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Document 62018CJ0677

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 19 de dezembro de 2019.
    Amoena Ltd contra Commissioners for Her Majesty's Revenue and Customs.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo First-tier Tribunal (Tax Chamber).
    Reenvio prejudicial — Pauta aduaneira comum — Classificação pautal — Nomenclatura Combinada — Posições 6212 e 9021 — Sutiãs pós‑mastectomia — Regulamento de Execução (UE) 2017/1167 — Validade — Conceito de “acessórios” — Cooperação leal.
    Processo C-677/18.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:1142

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

    19 de dezembro de 2019 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Pauta aduaneira comum — Classificação pautal — Nomenclatura Combinada — Posições 6212 e 9021 — Sutiãs pós‑mastectomia — Regulamento de Execução (UE) 2017/1167 — Validade — Conceito de “acessórios” — Cooperação leal»

    No processo C‑677/18,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária), Reino Unido], por Decisão de 1 de novembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de novembro de 2018, no processo

    Amoena Ltd

    contra

    Commissioners of Her Majesty’s Revenue & Customs,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

    composto por: I. Jarukaitis, presidente de secção, E. Juhász e C. Lycourgos (relator), juízes,

    advogado‑geral: M. Bobek,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Amoena Ltd, por A. Mehlin, solicitor, E. Brown, barrister, G. Facenna, QC, e A. Davies, consultant,

    em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brandon, na qualidade de agente, assistido por S. Singh, barrister,

    em representação da Comissão Europeia, por A. Caeiros e J. Hradil, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade do Regulamento de Execução (UE) 2017/1167 da Comissão, de 26 de junho de 2017, relativo à classificação de determinadas mercadorias na Nomenclatura Combinada (JO 2017, L 170, p. 50).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Amoena Ltd aos Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Administração Tributária e Aduaneira do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a seguir «Administração Tributária») a respeito da classificação pautal dos sutiãs pós‑mastectomia.

    Quadro jurídico

    NC

    3

    A classificação aduaneira das mercadorias importadas na União Europeia é regulada pela Nomenclatura Combinada (a seguir «NC»), que figura no anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1). A versão da NC aplicável ao litígio no processo principal é a que resulta deste regulamento, conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) 2016/1821 da Comissão, de 6 de outubro de 2016 (JO 2016, L 294, p. 1).

    4

    A primeira parte da NC contém um conjunto de disposições preliminares. Nesta parte, sob o título I, consagrado às regras gerais, a secção A, intitulada «Regras gerais para a interpretação da Nomenclatura Combinada», dispõe:

    «1. Os títulos das secções, capítulos e subcapítulos têm apenas valor indicativo. Para os efeitos legais, a classificação é determinada pelos textos das posições e das notas de secção e de capítulo e, desde que não sejam contrárias aos textos das referidas posições e notas, pelas regras seguintes.

    […]

    6. A classificação de mercadorias nas subposições de uma mesma posição é determinada, para efeitos legais, pelos textos dessas subposições e das notas de subposição respetivas, assim como, mutatis mutandis, pelas regras precedentes, entendendo‑se que apenas são comparáveis subposições do mesmo nível. Para os fins da presente regra, as notas de secção e de capítulo são também aplicáveis, salvo disposições em contrário.»

    5

    A segunda parte da NC, intitulada «Tabela de direitos», está dividida em 21 secções. A secção XI, intitulada «Matérias têxteis e suas obras», inclui, nomeadamente, o capítulo 62, intitulado «Vestuário e seus acessórios, exceto de malha».

    6

    A posição NC 6212, à qual se aplica uma taxa do direito convencional de 6,5 %, tem a seguinte estrutura:

    6212

    sutiãs, cintas, espartilhos, suspensórios, ligas e artigos semelhantes, e suas partes, mesmo de malha:

    6212 10

    Sutiãs e sutiãs de cós alto (bustiês):

    6212 10 10

    — Apresentados em sortidos acondicionados para a venda a retalho, que contenham um sutiã ou um sutiã de cós alto e umas calcinhas

    6212 10 90

    Outros

    […]

    […]

    7

    A secção XVIII da segunda parte da NC tem como título «Instrumentos e aparelhos de ótica, de fotografia, de cinematografia, de medida, de controlo ou de precisão; instrumentos e aparelhos médico‑cirúrgicos; artigos de relojoaria; instrumentos musicais; suas partes e acessórios». Comporta, nomeadamente, o capítulo 90, intitulado «Instrumentos e aparelhos de ótica, de fotografia, de cinematografia, de medida, de controlo ou de precisão; instrumentos e aparelhos médico‑cirúrgicos; suas partes e acessórios».

