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Dokument 62023CJ0146

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 25 de fevereiro de 2025.
XL e o. contra Sąd Rejonowy w Białymstoku e Lietuvos Respublika.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Sąd Rejonowy w Białymstoku e pelo Vilniaus apygardos administracinis teismas.
Reenvio prejudicial — Congelamento ou redução das remunerações na função pública nacional — Medidas que visam especificamente os juízes — Artigo 2.o TUE — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Obrigações de os Estados‑Membros estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma proteção jurisdicional efetiva — Princípio da independência judicial — Competência dos poderes legislativo e executivo dos Estados‑Membros para fixar as regras de determinação da remuneração dos juízes — Possibilidade de derrogar essas regras — Condições.
Processos apensos C-146/23 e C-374/23.

Zbierka rozhodnutí – Všeobecná zbierka – časť „Informácie o neuverejnených rozhodnutiach“

Identifikátor ECLI: ECLI:EU:C:2025:109

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

25 de fevereiro de 2025 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Congelamento ou redução das remunerações na função pública nacional — Medidas que visam especificamente os juízes — Artigo 2.o TUE — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Obrigações de os Estados‑Membros estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma proteção jurisdicional efetiva — Princípio da independência judicial — Competência dos poderes legislativo e executivo dos Estados‑Membros para fixar as regras de determinação da remuneração dos juízes — Possibilidade de derrogar essas regras — Condições»

Nos processos apensos C‑146/23 [Sąd Rejonowy w Białymstoku] e C‑374/23 [Adoreikė] ( i ),

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok, Polónia) (C‑146/23) e pelo Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius, Lituânia) (C‑374/23), por Decisões de 10 de março e de 1 de junho de 2023, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 10 de março e em 13 de junho de 2023, nos processos

XL

contra

Sąd Rejonowy w Białymstoku (C‑146/23),

e

SR,

RB

contra

Lietuvos Respublika (C‑374/23),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, T. von Danwitz, vice‑presidente, F. Biltgen, K. Jürimäe, C. Lycourgos, M. L. Arastey Sahún, N. Jääskinen, D. Gratsias e M. Gavalec (relator), presidentes de secção, E. Regan, J. Passer, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: M. Siekierzyńska, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de março de 2024,

vistas as observações apresentadas:

em representação de XL, pelo próprio,

em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Lituano, por K. Dieninis, S. Grigonis e V. Kazlauskaitė‑Švenčionienė, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por K. Herrmann, A. Steiblytė e P. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de junho de 2024,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 2.o e do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, bem como do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, no processo C‑146/23, XL, um juiz, ao Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok, Polónia) e, no processo C‑374/23, SR e RB, dois juízes, à Lietuvos Respublika (República da Lituânia) a respeito do montante da sua remuneração.

Quadro jurídico

Direito polaco

3

O artigo 178.o da Konstytucja Rzeczypospolitej Polskiej (Constituição da República da Polónia), relativo à independência judicial, dispõe:

«1.   Os juízes são independentes no exercício das suas funções, estando apenas sujeitos à Constituição e à lei.

2.   Os juízes beneficiam de condições de trabalho e de remuneração correspondentes à dignidade do cargo que ocupam e ao âmbito das suas funções.

3.   Os juízes não podem estar filiados em nenhum partido político ou sindicato, nem exercer uma atividade pública incompatível com o princípio da independência dos tribunais e dos juízes.»

4

A ustawa — Prawo o ustroju sądów powszechnych (Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns), de 27 de julho de 2001 (Dz. U. de 2001, n.o 98, posição 1070), na sua versão aplicável ao litígio no processo C‑146/23 (a seguir «Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns»), contém um artigo 91.o, relativo à remuneração dos juízes, que tem a seguinte redação:

«[…]

§ 1c.   A remuneração base anual dos juízes baseia‑se no salário médio do segundo trimestre do ano anterior, publicado no [Dziennik Urzędowy Rzeczypospolitej Polskiej “Monitor Polski” (Jornal Oficial da República da Polónia “Monitor Polski”)] pelo presidente do [Głównego Urzędu Statystycznego (Serviço Central de Estatística, Polónia)], em conformidade com o artigo 20.o, ponto 2, da [ustawa o emeryturach i rentach z Funduszu Ubezpieczeń Społecznych (Lei relativa às Prestações de Velhice e Invalidez do Fundo de Segurança Social), de 17 de dezembro de 1998 (Dz. U. de 1998, n.o 162, posição 1118)], sem prejuízo do disposto no § 1d.

§ 1d.   Se a remuneração média referida no § 1c for inferior ao salário médio publicado para o segundo trimestre do ano anterior, este último servirá de base para determinar a remuneração base dos juízes.

§ 2.   A remuneração base dos juízes é determinada por escalões, cujo valor é calculado através da aplicação de fatores de multiplicação à base de cálculo da remuneração base referida no § 1c. Os escalões da remuneração base dos juízes e os coeficientes utilizados para determinar o montante da remuneração base constam do anexo à presente lei.

[…]

§ 6.   O juiz tem direito a um subsídio de compensação relacionado com a sua função.

§ 7.   A remuneração dos juízes varia ainda em função do subsídio de antiguidade, que corresponde, a partir do sexto ano de serviço, a 5 % da remuneração base e aumenta 1 % ao ano até atingir 20 % da remuneração base.

[…]»

5

Nos termos do artigo 8.o da ustawa o szczególnych rozwiązaniach służących realizacji ustawy budżetowej na rok 2022 (Lei relativa às Medidas Especiais para a Aplicação da Lei do Orçamento para 2022), de 17 de dezembro de 2021 (Dz. U. de 2021, posição 2445, a seguir «Lei de Acompanhamento do Orçamento para 2022»):

«1.   Em 2022, a remuneração base dos juízes a que se refere o artigo 91.o, § 1c, da [Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns] basear‑se‑á no salário médio do segundo trimestre de 2020, anunciado no comunicado do presidente do Serviço Central de Estatística.

2.   À base a que se refere o n.o 1 acresce um montante de 26 [zlotys polonais (PLN) (cerca de 6 euros)].

3.   Sempre que outras disposições fizerem referência à remuneração base dos juízes a que se refere o artigo 91.o, § 1c, da [Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns], esta corresponderá, no ano de 2022, ao salário médio do segundo trimestre de 2020, anunciado no comunicado do presidente do Serviço Central de Estatística, acrescido de 26 PLN.

