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Document 62019CJ0604

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 25 de fevereiro de 2021.
Gmina Wrocławcontra Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu.
Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 2.o, n.o 1, alínea a) — Artigo 9.o, n.o 1 — Artigo 13.o, n.o 1 — Artigo 14.o, n.o 1, e n.o 2, alínea a) — Conceito de “entrega de bens” — Conversão por força da lei do direito de usufruto vitalício num bem imóvel em direito de propriedade — Município que cobra as taxas de conversão — Conceito de “indemnização” — Conceito de “sujeito passivo agindo nessa qualidade” — Exceção — Organismos de direito público que desenvolvem atividades ou operações na qualidade de autoridades públicas.
Processo C-604/19.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:132

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

25 de fevereiro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 2.o, n.o 1, alínea a) — Artigo 9.o, n.o 1 — Artigo 13.o, n.o 1 — Artigo 14.o, n.o 1, e n.o 2, alínea a) — Conceito de “entrega de bens” — Conversão por força da lei do direito de usufruto vitalício num bem imóvel em direito de propriedade — Município que cobra as taxas de conversão — Conceito de “indemnização” — Conceito de “sujeito passivo agindo nessa qualidade” — Exceção — Organismos de direito público que desenvolvem atividades ou operações na qualidade de autoridades públicas»

No processo C‑604/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu (Tribunal Administrativo da Província de Wrocław, Polónia), por Decisão de 19 de junho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de agosto de 2019, no processo

Gmina Wrocław

contra

Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, L. Bay Larsen, C. Toader, M. Safjan e N. Jääskinen (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Gmina Wrocław, por E. Mroczko e T. Straszkiewicz, radcowie prawni,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė e M. Siekierzyńska, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 3 de setembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do artigo 9.o, n.o 1, do artigo 13.o, n.o 1, bem como do artigo 14.o, n.os 1 e 2, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Gmina Wrocław (Município de Wrocław, Polónia) ao Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej (Diretor do Serviço Informativo Tributário Nacional, Polónia) (a seguir «Autoridade Tributária») a propósito de uma notificação fiscal que lhe foi dirigida relativamente à sujeição a imposto sobre o valor acrescentado (IVA) das taxas que lhe foram pagas devido à conversão do direito de usufruto vitalício sobre bens imóveis em direito de propriedade plena.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA, estão sujeitas ao IVA as entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

4

O artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«Entende‑se por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende‑se por “atividade económica” qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo, com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.»

5

O artigo 13.o, n.o 1, da referida diretiva está redigido nos seguintes termos:

«Os Estados, as regiões, as autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas atividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.

Contudo, quando efetuarem essas atividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às mesmas na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.

[…]»

6

O artigo 14.o da Diretiva IVA dispõe:

«1.   Entende‑se por “entrega de bens” a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.

2.   Para além da operação referida no n.o 1, são consideradas entregas de bens as seguintes operações:

a)

A transmissão da propriedade de um bem, mediante pagamento de uma indemnização, em virtude de ato das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei;

[…]»

Direito polaco

Código Civil

7

O artigo 232.o, n.o 1, da Ustawa z dnia 23 kwietnia 1964 r. — Kodeks cywilny (Lei de 23 de abril de 1964, que Aprova o Código Civil) (Dz. U. de 1964, n.o 16, posição 93), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código Civil»), dispõe:

«Os terrenos que constituem propriedade do Estado e situados dentro dos limites administrativos das cidades, os terrenos situados fora desses limites, mas incorporados no plano de ordenamento do território da cidade e afetos à realização dos seus objetivos económicos e os terrenos que constituem a propriedade de autarquias locais ou das suas associações podem ser concedidos em usufruto vitalício a pessoas singulares e a pessoas coletivas.»

8

O artigo 233.o do Código Civil tem a seguinte redação:

«Dentro dos limites fixados pelas leis e pelas regras da vida em sociedade, bem como por um contrato de usufruto vitalício de um terreno do Estado ou de um terreno de uma autarquia local ou de uma associação de autarquias locais, o usufrutuário pode desfrutar do terreno com exclusão de qualquer outra pessoa. Dentro dos mesmos limites, o usufrutuário vitalício pode dispor do seu direito.»

9

O artigo 234.o deste código enuncia:

«As disposições relativas à transferência da propriedade de bens imóveis aplicam‑se mutatis mutandis à concessão de um usufruto vitalício num terreno pertencente ao Estado, a uma autarquia local ou a uma associação de autarquias locais.»