    8

    A posição NC 9021, cujas mercadorias abrangidas estão isentas do direito convencional, tem a seguinte estrutura:

    9021

    Artigos e aparelhos ortopédicos, incluindo as cintas e ligaduras (fundas) médico‑cirúrgicas e as muletas; talas, goteiras e outros artigos e aparelhos para fraturas; artigos e aparelhos de prótese; aparelhos para facilitar a audição dos surdos e outros aparelhos para compensar uma deficiência ou uma incapacidade, destinados a ser transportados à mão ou sobre as pessoas ou a serem implantados no organismo:

    9021 10

    — Artigos e aparelhos ortopédicos ou para fraturas

    9021 10 10

    — — Artigos e aparelhos ortopédicos

    […]

    […]

     

    — Artigos e aparelhos de prótese dentária:

    […]

    […]

     

    — Outros artigos e aparelhos de prótese:

    9021 31 00

    — — Próteses articulares

    9021 39

    — — Outros:

    9021 39 10

    — — — Próteses oculares

    9021 39 90

    — — — Outros:

    […]

    […]

    9

    A nota 2, alínea b), do capítulo 90 da NC prevê:

    «2.

    Ressalvadas as disposições da nota 1 acima, as partes e acessórios para máquinas, aparelhos, instrumentos ou outros artigos do presente capítulo, classificam‑se de acordo com as seguintes regras:

    […]

    b)

    Quando se possam identificar como exclusiva ou principalmente destinadas a uma máquina, instrumento ou aparelho determinados, ou a várias máquinas, instrumentos ou aparelhos, compreendidos numa mesma posição (mesmo nas posições 9010, 9013 ou 9031), as partes e acessórios que não sejam os considerados na alínea a) anterior, classificam‑se na posição correspondente a essa ou a essas máquinas, instrumentos ou aparelhos;

    […]»

    Regulamento (UE) n.o 952/2013

    10

    O artigo 57.o do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1), sob a epígrafe «Classificação pautal das mercadorias», prevê, nos seus n.os 1 e 4:

    «1.   Para a aplicação da Pauta Aduaneira Comum, a classificação pautal de mercadorias consiste na determinação de uma das subposições ou outras subdivisões da [NC] em que as referidas mercadorias devam ser classificadas.

    […]

    4.   A Comissão [Europeia] pode tomar medidas para determinar a classificação pautal de mercadorias nos termos do n.os 1 e 2.»

    11

    O artigo 58.o deste regulamento, sob a epígrafe «Atribuição de competências de execução», precisa, no seu n.o 2:

    «A Comissão adota, por meio de atos de execução, as medidas referidas no artigo 57.o, n.o 4.

    […]»

    12

    O artigo 285.o, n.o 1, do mesmo regulamento precisa:

    «A Comissão é assistida pelo Comité do Código Aduaneiro. […]»

    Regulamento de Execução 2017/1167

    13

    A fim de garantir uma aplicação uniforme da NC, a Comissão adotou o Regulamento de Execução 2017/1167, que, em conformidade com o seu artigo 3.o, entrou em vigor em 21 de julho de 2017.

    14

    O artigo 1.o deste regulamento dispõe:

    «As mercadorias descritas na coluna 1 do quadro em anexo devem ser classificadas na [NC] nos códigos NC correspondentes, indicados na coluna 2 do referido quadro.»

    15

    O anexo do referido regulamento tem a seguinte redação:

    «ANEXO

    Descrição das mercadorias

    Classificação

    (Código NC)

    Fundamentos

    (1)

    (2)

    (3)

    Um sutiã de malha (61 % náilon, 20 % elastano, 12 % algodão, 7 % viscose), com alças largas reforçadas nos ombros e ajustáveis, posicionadas centralmente por cima dos seios, com copas moldadas e elástico no avesso da base.