4.   Sempre que outras disposições fizerem referência à remuneração dos juízes, esta corresponderá, no ano de 2022, à remuneração calculada nos termos dos §§ 1 e 2.»

6

O artigo 8.o da ustawa o szczególnych rozwiązaniach służących realizacji ustawy budżetowej na rok 2023 (Lei relativa às Medidas Especiais para a Aplicação da Lei do Orçamento para 2023), de 1 de dezembro de 2022 (Dz. U. de 2022, posição 2666, a seguir «Lei de Acompanhamento do Orçamento para 2023»), dispunha:

«1.   Em 2023, a remuneração base dos juízes a que se refere o artigo 91.o, § 1c, da [Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns] corresponderá a 5444,42 PLN (cerca de 1274 euros).

2.   Sempre que outras disposições fizerem referência à remuneração base dos juízes a que se refere o artigo 91, § 1c, da [Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns], o seu montante corresponderá, no ano de 2023, a 5444,42 PLN.»

Direito lituano

7

O artigo 3.o da Lietuvos Respublikos teisėjų darbo apmokėjimo įstatymas (Lei relativa à Remuneração dos Juízes da República da Lituânia), de 6 de novembro de 2008 (Žin., 2008, n.o 131‑5022, a seguir «Lei relativa à Remuneração dos Juízes»), na sua versão aplicável ao processo principal, previa que a remuneração dos juízes era calculada a partir do montante base da remuneração dos responsáveis políticos nacionais, dos juízes, dos funcionários e agentes do Estado, bem como dos trabalhadores das instituições orçamentais do Estado e dos municípios, fixado para um determinado ano pelo Parlamento da República da Lituânia, sob proposta do Governo deste Estado‑Membro. Esse montante base não podia ser inferior ao montante base do ano anterior, a menos que fossem declaradas circunstâncias excecionais. Devia ser fixado tendo em conta a taxa de inflação média anual do ano anterior, que era calculada em função do índice nacional de preços no consumidor, do montante do salário mínimo mensal e do impacto dos outros fatores que afetam o nível e a evolução do salário médio no setor público.

8

Nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Lei relativa à Remuneração dos Juízes, a remuneração dos juízes dos tribunais judiciais e dos tribunais de competência especializada era composta pela remuneração base, pelo subsídio de antiguidade no setor público, pelo suplemento remuneratório pelo serviço e permanências executados em dias de descanso e em dias feriados, bem como pelas substituições, e, por último, pela gratificação por aumento do volume de trabalho.

9

A remuneração dos juízes dos apygardos teismai (tribunais regionais, Lituânia) era calculada multiplicando a remuneração base por um coeficiente salarial que, nos termos do título II do anexo a esta lei, era de 17,2 para esses juízes.

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Processo C‑146/23

10

Em 4 de dezembro de 2003, XL foi nomeado juiz no Sąd Rejonowy w Suwałkach (Tribunal de Primeira Instância de Suwałki, Polónia). Desde 3 de abril de 2007, exerce as suas funções no Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok). A sua remuneração de base é composta pela remuneração base, à qual se aplica um fator de multiplicação de 2,5 e acresce, nomeadamente, um subsídio de antiguidade correspondente a 20 % da remuneração base. O montante da base de cálculo da sua remuneração base era de 5050,48 PLN (cerca de 1181 euros) no ano de 2022 e de 5444,42 PLN (cerca de 1274 euros) no ano de 2023.

11

XL recebeu assim uma remuneração mensal de 15151,44 PLN (cerca de 3544 euros) nos meses de julho a novembro de 2022, de 15033,51 PLN (cerca de 3517 euros) no mês de dezembro de 2022 e de 16333,26 PLN (cerca de 3821 euros) no mês de janeiro de 2023.

12

Depois de o seu empregador o ter informado, a seu pedido, de que teria recebido mais 10000 PLN (cerca de 2339 euros) do que o montante que recebeu a título da sua remuneração no período compreendido entre 1 de julho de 2022 e 31 de janeiro de 2023, se a sua remuneração tivesse sido calculada em conformidade com o artigo 91.o, § 1c, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, XL intentou uma ação contra o Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok) nesse mesmo tribunal, que é o órgão jurisdicional de reenvio, com vista a obter o pagamento desse montante, acrescido dos juros de mora legais.

13

O referido órgão jurisdicional recorda, antes de mais, que resulta do Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 42 a 45), que o auferimento, pelos juízes, de uma remuneração de nível adequado à importância das funções que exercem constitui uma garantia inerente à independência judicial. O mesmo órgão jurisdicional considera que esta garantia deve ser respeitada, incluindo quando alterações da regulamentação nacional relativa à determinação da remuneração dos juízes impliquem uma deterioração da sua situação económica na sequência de uma diminuição duradoura do nível da sua remuneração.

14

Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o artigo 91.o, § 1c, da Lei Relativa à Organização dos Tribunais Comuns prevê que a remuneração base dos juízes num dado ano é determinada objetivamente com base no salário médio do segundo trimestre do ano anterior, conforme comunicado pelo presidente do Serviço Central de Estatística.

15

Acrescenta que este mecanismo de determinação da remuneração base dos juízes foi, contudo, recentemente alterado, e isto em três ocasiões. Assim, para o ano de 2021, a remuneração base foi fixada de acordo com o salário médio do segundo trimestre do ano «n — 2», a saber, o ano de 2019, e não de acordo com o salário médio do segundo trimestre do ano «n — 1», a saber, o ano de 2020, o que teve como consequência um «congelamento» da revalorização da remuneração dos juízes. Para o ano de 2022, foi considerado o salário médio do segundo trimestre de 2020, acrescido de uma majoração de 26 PLN. Por último, para o ano de 2023, a remuneração dos juízes não foi calculada com base no salário médio do segundo trimestre de 2022, mas tendo por referência um montante base determinado pelo legislador polaco.

16

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o Governo Polaco justificou essas alterações pela situação económica da Polónia causada, no que respeita ao ano de 2021, pela pandemia de COVID‑19 e, no que respeita ao ano de 2023, tanto por essa pandemia como pela invasão da Ucrânia pela Federação da Rússia. Em contrapartida, não foi mencionada nenhuma razão especial no que respeita ao ano de 2022.

