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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62001CJ0300

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 15 de Maio de 2003.
    Doris Salzmann.
    Pedido de decisão prejudicial: Landesgericht Feldkirch - Áustria.
    Liberdade dos movimentos de capitais - Artigo 73.º-B do Tratado CE (actual artigo 56.º CE) - Procedimento de autorização prévia das aquisições de terrenos para construção - Situação puramente interna - Artigo 70.º do Acto de Adesão da República da Áustria - Conceito de 'legislação existente' - Anexo XII, n.º 1, alínea e), do Acordo EEE.
    Processo C-300/01.

    Colectânea de Jurisprudência 2003 I-04899

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2003:283

    62001J0300

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 15 de Maio de 2003. - Doris Salzmann. - Pedido de decisão prejudicial: Landesgericht Feldkirch - Áustria. - Liberdade dos movimentos de capitais - Artigo 73.º-B do Tratado CE (actual artigo 56.º CE) - Procedimento de autorização prévia das aquisições de terrenos para construção - Situação puramente interna - Artigo 70.º do Acto de Adesão da República da Áustria - Conceito de 'legislação existente' - Anexo XII, n.º 1, alínea e), do Acordo EEE. - Processo C-300/01.

    Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-04899


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    1. Questões prejudiciais - Competência do Tribunal de Justiça - Limites - Questão manifestamente desprovida de pertinência

    (Artigo 234.° CE)

    2. Tratado CE - Regimes de propriedade - Princípio da neutralidade - Limites - Sujeição às normas fundamentais do Tratado - Legislação nacional que regulamenta a aquisição da propriedade imobiliária - Respeito das disposições relativas à livre circulação de capitais

    [Tratado CE, artigos 73.° -B e 222.° (actuais artigos 56.° CE e 295.° CE)]

    3. Livre circulação de capitais - Restrições à aquisição de bens imóveis - Regime de autorização prévia à aquisição de terrenos para construção - Inadmissibilidade - Justificação - Inexistência - Autorização ao abrigo de medidas transitórias do acto de adesão de 1994 respeitantes à Áustria - Apreciação pelo juiz nacional

    [Tratado CE, artigo 73.° -B (actual artigo 56.° CE); acto de adesão de 1994, artigo 70.° ]

    4. Questões prejudiciais - Competência do Tribunal de Justiça - Limites - Interpretação do acordo que cria o Espaço Económico Europeu no que diz respeito à sua aplicação nos Estados da Associação Europeia de Comércio Livre - Exclusão

    (Artigo 234.° CE; acordo EEE)

    Sumário


    1. No quadro da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 234.° CE, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir sempre que as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito comunitário. Além disso, compete, em princípio, unicamente aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar, face às particularidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial como a sua pertinência. Daqui resulta que as questões colocadas pelo juiz nacional, no quadro factual e regulamentar que o mesmo define sob sua responsabilidade, e cuja exactidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência. Apenas no caso excepcional de se verificar de modo manifesto que a interpretação solicitada do direito comunitário não tem qualquer relação com a realidade ou o objecto do litígio no processo principal é que o Tribunal de Justiça se abstém de decidir.

    A hipótese em que o direito nacional impõe que sejam atribuídos aos cidadãos nacionais direitos idênticos aos que os nacionais de outros Estados-Membros retiram do direito comunitário na mesma situação não corresponde ao caso excepcional acima referido. Pelo contrário, numa situação desta natureza, a resposta do Tribunal de Justiça pode ser útil ao órgão jurisdicional nacional.

    ( cf. n.os 29-33 )

    2. Embora faça parte das competências reservadas aos Estados-Membros nos termos do artigo 222.° do Tratado (actual artigo 259.° CE), o regime jurídico aplicável à propriedade imobiliária não está eximido das regras fundamentais do Tratado. Assim, medidas nacionais que regulamentam em certas zonas a aquisição da propriedade imobiliária com o objectivo de proibir a instalação de residências secundárias estão condicionadas ao respeito das disposições do Tratado relativas à liberdade dos movimentos de capitais.

    ( cf. n.° 39 )

    3. O artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado (actual artigo 56.° , n.° 1, CE) opõe-se a um procedimento de autorização administrativa prévia a uma aquisição imobiliária como o instaurado pela Vorarlberger Grundverkehrsgesetz (lei do Land de Vorarlberg relativa à aquisição e à venda de bens imóveis), que sujeita qualquer adquirente de terrenos para construção à obrigação de demonstrar de forma credível que, num prazo razoável, será dada ao referido terreno uma afectação compatível com o plano de ocupação dos solos ou com fins de interesse público, geral ou cultural.

    Embora restrições à instalação de residências secundárias numa determinada zona geográfica, que um Estado-Membro cria a fim de manter, com um objectivo de ordenamento do território, uma população permanente e uma actividade económica autónoma em relação ao sector turístico, possam efectivamente ser consideradas medidas que contribuem para um objectivo de interesse geral, uma medida que impõe ao adquirente que produza a prova do uso futuro do terreno que adquire deixa todavia à Administração competente uma larga margem de apreciação que se assemelha a um poder discricionário, medida que não é de excluir que possa ser objecto de uma aplicação discriminatória. Além disso, um procedimento de simples declaração, quando acompanhado de instrumentos jurídicos adequados, pode permitir eliminar a exigência de autorização prévia, sem prejudicar a eficácia dos fins prosseguidos pela autoridade pública, de modo que esta exigência não pode ser analisada como uma medida estritamente indispensável para atingir tais fins.

    Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se um procedimento dessa natureza pode beneficiar da derrogação prevista pelo artigo 70.° do acto de adesão de 1994, que permite à Áustria manter a sua legislação actual em matéria de residências secundárias, durante cinco anos a partir da data de adesão. A regulamentação em causa, adoptada posteriormente à data de adesão, beneficia, com efeito, da referida derrogação se a mesma for, na sua substância, idêntica à legislação anterior ou se se limitar a reduzir ou a suprimir um obstáculo ao exercício dos direitos e das liberdades comunitárias que constam da legislação anterior.

    ( cf. n.os 44, 46-47, 50-51, 53-57, disp. 1 )

    4. Mesmo se o Tribunal de Justiça é, em princípio, competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do acordo sobre o Espaço Económico Europeu (CEE), nos termos do artigo 234.° CE, quando tal questão é suscitada num órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esta competência é válida unicamente no que se refere às Comunidades, de modo que o Tribunal de Justiça não é competente, nos termos do artigo 234.° CE, para se pronunciar sobre a interpretação do referido acordo no que diz respeito à sua aplicação nos Estados da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA).

    Também não foi atribuída tal competência ao Tribunal de Justiça no quadro do acordo EEE. Com efeito, resulta dos artigos 108.° , n.° 2, deste acordo e 34.° do Acordo entre os Estados da EFTA relativo à criação de um Órgão de Fiscalização e de um Tribunal de Justiça que o Tribunal de Justiça da EFTA é competente para se pronunciar sobre a interpretação do acordo EEE aplicável nos Estados da EFTA. Este último não contém qualquer disposição que preveja uma competência paralela do Tribunal de Justiça.

    O facto de o Estado da EFTA em causa se ter depois tornado Estado-Membro da União Europeia, de forma que a questão emana de um órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, não pode ter como efeito atribuir ao Tribunal de Justiça uma competência de interpretação do acordo EEE no que se refere à sua aplicação a situações não abrangidas pela ordem jurídica comunitária. Assim, embora o Tribunal de Justiça seja competente para se pronunciar sobre a interpretação do direito comunitário, de que o acordo EEE faz parte integrante, no que se refere à sua aplicação nos novos Estados-Membros a partir da data da sua adesão, não é competente para se pronunciar sobre os efeitos do referido acordo na ordem jurídica nacional desses Estados relativamente ao período anterior a esta adesão.

    ( cf. n.os 65-71, disp. 2 )

    Partes


    No processo C-300/01,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Landesgericht Feldkirch (Áustria), e destinado a obter, no quadro do exame de um pedido de inscrição no registo predial apresentado por

    Doris Salzmann,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 73.° -B do Tratado CE (actual artigo 56.° CE) e do anexo XII, n.° 1, alínea e), do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    composto por: J.-P. Puissochet (relator), presidente de secção, R. Schintgen, V. Skouris, F. Macken e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

    advogado-geral: P. Léger,

    secretário: M.-F. Contet, administradora principal,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    - em representação de D. Salzmann, por W. L. Weh, Rechtsanwalt,

    - em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

    - em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Braun e M. Patakia, na qualidade de agentes,

    - em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por V. Konenberger, na qualidade de agente,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações de D. Salzmann, representada por W. L. Weh, do Governo austríaco, representado por P. Kustor e H. Kraft, na qualidade de agentes, e da Comissão, representada por G. Braun e M. Patakia, na audiência de 24 de Outubro de 2002,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 30 de Janeiro de 2003,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por decisão de 10 de Julho de 2001, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de Julho seguinte, o Landesgericht Feldkirch submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, três questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 73.° -B do Tratado CE (actual artigo 56.° CE) e do anexo XII, n.° 1, alínea e), do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»).

    2 Estas questões foram suscitadas no quadro de um recurso interposto por D. Salzmann da decisão que recusou a inscrição no registo predial do contrato de compra e venda de um terreno não urbanizado, sito em Fußach, no Land de Vorarlberg (Áustria).

    Enquadramento jurídico

    O direito comunitário

    3 O artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado dispõe:

    «No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.»

    4 Nos termos do anexo XII, n.° 1, alínea e), do Acordo EEE, «durante os períodos de transição, os Estados da EFTA [Associação Europeia de Comércio Livre] não concederão um tratamento menos favorável aos investimentos, novos ou existentes, efectuados por empresas ou nacionais de Estados-Membros ou de outros Estados da EFTA do que o previsto na legislação existente à data da assinatura do acordo, sem prejuízo do direito dos Estados da EFTA de adoptarem disposições conformes ao acordo e, nomeadamente, disposições relativas à aquisição de residências secundárias cujos efeitos correspondam aos da legislação em vigor na Comunidade, nos termos do artigo 6.° , n.° 4, da Directiva [88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67.° do Tratado (JO L 178, p. 5)]».

    5 O artigo 6.° , n.° 4, da Directiva 88/361 dispõe:

    «As disposições existentes de direito nacional que regulam a aquisição de residências secundárias poderão ser mantidas até que o Conselho adopte novas disposições nessa matéria nos termos do artigo 69.° do Tratado. A presente disposição não afecta a aplicabilidade de outras disposições do direito comunitário.»

    6 O artigo 70.° do Acto relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se fundamenta a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, e JO 1995, L 1, p. 1, a seguir «acto de adesão») dispõe:

    «Sem prejuízo das obrigações resultantes dos Tratados em que se fundamenta a União Europeia, a República da Áustria pode manter a sua legislação actual em matéria de residências secundárias, durante cinco anos a partir da data de adesão.»

