terras a preço reduzido passaria a ser a titularidade de um arrendamento de longa duração, que constava já das condições fixadas pela EALG;

    –       este novo projecto de lei foi notificado à Comissão e por ela autorizado, sem que se iniciasse o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, através da decisão controvertida;

    –       a ARE participou activamente no procedimento formal de investigação que conduziu à adopção da decisão de 20 de Janeiro de 1999, bem como nas discussões informais referentes à sua aplicação, tendo‑o feito de modo activo, múltiplo e com o apoio de peritagem científica. A própria Comissão admitiu que a ARE influenciou o processo decisório e que constituiu uma fonte de informações interessante;

    –       a decisão controvertida diz respeito à execução da decisão de 20 de Janeiro de 1999.

    43     É, portanto, pacífico que a ARE pôde apresentar e apresentou observações no âmbito do procedimento formal de investigação que conduziu à adopção da decisão de 20 de Janeiro de 1999 e que podia afirmar, neste âmbito, que o regime de auxílios instaurado pela EALG era incompatível com o mercado comum, nomeadamente, porque a concessão dos auxílios estava sujeita a condições susceptíveis de violarem a proibição de discriminação baseada na nacionalidade. É também pacífico que, com esta decisão, a Comissão declarou que o programa de aquisição de terras previsto pela EALG era incompatível com o mercado comum, em particular na medida em que os auxílios que concedia estavam ligados à condição de residência no local em 3 de Outubro de 1990, sendo esta condição susceptível de violar a proibição de discriminação baseada na nacionalidade, e que, posteriormente a esta decisão, o projecto de lei do legislador alemão que suprimia nomeadamente a exigência de residência no local em 3 de Outubro de 1990 foi autorizado pela decisão controvertida, dizendo esta respeito à execução da decisão de 20 de Janeiro de 1999.

    44     Nestas condições, não têm qualquer fundamento objectivo as considerações do Tribunal de Primeira Instância que constam dos n.os 47 e 49 do acórdão recorrido, segundo as quais, mesmo na falta de um fundamento expressamente assente em violação pela Comissão do dever de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, o recurso deve, tendo em conta os fundamentos de anulação invocados em seu apoio, ser interpretado no sentido de que censura a Comissão por, apesar das sérias dificuldades na apreciação da compatibilidade dos auxílios em causa, não ter aberto o procedimento previsto nessa disposição e no sentido de que, em última análise, se destina a salvaguardar os direitos processuais por ela conferidos.

    45     Com efeito, tal reinterpretação do recurso, que conduz a uma requalificação do seu objecto, não se pode fazer apenas com base numa consideração como a que consta no n.° 47 do acórdão recorrido, segundo a qual os fundamentos de anulação avançados em apoio do recurso, nomeadamente o relativo a uma violação da proibição de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, pretendiam, na realidade, fazer declarar a existência de dificuldades sérias suscitadas pelos referidos auxílios relativamente à sua compatibilidade com o mercado comum, dificuldades que teriam colocado a Comissão perante o dever de dar início ao procedimento formal.

    46     De resto, o Tribunal de Primeira Instância não fundamenta de todo a sua interpretação dos fundamentos invocados pela ARE, que o conduziu a identificar o objecto do recurso da forma como fez.

    47     Ora, uma explicação quanto ao fundamento dessa interpretação teria sido tanto mais necessária quanto, como indica o Tribunal de Primeira Instância no n.° 39 do acórdão recorrido, a ARE defendia, na sua petição, que tinha um interesse próprio na anulação da decisão controvertida, uma vez que, em caso de aplicação estrita do princípio da não discriminação em função da nacionalidade, se impunha uma redistribuição das terras e os seus membros teriam melhores possibilidades de aceder a elas, demonstrando assim que o fundamento relativo a uma violação da proibição de qualquer discriminação baseada na nacionalidade estava relacionado com o mérito da decisão controvertida e não com o facto de não se ter dado início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE.

    48     Tendo em conta o exposto, há também que reconhecer que, no caso em apreço, a Comissão não podia responder ao fundamento relativo à violação dos direitos processuais da ARE.

    49     De onde resulta que o Tribunal de Primeira Instância errou ao considerar que a ARE tinha apresentado implicitamente um fundamento relativo a uma violação, pela Comissão, do dever de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE.

    50     Consequentemente, deve ser acolhido o quarto fundamento invocado pela Comissão em apoio do seu recurso.

     Quanto ao quinto fundamento

     Argumentos das partes

    51     Quanto aos n.os 65 a 69 do acórdão recorrido, em que o Tribunal de Primeira Instância refere que a decisão controvertida diz individualmente respeito à ARE porque esta foi afectada na sua posição negocial, a Comissão defende, antes de mais, que o Tribunal cometeu um erro de facto manifesto, já que a associação nunca invocou este argumento, e um erro de direito, uma vez que o Tribunal não pode atribuir a um recorrente argumentos jurídicos que o próprio não alegou. Em seguida, a Comissão contesta as declarações do Tribunal de Primeira Instância, segundo as quais a participação da ARE no procedimento administrativo que conduziu à decisão controvertida fez desta associação uma negociadora com um interesse próprio em agir. Por fim, ao considerar que a decisão de 20 de Janeiro de 1999 não era contrária aos interesses da ARE, o referido Tribunal cometeu um erro de facto e de direito.