17

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a primeira presidente do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia), o presidente do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia) e o Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Nacional da Magistratura, Polónia) interpuseram no Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional, Polónia) três recursos distintos destinados a obter a declaração da inconstitucionalidade do artigo 8.o da Lei de Acompanhamento do Orçamento para 2023. No âmbito destes três recursos, alegou‑se, em substância, que este artigo viola as garantias que asseguram aos juízes uma remuneração correspondente à dignidade do cargo que ocupam, o princípio da independência judicial, bem como o princípio da proteção dos direitos adquiridos e da confiança no Estado. Com efeito, o referido artigo prevê um método de determinação da remuneração base dos juízes contrário ao seu direito de receber uma remuneração determinada com base em critérios objetivos e independentes de qualquer decisão arbitrária do legislador e correspondente à dignidade do cargo que ocupam. Uma vez que o montante base da remuneração dos juízes é determinado anualmente pelo legislador, o modelo adotado para determinar essa remuneração é, até certo ponto, imprevisível. Por outro lado, dado que era suposto o «congelamento» dos salários ser temporário, a sua manutenção no ano de 2023 demonstra a intenção de reduzir de forma permanente a remuneração dos juízes, em violação do artigo 178.o, n.o 2, da Constituição da República da Polónia. Por último, qualquer intervenção no funcionamento e na organização do poder judicial só pode ser efetuada a título excecional e deve resultar de uma ação concertada do poder legislativo e do poder judicial.

18

O órgão jurisdicional de reenvio que, na qualidade de empregador de XL, considera não estar habilitado a afastar as disposições nacionais contestadas, partilha dos argumentos expostos no número anterior. No caso em apreço, a violação da independência judicial reside no «congelamento» duradouro, nos últimos três anos, da revalorização da sua remuneração e no abandono efetivo, durante o ano de 2023, do mecanismo de determinação da remuneração dos juízes baseado no salário médio do segundo trimestre do ano anterior, conforme previsto no artigo 91.o, § 1c, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns. O órgão jurisdicional de reenvio considera que esta evolução duradoura, repetida e consistente da remuneração dos juízes é injustificada tendo em conta a situação estável das finanças públicas da República da Polónia e visa vergar um poder judicial independente e autónomo para que atue de forma arbitrária em função de considerações de ordem política ditadas pelos poderes executivo e legislativo.

19

À semelhança de XL, o órgão jurisdicional de reenvio considera que os Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117), e de 7 de fevereiro de 2019, Escribano Vindel (C‑49/18, EU:C:2019:106), não são transponíveis para o presente processo, uma vez que, no caso em apreço, o desvio ao mecanismo de determinação da remuneração dos juízes é permanente e não temporário como nos processos que deram origem a esses acórdãos, e visa principalmente os juízes, o que não era o caso naqueles processos.

20

Nestas circunstâncias, o Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białymstoku), decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem o artigo 2.o [TUE], que consagra os valores em que se funda a União Europeia, com referência ao respeito pelo Estado de direito, e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, [TUE], lido[s] em conjugação com o artigo 47.o da [Carta], relativos à obrigação imposta aos Estados‑Membros de uma tutela jurisdicional efetiva baseada no direito de acesso a um tribunal independente e imparcial, ser interpretados no sentido de que o princípio da independência judicial se opõe a disposições do direito nacional que, para conter as despesas orçamentais, têm por efeito um desvio [a]o mecanismo de fixação da remuneração dos juízes com base em critérios objetivos, independentes de ingerências arbitrárias dos poderes executivo e legislativo, e uma redução duradoura do nível de remuneração dos juízes, atentando contra as garantias constitucionais que asseguram aos juízes uma remuneração correspondente à dignidade do cargo que ocupam e ao âmbito das suas funções, e que a administração da justiça seja executada por tribunais independentes e juízes imparciais?»

21

Em resposta a um pedido de informações do Tribunal de Justiça relativo, nomeadamente, ao eventual impacto, sobre o pedido de decisão prejudicial, do Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional), de 8 de novembro de 2023 (processo n.o K 1/23), que declarou a não conformidade do artigo 8.o da Lei de Acompanhamento do Orçamento para 2023 com o artigo 178.o, n.o 2, da Constituição da República da Polónia, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que pretendia manter esse pedido, uma vez que o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) não tinha examinado se esse artigo 8.o era compatível com o princípio da independência judicial enunciado no n.o 1 desse artigo 178.o Além disso, este acórdão tinha unicamente por objeto a Lei de Acompanhamento do Orçamento para 2023, ao passo que o litígio no processo principal implica igualmente determinar se a Lei de Acompanhamento do Orçamento para 2022 respeita esse princípio.

Processo C‑374/23

22

SR e RB, que são juízes no Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius, Lituânia), intentaram ações de indemnização contra a República da Lituânia no Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius, Lituânia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, com vista a obter o pagamento de uma indemnização no montante de 74286,09 euros no caso de SR e no montante de 95620,17 euros no caso de RB. Alegam que a fixação da sua remuneração depende da vontade política dos poderes executivo e legislativo e que viola, nomeadamente, o princípio constitucional da independência judicial.

23

SR e RB denunciam a inexistência de um mecanismo jurídico que permita a um órgão jurisdicional ou a um juiz obrigar os poderes executivo e legislativo a fixar uma remuneração digna, assente em indicadores económicos nacionais e correspondente às responsabilidades dos juízes, bem como às restrições rigorosas que lhes são impostas, nomeadamente quanto ao exercício de outra atividade.

24

A República da Lituânia alega, por seu lado, que a programação do orçamento do Estado e, em especial, do montante da remuneração dos funcionários do Estado e dos trabalhadores do setor público faz parte das prerrogativas do Governo previstas na Constituição da República da Lituânia. Além disso, o montante base das remunerações desses funcionários e trabalhadores é fixado anualmente em função dos recursos e das limitações financeiras do Estado, pelo que este último não logrou aumentar esse montante base de maneira mais rápida mais do que o que fez. Por outro lado, de 2018 a 2023, o referido montante base aumentou de forma regular e teve um impacto económico direto nos salários do setor privado e no salário nacional médio, bem como um impacto significativo no crescimento da massa salarial dos órgãos jurisdicionais. Por último, este Estado‑Membro considera que a fixação do regime de remunerações dos juízes se enquadra no poder constitucional discricionário e exclusivo do Estado e das suas instituições.