    Apresenta um motivo bordado nas alças e copas e um laço decorativo na frente, ao centro.

    O artigo é fechado por meio de colchetes ajustáveis.

    O sutiã tem um forro nas copas, com aberturas laterais para a inserção de enchimento para o aumento dos seios (para fins estéticos) ou para a inserção de próteses mamárias na sequência de uma mastectomia.

    Ver imagens (*).

    6212 10 90

    A classificação é determinada pelas regras gerais 1 e 6 para interpretação da [NC] e pelos descritivos dos códigos NC 6212, 6212 10 e 6212 10 90.

    O artigo tem as características objetivas (forma e construção) de um sutiã da posição 6212, que inclui sutiãs de todos os tipos [v., também, Notas Explicativas do Sistema Harmonizado relativas à posição 6212, 2.o parágrafo (1)].

    Embora o artigo também possa ser usado por mulheres na sequência de uma mastectomia, exclui‑se a classificação na posição 9021 como um artigo ortopédico ou como uma parte ou acessório de artigos e aparelhos de prótese, uma vez que, no momento da importação, as características objetivas do produto são as de um sutiã da posição 6212 e não dão qualquer indicação sobre a utilização final (para fins estéticos ou médicos).

    As aberturas laterais não permitem classificá‑lo como uma mercadoria da posição pautal 9021, na medida em que podem servir tanto para a inserção de próteses mamárias na sequência de uma mastectomia como para a inserção de enchimento para o aumento dos seios (para fins estéticos). Do mesmo modo, as alças largas nos ombros, posicionadas centralmente por cima dos seios constituem uma característica comum para sutiãs de copas de maiores dimensões da posição 6212.

    Por conseguinte, o artigo deve ser classificado no código NC 6212 10 90 como um sutiã.

    (*) As imagens destinam‑se a fins meramente informativos.

    Image

    »

    Antecedentes do litígio

    16

    A Amoena, empresa sediada no Reino Unido, importa sutiãs pós‑mastectomia que comercializa sob o nome de «Carmen».

    17

    Em 1 de agosto de 2017, na sequência da importação pela Amoena de um lote de sutiãs pós‑mastectomia, a Administração Tributária classificou essas mercadorias na subposição NC 62121090, em conformidade com o Regulamento de Execução 2017/1167, e aplicou uma taxa de direitos aduaneiros de 6,5 %, cujo reembolso a Amoena solicitou no mesmo dia.

    18

    Em 1 de setembro de 2017, a Administração Tributária indeferiu esse pedido, o que a Amoena contestou perante o órgão jurisdicional de reenvio. A Amoena alega que o Regulamento de Execução 2017/1167 é inválido por enfermar de um erro manifesto, violar os poderes limitados da Comissão, na medida em que restringe ilicitamente o alcance da posição 9021 da NC, e violar o artigo 4.o, n.o 3, TUE. Alega igualmente que, tendo em conta a sua finalidade específica e as suas características objetivas, os sutiãs pós‑mastectomia devem ser classificados como «acessórios» de próteses mamárias, em conformidade com a nota 2, alínea b), do capítulo 90 da NC, e ser classificados na posição 9021, evitando assim os direitos aduaneiros.

    19

    O órgão jurisdicional de reenvio cita, em primeiro lugar, um Acórdão de 13 de julho de 2016, no qual a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) decidiu que os sutiãs pós‑mastectomia, como os que estão em causa no processo principal, deviam ser classificados na posição 9021 da NC (a seguir «Acórdão de 13 de julho de 2016»).

    20

    Ao referir‑se às conclusões factuais que figuram nesse acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio descreve os sutiãs em causa no processo principal, sem que as partes nesse processo o contestem, como sutiãs pós‑mastectomia destinados a serem usados por mulheres que tenham sido submetidas à remoção cirúrgica de um ou de ambos os seios. São especialmente concebidos para conter próteses mamárias de silicone e têm bolsas dos lados esquerdo e direito para manter as próteses firmemente no seu lugar. As outras características que diferenciam um sutiã pós‑mastectomia de um sutiã comum são as alças acolchoadas largas, posicionadas centralmente acima de cada seio, que ajudam a suportar o peso da prótese mamária e a evitar o excesso de pressão associado a problemas de pescoço e ombro nas mulheres pós‑operadas. O sutiã também é concebido para garantir que a prótese mamária não se note e, por conseguinte, tem um corte especial e uma forma diferente de um sutiã convencional.