    O direito nacional

    7 A Bundes- Verfassungsgesetznovelle (lei de revisão da Constituição federal), de 5 de Junho de 1992 (BGBl. 1992/276), habilitou os Länder a instituírem controlos administrativos sobre as transacções imobiliárias relativas a terrenos para construção. No que respeita ao Land de Vorarlberg, a Vorarlberger Grundverkehrsgesetz (lei sobre a propriedade imobiliária), de 23 de Setembro de 1993 (LGBI. 1993/61), modificada nos LGBI. 1995/11, 1996/9 e 1997/85 (a seguir «VGVG»), dispõe no seu § 3, n.° 1:

    «Quando tal resulte do direito da União Europeia, as regras aplicáveis à aquisição de bens imóveis por estrangeiros não se aplicam [...]

    [...]

    e) às pessoas e às sociedades que façam investimentos directos, imobiliários, ou procedam a outras transacções no quadro do exercício da livre circulação de capitais.»

    8 Nos termos do § 7 da VGVG:

    «1. A aquisição [...] de um terreno urbanizado, salvo se este se destinar a ser utilizado como residência de férias, não está sujeita à autorização pela autoridade competente em matéria predial, desde que o adquirente [...] forneça uma declaração escrita em conformidade com o n.° 2. [...]

    2. O adquirente deve declarar que o terreno está urbanizado, que a aquisição não se destina a estabelecer uma residência de férias e que é cidadão austríaco [...] ou que preenche uma das condições do § 3. [...]»

    9 O § 8, n.° 3, alínea b), da VGVG prevê:

    «Excepto quando se destinem a estabelecer uma residência de férias, as aquisições de terrenos não urbanizados serão autorizadas quando

    [...]

    b) o adquirente demonstre, de forma credível, que, num prazo razoável, será dada ao referido terreno uma afectação compatível com o plano de ocupação dos solos ou com fins de interesse público, geral ou cultural. Para este efeito, devem também ser ponderadas as eventuais necessidades do adquirente.»

    10 Esta versão do § 8, n.° 3, alínea b), da VGVG, publicada no LGBl. 1997/85 e entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1998, foi adoptada depois de o Verfassungsgerichtshof (Áustria) ter anulado, por decisão de 10 de Dezembro de 1996, a versão anteriormente aplicável, adoptada em 23 de Setembro de 1993, que dispunha o seguinte:

    «Excepto quando se destinem a estabelecer uma residência de férias, as aquisições de terrenos para construção serão autorizadas quando

    [...]

    a) sejam necessárias para habitação, para instalações industriais e comerciais bem como para levar a cabo missões de serviço público, de interesse geral ou cultural.

    [...]»

    O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

    11 D. Salzmann, de nacionalidade austríaca, residente em Fußach, adquiriu a W. Schneider, da mesma nacionalidade, um terreno para construção situado no referido município. Não pediu a autorização administrativa prévia de transmissão de propriedade prevista no § 8, n.° 3, da VGVG (a seguir «autorização prévia»), à qual está condicionada a produção de efeitos desse tipo de transacção.

    12 D. Salzmann requereu ao Grundbuchsrichter des Bezirksgerichts Bregenz (juiz do registo predial do Bezirksgericht Bregenz) (Áustria) a inscrição dessa transacção imobiliária no registo predial e juntou ao seu pedido uma declaração análoga à prevista no § 7, n.° 2, da VGVG, pela qual se comprometia a não utilizar o terreno adquirido para nele implantar uma residência de férias. Alegou que o procedimento de autorização prévia estabelecido pelo § 8, n.° 3, da VGVG violava as obrigações comunitárias da República da Áustria e não era necessário, uma vez que, segundo ela, para efectuar a inscrição no registo predial, bastava uma declaração análoga à prevista no referido § 7, n.° 2.

    13 O pedido de D. Salzmann foi indeferido por decisão de 16 de Novembro de 1998 do Rechtspfleger des Bezirksgerichts Bregenz, funcionário judicial do Bezirksgericht Bregenz que exerce determinadas funções por delegação e sob a autoridade deste último, com o fundamento de que faltava a autorização prévia, que é constitutiva do direito de propriedade. D. Salzmann interpôs então um «Rekurs» que foi examinado pelo Bezirksgericht Bregenz.

    14 Uma vez que o Bezirksgericht Bregenz submeteu ao Tribunal de Justiça um pedido prejudicial, este, por acórdão de 14 de Junho de 2001, Salzmann (C-178/99, Colect., p. I-4421, n.° 21), declarou-se incompetente para decidir das questões colocadas, visto o Bezirksgericht Bregenz exercer no quadro do litígio que lhe fora submetido uma função de natureza administrativa, não podendo, portanto, ser considerado um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE).

    15 O Bezirksgericht Bregenz submeteu então o «Rekurs» de D. Salzmann ao Landesgericht Feldkirch (Áustria).

    16 O Landesgericht interroga-se acerca da compatibilidade do procedimento de autorização prévia com o direito comunitário.

    17 Em primeiro lugar, pergunta se D. Salzmann, que tem nacionalidade austríaca, pode invocar o artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado, que proíbe as restrições à liberdade dos movimentos de capitais, atendendo à inexistência de qualquer elemento transnacional no litígio no processo principal.