25

O órgão jurisdicional de reenvio indica que, por força da aplicação conjugada do artigo 3.o e do anexo da Lei relativa à Remuneração dos Juízes, a remuneração dos juízes dos apygardos teismai (tribunais regionais) é calculada multiplicando o montante base, que era de 181 euros no ano de 2022 e de 186 euros no ano de 2023, por um coeficiente salarial de 17,2, não tendo esse coeficiente variado desde 1 de outubro de 2013, exceto para os juízes dos apillinkės teismai (tribunais de primeira instância, Lituânia).

26

Sem ter em conta o subsídio de antiguidade, a remuneração dos juízes dos apygardos teismai (tribunais regionais) foi de 2440,85 euros (brutos) no ano de 2008 e de 2 362 euros (brutos) no ano de 2021, atendendo à reforma fiscal ocorrida em 2019. Assim, embora as remunerações dos juízes pareçam ter aumentado cerca de 8 % em treze anos, na realidade, a remuneração nominal de um juiz diminuiu 3,2 % devido a essa reforma fiscal. Além disso, a partir do final de 2021, a remuneração dos juízes diminuiu, aproximando‑se do salário médio nacional. Com efeito, no primeiro trimestre de 2022, o salário médio nacional foi de 1729,90 euros e o de um juiz de 3113,20 euros. Por outro lado, os juízes estão sujeitos a obrigações bastante rigorosas que consistem, nomeadamente, em adotar um comportamento irrepreensível, em exercer as suas funções por igual remuneração mensal independentemente do seu volume de trabalho e em não exercer outras atividades, com exceção daquelas relacionadas com o ensino e o trabalho criativo.

27

O órgão jurisdicional de reenvio expõe, por outro lado, que, segundo as recomendações relativas ao montante máximo dos honorários devidos a título da assistência prestada por um advogado ou por um advogado estagiário em processos cíveis, que foram aprovadas em 2004 pelo Ministro da Justiça da República da Lituânia e pelo Conselho da Ordem dos Advogados da Lituânia, o montante do salário horário de um advogado é de 179,9 euros, ao passo que o montante da remuneração horária bruta de um juiz de um apygardos teismas (tribunal regional, Lituânia), excluindo o subsídio de antiguidade, é de cerca de 20 euros. Esta diferença constitui uma discriminação, contrária ao princípio da igualdade e ao artigo 2.o TUE, em detrimento destes face aos juristas que exercem profissões comparáveis.

28

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que decorre do Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117), que a independência judicial implica que a remuneração dos juízes nacionais seja determinada segundo critérios independentes da intervenção arbitrária dos poderes executivo e legislativo e que o nível de remuneração dos juízes seja adequado à importância das funções que exercem, o que não acontece no caso em apreço.

29

Neste contexto, este órgão jurisdicional alega que está obrigado a verificar se um regime nacional de remuneração dos juízes que depende diretamente da vontade política dos poderes legislativo e executivo é compatível com o direito da União e garante os valores protegidos pelo artigo 2.o TUE, bem como o princípio da independência judicial consagrado no artigo 47.o da Carta.

30

Nestas circunstâncias, o Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os valores da democracia, do Estado de direito, do respeito pelos direitos humanos e da justiça, consagrados no artigo 2.o TUE, e as disposições do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE ser interpretados no sentido de que conferem aos poderes legislativo e executivo dos Estados‑Membros [o poder discricionário] exclusiv[o] e ilimitad[o] de fixar, através da legislação nacional, a remuneração dos juízes num montante que dependa unicamente da vontade dos poderes legislativo e executivo?

2)

Devem as disposições do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, bem como as do artigo 47.o da Carta, que consagra, nomeadamente, a independência do poder judicial, ser interpretadas no sentido de que permitem aos Estados‑Membros introduzir, através da legislação nacional, regras que fixam a remuneração dos juízes abaixo da remuneração ou dos honorários fixados pelo Estado para os representantes de outras profissões jurídicas?»

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

31

Por Decisão do Tribunal de Justiça de 23 de janeiro de 2024, os processos C‑146/23 e C‑374/23 foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão.

Quanto à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial no processo C‑374/23

32

Nas suas observações escritas, o Governo Lituano sustenta, em primeiro lugar, que o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta que o direito da União não regula nem o nível da remuneração dos juízes nacionais nem as regras de fixação, de cálculo ou de pagamento dessa remuneração.

33

Todavia, esta argumentação prende‑se, na realidade, com a interpretação das disposições do direito primário da União referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio nas suas questões. Ora, a interpretação dessas disposições é manifestamente da competência do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.o TFUE. Com efeito, embora a organização da justiça nos Estados‑Membros seja da sua competência, os Estados‑Membros não deixam de estar obrigados, no exercício da mesma, a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União [v., neste sentido, Acórdãos de 18 de maio de 2021, Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 111, bem como de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.os 57 e 58], nomeadamente quando aprovam as regras de determinação da remuneração dos juízes.

34

Além disso, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE é aplicável, de um ponto de vista material, a qualquer juiz ou órgão jurisdicional nacional suscetível de se pronunciar sobre questões relativas à interpretação ou à aplicação do direito da União e cobertas, assim, por domínios abrangidos por esse direito, na aceção desta disposição (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 36 e jurisprudência referida). Ora, é esse o caso, nomeadamente, dos dois demandantes no processo C‑374/23, na sua qualidade de juízes no Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius).

35

Daqui resulta que as questões submetidas no processo C‑374/23 são da competência do Tribunal de Justiça.

36

Em segundo lugar, o Governo Lituano suscita a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial, com o fundamento de que as questões submetidas não têm nenhuma relação com os factos e com o objeto do litígio no processo principal e que, por conseguinte, a interpretação solicitada não é necessária para decidir esse litígio. Assim, sublinha que, no caso em apreço, nenhuma medida nacional destinada especificamente a reduzir a remuneração dos juízes é contestada e que, durante o período em causa, as remunerações dos juízes lituanos conheceram um aumento regular.

37

A este respeito, é jurisprudência constante que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão judicial a tomar tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Daqui resulta que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência e que, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociația Forumul Judecătorilor Din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.os 115 e 116 e jurisprudência referida).

38

Ora, decorre do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a pronunciar‑se sobre uma ação de indemnização intentada contra a República da Lituânia em cujo âmbito se alega, em substância, que o poder discricionário de que dispõem os poderes legislativo e executivo desse Estado‑Membro para fixar a remuneração dos juízes viola o princípio da independência destes últimos. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, para decidir essa ação, se as regras de determinação dessa remuneração e o seu montante são compatíveis com esse princípio, que decorre do artigo 2.o do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, bem como do artigo 47.o da Carta.