10

Nos termos do artigo 236.o, n.o 1, do referido código:

«O usufruto vitalício de um terreno pertencente ao Estado, a uma autarquia local ou a uma associação de autarquias locais é concedido por um período de 99 anos. Em casos excecionais, quando o objetivo económico do usufruto vitalício não exija que o terreno seja concedido por um período de 99 anos, o período pode ser mais curto, mas deve ser de, pelo menos, 40 anos.»

11

O artigo 238.o do Código Civil prevê:

«O usufrutuário vitalício paga ao proprietário uma taxa anual durante a vigência do seu direito.»

Lei relativa à Gestão de Bens Imóveis

12

O artigo 12.oa, n.o 1, da ustawa o gospodarce nieruchomościami (Lei relativa à Gestão de Bens Imóveis), de 21 de agosto de 1997 (Dz. U. de 2018, posição 2204), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei relativa à Gestão de Bens Imóveis»), dispõe:

«Os montantes devidos pela gestão dos bens imóveis abrangidos pelo direito privado e cobrados pelo Estado, representado pelo presidente da câmara no exercício das suas funções de administração pública ou pelo ministro responsável pela Construção, pelo Planeamento, pelo Urbanismo e pela Habitação podem ser resgatados total ou parcialmente, ou o seu pagamento pode ser diferido ou escalonado.»

13

O artigo 27.o da Lei relativa à Gestão de Bens Imóveis tem a seguinte redação:

«A venda de um bem imóvel, ou a concessão de um usufruto vitalício sobre um terreno, deve ser objeto de um contrato celebrado sob a forma de ato notarial. A concessão de um usufruto vitalício sobre um terreno e a transferência desse direito por contrato devem ser inscritas no registo predial.»

14

O artigo 32.o, n.os 1 e 2, desta lei enuncia:

«1.   Um terreno concedido em usufruto vitalício só pode ser vendido ao usufrutuário vitalício […]

2.   Na data da celebração do contrato de compra e venda do terreno, o direito de usufruto vitalício previamente constituído caduca de pleno direito. […]»

15

O artigo 69.o da referida lei prevê:

«O preço do terreno vendido ao usufrutuário vitalício inclui um montante igual ao valor do usufruto vitalício sobre esse bem na data da venda.»

16

O artigo 71.o, n.o 1, da mesma lei tem a seguinte redação:

«Pela concessão de um usufruto vitalício sobre um terreno são devidas uma primeira taxa e uma taxa anual.»

17

Nos termos do artigo 72.o, n.o 1, da Lei relativa à Gestão de Bens Imóveis, as taxas devidas pelo usufruto vitalício são calculadas como uma percentagem do preço do terreno, preço esse que, por seu turno, é determinado, nos termos do artigo 67.o, n.o 1, desta lei, em função do valor do terreno. O artigo 72.o, n.o 3, ponto 4, da referida lei precisa que, no caso de um bem imóvel cedido para fins habitacionais, a taxa anual devida pelo usufruto vitalício corresponde a 1 % do preço do terreno.

Lei do IVA

18

O artigo 5.o, n.o 1, ponto 1, da ustawa o podatku od towarów i usług (Lei relativa ao Imposto sobre Bens e Serviços), de 11 de março de 2004 (Dz. U. de 2004, n.o 54, posição 535, a seguir «Lei do IVA»), dispõe:

«Estão sujeitos ao imposto sobre os bens e os serviços […]: a entrega de bens e a prestação de serviços efetuadas a título oneroso no território nacional.»

19

O artigo 7.o, n.o 1, da Lei do IVA tem a seguinte redação:

«Entende‑se por entrega de bens, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, ponto 1, a transferência do poder de dispor dos bens como proprietário, incluindo:

1)

a transferência em virtude de uma requisição feita pela autoridade pública ou por uma entidade agindo em nome dessa autoridade, ou a transferência, nos termos da lei, da propriedade dos bens com pagamento de indemnização;

[…]

6)

a concessão de um usufruto vitalício sobre terrenos.»

Lei relativa à Conversão

20

O artigo 1.o, n.o 1, da ustawa o przekształceniu prawa użytkowania wieczystego gruntów zabudowanych na cele mieszkaniowe w prawo własności tych gruntów (Lei relativa à Conversão do Usufruto Vitalício sobre Terrenos Urbanizados para Fins Habitacionais em Direito de Propriedade sobre esses Terrenos), de 20 de julho de 2018 (Dz. U. de 2018, posição 1716, a seguir «Lei relativa à Conversão»), dispõe:

«Em 1 de janeiro de 2019, o direito de usufruto vitalício sobre terrenos urbanizados para fins habitacionais é convertido em direito de propriedade sobre esses terrenos.»