    18 O Landesgericht considera, em segundo lugar, que, se D. Salzmann podia invocar a referida disposição, deveria então examinar-se as três condições cumulativas de validade enumeradas pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 1 de Junho de 1999, Konle (C-302/97, Colect., p. I-3099, n.° 40). Primeiramente, haveria que verificar se o § 8, n.° 3, da VGVG é justificado por um objectivo de interesse geral. Seguidamente, uma vez que o adquirente de um terreno para construção deve comprovar «de forma credível» o futuro destino do terreno em causa, haveria que verificar se a autoridade competente para emitir a autorização prévia não dispõe de uma margem de apreciação susceptível de ser aplicada discriminatoriamente. Por fim, haveria que apreciar se o § 8, n.° 3, da VGVG é ou não proporcionado ao objectivo que o legislador do Land de Vorarlberg lhe conferiu. Segundo o Landesgericht, a validade da VGVG é duvidosa à luz destas três condições.

    19 Em terceiro lugar, se se concluísse que o procedimento de autorização prévia é incompatível com o artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado, o Landesgericht interroga-se sobre se o mesmo pode, não obstante, beneficiar da derrogação prevista pelo artigo 70.° do acto de adesão. Em caso afirmativo, entende que a República da Áustria podia manter o referido procedimento em vigor durante um prazo de cinco anos a contar da sua adesão à União Europeia.

    20 Em último lugar, o Landesgericht interroga-se acerca da compatibilidade do procedimento de autorização prévia com o anexo XII, n.° 1, alínea e), do Acordo EEE, tendo em conta o facto de que a VGVG aplicável ao litígio no processo principal entrou em vigor posteriormente à assinatura deste acordo.

    21 Nestas condições, o Landesgericht Feldkirch decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1) Os nacionais de um Estado-Membro da União Europeia podem invocar a livre circulação dos capitais numa transacção interna, quando o direito desse Estado-Membro proíbe as discriminações dos seus nacionais, mas não garante expressamente aos cidadãos da União Europeia a livre circulação de capitais?

    2) É compatível com a livre circulação dos capitais a exigência de uma autorização, com efeito constitutivo, emanada da autoridade competente em matéria predial, para se poder adquirir um terreno para construção não urbanizado?

    3) Qual a incidência da cláusula de standstill constante do anexo XII, n.° 1, alínea e), do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu sobre as disposições que prevêem uma autorização para a inscrição no registo predial - que, pela sua própria natureza, são novas - adoptadas após a assinatura do Acordo sobre Espaço Económico Europeu, em 2 de Maio de 1992?»

    Quanto às primeira e segunda questões

    22 Com as primeira e segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado se opõe a uma regulamentação nacional como o procedimento de autorização prévia em causa no processo principal e, em caso afirmativo, se, não obstante, essa regulamentação pode beneficiar da derrogação prevista pelo artigo 70.° do acto de adesão.

    Quanto à admissibilidade

    23 O Governo austríaco e a Comissão sustentam que a situação em causa no processo principal é de natureza puramente interna e que, por este motivo, não há que interpretar o artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado. As questões prejudiciais são, por conseguinte, inadmissíveis.

    24 D. Salzmann e o Órgão de Fiscalização da EFTA alegam, pelo contrário, que a interpretação do artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado se justifica pela presença, no litígio do processo principal, de elementos de ligação ao direito comunitário.

    25 D. Salzmann indica, por um lado, que o § 3, n.° 1, da VGVG remete, no essencial, para o conteúdo do direito comunitário. Assim, a determinação prévia pelo Tribunal de Justiça do alcance exacto das obrigações impostas aos Estados-Membros pelo artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado é necessária para que o órgão jurisdicional de reenvio possa aplicar o § 3, n.° 1, da VGVG. Em qualquer caso, D. Salzmann entende que é ao órgão jurisdicional de reenvio que cabe apreciar a pertinência das questões que coloca. A este respeito, refere o n.° 33 do acórdão Konle, já referido, no qual o Tribunal de Justiça considerou que só pode deixar de se pronunciar sobre uma questão prejudicial colocada por um órgão jurisdicional nacional em circunstâncias excepcionais, quando é manifesto que uma eventual interpretação de uma regra comunitária não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, ou quando o problema é hipotético e o Tribunal não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas. D. Salzmann considera que estas circunstâncias excepcionais não se verificam no caso do processo principal.

    26 D. Salzmann alega, por outro lado, que o § 3, n.° 1, da VGVG concede aos nacionais comunitários igualdade de tratamento em matéria de aquisição de bens imóveis. A falta de autorização prévia que lhe foi oposta pelo Bezirksgericht Bregenz podia, por conseguinte, ser igualmente invocada para recusar a produção de efeitos a uma aquisição, por parte de nacionais de outros Estados-Membros, de terrenos para construção situados no Land de Vorarlberg. Nesta hipótese, a autorização prévia constitui uma restrição à liberdade de movimentos de capitais garantida pelo artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado. Consequentemente, o facto de os elementos constitutivos do litígio no processo principal estarem localizados num único Estado-Membro é puramente fortuito, sendo a existência potencial de um elemento transfronteiriço tão mais importante quanto o município de Fußach é limítrofe da Alemanha. D. Salzmann considera que, numa situação desta natureza, o Tribunal de Justiça aceita interpretar o direito comunitário (acórdão de 7 de Maio de 1997, Pistre e o., C-321/94 a C-324/94, Colect., p. I-2343, n.os 44 e 45).

    27 Quanto a este aspecto, o Órgão de Fiscalização da EFTA acrescenta que o Tribunal de Justiça já declarou, a título mais geral, que é competente para, com base num pedido prejudicial, interpretar o direito comunitário quando o direito nacional imponha que sejam atribuídos aos cidadãos nacionais direitos idênticos aos que os nacionais de outros Estados-Membros retiram do direito comunitário na mesma situação (acórdãos de 6 de Junho de 2000, Angonese, C-281/98, Colect., p. I-4139, n.os 14 e 18, e de 5 de Dezembro de 2000, Guimont, C-448/98, Colect., p. I-10663, n.° 23).