39

Por conseguinte, afigura‑se necessária uma resposta às questões submetidas no processo C‑374/23, que têm por objeto a interpretação dessas disposições, para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio decidir o litígio no processo principal.

40

Logo, o pedido de decisão prejudicial no processo C‑374/23 é admissível.

Quanto às questões prejudiciais

41

A título preliminar, na medida em que, no processo C‑374/23, a segunda questão diz respeito à interpretação do artigo 47.o da Carta, importa sublinhar que o reconhecimento do direito à ação, num determinado caso, pressupõe que a pessoa que o invoca se baseie em direitos ou liberdades garantidos pelo direito da União ou que seja objeto de procedimentos que constituem uma aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 34 e jurisprudência referida].

42

Ora, não resulta do pedido de decisão prejudicial que SR e RB preencham um ou outro destes requisitos.

43

Por conseguinte, em conformidade com o artigo 51.o, n.o 1, da Carta, o artigo 47.o desta não é, enquanto tal, aplicável ao processo C‑374/23. No entanto, uma vez que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE impõe a todos os Estados‑Membros que estabeleçam as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União, na aceção, nomeadamente, do artigo 47.o da Carta, esta última disposição deve ser devidamente tomada em consideração para efeitos da interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE [Acórdãos de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.os 44 e 45, e de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.os 36 e 37].

44

Dito isto, as questões submetidas nos processos C‑146/23 e C‑374/23, que importa examinar em conjunto, devem ser entendidas no sentido de que visam saber, em substância, se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido em conjugação com o artigo 2.o TUE, deve ser interpretado no sentido de que o princípio da independência judicial se opõe a que:

por um lado, os poderes legislativo e executivo de um Estado‑Membro fixem discricionariamente, na regulamentação desse Estado‑Membro, as regras de determinação da remuneração dos juízes;

por outro lado, os poderes legislativo e executivo de um Estado‑Membro derroguem a regulamentação desse Estado‑Membro, que define de forma objetiva as regras de determinação da remuneração dos juízes, decidindo aumentar essa remuneração menos do que o previsto nessa regulamentação, ou mesmo congelar ou reduzir o montante da referida remuneração.

45

A este respeito, nem o artigo 2.o nem o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, nem nenhuma outra disposição do direito da União impõem aos Estados‑Membros um modelo constitucional preciso que regule as relações e a interação entre os diferentes poderes estatais, nomeadamente quanto à definição e à delimitação das suas competências. Em virtude do artigo 4.o, n.o 2, TUE, a União respeita a identidade nacional dos Estados‑Membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles. Todavia, na escolha do respetivo modelo constitucional, os Estados‑Membros são obrigados a respeitar as exigências que para eles decorrem do direito da União [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 43 e jurisprudência referida].

46

Com efeito, em conformidade com a jurisprudência constante recordada no n.o 33 do presente acórdão, embora a organização da justiça nos Estados‑Membros seja da sua competência, estes estão, no entanto, vinculados, no seu exercício, a respeitar as obrigações que lhes incumbem por força do direito da União e, especialmente, do artigo 2.o e do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 38 e jurisprudência referida]. É o que acontece, nomeadamente, quando aprovam as regras de determinação da remuneração dos juízes.

47

O artigo 19.o TUE, que concretiza o valor do Estado de direito afirmado no artigo 2.o TUE, confia aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça a missão de garantir a plena aplicação do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a tutela jurisdicional que esse direito confere aos particulares. Para o efeito, a preservação da independência destas instâncias é primordial [v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.os 108 e 115 e jurisprudência referida].

48

A exigência de independência dos órgãos jurisdicionais, que é inerente à missão de julgar, faz parte, com efeito, do conteúdo essencial do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, que se reveste de importância essencial enquanto garante da proteção de todos os direitos conferidos pelo direito da União aos sujeitos de direito e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros, enunciados no artigo 2.o TUE, designadamente o valor do Estado de direito (Acórdãos de 11 de julho de 2024, Hann‑Invest e o., C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21, EU:C:2024:594, n.o 49, e de 29 de julho de 2024, Valančius, C‑119/23, EU:C:2024:653, n.o 46).

49

O conceito de independência dos órgãos jurisdicionais pressupõe, nomeadamente, que a instância em causa exerça as suas funções jurisdicionais com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de qualquer origem, e esteja, assim, protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. Ora, tal como a inamovibilidade dos membros da instância em causa, o auferimento, por estes, de uma remuneração de nível adequado à importância das funções que exercem constitui uma garantia inerente à independência judicial (Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 44 e 45), e de 7 de fevereiro de 2019, Escribano Vindel, C‑49/18, EU:C:2019:106, n.o 66).

50

Mais especificamente, em conformidade com o princípio da separação de poderes que caracteriza o funcionamento de um Estado de direito, a independência dos órgãos jurisdicionais deve ser garantida em relação aos poderes legislativo e executivo [Acórdãos de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 124; de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 54, e de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 42].

51

Porém, o simples facto de os poderes legislativo e executivo de um Estado‑Membro estarem envolvidos na determinação da remuneração dos juízes não é, enquanto tal, suscetível de criar uma dependência dos juízes em relação a esses poderes nem de gerar dúvidas quanto à sua independência ou à sua imparcialidade. Como a Comissão Europeia sublinhou nas suas observações escritas, os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação quando elaboram o seu orçamento e decidem entre as diferentes rubricas de despesas públicas. Esta ampla margem de apreciação inclui a determinação do método de cálculo dessas despesas e, nomeadamente, da remuneração dos juízes. Com efeito, os poderes legislativo e executivo nacionais estão em melhor posição para ter em conta o contexto socioeconómico específico do Estado‑Membro em que esse orçamento deve ser elaborado e a independência judicial garantida.

52

Não é menos certo que as regras nacionais relativas à remuneração dos juízes não devem criar, no espírito dos litigantes, dúvidas legítimas quanto à impermeabilidade dos juízes em causa em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto (v., por analogia, Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.os 56 e 57).

53

Para este efeito, as cartas, relatórios e outros documentos elaborados pelos órgãos do Conselho da Europa ou pertencentes ao sistema das Nações Unidas podem fornecer indicações pertinentes para interpretar o direito da União quando existam disposições nacionais adotadas na matéria.