21

O artigo 4.o, n.o 1, ponto 3, da Lei relativa à Conversão tem a seguinte redação:

«A certidão que regista a conversão (a seguir “certidão”), emanada […] pelo presidente competente (presidente da câmara), do conselho distrital ou do conselho de voïvodie — quando os terrenos pertençam a uma autarquia local — constitui o fundamento da inscrição do direito de propriedade no registo predial.»

22

O n.o 2, ponto 1, deste artigo precisa que os órgãos referidos no n.o 1 do referido artigo devem emitir oficiosamente a certidão, num prazo não superior a doze meses a contar do dia da conversão. Nos termos do n.o 4 do mesmo artigo, a certidão confirma a conversão e menciona a obrigação de pagar uma taxa anual de conversão, bem como o montante dessa taxa e o momento em que é devida.

23

O artigo 5.o, n.o 1, desta lei enuncia:

«O órgão jurisdicional inscreve oficiosamente a propriedade dos terrenos e o direito ao pagamento nos registos prediais.»

24

O artigo 6.o, n.o 1, da referida lei prevê que o novo proprietário pode contestar as informações constantes da certidão referida no artigo 4.o da mesma lei. Sendo apresentado um pedido segundo este procedimento, é adotada uma decisão administrativa que fixa o montante e o prazo de pagamento da taxa de conversão.

25

O artigo 7.o da Lei relativa à Conversão dispõe:

«1.   Pela conversão, o novo proprietário do terreno paga a taxa ao atual proprietário do terreno.

2.   O montante da taxa é igual ao montante da taxa anual devida pelo usufruto vitalício na data da conversão.

[…]

6.   A taxa é devida durante um período de 20 anos, a contar da data da conversão.

7.   O proprietário do terreno pode, a qualquer momento do período em que é obrigado a pagar a taxa, informar por escrito o órgão competente da sua intenção de pagar o saldo de uma só vez (taxa única). O montante da taxa única corresponde à taxa do ano durante o qual é expressa a intenção de pagar uma taxa única, multiplicada pelo número de anos remanescentes até ao termo do período [de 20 anos].»

26

Nos termos do artigo 12.o, n.o 2, desta lei:

«As disposições do artigo 12.oa da Lei relativa à Gestão de Bens Imóveis aplicam‑se mutatis mutandis às taxas e às taxas únicas.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

27

O Município de Wrocław é uma autarquia local registada como sujeito passivo de IVA que era proprietário de bens imóveis onerados por um usufruto vitalício na aceção do direito polaco.

28

Segundo as disposições do Código Civil, o usufruto vitalício consiste na concessão da utilização de um terreno, cujo proprietário é o Estado, uma autarquia local ou uma associação de autarquias locais, a um utilizador, o usufrutuário vitalício, que pode usar o terreno e dispor do seu direito com exclusão de qualquer outra pessoa. Os usufrutuários vitalícios podem ser pessoas singulares ou coletivas. No âmbito de um usufruto vitalício, os terrenos são, em princípio, concedidos ao usufrutuário por um período de 99 anos que, em casos excecionais, pode ser reduzido, mas não pode ser inferior a 40 anos. O usufrutuário vitalício paga ao proprietário do terreno uma taxa anual como contrapartida do usufruto vitalício e durante a vigência deste.

29

Em conformidade com o artigo 72.o, n.o 1, da Lei relativa à Gestão de Bens Imóveis, as taxas devidas pelo usufruto vitalício são calculadas como uma percentagem do preço do terreno, que é determinada, nos termos do artigo 67.o, n.o 1, desta lei, em função do valor desse mesmo terreno. O artigo 72.o, n.o 3, ponto 4, da referida lei dispõe que, no caso de um bem imóvel cedido para fins habitacionais, a taxa anual devida pelo usufruto vitalício corresponde a 1 % do preço do terreno em causa.

30

Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, ponto 1, e do artigo 7.o, n.o 1, ponto 6, da Lei do IVA, a concessão de um usufruto vitalício sobre terrenos constitui uma entrega de bens e, portanto, as taxas anuais pagas pelo usufrutuário devem estar sujeitas a IVA.