    52     A ARE indica que, na petição que apresentou no Tribunal de Primeira Instância, demonstrou a sua legitimidade para agir a título primário e não a título derivado, através dos seus membros, devido à sua posição de parte interessada autónoma, enquanto organização profissional, no procedimento formal de investigação a que a Comissão não deu início. Esta associação afirma também que o Tribunal de Primeira Instância interpretou de maneira razoável a noção jurisprudencial de negociador, ao considerar que a sua participação activa no procedimento formal de investigação anterior à decisão de 20 de Janeiro de 1999 era um caso de aplicação desta noção.

     Apreciação do Tribunal de Justiça

    53     No n.° 40 do acórdão recorrido refere‑se que a ARE «acrescenta que, mesmo [que] o Tribunal de Primeira Instância venha a considerar que não constitui uma associação de empresas ou de operadores económicos, deve considerar que a decisão impugnada lhe diz individualmente respeito devido à sua posição de negociadora perante a Comissão e à sua participação no procedimento».

    54     Ora, segundo a Comissão, a ARE nunca invocou a sua qualidade de negociadora para efeitos de admissão do seu recurso da decisão controvertida. De resto, este ponto da argumentação da Comissão não é explicitamente contestado por esta associação.

    55     De qualquer modo, importa indicar que os elementos identificados pelo Tribunal de Primeira Instância como susceptíveis de fazer com que se considere a ARE uma pessoa a quem a decisão controvertida diz individualmente respeito, na medida em que esta afecta a sua posição de negociadora, não bastam para demonstrar essa qualidade.

    56     A este respeito, há que observar que o facto de a ARE ter participado activamente no procedimento formal de investigação que conduziu à adopção da decisão de 20 de Janeiro de 1999, bem como nas discussões informais referentes à sua aplicação, tendo‑o feito de modo activo, múltiplo e acompanhado de peritagem científica, e a circunstância de ter tido um papel de interlocutor importante ao longo do referido procedimento, de a decisão controvertida estar directamente ligada à decisão de 20 de Janeiro de 1999 e de a própria Comissão ter admitido que esta associação influenciou o processo decisório e constituiu uma fonte de informações interessante não podem permitir que se encare esta última como um negociador à semelhança do Landbouwschap, no processo que deu origem ao acórdão Van der Kooy e o./Comissão, já referido, e do Comité international de la rayonne et des fibres synthétiques (CIRFS), no processo que deu origem ao acórdão CIRFS e o./Comissão, já referido.

    57     Efectivamente, o Landbouwschap tinha negociado as tarifas do gás com a NV Nederlandse Gasunie de Groningen (Países Baixos), no interesse dos horticultores, e figurava entre os signatários do acordo que estabeleceu estas tarifas, que foram consideradas, pela decisão em causa da Comissão, um auxílio incompatível com o mercado comum, decisão que foi objecto de um recurso interposto, nomeadamente, por esse mesmo Landbouwschap. Quanto ao CIRFS, associação que reunia os principais produtores internacionais de fibras sintéticas, tinha sido o interlocutor da Comissão e tinha negociado com ela a instauração da «disciplina» em matéria de auxílios ao sector das fibras sintéticas, nos termos da qual a Comissão tinha adoptado uma decisão em que considerava que um certo auxílio concedido por um Estado‑Membro a uma dada sociedade não tinha de ser objecto de notificação prévia, decisão que foi impugnada pelo CIRFS.

    58     Ora, o papel da ARE ao longo do procedimento formal de investigação que conduziu à adopção da decisão de 20 de Janeiro de 1999, que não ultrapassa o exercício dos direitos processuais reconhecidos aos interessados no artigo 88.°, n.° 2, CE, não pode ser equiparado ao do Landbouwschap ou ao do CIRFS nos processos referidos no n.° 56 do presente acórdão, que é suficiente para que seja admissível a impugnação, por uma associação, enquanto tal, de uma decisão adoptada pela Comissão nos termos do artigo 88.°, n.os 2 ou 3, CE e dirigida a outro sujeito que não essa associação.

    59     Perante o exposto, há que declarar que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que a decisão controvertida diz individualmente respeito à ARE na medida em que esta alega um interesse próprio em agir porque a sua posição de negociadora foi afectada por essa decisão.