    21

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que os sutiãs em causa no processo principal se distinguem, assim, objetivamente, pela sua conceção, dos sutiãs comuns e que o uso a que se destinam resulta claramente das suas características físicas. Por outro lado, observa que os sutiãs em causa no processo principal, combinados com as próteses mamárias para cuja contenção e suporte são concebidos, atenuam o impacto psicológico associado à mastectomia.

    22

    Resulta da decisão de reenvio ser pacífico que as próprias próteses mamárias que estes sutiãs se destinam a conter e a suportar são classificadas na posição 9021 da NC como «artigos e aparelhos de prótese».

    23

    Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio declara que, na sequência do Acórdão de 13 de julho de 2016, a Amoena apresentou pedidos de informações pautais vinculativas (a seguir «IPV») à Autoridade Tributária para os sutiãs em causa no processo principal. Após ter acusado a receção desses pedidos, essa autoridade informou a Amoena de que a emissão das IPV para estas mercadorias estava suspensa na pendência da análise da sua classificação pelo Comité do Código Aduaneiro (a seguir «CCA») com vista à eventual adoção de um regulamento de classificação.

    24

    De 17 a 19 de outubro de 2016 realizou‑se uma reunião do CCA com a participação da Comissão e de vários Estados‑Membros, entre os quais o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, durante a qual o representante deste último Estado forneceu pormenores sobre o Acórdão de 13 de julho de 2016 e a fundamentação da Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) que levou à classificação dos sutiãs em questão no processo principal na posição 9021 da NC como acessórios para próteses mamárias.

    25

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta da ata dessa reunião, em primeiro lugar, que vários Estados‑Membros emitiram IPV indicando a posição 6212 da NC para este tipo de produtos; em segundo lugar, que a grande maioria dos Estados‑Membros presentes nessa reunião era da opinião de que um sutiã pós‑mastectomia não tem características que o distingam significativamente de um sutiã da posição 6212 da NC e, em terceiro lugar, que, tendo em conta o Acórdão de 13 de julho de 2016 e a fim de garantir uma classificação pautal uniforme, havia que preparar e apresentar um projeto de regulamento de classificação para discussão na próxima reunião do CCA.

    26

    Decorreu de 19 a 21 de dezembro de 2016 uma nova reunião do CCA, durante a qual o Reino Unido forneceu informações adicionais relativamente ao processo que deu origem ao Acórdão de 13 de julho de 2016. Resulta da ata dessa reunião que esse acórdão foi considerado contrário à prática de classificação seguida noutros Estados‑Membros, segundo a qual os sutiãs do mesmo tipo dos que estão em causa no processo principal são classificados na posição 6212 da NC, dadas as suas características objetivas.

    27

    Na reunião do CCA realizada de 3 a 5 de maio de 2017, foi submetido à votação dos Estados‑Membros um projeto de regulamento para classificação das mercadorias do mesmo tipo dos sutiãs que estão em causa no processo principal. 27 Estados‑Membros votaram a favor da classificação destas mercadorias na subposição 62121090 da NC, tendo o Reino Unido sido o único a votar contra esta classificação.

    28

    Em 26 de junho de 2017, a Comissão adotou o Regulamento de Execução 2017/1167.

    29

    Considerando que os argumentos perante si apresentados pela Amoena se afiguravam defensáveis, o First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária), Reino Unido)] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O CCA e/ou a [Comissão] incorreram em erro manifesto ao classificarem os sutiãs pós‑mastectomia:

    a)

    no [c]apítulo 62 da [NC] com a posição pautal 6212, que inclui especificamente os “Sutiãs”, e o código NC 62121090;

    ao invés de os classificarem

    b)

    no [c]apítulo 90, com a posição pautal 9021 e código NC 90211010, como acessórios para artigos e aparelhos de prótese, na aceção da [n]ota 2, alínea b), do [c]apítulo 90 da NC?