31

Por força da Lei relativa à Conversão, em 1 de janeiro de 2019, o direito de usufruto vitalício sobre terrenos urbanizados para fins habitacionais é convertido em direito de propriedade plena sobre esses terrenos.

32

Em conformidade com o artigo 7.o da Lei relativa à Conversão, os usufrutuários vitalícios, que passaram a ser proprietários, devem pagar à entidade pública que era proprietária do terreno em causa uma taxa de conversão. Esta taxa é devida em 31 de março de cada ano durante um período de 20 anos, a contar da data da conversão do direito de usufruto vitalício sobre o bem imóvel em causa em direito de propriedade plena. Este artigo especifica que o montante da referida taxa é igual ao montante da taxa anual devida a título do usufruto vitalício na data dessa conversão. Por outro lado, o novo proprietário do terreno pode, a qualquer momento do período em que é obrigado a pagar a taxa de conversão, informar por escrito o órgão competente da sua intenção de pagar o saldo de uma só vez.

33

Por outro lado, o artigo 6.o, n.o 1, da Lei relativa à Conversão enuncia que o novo proprietário do terreno pode contestar o montante da taxa de conversão e a duração do período durante o qual essa taxa é devida, apresentando um pedido ao órgão competente. Sendo apresentado um pedido segundo este procedimento, é adotada uma decisão administrativa que fixa o montante e o prazo de pagamento da taxa de conversão.

34

Em 5 de janeiro de 2019, o Município de Wrocław pediu à Autoridade Tributária que emitisse uma interpretação vinculativa relativa à aplicação do IVA às taxas que lhe são devidas por força da Lei relativa à Conversão.

35

O referido município sustenta que as taxas pagas pelos novos proprietários dos terrenos por força da referida lei não estão sujeitas a IVA.

36

Pelo contrário, a Autoridade Tributária considera, na sua interpretação vinculativa de 15 de janeiro de 2019, que as taxas devidas ao Município de Wrocław por força da Lei relativa à Conversão estão sujeitas a IVA como saldo do montante devido a título da constituição do direito de usufruto vitalício sobre os terrenos em causa e porque, quando recebe essas taxas, este município age na qualidade de sujeito passivo de IVA e não enquanto autoridade pública.

37

O Município de Wrocław interpôs recurso da referida interpretação vinculativa para o Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu (Tribunal Administrativo da Província de Wrocław, Polónia).

38

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a questão de saber se a conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena, ocorrida por força da Lei relativa à Conversão sem que as partes tenham manifestado a vontade de proceder a essa conversão, não deveria ser considerada uma operação prevista no artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA, a saber, uma transferência, com pagamento de uma indemnização, da propriedade de um bem nos termos da lei. Esse órgão jurisdicional interroga‑se, mais especificamente, sobre a questão de saber se, tendo em conta as suas características, a taxa de conversão pode ser considerada uma «indemnização» na aceção desta disposição. O órgão jurisdicional de reenvio considera que é esse o caso no processo em que é chamado a pronunciar‑se e que, portanto, a conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena constitui uma entrega de bens, na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA.

39

Em segundo lugar, o referido órgão jurisdicional indica que, se, no entanto, não for possível considerar que se trata de uma entrega de bens na aceção da referida disposição, haveria então que interrogar‑se sobre a qualificação da operação jurídica no processo principal de entrega de bens na aceção do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva IVA.

40

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, no caso em apreço, o Município de Wrocław age na qualidade de sujeito passivo de IVA, como afirma a Autoridade Tributária ou, sendo caso disso, se a exceção à sujeição ao IVA, prevista no artigo 13.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, se aplica a este município. Aquele órgão jurisdicional considera que, nas circunstâncias do caso em apreço, o referido município exerce uma atividade na qualidade de organismo público e, em conformidade com as disposições da Lei relativa à Conversão, efetua, em substância, unicamente tarefas de tipo administrativo. O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, em contrapartida, a própria conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena é feita unicamente por força da lei, sem possibilidade de negociar as condições de realização dessa conversão nem as condições de pagamento das taxas devidas a esse título e que o Município de Wrocław não pode realizar nenhuma ação que possa afetar o âmbito de aplicação pessoal, material ou económico da referida conversão.

41

Nestas condições, o Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu (Tribunal Administrativo da Província de Wrocław) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Constitui a conversão, por força da lei, de [um usufruto vitalício em] direito de propriedade de um bem imóvel […] uma entrega de bens, na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da [Diretiva IVA] em conjugação com o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), [desta diretiva]?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão […], constitui a conversão, por força da lei, [de um usufruto vitalício em] direito de propriedade de um bem imóvel uma entrega de bens, na aceção do artigo 14.o, n.o 1, [da Diretiva IVA,] em conjugação com o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), [desta diretiva]?