    60     Assim, o quinto fundamento deve ser acolhido.

    61     Uma vez que, por o quarto e o quinto fundamento do recurso serem procedentes, se verifica que a condição de admissibilidade do recurso interposto pela ARE contra a decisão controvertida, isto é, a condição de a referida decisão dizer individualmente respeito a esta associação, não está preenchida ou, pelo menos, que isso não foi demonstrado, há que anular o acórdão recorrido.

    62     Daí resulta que não há que examinar os outros cinco fundamentos do presente recurso.

     Quanto à admissibilidade do recurso

    63     Em conformidade com o artigo 61.°, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal de Primeira Instância, julgar definitivamente o litígio se o mesmo estiver em condições de ser julgado.

    64     É o que sucede no caso em apreço.

    65     Com efeito, está assente que a ARE não pediu expressamente a anulação da decisão controvertida por a Comissão ter violado o dever de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE ou por as garantias processuais previstas nesta disposição terem sido violadas. Está também assente que esta associação de modo nenhum evocou, ao longo das várias fases do processo no Tribunal de Primeira Instância, a questão do início desse procedimento nem a jurisprudência a ela relativa.

    66     Além disso, importa indicar que a própria ARE reconhece, na contestação no presente recurso, que o Tribunal de Primeira Instância limitou o objecto do seu pedido inicial para sanar um erro jurídico que ela tinha cometido quanto à qualificação processual correcta da decisão controvertida. Efectivamente, esta associação, num primeiro momento, impugnou a decisão por a considerar uma decisão de encerramento confirmativa do procedimento formal de investigação anterior, de autorização definitiva do regime de auxílios alterado. Admite que o Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente que a decisão controvertida punha fim à investigação preliminar do procedimento de controlo dos auxílios previsto no artigo 88.°, n.° 3, CE. Assim, a interpretação do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual o seu pedido se dirigia contra o facto de não se ter dado início a um procedimento formal de investigação teria sido conforme ao princípio da economia processual.

    67     Nestas condições, há que admitir que, através do recurso interposto no Tribunal de Primeira Instância, destinado à anulação da decisão controvertida, a ARE não pretendia contestar o facto de não se ter dado início ao procedimento referido no artigo 88.°, n.° 2, CE, nem, portanto, salvaguardar os direitos processuais conferidos por esta disposição.

    68     Na realidade, a ARE pretendia, com o seu recurso, obter a anulação da decisão controvertida quanto ao mérito.

    69     Assim, o simples facto de a ARE poder ser considerada interessada na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE não basta para se aceitar a admissibilidade do recurso. Ela deve, nesse caso, demonstrar que tem um estatuto especial na acepção da jurisprudência Plaumann/Comissão, já referida.

    70     No caso vertente, só se pode considerar que uma decisão na acepção da jurisprudência Plaumann/Comissão, já referida, diz individualmente respeito à ARE, que é uma associação constituída para promover os interesses colectivos de uma categoria de particulares, se a situação dos seus membros no mercado for substancialmente afectada pelo regime de auxílios objecto da decisão controvertida (v., neste sentido, acórdão Cofaz e o./Comissão, já referido, n.os 22 a 25, e despacho Sveriges Betodlares e Henrikson/Comissão, já referido, n.° 45).

    71     Ora, não é o que acontece no caso em apreço.

    72     Com efeito, mesmo admitindo que, como resulta dos n.os 54 e 60 do acórdão recorrido, certos membros da ARE sejam operadores económicos que podem ser considerados concorrentes directos dos beneficiários dos auxílios instituídos pela lei sobre compensações e que, portanto, são necessariamente afectados na sua posição concorrencial pela decisão controvertida, daí não resulta que a sua posição no mercado possa ser substancialmente afectada pela concessão dos referidos auxílios, uma vez que se admite, como resulta do n.° 55 do acórdão recorrido, que todos os agricultores da União Europeia podem ser considerados concorrentes dos beneficiários do programa de aquisição de terras.

    73     Consequentemente, não se pode considerar que a decisão controvertida diga individualmente respeito à ARE.

    74     Assim, uma vez que procede a questão prévia de inadmissibilidade suscitada no Tribunal de Primeira Instância pela Comissão contra o recurso interposto pela ARE, há que julgar o referido recurso inadmissível.

     Quanto às despesas

    75     Segundo o artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, aplicável ao recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do seu artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da ARE e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas das duas instâncias.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

    1)      É anulado o acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 5 de Dezembro de 2002, Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum/Comissão (T‑114/00).

    2)      É julgado inadmissível o recurso interposto pela Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum eV no Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, destinado à anulação da decisão da Comissão, de 22 de Dezembro de 1999, que autoriza auxílios de Estado no âmbito das disposições dos artigos 87.° e 88.° (ex‑artigos 92.° e 93.°) do Tratado CE.

    3)      A Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum eV é condenada nas despesas das duas instâncias.

    Assinaturas


    * Língua do processo: alemão.

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