    2)

    O Regulamento de Execução [2017/1167] restringe ilegitimamente o alcance da classificação dos acessórios para artigos e aparelhos de prótese na posição pautal 9021 e na [n]ota 2, alínea b), do [c]apítulo 90 da NC, excedendo assim as competências [da Comissão]?

    3)

    O [Regulamento de Execução 2017/1167] viola o princípio de cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, [TUE] numa situação em que:

    a)

    a [Comissão] deva respeitar as decisões dos tribunais nacionais, mas também promover a aplicação uniforme (e correta) do Código Aduaneiro e da NC;

    b)

    a Supreme Court [of the United Kingdom] (Supremo Tribunal do Reino Unido) tenha chegado à conclusão unânime de que os sutiãs pós‑mastectomia devem ser classificados no [c]apítulo 90 da NC com a posição pautal 9021; e

    c)

    a decisão da Supreme Court [of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido)] tenha sido dada a conhecer à [Comissão] e facultada por esta a todos os Estados‑Membros da [União], juntamente com um resumo da sua fundamentação?»

    Quanto às questões prejudiciais

    30

    Com as suas questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a validade do Regulamento de Execução 2017/1167 à luz, por um lado, da classificação das mercadorias constante da coluna 1 do quadro que figura no seu anexo na posição 6212 da NC, e não na posição 9021 da NC, e, por outro, do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE.

    31

    A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, um regulamento de classificação tem alcance geral na medida em que se aplica não a determinado operador, mas à generalidade de produtos idênticos ao que foi examinado pelo CCA. Para determinar, no âmbito da interpretação de um regulamento de classificação, o respetivo âmbito de aplicação, há que atender, designadamente, à sua fundamentação (Acórdão de 13 de setembro de 2018, Vision Research Europe, C‑372/17, EU:C:2018:708, n.o 40 e jurisprudência referida).

    32

    Além disso, embora um regulamento de classificação não seja diretamente aplicável a produtos que não são idênticos, mas apenas análogos ao produto que é objeto desse regulamento, este último é aplicável por analogia a esses produtos. A este respeito, basta que os produtos a classificar e os visados pelo regulamento de classificação sejam suficientemente similares (Acórdão de 13 de setembro de 2018, Vision Research Europe, C‑372/17, EU:C:2018:708, n.o 44).

    33

    Nos termos da descrição que figura na coluna 1 do quadro do anexo do Regulamento de Execução 2017/1167, este visa:

    «Um sutiã de malha […] com alças largas reforçadas nos ombros e ajustáveis, posicionadas centralmente por cima dos seios, com copas moldadas e elástico no avesso da base. Apresenta um motivo bordado nas alças e copas e um laço decorativo na frente, ao centro. O artigo é fechado por meio de colchetes ajustáveis. O sutiã tem um forro nas copas, com aberturas laterais para a inserção de enchimento para o aumento dos seios (para fins estéticos) ou para a inserção de próteses mamárias na sequência de uma mastectomia.»

    34

    No caso em apreço, resulta da descrição dos sutiãs em causa no processo principal fornecida pelo órgão jurisdicional de reenvio, que figura no n.o 20 do presente acórdão, que se trata de sutiãs pós‑mastectomia especialmente concebidos para conter próteses mamárias e equipados com bolsas laterais para manter as próteses no lugar. Caracterizam‑se, nomeadamente, por possuírem alças largas acolchoadas posicionadas centralmente por cima de cada seio.

    35

    Assim, tendo em conta essas características e propriedades objetivas, os sutiãs em causa no processo principal parecem idênticos às mercadorias referidas no anexo do Regulamento de Execução 2017/1167 ou, pelo menos, suficientemente análogos a estes para que o referido regulamento lhes seja aplicável por analogia.

    36

    Uma vez que o Regulamento de Execução 2017/1167 é aplicável aos sutiãs em causa no processo principal, há que analisar a validade deste regulamento à luz, por um lado, da NC e, por outro, do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE.