3)

Ao cobrar taxas a título da conversão de um usufruto [vitalício] sobre um bem imóvel [em] direito de propriedade, […] um município age na qualidade de sujeito passivo, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, [da Diretiva IVA], conjugado com o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), [desta diretiva] ou na qualidade de autoridade pública, na aceção do artigo 13.o da referida diretiva?»

Quanto à tramitação acelerada

42

No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pediu a aplicação ao presente processo da tramitação acelerada prevista no artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio do seu pedido, aquele órgão jurisdicional alega que a falta de segurança jurídica relativamente às modalidades de imposição das taxas devidas pela conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena põe em causa a segurança orçamental e é suscetível de prejudicar os numerosos cidadãos polacos afetados.

43

Resulta do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada, em derrogação das disposições deste regulamento.

44

No caso em apreço, em 10 de outubro de 2019, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, indeferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio referido no n.o 42 do presente acórdão.

45

Esta decisão foi motivada pelo facto de as razões invocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não serem suscetíveis de demonstrar que as condições definidas no artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo estavam preenchidas no âmbito do presente processo (v., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2020, Addis, C‑517/17, EU:C:2020:579, n.o 42).

46

Com efeito, resulta de jurisprudência constante que nem meros interesses económicos, por mais importantes e legítimos que sejam (Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 2 de setembro de 2015, Leonmobili e Leone, C‑353/15, não publicado, EU:C:2015:552, n.o 8), nem o risco de uma perda económica ou o caráter economicamente sensível do processo principal (Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 29 de janeiro de 2014, E., C‑436/13, não publicado, EU:C:2014:95, n.o 27) são suscetíveis de determinar a existência de urgência na aceção do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

47

Por outro lado, o grande número de casos em que a instância é suspensa até à decisão do Tribunal de Justiça sobre o presente pedido de decisão prejudicial também não é suscetível, enquanto tal, de constituir uma circunstância excecional que justifique o recurso a uma tramitação acelerada (v., neste sentido, Despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de março de 2012, P, C‑6/12, não publicado, EU:C:2012:135, n.o 8; de 31 de março de 2014, Indėlių ir investicijų draudimas e Nemaniūnas, C‑671/13, não publicado, EU:C:2014:225, n.o 10; e de 28 de novembro de 2017, Di Girolamo, C‑472/17, não publicado, EU:C:2017:932, n.o 15).

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

48

Com a primeira e segunda questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que a conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena prevista por uma legislação nacional mediante o pagamento de uma taxa constitui uma entrega de bens, na aceção do n.o 2, alínea a), deste artigo ou, subsidiariamente, na aceção do n.o 1 do referido artigo.

49

Antes de mais, importa salientar que a Diretiva IVA estabelece um sistema comum de IVA baseado, nomeadamente, numa definição uniforme das operações tributáveis (Acórdão de 13 de junho de 2018, Gmina Wrocław, C‑665/16, EU:C:2018:431, n.o 30 e jurisprudência referida).

50

Assim, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva, estão sujeitas a IVA as entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

51

O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva IVA define o conceito de «entrega de bens» como a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.

52

A este respeito, segundo jurisprudência constante, o conceito de «entrega de bens», visado no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva IVA, não se refere à transferência de propriedade nas formas previstas pelo direito nacional aplicável, compreendendo qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que habilite outra parte a dele dispor, de facto, como se fosse proprietário desse bem (Acórdão de 15 de maio de 2019, Vega International Car Transport and Logistic, C‑235/18, EU:C:2019:412, n.o 27 e jurisprudência referida).

53

Por outro lado, o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva dispõe que, além da operação prevista no n.o 1 deste artigo, é considerada entrega de bens a transmissão da propriedade de um bem, mediante pagamento de uma indemnização, em virtude de ato das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei.