54

No que respeita, em primeiro lugar, às regras de determinação da remuneração dos juízes, importa, primeiro, em conformidade com o princípio da segurança jurídica, que essas regras sejam determinadas por lei, a qual pode prever a intervenção dos parceiros sociais, especialmente das organizações representativas dos juízes em causa. Neste contexto, a transparência do processo legislativo contribui para garantir a independência judicial.

55

A este título, o ponto 11 dos «Princípios Básicos relativos à Independência da Magistratura», adotados pelo Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Milão de 26 de agosto a 6 de setembro de 1985, prevê que a remuneração adequada dos juízes deve ser «garantid[a] por lei». Do mesmo modo, a Recomendação CM/Rec(2010)12 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, intitulada «Os Juízes: Independência, Eficácia e Responsabilidade», adotada em 17 de novembro de 2010 (a seguir «Recomendação do Comité de Ministros de 2010»), enuncia, no seu ponto 53, que «[a]s principais regras do regime de remuneração dos juízes profissionais devem ser fixadas por lei».

56

Por outro lado, o princípio da independência dos juízes, lido em conjugação com o princípio da segurança jurídica, exige que as regras de determinação da sua remuneração sejam objetivas, previsíveis, estáveis e transparentes, para excluir qualquer intervenção arbitrária dos poderes legislativo e executivo do Estado‑Membro em causa.

57

Segundo, como mencionado no n.o 49 do presente acórdão, o auferimento, pelos juízes, de uma remuneração de nível adequado à importância das funções que exercem constitui uma garantia inerente à sua independência.

58

A este respeito, decorre da jurisprudência resultante do Acórdão de 7 de fevereiro de 2019, Escribano Vindel (C‑49/18, EU:C:2019:106, n.os 70, 71 e 73), que o nível de remuneração dos juízes deve ser suficientemente elevado, atendendo ao contexto socioeconómico do Estado‑Membro em causa, para lhes conferir uma certa independência económica suscetível de os proteger contra o risco de eventuais intervenções ou pressões externas poderem prejudicar a neutralidade das decisões que devem tomar. Assim, o nível dessa remuneração deve ser suscetível de proteger os juízes contra o risco de corrupção.

59

O ponto 54 da Recomendação do Comité de Ministros de 2010 enuncia que «[a] remuneração dos juízes deverá estar à medida da sua função e das suas responsabilidades e ser de nível suficiente para os proteger de qualquer pressão destinada a influenciar as suas decisões». O ponto 57 da exposição de motivos desta recomendação esclarece que «[u]m nível de remuneração adequado é um elemento fundamental na luta contra a corrupção dos juízes e visa protegê‑los de pressões que possam ser exercidas».

60

Assim, a remuneração dos juízes pode variar em função da antiguidade e da natureza das funções que lhes são confiadas. Em todo o caso, deve estar sempre em adequação com a importância das funções que exercem.

61

A apreciação do caráter adequado da remuneração dos juízes pressupõe que se tome em consideração, além da remuneração base ordinária, os diversos complementos e subsídios que recebem, nomeadamente pela sua antiguidade ou pelas funções que lhes são confiadas, mas também uma eventual isenção de contribuições sociais.

62

Além disso, o caráter adequado da remuneração dos juízes deve ser apreciado tendo em conta a situação económica, social e financeira do Estado‑Membro em causa, como observou o advogado‑geral, em substância, no n.o 49 das suas conclusões. Nesta perspetiva, é adequado comparar a remuneração média dos juízes com o salário médio no referido Estado, como salientou, nomeadamente, o Relatório de Avaliação dos Sistemas Judiciais Europeus elaborado em 2020 pela Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ) (p. 68).

63

Por outro lado, como resulta deste relatório (p. 67), a fim de garantir a independência dos juízes e, em termos mais amplos, a qualidade da justiça num Estado de direito, «[a]s políticas da justiça devem igualmente ter em conta os salários das outras profissões jurídicas para tornar atrativa a profissão de juiz para os profissionais do direito altamente qualificados». Todavia, não se pode deduzir daqui que o princípio da independência judicial se opõe a que a remuneração dos juízes seja fixada num nível inferior ao da remuneração média de outros profissionais do direito, em especial os que exercem uma profissão liberal, como os advogados, uma vez que estes se encontram manifestamente numa situação diferente da dos juízes.

64

Terceiro, as regras de determinação da remuneração dos juízes devem poder ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva segundo as regras processuais previstas pelo direito do Estado‑Membro em causa.

65

Em segundo lugar, no que respeita à possibilidade de os poderes legislativo e executivo de um Estado‑Membro derrogarem a regulamentação nacional que define de forma objetiva as regras de determinação da remuneração dos juízes, decidindo aumentar essa remuneração menos do que o previsto nessa regulamentação, ou mesmo congelar ou reduzir o montante da referida remuneração, a adoção dessas medidas derrogatórias deve, também ela, satisfazer um certo número de exigências.

66

Primeiro, uma medida derrogatória como a referida no número anterior deve, à semelhança das regras gerais relativas à determinação da remuneração dos juízes que a mesma derroga, estar prevista na lei. Além disso, as regras de remuneração dos juízes previstas por esta medida derrogatória devem ser objetivas, previsíveis e transparentes.

67

Segundo, a referida medida derrogatória deve ser justificada por um objetivo de interesse geral, como um imperativo de eliminação dos défices orçamentais excessivos, na aceção do artigo 126.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 46, e de 7 de fevereiro de 2019, Escribano Vindel, C‑49/18, EU:C:2019:106, n.o 67).

68

No entanto, como salientou o advogado‑geral no n.o 60 das suas conclusões, a possibilidade de um Estado‑Membro invocar esse imperativo não pressupõe a abertura contra si de um procedimento por défice excessivo nos termos do Protocolo n.o 12 sobre o procedimento relativo aos défices excessivos anexo aos Tratados UE e FUE.

69

As razões orçamentais que justificaram a adoção de uma medida derrogatória das regras de direito comum em matéria de remuneração dos juízes devem ser claramente explicitadas. De resto, sem prejuízo de circunstâncias excecionais devidamente justificadas, essas medidas não devem visar especificamente apenas os membros dos órgãos jurisdicionais nacionais e devem inserir‑se num quadro mais geral destinado a fazer contribuir um conjunto mais amplo de membros da função pública nacional para o esforço orçamental prosseguido (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 49, e de 7 de fevereiro de 2019, Escribano Vindel, C‑49/18, EU:C:2019:106, n.o 67).