    Quanto à validade do Regulamento de Execução 2017/1167 à luz da NC

    37

    O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia conferiram à Comissão, atuando em cooperação com os peritos aduaneiros dos Estados‑Membros, um amplo poder de apreciação para precisar o conteúdo das posições pautais que entra em linha de conta para a classificação de determinada mercadoria. Todavia, o poder da Comissão para adotar as medidas referidas no artigo 57.o, n.o 4, do Regulamento n.o 952/2013 não a autoriza a modificar o conteúdo nem o alcance das posições pautais [v., neste sentido, Acórdãos de 22 de março de 2017, GROFA e o., C‑435/15 e C‑666/15, EU:C:2017:232, n.o 49, e de 22 de fevereiro de 2018, Kubota (UK) e EP Barrus, C‑545/16, EU:C:2018:101, n.o 23].

    38

    Por conseguinte, importa verificar se, ao classificar as mercadorias descritas na coluna 1 do quadro que figura no anexo do Regulamento de Execução 2017/1167 na posição 6212 da NC e não na posição 9021 desta, a Comissão alterou o conteúdo ou o alcance dessas duas posições pautais.

    39

    A este respeito, deve recordar‑se que, nos termos da regra geral 1 para a interpretação da NC, a classificação pautal das mercadorias é, em princípio, determinada legalmente de acordo com os textos das posições e das notas de secção ou de capítulo. Nos termos da regra geral 6 para a interpretação da NC, a classificação de mercadorias nas subposições de uma mesma posição é determinada, para efeitos legais, pelos textos dessas subposições e das notas de subposição.

    40

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para garantir a segurança jurídica e a facilidade dos controlos, o critério decisivo para a classificação pautal das mercadorias deve ser procurado, de uma maneira geral, nas suas características e propriedades objetivas, tal como definidas no teor da posição da NC e das notas de secção ou de capítulo (Acórdão de 15 de maio de 2019, Korado, C‑306/18, EU:C:2019:414, n.o 36 e jurisprudência referida).

    41

    Essas características e propriedades objetivas dos produtos devem poder ser verificadas no momento do desalfandegamento (Acórdão de 22 de fevereiro de 2018, SAKSA, C‑185/17, EU:C:2018:108, n.o 31 e jurisprudência referida).

    42

    A este respeito, importa recordar que o capítulo 62 da NC inclui a posição 6212, intitulada «Sutiãs, cintas, espartilhos, suspensórios, ligas e artigos semelhantes, e suas partes, mesmo de malha». A subposição 621210 tem o título «Sutiãs e sutiãs de cós alto (bustiês)». A redação da subposição 62121090 refere‑se aos sutiãs de cós alto (bustiês) «exceto os apresentados em sortidos acondicionados para a venda a retalho, que contenham um sutiã ou um sutiã de cós alto e umas calcinhas».

    43

    Assim, com base na descrição constante da coluna 1 do quadro do anexo do Regulamento de Execução 2017/1167, relativa às características e propriedades objetivas da mercadoria abrangida por este regulamento, a Comissão podia considerar que, em conformidade com as regras gerais 1 e 6 para a interpretação da NC, tal como enunciadas na fundamentação constante da coluna 3 do quadro do anexo do referido regulamento, essa mercadoria tem «as características objetivas (forma e construção) de um sutiã da posição 6212 [da NC]».

    44

    A este respeito, deve salientar‑se que, embora seja verdade que o destino do produto pode constituir um critério objetivo de classificação, só assim é se for inerente ao produto em questão, devendo essa inerência poder ser apreciada em função das suas características e propriedades objetivas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de maio de 2019, Korado, C‑306/18, EU:C:2019:414, n.o 37 e jurisprudência referida). Todavia, mesmo admitindo que os sutiãs referidos no Regulamento de Execução 2017/1167 se destinem, como alega a Amoena, exclusiva ou, pelo menos, principalmente a mulheres que tenham sido submetidas à remoção cirúrgica de um ou ambos os seios, por permitirem a inserção de uma prótese mamária, esse destino não seria de molde a invalidar a conclusão indicada no número anterior do presente acórdão.