54

Por conseguinte, embora o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva IVA defina de maneira geral o conceito de «entrega de bens», pode deduzir‑se da interpretação literal do n.o 2 deste artigo, designadamente da expressão «[p]ara além da operação referida no n.o 1», que esse n.o 2 visa outras operações que, embora qualificadas de «entregas de bens», têm características distintas das referidas no artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva. Em especial, a definição das operações previstas no artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva não faz qualquer referência ao «poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário», mencionado no artigo 14.o, n.o 1, da mesma diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2018, Gmina Wrocław, C‑665/16, EU:C:2018:431, n.o 35). Em contrapartida, o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA refere‑se, de forma explícita, à transmissão da propriedade desse bem (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2018, Gmina Wrocław, C‑665/16, EU:C:2018:431, n.o 40).

55

Resulta, por isso, da redação e da economia do artigo 14.o da Diretiva IVA que o n.o 2 desse artigo constitui, relativamente à definição geral enunciada no n.o 1 do mesmo, uma lex specialis, cujos requisitos de aplicação revestem caráter autónomo relativamente aos do n.o 1 (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2018, Gmina Wrocław, C‑665/16, EU:C:2018:431, n.o 36).

56

Assim, a qualificação de «entrega de bens», na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA, exige que estejam preenchidos três requisitos cumulativos. Primeiro, deve existir uma transmissão do direito de propriedade. Segundo, essa transmissão deve ocorrer em virtude de ato das autoridades públicas ou em seu nome, ou por força da lei. Por último, deve ser paga uma indemnização (Acórdão de 13 de junho de 2018, Gmina Wrocław, C‑665/16, EU:C:2018:431, n.o 37).

57

No caso em apreço, quanto aos dois primeiros requisitos mencionados no número anterior do presente acórdão, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que não é contestado que a conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena, que levou à transmissão do direito de propriedade do Município de Wrocław para os antigos usufrutuários vitalícios, deve ser qualificada de transferência do direito de propriedade, na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA. Além disso, é pacífico que esta conversão ocorreu por força da lei.

58

No que diz respeito à questão de saber se a conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena foi efetuada mediante pagamento de uma indemnização, na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA, há que referir, em primeiro lugar, que a expressão «pagamento de uma indemnização», por força desta disposição, deve receber, na falta de qualquer referência ao direito nacional dos Estados‑Membros, uma definição autónoma e uniforme, própria do direito da União, que tenha em conta, nomeadamente, a natureza de lex specialis da referida disposição, como decorre do n.o 55 do presente acórdão. Assim, o conteúdo desta expressão não pode depender do sentido e do alcance que reveste nos direitos nacionais dos Estados‑Membros.

59

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que haja lugar ao «pagamento de uma indemnização», na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA, não é pertinente, tendo em conta a natureza de lex specialis desta disposição, que tal pagamento satisfaça a totalidade dos elementos constitutivos do conceito de entrega de bens efetuada a «título oneroso», previsto no artigo 2.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2018, Gmina Wrocław, C‑665/16, EU:C:2018:431, n.o 44).

60

Em segundo lugar, importa sublinhar que a redação do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA se refere ao «pagamento» de uma indemnização, sem no entanto fixar condições relativas à natureza ou ao montante dessa indemnização.

61

Em terceiro lugar, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para determinar se o requisito relativo ao pagamento de uma indemnização está preenchido, há apenas que determinar que a indemnização em causa está diretamente ligada à transmissão da propriedade e que o seu pagamento foi efetivo, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2018, Gmina Wrocław, C‑665/16, EU:C:2018:431, n.o 45).

62

No caso em apreço, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que a obrigação de pagar a taxa de conversão nasce, nos termos da lei, no dia em que a conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena é efetuada e que o montante dessa taxa é igual ao montante da remuneração anual devida pelo usufruto vitalício no dia dessa conversão, sendo a referida taxa devida por um período de 20 anos. Segundo os elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, as taxas anuais devidas pelo usufruto vitalício são, por sua vez, calculadas como uma percentagem do preço do terreno. Por conseguinte, as taxas de conversão em causa no processo principal estão diretamente ligadas à transferência da propriedade, devendo o seu pagamento efetivo ser verificado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

63

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que a conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena prevista por uma legislação nacional mediante o pagamento de uma taxa constitui uma entrega de bens, na aceção desta disposição.

Quanto à terceira questão

64

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que, na conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena prevista por uma legislação nacional mediante o pagamento de uma taxa, um município age na qualidade de sujeito passivo, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva, ou na qualidade de autoridade pública, na aceção do artigo 13.o, n.o 1, da referida diretiva.

65

Para responder a esta questão, há que apreciar, a título preliminar, se a conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena mediante o pagamento de uma taxa constitui uma «atividade económica» na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA.