    28 A este respeito, importa, em primeiro lugar, recordar que o artigo 234.° CE constitui um instrumento de cooperação judicial, graças ao qual o Tribunal de Justiça fornece aos juízes nacionais os elementos de interpretação do direito comunitário que lhes possam ser úteis para apreciar os efeitos de uma disposição nacional em causa no litígio que lhes foi submetido (v., neste sentido, acórdãos de 13 de Janeiro de 2000, TK-Heimdienst, C-254/98, Colect., p. I-151, n.° 12, e de 5 de Março de 2002, Reisch e o., C-515/99, C-519/99 a C-524/99 e C-526/99 a C-540/99, Colect., p. I-2157, n.° 22).

    29 No caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que interprete o artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado para poder apreciar o alcance das normas de direito nacional que remetem para esta disposição. Uma vez que as questões colocadas são relativas à interpretação do direito comunitário, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir (v., neste sentido, acórdão de 15 de Dezembro de 1995, Bosman, C-415/93, Colect., p. I-4921, n.° 59).

    30 Além disso, resulta de jurisprudência constante que, em princípio, compete unicamente aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar, face às particularidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial como a sua pertinência (v., neste sentido, acórdãos já referidos Guimont, n.° 22, e Reisch e o., n.° 25)

    31 Daqui resulta que as questões colocadas pelo juiz nacional, no quadro factual e regulamentar que o mesmo define sob sua responsabilidade, e cuja exactidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência (acórdão de 7 de Setembro de 1999, Beck e Bergdorf, C-355/97, Colect., p. I-4977, n.os 22 a 24).

    32 É verdade que resulta dos autos que todos os elementos do litígio no processo principal estão localizados no interior de um único Estado-Membro, e que uma regulamentação nacional como a VGVG, indistintamente aplicável aos cidadãos austríacos e aos cidadãos de outros Estados-Membros da União Europeia, só é, regra geral, susceptível de estar abrangida pelas disposições relativas às liberdades fundamentais previstas pelo Tratado na medida em que seja aplicável a uma situação que tenha uma ligação com as trocas comerciais intracomunitárias. Contudo, estas considerações não têm qualquer incidência na obrigação que incumbe ao Tribunal de Justiça de responder ao órgão jurisdicional de reenvio, interpretando as disposições comunitárias que condicionam o alcance das disposições nacionais em causa no processo principal. Com efeito, apenas no caso excepcional de se verificar de modo manifesto que a interpretação solicitada do direito comunitário não tem qualquer relação com a realidade ou o objecto do litígio no processo principal é que o Tribunal de Justiça se abstém de decidir (v., neste sentido, acórdãos já referidos Konle, n.° 33; Angonese, n.° 18; e Reisch e o., n.° 25).

    33 A hipótese em que o direito nacional impõe que sejam atribuídos aos cidadãos nacionais direitos idênticos aos que os nacionais de outros Estados-Membros retiram do direito comunitário na mesma situação não corresponde ao caso excepcional acima referido. Pelo contrário, numa situação desta natureza, o Tribunal de Justiça já declarou que a sua resposta podia ser útil ao órgão jurisdicional nacional (acórdão Reisch e o., já referido, n.° 26).

    34 Por outro lado, quando uma legislação nacional se adequa, para as soluções que dá a situações puramente internas, às soluções escolhidas em direito comunitário, a fim, nomeadamente, de evitar o aparecimento de discriminações contra cidadãos nacionais, existe um interesse comunitário manifesto em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou as noções retomadas do direito comunitário tenham uma interpretação uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar (v. acórdão de 15 de Janeiro de 2002, Andersen og Jensen, C-43/00, Colect., p. I-379, n.° 18). No caso vertente, resulta dos autos que os órgãos jurisdicionais austríacos consideram que os nacionais austríacos podem, quando exerçam os direitos que lhes são reconhecidos ao abrigo da livre circulação de capitais, invocar a igualdade de tratamento prevista a favor dos nacionais dos Estados-Membros da União Europeia e do EEE pelo § 3, n.° 1, da VGVG.

    35 Consequentemente, não se verifica de modo manifesto que a interpretação solicitada do direito comunitário não tem qualquer relação com a realidade ou o objecto do litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio. As questões prejudiciais são, por conseguinte, admissíveis.

    36 Por conseguinte, há que examinar se o artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado se opõe à aplicação de uma regulamentação nacional como o procedimento de autorização prévia em causa no processo principal.

    Quanto ao mérito

    37 D. Salzmann sustenta, por um lado, que o procedimento de autorização prévia previsto no § 8, n.° 3, da VGVG constitui, por si só, uma restrição à liberdade de movimentos de capitais e não respeita nenhuma das três condições de validade enunciadas pelo Tribunal de Justiça no n.° 40 do acórdão Konle, já referido. A este título, alega, em primeiro lugar, que a autorização prévia, que uma «obrigação de construir» acarreta para o adquirente de um terreno para construção, não é justificada por um objectivo de interesse geral. Seguidamente, entende que, ao impor ao adquirente que produza a prova da futura utilização do bem a adquirir, o § 8, n.° 3, da VGVG deixa à Administração competente uma margem de apreciação que corre o risco de ser aplicada discricionariamente, na acepção do n.° 41 do acórdão Konle, já referido. Por fim, no que respeita ao carácter proporcionado ou não do § 8, n.° 3, da VGVG, D. Salzmann alega que o Land de Vorarlberg podia ter instituído medidas mais respeitadoras das liberdades fundamentais. Daí conclui que o procedimento de autorização prévia é incompatível com o artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado.

