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Document 62015CJ0222

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 7 de julho de 2016.
Hőszig Kft. contra Alstom Power Thermal Services.
Pedido de decisão prejudicial apresentado por null.
Reenvio prejudicial — Cláusula atributiva de jurisdição — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.° 44/2001 — Artigo 23.° — Cláusula inserida nas cláusulas contratuais gerais — Aceitação pelas partes das referidas cláusulas contratuais — Validade e precisão dessa cláusula.
Processo C-222/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:525

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

7 de julho de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cláusula atributiva de jurisdição — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Artigo 23.o — Cláusula inserida nas cláusulas contratuais gerais — Aceitação pelas partes das referidas cláusulas contratuais — Validade e precisão dessa cláusula»

No processo C‑222/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Pécsi Törvényszék (Tribunal de Pécs, Hungria), por decisão de 4 de maio de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de maio de 2015, no processo

Hőszig Kft.

contra

Alstom Power Thermal Services,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. Toader (relatora), A. Rosas, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 21 de janeiro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Alstom Power Thermal Services, por S. M. Békési, ügyvéd,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e G. Koós, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Tokár e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de abril de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO 2008, L 177, p. 6), e do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas I»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Hőszig Kft. à Alstom Power Thermal Services (a seguir «Alstom»), que sucedeu à Technos et Compagnie (a seguir «Technos»), a propósito da execução de contratos celebrados entre as partes, relativamente aos quais se contesta, nos termos da cláusula atributiva de jurisdição, que o órgão jurisdicional de reenvio seja competente para conhecer do referido litígio.

Quadro jurídico

Regulamento Roma I

3

O artigo 1.o do Regulamento Roma I define o respetivo âmbito de aplicação material. O n.o 2 desse artigo prevê que determinadas matérias estão excluídas desse âmbito de aplicação, nomeadamente, nos termos da alínea e) desse número, as «convenções de arbitragem e de eleição do foro».

4

O artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento dispõe:

«O contrato rege‑se pela lei escolhida pelas partes. A escolha deve ser expressa ou resultar de forma clara das disposições do contrato, ou das circunstâncias do caso. Mediante a sua escolha, as partes podem designar a lei aplicável à totalidade ou apenas a parte do contrato».

5

O artigo 4.o, n.o 1, do referido regulamento prevê:

«Na falta de escolha nos termos do artigo 3.o e sem prejuízo dos artigos 5.° a 8.°, a lei aplicável aos contratos é determinada do seguinte modo:

[...]

b)

O contrato de prestação de serviços é regulado pela lei do país em que o prestador de serviços tem a sua residência habitual;

[...]»

6

Sob a epígrafe «Aceitação e validade substancial», o artigo 10.o deste mesmo regulamento tem a seguinte redação:

«1.   A existência e a validade substancial do contrato ou de alguma das suas disposições são reguladas pela lei que seria aplicável, por força do presente regulamento, se o contrato ou a disposição fossem válidos.

2.   Todavia, um contraente, para demonstrar que não deu o seu acordo, pode invocar a lei do país em que tenha a sua residência habitual, se resultar das circunstâncias que não seria razoável determinar os efeitos do seu comportamento nos termos da lei designada no n.o 1.»

Regulamento Bruxelas I

7

Nos termos dos considerandos 11 e 14 do Regulamento Bruxelas I:

«(11)

As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. […]

[...]

(14)

A autonomia das partes num contrato que não seja de seguro, de consumo ou de trabalho quanto à escolha do tribunal competente, no caso de apenas ser permitida uma autonomia mais limitada, deve ser respeitada sob reserva das competências exclusivas definidas pelo presente regulamento.»

8

O artigo 5.o deste regulamento dispõe:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

1)

a)

Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

[...]»

9

No capítulo II, intitulado «Competência», o artigo 23.o do referido regulamento, que figura na secção 7, intitulada «Extensão de competência», tem a seguinte redação:

«1.   Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado‑Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a)

Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

b)

Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou

c)

No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.

2.   Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à ‘forma escrita’.

[...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

A Technos, uma pessoa coletiva com sede em França, quis participar em determinados trabalhos em várias centrais elétricas situadas em França. Para este efeito, convidou a Hőszig a fazer‑lhe várias propostas, com vista a participar nesses trabalhos, na qualidade de subcontratante. Assim, em 18 de agosto de 2009, a Technos enviou à Hőszig, por via eletrónica, uma lista das estruturas metálicas que esta seria, sendo caso disso, chamada a fabricar, dados relativos às condições técnicas e as cláusulas contratuais gerais da Technos (versão de dezembro de 2008) (a seguir «cláusulas contratuais gerais»).

11

Na sequência da proposta de preço apresentada pela Hőszig com base nestas informações, foram celebrados à distância, entre as partes, vários contratos relativos à preparação de estruturas metálicas a fabricar na Hungria destinadas a centrais elétricas. É facto assente que o primeiro desses contratos data de 16 de dezembro de 2010 (a seguir «primeiro contrato»).