70

A este respeito, o ponto 54 da Recomendação do Comité de Ministros de 2010 prevê que «[d]everão ser introduzidas disposições legais específicas para prevenir uma redução da remuneração que vise especificamente os juízes». Em contrapartida, conforme esclarece o ponto 57 da exposição de motivos desta recomendação, «[a] disposição que visa especificamente a não redução da remuneração dos juízes não se opõe a uma redução da remuneração que se inscreva no âmbito das políticas públicas destinadas à redução geral dos salários dos membros dos serviços públicos».

71

Assim, quando um Estado‑Membro adota medidas de restrição orçamental que atingem os seus funcionários e os seus agentes públicos, pode, numa sociedade caracterizada pela solidariedade, como sublinha o artigo 2.o TUE, decidir aplicar essas medidas também aos juízes nacionais.

72

Terceiro, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, que constitui um princípio geral do direito da União [Acórdão de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.o 31], uma medida derrogatória como a referida no n.o 65 do presente acórdão deve ser adequada para garantir a realização do objetivo de interesse geral prosseguido, limitar‑se ao estritamente necessário para alcançar esse objetivo e não ser desproporcionada em relação ao referido objetivo, o que implica ponderar a importância deste último e a gravidade da ingerência no princípio da independência judicial.

73

A este título, uma medida desta natureza, embora se afigure adequada à realização do objetivo de interesse geral referido no n.o 67 do presente acórdão, deve, todavia, ser excecional e temporária, não devendo aplicar‑se durante mais tempo do que o necessário à realização do objetivo legítimo prosseguido, como no caso da eliminação de um défice orçamental excessivo.

74

Além disso, o impacto da referida medida na remuneração dos juízes não deve ser desproporcionado em relação ao objetivo prosseguido.

75

Quarto, a preservação da independência dos juízes exige que, apesar de lhes ter sido aplicada uma medida de restrição orçamental, e ainda que essa medida esteja ligada à existência de uma grave crise económica, social e financeira, o nível da remuneração dos juízes seja sempre adequado à importância das funções que exercem, para se manterem ao abrigo de intervenções ou de pressões externas suscetíveis de pôr em perigo a sua independência de julgamento e de influenciar as suas decisões, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 49 do presente acórdão.

76

Quinto, uma medida derrogatória como a referida no n.o 65 do presente acórdão deve poder ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva, nas condições mencionadas no n.o 64 do presente acórdão.

77

Embora no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, não lhe caiba aplicar as regras do direito da União a um caso concreto, o Tribunal de Justiça pode, para dar uma resposta útil aos órgãos jurisdicionais de reenvio, fornecer‑lhes indicações extraídas dos autos dos processos principais, bem como das observações escritas de que disponha, suscetíveis de permitir que esses órgãos jurisdicionais se pronunciem (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de junho de 1991, Newton, C‑356/89, EU:C:1991:265, n.o 10; de 16 de julho de 2015, CHEZ Razpredelenie Bulgaria, C‑83/14, EU:C:2015:480, n.o 71, e de 7 de novembro de 2024, Centro di Assistenza Doganale Mellano, C‑503/23, EU:C:2024:933, n.o 85).

78

No processo C‑146/23, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, conforme sustentou o Governo Polaco perante o Tribunal de Justiça, as medidas derrogatórias do artigo 91.o, § 1c, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns que eram aplicáveis em 2022 e em 2023 obedeciam a um objetivo de interesse geral que consistia em reafetar recursos orçamentais num contexto caracterizado pela pandemia de COVID‑19, pela agressão da Ucrânia pela Federação da Rússia e pelo consequente aumento sem precedentes dos preços da energia.

79

Uma vez que o artigo 8.o da Lei de Acompanhamento do Orçamento para 2022 e o artigo 8.o da Lei de Acompanhamento do Orçamento para 2023 visavam especificamente a remuneração dos juízes e dos procuradores, tais medidas devem, à primeira vista, ser consideradas suscetíveis de violar o princípio da independência judicial. No entanto, tendo em conta as considerações expostas nos n.os 69 e 70 do presente acórdão e à luz dos elementos apresentados pelo Governo Polaco perante o Tribunal de Justiça, não se pode excluir, o que cabe no entanto ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que essas medidas, ainda que dirigidas especificamente aos juízes, se inscrevessem no âmbito de reformas mais amplas que afetassem também a remuneração de outras categorias de funcionários ou de agentes públicos. Em especial, segundo esses elementos, as referidas medidas poderiam destinar‑se, na realidade, a aplicar aos juízes, de forma diferida, medidas de restrição orçamental de que outras categorias de funcionários ou de agentes públicos já tinham sido objeto nos anos anteriores.

80

Por outro lado, afigura‑se, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que as duas disposições nacionais referidas no número anterior foram aplicadas, respetivamente, apenas durante um ano. As medidas salariais em causa no processo principal parecem, assim, ter tido um caráter excecional e temporário, o que o facto de o mecanismo de cálculo das remunerações previsto no artigo 91.o da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns não ter sido revogado e de ter sido aplicado novamente em 2024 tende a confirmar, como observaram o Governo Polaco e a Comissão na audiência no Tribunal de Justiça.

81

Além disso, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, ainda sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, essas medidas não tiveram por efeito privar XL do seu direito a receber uma remuneração que era, atendendo ao contexto económico, social e financeiro do Estado‑Membro em causa e ao salário médio nesse Estado‑Membro, adequada à importância das funções que exerce. Com efeito, embora se tenham podido traduzir numa perda de poder de compra de XL, essas medidas não parecem, segundo as indicações que figuram nos autos, ter reduzido o montante da sua remuneração, que foi congelada durante o ano de 2021 e aumentou 4,37 % no ano de 2022 e 7,8 % no ano de 2023. De resto, o Governo Polaco e a Comissão sublinharam que, ao acrescentar os diversos subsídios, bem como a isenção de contribuições sociais de que beneficiam os juízes polacos, que representa uma poupança de cerca de 14 % da remuneração bruta, a sua remuneração continuou, durante esse período, a ser superior a três vezes o salário médio na Polónia.

82

Por último, o pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok) no processo C‑146/23 é suficiente para comprovar a possibilidade de uma fiscalização jurisdicional efetiva das medidas salariais em causa no processo principal.