    38 D. Salzmann sustenta, por outro lado, que o § 8, n.° 3, da VGVG não pode beneficiar da derrogação prevista pelo artigo 70.° do acto de adesão, uma vez que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1998, isto é, vários meses após a adesão da República da Áustria à União Europeia, e que é mais restritivo do que o regime anteriormente em vigor.

    39 A título liminar, importa recordar que, embora faça parte das competências reservadas aos Estados-Membros nos termos do artigo 222.° do Tratado CE (actual artigo 259.° CE), o regime jurídico aplicável à propriedade imobiliária não está eximido das regras fundamentais do Tratado (acórdão Konle, já referido, n.° 38). Assim, medidas nacionais como as que estão em causa no processo principal, que regulamentam em certas zonas a aquisição da propriedade imobiliária com o objectivo de proibir a instalação de residências secundárias, estão condicionadas ao respeito das disposições do Tratado relativas à liberdade dos movimentos de capitais (acórdãos já referidos Konle, n.° 22, e Reisch e o., n.° 28).

    40 Há, portanto, que examinar, de acordo com o convite dirigido pelo órgão jurisdicional de reenvio ao Tribunal de Justiça, se o artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado se opõe a medidas nacionais como as que estão em causa no processo principal.

    41 Embora o texto do § 8, n.° 3, da VGVG não estabeleça um discriminação formal entre os nacionais austríacos e nacionais de outros Estados-Membros da União Europeia ou do EEE, o procedimento de autorização prévia que institui restringe, pelo seu próprio objecto, a liberdade dos movimentos de capitais (v., neste sentido, acórdão Reisch, já referido, n.° 32). O referido procedimento está, por conseguinte, abrangido pelo âmbito da proibição prevista pelo artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado.

    42 Uma medida desta natureza pode, não obstante, ser admitida se prosseguir um objectivo de interesse geral, for aplicada de forma não discriminatória e respeitar o princípio da proporcionalidade, ou seja, se é adequada para garantir a realização do objectivo prosseguido e não ultrapassa o necessário para atingir esse objectivo (acórdãos Konle, já referido, n.° 40; de 22 de Janeiro de 2002, Canal Satélite Digital, C-390/99, Colect., p. I-607, n.° 33; e Reisch e o., já referido, n.° 33).

    43 No que toca, em primeiro lugar, à condição relativa à satisfação de um objectivo de interesse geral, o Governo austríaco sustenta que, ao instaurar o procedimento de autorização prévia, o Landtag Vorarlberg prossegue um objectivo específico de ordenamento do território. Além da vontade de prevenir a implantação de construções que infrinjam as especificações dos planos de ocupação dos solos, o Landtag Vorarlberg pretende favorecer a utilização mais judiciosa possível, pelos adquirentes, do espaço fundiário destinado à construção. As notas explicativas do § 8, n.os 1 e 3, da VGVG (publicadas no relatório do XXVI Landtag Vorarlberg, 1997), cuja importância para a interpretação e a aplicação da lei na Áustria foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça (acórdão Konle, já referido, n.° 41), comprovam as preocupações do Landtag Vorarlberg.

    44 A este respeito, resulta de jurisprudência constante que restrições à instalação de residências secundárias numa determinada zona geográfica, que um Estado-Membro cria a fim de manter, com um objectivo de ordenamento do território, uma população permanente e uma actividade económica autónoma em relação ao sector turístico podem ser consideradas medidas que contribuem para um objectivo de interesse geral (v. acórdão já referido Konle, n.° 40, e Reisch e o., n.° 34).

    45 No que toca, seguidamente, à condição de aplicação não discriminatória da medida restritiva, o Governo austríaco alega que o texto do § 8, n.° 3, da VGVG deve ser interpretado, por um lado, à luz do princípio da legalidade, tal como está enunciado no § 18 da Constituição Federal Austríaca, e, por outro, à luz das notas explicativas mencionadas no n.° 43 do presente acórdão. Resulta do § 18 da Constituição Federal Austríaca que a Administração competente está obrigada a conceder a autorização prévia desde que as condições de que esta depende se encontrem preenchidas. De igual modo, nos termos das referidas notas explicativas, a autorização prévia deve ser considerada uma «restrição não discriminatória aquando da aquisição de terrenos não urbanizados». Por conseguinte, essa autorização não é, a esse título, incompatível com o artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado.

    46 Importa, contudo, referir que, quando impõe ao adquirente que produza a prova do uso futuro do terreno que pretende adquirir, uma medida como o § 8, n.° 3, da VGVG deixa à Administração competente uma larga margem de apreciação que se assemelha a um poder discricionário (v., neste sentido, acórdão Konle, já referido, n.° 41).

    47 Não é, portanto, de excluir que um procedimento autorização prévia como o que está em causa no processo principal possa ser objecto de uma aplicação discriminatória.

    48 No que toca, por último, à condição da proporcionalidade, o Governo austríaco afirma que § 8, n.° 3, da VGVG é proporcionado ao objectivo que lhe foi atribuído pelo Landtag Vorarlberg. Em qualquer caso, um procedimento de declaração prévia, considerado suficiente para os terrenos urbanizados, não constitui manifestamente, tratando-se de terrenos urbanizados, uma alternativa menos restritiva à autorização prévia, uma vez que não garante uma utilização óptima do espaço fundiário. Apenas o procedimento de autorização prévia, que permite, se necessário for, exigir ao adquirente determinadas acções concretas, garante esse resultado.