    45

    Com efeito, esse destino não é inerente a essas mercadorias, uma vez que as características e propriedades objetivas das referidas mercadorias não se afiguram suscetíveis de excluir o seu uso enquanto sutiã comum ou impor um uso exclusivo desses sutiãs com uma prótese mamária. Embora os sutiãs referidos no Regulamento de Execução 2017/1167 tenham alças particularmente largas e colocadas centralmente por cima de cada seio, bem como aberturas laterais, resulta dos fundamentos expostos na coluna 3 do quadro do anexo desse regulamento, facto não contestado pela Amoena, que o posicionamento específico das alças é uma característica comum dos sutiãs com copas maiores e que essas aberturas laterais podem ser utilizadas para acomodar almofadas para fins estéticos.

    46

    Daqui resulta que a Comissão podia considerar, como se extrai da coluna 3 do quadro do anexo do Regulamento de Execução 2017/1167, que, «no momento da importação, as características objetivas do produto […] não dão qualquer indicação sobre a sua utilização final (para fins estéticos ou médicos)».

    47

    Tendo em conta o que precede, a classificação das mercadorias referidas no anexo do Regulamento 2017/1167 na posição 6212 da NC, nomeadamente na sua subposição 62121090, parece justificar‑se e, consequentemente, não se afigura que, ao proceder a essa classificação, a Comissão tenha alterado o conteúdo ou o alcance dessa posição 6212 da NC.

    48

    Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos esgrimidos pela Amoena, apresentados na decisão de reenvio, a favor da classificação dos sutiãs em causa no processo principal na posição 9021 da NC enquanto «acessórios» das próteses mamárias, como foi decidido pela Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) no seu Acórdão de 13 de julho de 2016.

    49

    A este respeito, resulta dos autos à disposição do Tribunal de Justiça ser pacífico que as próprias próteses mamárias que estes sutiãs se destinam a conter e suportar são classificadas na posição 9021 da NC como «artigos e aparelhos de prótese».

    50

    Nos termos da nota 2, alínea b), do capítulo 90 da NC, quando se possam identificar como exclusiva ou principalmente destinadas a uma máquina, instrumento ou aparelho determinados, ou a várias máquinas, instrumentos ou aparelhos, compreendidos numa mesma posição desse capítulo, as partes e acessórios classificam‑se na posição correspondente a essa ou a essas máquinas, instrumentos ou aparelhos.

    51

    Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «acessórios», na aceção do capítulo 90 da NC, pressupõe estarmos perante órgãos de equipamento permutáveis que permitem adaptar um aparelho a um trabalho determinado ou conferir‑lhe possibilidades suplementares, ou que lhe permitem ainda assegurar um serviço determinado relacionado com a sua função principal (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de junho de 2011, Unomedical, C‑152/10, EU:C:2011:402, n.o 29, e de 4 de março de 2015, Oliver Medical, C‑547/13, EU:C:2015:139, n.o 69).

    52

    No caso em apreço, é de notar que as mercadorias referidas no anexo do Regulamento de Execução 2017/1167 não podem ser consideradas «acessórios», na aceção do capítulo 90 da NC, de próteses mamárias.

    53

    Com efeito, tais sutiãs não permitem que as próteses mamárias sejam adaptadas a um trabalho determinado, não lhes conferem possibilidades suplementares de utilização, nem lhes permitem prestar um serviço determinado relacionado com a sua função principal, na medida em que não acrescentam nada a esta função nem melhoram o seu desempenho intrínseco. Assim, embora possam, é certo, em conformidade com as indicações que figuram na decisão de reenvio, servir para manter as próteses mamárias no seu lugar através das aberturas laterais, não permitem, contudo, que essas próteses desempenhem uma função diferente daquela a que se destinam, que consiste na substituição total ou parcial do ou dos seios que foram submetidos a remoção cirúrgica.

    54

    Tendo em conta o que precede, deve considerar‑se que, ao classificar as mercadorias descritas na coluna 1 do quadro que figura no anexo do Regulamento de Execução 2017/1167 na posição 6212 da NC, e não na posição 9021 da mesma, a Comissão não alterou o conteúdo ou o alcance dessas duas posições pautais.

    Quanto à validade do Regulamento de Execução 2017/1167 à luz do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE

    55

    Importa recordar que o princípio da cooperação leal não só obriga os Estados‑Membros a adotar todas as medidas adequadas a garantir o alcance e a eficácia do direito da União, mas impõe igualmente às suas instituições deveres recíprocos de cooperação leal com os Estados‑Membros (Acórdão de 4 de setembro de 2014, Espanha/Comissão, C‑192/13 P, EU:C:2014:2156, n.o 87).