83

Assim, e sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, não se afigura que o artigo 8.o da Lei de Acompanhamento do Orçamento para 2022 e o artigo 8.o da Lei de Acompanhamento do Orçamento para 2023 tenham violado as exigências decorrentes do princípio da independência judicial, conforme resulta do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido em conjugação com o artigo 2.o TUE.

84

No que respeita ao processo C‑374/23, por um lado, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a determinação da remuneração dos juízes dos apygardos teismai (tribunais regionais) assenta numa base legal, a saber, o artigo 3.o da Lei relativa à Remuneração dos Juízes, que prevê que o montante base dessa remuneração é fixado anualmente pelos poderes legislativo e executivo num nível que não pode ser inferior ao do ano anterior e que deve ter em conta uma série de critérios objetivos, tais como a taxa de inflação anual do ano anterior, calculada em função do índice nacional de preços no consumidor, o montante do salário mínimo mensal e o impacto dos outros fatores que afetam o nível e a evolução do salário médio no setor público. Por outro lado, à luz desses elementos, e sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, essas regras afiguram‑se objetivas, previsíveis, estáveis e transparentes.

85

Admitindo que o órgão jurisdicional de reenvio pretenda pôr em causa o caráter adequado da remuneração auferida por SR e RB, foi salientado no n.o 62 do presente acórdão que o caráter adequado da remuneração dos juízes deve ser apreciado tendo em conta a situação económica, social e financeira do Estado‑Membro em causa e comparando a remuneração média dos juízes com o salário médio no referido Estado.

86

Ora, como resulta do Relatório de Avaliação dos Sistemas Judiciais Europeus elaborado em 2022 pela CEPEJ (p. 80), em 2020, a remuneração bruta média dos juízes lituanos correspondia, no início da carreira, a 2,1 vezes o salário bruto médio na Lituânia e a 2,9 vezes esse salário bruto médio para os juízes do Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia).

87

É certo que o órgão jurisdicional de reenvio faz igualmente referência a uma reforma fiscal ocorrida em 2019, que teria conduzido a uma diminuição da remuneração nominal desses juízes. Todavia, na falta de qualquer indicação sobre esta reforma na decisão de reenvio, a invocação da sua aplicação aos juízes não basta, por si só, para concluir pela existência de uma violação do princípio da independência judicial.

88

Por conseguinte, e sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, não se afigura que, no processo C‑374/23, as regras de determinação da remuneração auferida por SR e RB durante o período em causa no processo principal tenham violado esse princípio.

89

Por último, o pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius) neste processo é suficiente para comprovar a possibilidade de uma fiscalização jurisdicional efetiva das medidas salariais em causa no referido processo.

90

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas nos processos C‑146/23 e C‑374/23 que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido em conjugação com o artigo 2.o TUE, deve ser interpretado no sentido de que o princípio da independência judicial não se opõe a que:

por um lado, os poderes legislativo e executivo de um Estado‑Membro determinem a remuneração dos juízes, desde que essa determinação não resulte do exercício de um poder arbitrário, mas se baseie em regras que:

estejam previstas na lei,

sejam objetivas, previsíveis, estáveis e transparentes,

assegurem aos juízes um nível de remuneração adequado à importância das funções que exercem, tendo em conta a situação económica, social e financeira do Estado‑Membro em causa e o salário médio nesse Estado‑Membro, e

possam ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva segundo as regras processuais previstas pelo direito do referido Estado‑Membro;

por outro, os poderes legislativo e executivo de um Estado‑Membro derroguem a regulamentação nacional, que define de forma objetiva as regras de determinação da remuneração dos juízes, ao decidir aumentar essa remuneração menos do que o previsto nessa regulamentação, ou mesmo congelar ou reduzir o montante da referida remuneração, desde que essa medida derrogatória não resulte do exercício de um poder arbitrário, mas:

esteja prevista na lei,

fixe regras de remuneração objetivas, previsíveis e transparentes,

se justifique por um objetivo de interesse geral prosseguido no âmbito de medidas que, salvo circunstâncias excecionais devidamente justificadas, não visem especificamente os juízes mas afetem, de modo mais geral, a remuneração de categorias de funcionários ou de agentes públicos,

seja necessária e estritamente proporcionada à realização desse objetivo, o que pressupõe que seja excecional e temporária e que não prejudique a adequação da remuneração dos juízes à importância das funções que exercem, e

possa ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva segundo as regras processuais previstas pelo direito do Estado‑Membro em causa.

Quanto às despesas

91

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais de reenvio, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido em conjugação com o artigo 2.o TUE, deve ser interpretado no sentido de que o princípio da independência judicial não se opõe a que:

 

por um lado, os poderes legislativo e executivo de um Estado‑Membro determinem a remuneração dos juízes, desde que essa determinação não resulte do exercício de um poder arbitrário, mas se baseie em regras que:

estejam previstas na lei,

sejam objetivas, previsíveis, estáveis e transparentes,

assegurem aos juízes um nível de remuneração adequado à importância das funções que exercem, tendo em conta a situação económica, social e financeira do Estado‑Membro em causa e o salário médio nesse Estado‑Membro, e

possam ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva segundo as regras processuais previstas pelo direito do referido Estado‑Membro;

por outro, os poderes legislativo e executivo de um Estado‑Membro derroguem a regulamentação nacional, que define de forma objetiva as regras de determinação da remuneração dos juízes, ao decidir aumentar essa remuneração menos do que o previsto nessa regulamentação, ou mesmo congelar ou reduzir o montante da referida remuneração, desde que essa medida derrogatória não resulte do exercício de um poder arbitrário, mas:

esteja prevista na lei,

fixe regras de remuneração objetivas, previsíveis e transparentes,

se justifique por um objetivo de interesse geral prosseguido no âmbito de medidas que, salvo circunstâncias excecionais devidamente justificadas, não visem especificamente os juízes mas afetem, de modo mais geral, a remuneração de categorias de funcionários ou de agentes públicos,

seja necessária e estritamente proporcionada à realização desse objetivo, o que pressupõe que seja excecional e temporária e que não prejudique a adequação da remuneração dos juízes à importância das funções que exercem, e

possa ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva segundo as regras processuais previstas pelo direito do Estado‑Membro em causa.

 

Assinaturas


( *1 ) Línguas de processo: polaco e lituano.

( i ) Os nomes do presente processo são nomes fictícios. Não correspondem aos nomes verdadeiros de nenhuma das partes no processo.

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