    49 Há que reconhecer, a este respeito, que um procedimento de simples declaração não permite necessariamente, por si só, atingir o fim prosseguido pela autoridade pública como o processo de autorização prévia (acórdão Konle, já referido, n.° 46).

    50 Contudo, como o Tribunal de Justiça já declarou, um procedimento de simples declaração, quando acompanhado de instrumentos jurídicos adequados, pode efectivamente permitir eliminar a exigência de autorização prévia, sem prejudicar a eficácia dos fins prosseguidos pela autoridade pública (acórdãos de 14 de Dezembro de 1995, Sanz de Lera e o., C-163/94, C-165/94 e C-250/94, Colect., p. I-4821, n.° 27, e Konle, já referido, n.os 46 e 47).

    51 No caso vertente, numa situação caracterizada, por um lado, pela possibilidade, que o regime de declaração prévia permite à autoridade pública, de controlar a conformidade dos projectos de aquisição e de construção com o plano de ocupação dos solos e, por outro, pela existência de sanções pecuniárias, de uma acção específica de nulidade do contrato de venda, prevista no § 25, n.° 2, da VGVG, e de uma sanção que consiste na venda forçada do terreno em causa, susceptível de ser ordenada por força do § 28 da VGVG, o procedimento de autorização prévia não pode ser analisado como uma medida estritamente indispensável para atingir o objectivo de ordenamento do território prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, acórdãos já referidos Konle, n.° 47, e Reisch e o., n.° 38). Neste tipo de situação, o interesse geral não impõe que o exame, pela Administração, do projecto de aquisição de um terreno para construção seja suspensivo do exercício da liberdade reivindicada.

    52 Tendo em conta o risco de discriminação inerente a um procedimento de autorização prévia como o em causa no processo principal e ao facto de não ser estritamente indispensável à realização do objectivo de ordenamento do território que prossegue, este procedimento constitui uma restrição à liberdade dos movimentos de capitais incompatível como o artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado.

    53 O Governo austríaco alega que o procedimento de autorização prévia em causa no processo principal deve, não obstante, beneficiar da derrogação prevista no artigo 70.° do acto de adesão. A sua manutenção em vigor até 1 de Janeiro de 2000 não é, portanto, incompatível com o direito comunitário. Com efeito, embora o § 8, n.° 3, da VGVG tenha sido adoptado vários meses após a adesão da República da Áustria à União Europeia, a afirmação do Landesgericht, segundo a qual a «obrigação de construir» imposta ao adquirente de um terreno para construção só existe após a entrada em vigor do actual § 8, n.° 3, é inexacta. Pelo contrário, determinadas aquisições de terrenos já foram sujeitas ao procedimento de autorização prévia por força dos §§ 5, n.° 2, e 1, alínea b), da Vorarlberg Grundverkehrsgesetz (LGBl. 1977/18), modificada no LGBl. 1987/63 (a seguir «VGVG 1977»). O § 8, n.° 3, da VGVG é, no essencial, idêntico a esta legislação, em vigor na data da adesão da República da Áustria à União Europeia. Consequentemente, de acordo com o que o Tribunal de Justiça já declarou nos acórdãos já referidos Konle (n.° 52) bem como Beck e Bergdorf (n.° 34), esta disposição pode ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 70.° da acto de adesão.

    54 Importa, efectivamente, recordar que qualquer disposição adoptada posteriormente à data de adesão não está, por este simples facto, automaticamente excluída do regime derrogatório instituído pelo artigo 70.° do acto de adesão. Assim, se a mesma for, na sua substância, idêntica à legislação anterior ou se se limitar a reduzir ou a suprimir um obstáculo ao exercício dos direitos e das liberdades comunitárias que constam da legislação anterior, beneficiará da derrogação (acórdãos já referidos Konle, n.° 52, bem como Beck e Bergdorf, n.° 34).

    55 O critério da identidade material, que permite incluir uma legislação posterior à data de adesão no âmbito do artigo 70.° do acto de adesão, deve ser interpretado estritamente, de modo que uma legislação posterior que assenta numa lógica diferente da do direito anterior, e institui novos procedimentos, não pode ser equiparada à legislação existente no momento da adesão. Assim, o benefício do artigo 70.° do acto de adesão não pode ser estendido a uma legislação posterior que contenha várias diferenças significativas em relação à legislação existente na data da adesão (acórdão Konle, já referido, n.° 53).

    56 No caso vertente, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se o § 8, n.° 3, da VGVG tem por único efeito manter em vigor a legislação respeitante às residências secundárias aplicável em 1 de Janeiro de 1995, ou se contém diferenças significativas que obstem a que beneficie da derrogação instaurada pelo artigo 70.° do acto de adesão (v., neste sentido, acórdão Beck e Bergdorf, já referido, n.° 36).

    57 Deve, por conseguinte, responder-se às duas primeiras questões prejudiciais que o artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado se opõe a um procedimento de autorização prévia como o instaurado pela VGVG e que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se um procedimento dessa natureza pode beneficiar da derrogação prevista pelo artigo 70.° do acto de adesão.

    Quanto à terceira questão

    58 Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o anexo XII, ponto 1, alínea e), do Acordo EEE se opunha à adopção, em 1993, de uma regulamentação que sujeita a um regime de autorização prévia as aquisições de terrenos para construção.