    56

    Assim, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o princípio da cooperação leal pode, em determinadas circunstâncias, impor obrigações processuais a cargo da Comissão na elaboração de um ato jurídico, nomeadamente na medida em que a mesma pode ser obrigada a tomar conhecimento e a analisar os argumentos aduzidos por um Estado‑Membro contra esse ato (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de setembro de 2001, Bélgica/Comissão, C‑263/98, EU:C:2001:455, n.os 94 a 96, e de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Escola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 84).

    57

    Todavia, no caso em apreço, nada permite concluir que a Comissão não tenha cumprido as obrigações processuais a que estava vinculada durante o procedimento de elaboração do Regulamento de Execução 2017/1167. Com efeito, resulta da decisão de reenvio e das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça pelo Reino Unido e pela Comissão que, aquando das reuniões do CCA de outubro e dezembro de 2016, que precederam a adoção desse regulamento de execução, o Acórdão de 13 de julho de 2016 foi efetivamente levado ao conhecimento tanto da Comissão como dos Estados‑Membros, que o Reino Unido teve a oportunidade de clarificar a sua fundamentação e os antecedentes e que houve uma troca de impressões a este respeito. Por conseguinte, não pode ser alegado que a Comissão não analisou nem teve em conta a posição defendida pelo Reino Unido antes da adoção do Regulamento de Execução 2017/1167.

    58

    Além disso, importa sublinhar que, na adoção de um regulamento de classificação pautal, a Comissão não pode estar vinculada pela decisão de um tribunal de um Estado‑Membro, mesmo que se trate de um tribunal supremo. Com efeito, é jurisprudência constante que tal regulamento é adotado pela Comissão, após parecer do CCA, quando a classificação de um produto particular na NC for suscetível de causar dificuldades ou de ser objeto de controvérsia (Acórdãos de 26 de abril de 2017, Stryker EMEA Supply Chain Services, C‑51/16, EU:C:2017:298, n.o 59, e de 15 de maio de 2019, Korado, C‑306/18, EU:C:2019:414, n.o 54), podendo tal situação de insegurança jurídica existir, nomeadamente, em caso de divergências jurisprudenciais ou administrativas entre Estados‑Membros relativamente à classificação pautal da mesma mercadoria.

    59

    Ora, foi esse o caso na sequência do Acórdão de 13 de julho de 2016, uma vez que resulta dos autos à disposição do Tribunal de Justiça que a classificação pautal dos sutiãs em causa no processo principal decidida pela Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) era contrária à adotada pelas autoridades aduaneiras de outros Estados‑Membros aquando da emissão das IPV.

    60

    A este respeito, importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a circunstância de as autoridades aduaneiras de outro Estado‑Membro terem emitido a favor de um terceiro no litígio pendente no órgão jurisdicional nacional, cujas decisões são irrecorríveis à luz do direito interno, uma IPV relativamente a determinada mercadoria, que parece traduzir uma interpretação das posições da NC diferente daquela que o referido órgão jurisdicional considera correta relativamente a uma mercadoria semelhante em causa no referido litígio, deve seguramente levar esse órgão jurisdicional a estar particularmente atento na sua apreciação relativa a uma eventual inexistência de qualquer dúvida razoável quanto à correta aplicação da NC [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de setembro de 2005, Intermodal Transports, C‑495/03, EU:C:2005:552, n.os 33 e 34, e de 7 de abril de 2011, Sony Supply Chain Solutions (Europe), C‑153/10, EU:C:2011:224, n.o 42].

    61

    Tendo em conta o que precede, há que declarar que nenhum elemento trazido à atenção do Tribunal de Justiça permite concluir que, ao adotar o Regulamento de Execução 2017/1167, a Comissão tenha violado o princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE.

    62

    Daqui resulta que há que responder às questões submetidas que a sua análise não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do Regulamento de Execução 2017/1167.

    Quanto às despesas

    63

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

     

    A análise das questões prejudiciais não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do Regulamento de Execução (UE) 2017/1167 da Comissão, de 26 de junho de 2017, relativo à classificação de determinadas mercadorias na Nomenclatura Combinada.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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