66

Com efeito, a aplicação do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva IVA implica a verificação prévia do caráter económico da atividade em causa. Se a existência de uma atividade económica, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, desta diretiva, for estabelecida, importa então examinar a aplicabilidade da exceção relativa aos organismos de direito público prevista no artigo 13.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva (v., por analogia, Acórdãos de 29 de setembro de 2015, Gmina Wrocław, C‑276/14, EU:C:2015:635, n.o 30; de 29 de outubro de 2015, Saudaçor, C‑174/14, EU:C:2015:733, n.o 31; e de 13 de junho de 2018, Gmina Wrocław, C‑665/16, EU:C:2018:431, n.o 47).

Quanto ao caráter económico da atividade

67

O conceito de «atividade económica» está definido no artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA como englobando qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços e, mais concretamente, as operações que impliquem «a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência».

68

Quanto ao conceito de «exploração», na aceção do artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este conceito se refere, em conformidade com as exigências do princípio da neutralidade do sistema comum do IVA, a todas as operações, seja qual for a sua forma jurídica, destinadas a auferir receitas do bem em questão com caráter de permanência (Acórdãos de 6 de outubro de 2009, SPÖ Landesorganisation Kärnten, C‑267/08, EU:C:2009:619, n.o 20 e jurisprudência referida, e de 2 de junho de 2016, Lajvér, C‑263/15, EU:C:2016:392, n.o 24 e jurisprudência referida).

69

A análise da redação do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA, pondo em evidência o alcance do âmbito de aplicação do conceito de «atividade económica», especifica também simultaneamente o caráter objetivo desta, no sentido de que a atividade é considerada em si mesma, independentemente dos seus objetivos e dos seus resultados [v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2019, IO (IVA — Atividade de um membro de um Conselho Fiscal), C‑420/18, EU:C:2019:490, n.o 31 e jurisprudência referida].

70

No caso em apreço, importa ter em conta, nomeadamente, o facto de o Município de Wrocław receber, em contrapartida da conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena, uma taxa, por parte dos antigos usufrutuários vitalícios, que é devida, em princípio, durante um período de 20 anos a contar do dia dessa conversão. Do mesmo modo, na hipótese de esta taxa ser paga sob a forma de uma taxa única, esta última corresponde à remuneração devida em relação ao ano durante o qual se manifestou a intenção de pagar de uma só vez, multiplicada pelo número de anos restantes até ao termo do período de 20 anos, calculado a partir da data da referida conversão.

71

Tais elementos, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, permitem concluir que a conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena permite ao Município de Wrocław auferir receitas com caráter de permanência e que, por conseguinte, esta operação constitui uma atividade económica, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA.

72

A este respeito, é indiferente que tal conversão seja efetuada por força da lei e que o montante da taxa de conversão tenha sido estabelecido por essa lei tendo em conta o necessário respeito pelo efeito útil do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA.

73

Do mesmo modo, a circunstância de o Município de Wrocław não ter feito nenhuma diligência ativa com vista à conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena, ocorrendo essa operação por força da lei, não pode, em si mesma, levar à conclusão de que esta conversão não se inclui no âmbito da exploração de um bem corpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.

74

Com efeito, não se pode deduzir da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o facto de empreender diligências ativas de comercialização imobiliária constitui uma condição necessária para que uma atividade relativa à gestão de um património imobiliário possa ser considerada como exercida com o fim de auferir receitas com caráter de permanência e possa, assim, ser qualificada de «económica» [v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2019, IO (IVA — Atividade de um membro de um Conselho Fiscal), C‑420/18, EU:C:2019:490, n.o 29 e jurisprudência referida].

75

Importa acrescentar que tal condição também não seria compatível com o necessário respeito do efeito útil do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva IVA, que, por definição, se refere à transmissão da propriedade de um bem ocorrida na sequência de uma requisição feita pela autoridade pública ou em seu nome ou nos termos da lei.

Quanto ao exercício da atividade na qualidade de autoridade pública

76

Quanto à questão de saber se, num caso como o do processo principal, o Município de Wrocław deve ser considerado um sujeito passivo agindo nessa qualidade, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA, ou uma autoridade pública, na aceção do artigo 13.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva, importa salientar, a título preliminar, que, por derrogação da regra geral de sujeição prevista no artigo 9.o, n.o 1, da referida diretiva, o artigo 13.o, n.o 1, da mesma diretiva exclui os municípios da qualidade de sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações económicas que exerçam na qualidade de autoridades públicas, a menos que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas (Acórdão de 29 de setembro de 2015, Gmina Wrocław, C‑276/14, EU:C:2015:635, n.o 29 e jurisprudência referida).