    59 D. Salzmann alega que a autorização prévia é incompatível com o anexo XII, ponto 1, alínea e), do Acordo EEE.

    60 Por um lado, entende que esta cláusula de «standstill» se aplica nomeadamente à legislação austríaca sobre as residências secundárias. Refere que a Bundes- Verfassungsgesetznovelle, que habilitou os Länder a introduzirem restrições às transacções imobiliárias relativas a terrenos para construção, data de 5 de Junho de 1992. Sendo posterior ao Acordo EEE, é, por natureza, incompatível com o anexo XII, ponto 1, alínea e), do Acordo EEE. A fortiori, a VGVG adoptada em 23 de Setembro de 1993 com fundamento nessa lei constitucional é, também ela, incompatível com o Acordo EEE.

    61 Por outro lado, D. Salzmann reconhece que o conceito de «legislação existente [no momento da assinatura do Acordo EEE]» é susceptível de abranger disposições nacionais adoptadas posteriormente à assinatura do Acordo EEE, mas recorda que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal acontece apenas se essas disposições não forem, em caso algum, mais restritivas do que as disposições existentes em 2 de Maio de 1992. Esta condição não está satisfeita no que respeita à legislação nacional em causa no processo principal.

    62 O Governo austríaco, a Comissão e o Órgão de Fiscalização da EFTA alegam que o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão de 15 de Junho de 1999, Andersson e Wåkerås-Andersson (C-321/97, Colect., p. I-3551, n.os 27 e segs), que não era competente para interpretar o Acordo EEE relativamente ao período que precede a adesão dos Estados-Membros em causa à União Europeia.

    63 Das considerações precedentes, o Governo austríaco, a Comissão e o Órgão de Fiscalização da EFTA inferem que não há que responder à terceira questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

    64 O Governo austríaco entende, a título subsidiário, que, na hipótese de o Tribunal de Justiça se considerar competente no caso vertente para interpretar o anexo XII, ponto 1, alínea e), do Acordo EEE, deve reconhecer-se que a VGVG adoptada em 23 de Setembro de 1993 não é, em qualquer caso, mais restritiva do que a VGVG 1977, que substituiu.

    65 A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça é, em princípio, competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Acordo EEE, nos termos do artigo 234.° CE, quando tal questão for suscitada num órgão jurisdicional de um Estado-Membro da União Europeia (acórdão Andersson e Wåkerås-Andersson, já referido, n.° 27).

    66 Todavia, esta competência para interpretar o Acordo EEE nos termos do artigo 234.° do Tratado é válida unicamente no que se refere às Comunidades. O Tribunal de Justiça não é pois competente para se pronunciar sobre a interpretação do referido acordo no que diz respeito à sua aplicação nos Estados da EFTA (acórdão Andersson e Wåkerås-Andersson, já referido, n.° 27).

    67 Também não foi atribuída tal competência ao Tribunal de Justiça no quadro do Acordo EEE. Com efeito, resulta dos artigos 108.° , n.° 2, deste acordo e 34.° do Acordo entre os Estados da EFTA relativo à criação de um Órgão de Fiscalização e de um Tribunal de Justiça (JO 1994, L 344, p. 1), celebrado em 2 de Maio de 1992, que o Tribunal de Justiça da EFTA é competente para se pronunciar sobre a interpretação do Acordo EEE aplicável nos Estados da EFTA. Este último não contém qualquer disposição que preveja uma competência paralela do Tribunal de Justiça (acórdão Andersson e Wåkerås-Andersson, já referido, n.° 29).

    68 O facto de o Estado da EFTA em causa se ter depois tornado membro da União Europeia, de forma que a questão emana de um órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, não pode ter como efeito atribuir ao Tribunal de Justiça uma competência de interpretação do Acordo EEE no que se refere à sua aplicação a situações não abrangidas pela ordem jurídica comunitária (acórdão Andersson e Wåkerås-Andersson, já referido, n.° 30).

    69 Com efeito, as competências do Tribunal de Justiça abrangem a interpretação do direito comunitário, de que o Acordo EEE faz parte integrante, no que se refere à sua aplicação nos novos Estados-Membros a partir da data da sua adesão (acórdão Andersson e Wåkerås-Andersson, já referido, n.° 31).

    70 Ora, no caso vertente, o Tribunal de Justiça é convidado a interpretar o conceito de «legislação existente» na acepção do anexo XII, ponto 1, alínea e), do Acordo EEE, para que o órgão jurisdicional de reenvio possa apreciar se a VGVG adoptada em 23 de Setembro de 1993 não é mais restritiva do que a VGVG 1977 e se o Acordo EEE se opunha, em 1993, a esta modificação da legislação. O Tribunal de Justiça é, deste modo, levado a pronunciar-se sobre os efeitos do Acordo EEE na ordem jurídica nacional do órgão jurisdicional de reenvio relativamente a um período anterior à adesão da República da Áustria à União Europeia, ou seja, numa situação não abrangida pela ordem jurídica comunitária.

    71 Nestas condições, deve concluir-se que o Tribunal de Justiça não é competente para responder à terceira questão colocada.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    72 As despesas efectuadas pelo Governo austríaco, pela Comissão e pelo Órgão de Fiscalização da EFTA, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Landesgericht Feldkirch, por decisão de 10 de Julho de 2001, declara:

    1) O artigo 73.° -B, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 56.° , n.° 1, CE) opõe-se a um procedimento de autorização administrativa prévia a uma aquisição imobiliária como o instaurado pela Vorarlberger Grundverkehrsgesetz (lei do Land de Vorarlberg), de 23 de Setembro de 1993, modificada no LGBI. 1997/85. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se um procedimento dessa natureza pode beneficiar da derrogação prevista pelo artigo 70.° do Acto relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se fundamenta a União Europeia.

    2) O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias não é competente para responder à terceira questão colocada.

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