77

Como derrogação à regra geral da sujeição ao IVA de qualquer atividade de natureza económica, esta disposição é de interpretação estrita (Despacho de 20 de março de 2014, Gmina Wrocław, C‑72/13, não publicado, EU:C:2014:197, n.o 19 e jurisprudência referida).

78

Segundo jurisprudência constante, resulta da própria letra da referida disposição que, para que a regra da não sujeição seja aplicável, devem estar cumulativamente preenchidos dois requisitos, a saber, que as atividades em causa sejam, por um lado, exercidas por um organismo de direito público e que, por outro, este aja na qualidade de autoridade pública. Relativamente a este último requisito, são as modalidades de exercício das atividades em causa que permitem determinar o alcance da não sujeição dos organismos públicos. Assim, as atividades exercidas na qualidade de autoridades públicas, na aceção do artigo 13.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, são as desenvolvidas pelos organismos de direito público no âmbito do regime jurídico que lhes é próprio, com exclusão das atividades que exercem nas mesmas condições jurídicas que os operadores económicos privados (Despacho de 20 de março de 2014, Gmina Wrocław, C‑72/13, não publicado, EU:C:2014:197, n.o 19 e jurisprudência referida).

79

O Tribunal de Justiça especificou igualmente que, a este respeito, não é pertinente o objeto ou o fim da atividade em causa e que o facto de o exercício desta implicar a utilização de prerrogativas de autoridade pública permite determinar que essa atividade está sujeita a um regime de direito público (Acórdão de 29 de outubro de 2015, Saudaçor, C‑174/14, EU:C:2015:733, n.o 70 e jurisprudência referida).

80

No que respeita especificamente ao primeiro dos dois requisitos previstos no artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva IVA para que a regra da não sujeição ao imposto seja aplicável, não há dúvida de que o Município de Wrocław é um organismo de direito público.

81

Todavia, é ainda necessário que o segundo requisito imposto pela referida disposição esteja preenchido, a saber, que apenas estão isentas de IVA as atividades desenvolvidas por um organismo de direito público na qualidade de autoridade pública.

82

Ora, neste caso, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, vários elementos parecem indicar que, no âmbito da conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena, o Município de Wrocław não faz uso de prerrogativas de poder público.

83

Além disso, afigura‑se que o Município de Wrocław, ao aplicar medidas decididas pelo legislador nacional, não tem poder decisório no que diz respeito ao âmbito pessoal dessa conversão e às modalidades de aplicação desta.

84

Verifica‑se que, em conformidade com as disposições da Lei relativa à Conversão, o papel do Município de Wrocław consiste essencialmente em verificar as circunstâncias factuais, emitir um certificado que confirme a conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena e informar o novo proprietário da obrigação de pagar uma taxa de conversão. Como salienta a advogada‑geral no n.o 61 das suas conclusões, esta taxa a pagar pelos antigos usufrutuários vitalícios não é determinada pelo Município de Wrocław, enquanto autoridade pública, no âmbito de um procedimento administrativo e ao abrigo de um regime de direito público que lhe é próprio.

85

Resulta do exposto que, sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, não se pode considerar que as atividades desenvolvidas pelo Município de Wrocław no âmbito da conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena, embora sendo de natureza económica, incluam o uso de prerrogativas de poder público.

86

Tendo em conta o que precede, há que responder à terceira questão que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que, na conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena prevista por uma legislação nacional mediante o pagamento de uma taxa ao município proprietário do bem que lhe permite auferir receitas com caráter de permanência, este município, sob reserva das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, age na qualidade de sujeito passivo, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva, e não na qualidade de autoridade pública, na aceção do artigo 13.o, n.o 1, da referida diretiva.

Quanto às despesas

87

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 14.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que a conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena prevista por uma legislação nacional mediante o pagamento de uma taxa constitui uma entrega de bens, na aceção desta disposição.

 

2)

A Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que, na conversão do direito de usufruto vitalício sobre um bem imóvel em direito de propriedade plena prevista por uma legislação nacional mediante o pagamento de uma taxa ao município proprietário do bem que lhe permite auferir receitas com caráter de permanência, este município, sob reserva das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, age na qualidade de sujeito passivo, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva, e não na qualidade de autoridade pública, na aceção do artigo 13.o, n.o 1, da referida diretiva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

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