12

As referidas partes celebraram vários contratos adicionais e acordaram alterações contratuais para efeitos da execução dos trabalhos. A lista intitulada «Documentação utilizada» do instrumento que constituía o primeiro contrato enumerava o seguinte:

«1)

A presente nota de encomenda,

2)

A especificação técnica com a referência T91000001/1200, C,

3)

As cláusulas contratuais gerais da Technos (versão de dezembro de 2008),

Os documentos mencionados são aplicáveis por esta ordem.»

13

Na última página desse contrato, redigido em inglês, referia‑se igualmente que «[a] presente nota de encomenda enumera exaustivamente os documentos e informações mais importantes necessários à sua execução. Devem certificar‑se de que possuem esses documentos com a referência adequada, bem como os documentos por estes requeridos. Caso contrário, devem solicitar‑nos, por escrito, os documentos em falta».

14

Além disso, o último número do referido contrato previa, nomeadamente, que «o fornecedor declara conhecer e aceitar as condições da presente nota de encomenda, as cláusulas contratuais gerais em vigor, que se anexam, e as condições de eventuais acordos ou contratos‑quadro».

15

Nos termos do ponto 23.1 das cláusulas contratuais gerais:

«A nota de encomenda e a sua interpretação estão sujeitas à lei francesa. Não é aplicável a Convenção das Nações Unidas sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 11 de abril de 1980.

Qualquer litígio que surja ou se relacione com a validade, a restrição, a execução ou o cancelamento da nota de encomenda e que não seja objeto de resolução amigável entre as partes fica sob a jurisdição exclusiva e definitiva dos tribunais de Paris, incluindo os processos urgentes, as decisões de suspensão e as medidas cautelares.»

16

Na sequência de uma controvérsia jurídica surgida entre as partes acerca da execução dos contratos, a Hőszig intentou, em 31 de outubro de 2013, uma ação no órgão jurisdicional de reenvio, enquanto tribunal do lugar de execução das prestações acordadas.

17

Em apoio do seu recurso, a Hőszig invoca, em substância, que a escolha da lei francesa não foi claramente, por sua parte, um comportamento razoável no que diz respeito aos efeitos, na aceção do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento Roma I, uma vez que os produtos por ela fabricados constituem o objeto dos contratos e o respetivo lugar de execução era o seu estabelecimento na Hungria, tendo decorrido nesse país a totalidade do processo de fabrico até à entrega ao cliente.

18

A Hőszig alega, assim, que a relação entre as cláusulas contratuais gerais e os diferentes contratos celebrados entre as partes deve ser analisada à luz do direito húngaro. Ora, baseando‑se nessa legislação, considera que as cláusulas contratuais gerais não fazem parte desses contratos. Por tal motivo, a designação da lei aplicável incluída nas cláusulas contratuais gerais não é pertinente, devendo aplicar‑se a lei húngara, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Roma I.

19

Em seguida, no que diz respeito à competência judiciária, a Hőszig alega que não fazendo as cláusulas contratuais gerais parte do quadro contratual, essa competência devia ser atribuída às jurisdições húngaras, em aplicação do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento Bruxelas I.

20

Por último, a Hőszig alega que, mesmo que as cláusulas contratuais gerais façam parte dos contratos celebrados entre as partes, a cláusula atributiva de jurisdição incluída nessas cláusulas contratuais gerais não cumpre os requisitos do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I, já que remete para os «tribunais de Paris». Ora, não sendo a cidade de Paris (França) um Estado, essa expressão não designa um órgão jurisdicional específico, mas sim o conjunto das jurisdições que se encontram no território dessa cidade.

21

A Alstom deduziu uma exceção de incompetência do órgão jurisdicional de reenvio. Refere‑se, para este efeito, às cláusulas contratuais gerais que, em seu entender, fazem parte dos contratos. Por esse motivo, em virtude do disposto no ponto 23.1 das mesmas, o órgão jurisdicional de reenvio não tem competência para decidir do litígio no processo principal.

22

Segundo a Alstom, o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento Roma I oferece à Hőszig a possibilidade de demonstrar que não deu o seu acordo ao contrato ou a alguma das suas disposições, invocando para esse efeito a lei do país em que tenha a sua residência habitual, ou seja, a Hungria, se resultar das circunstâncias que não seria razoável determinar a expressão do seu consentimento à luz da lei aplicável, em princípio, nos termos do referido regulamento. Ora, no caso em apreço, é totalmente razoável «determinar os efeitos do [...] comportamento» da Hőszig, na aceção do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento Roma I, à luz do direito francês, porque esta era subcontratante do adjudicatário do contrato público aberto em França com vista à realização de trabalhos numa central elétrica francesa.

23

Além disso, a cláusula atributiva de jurisdição que figura no ponto 23.1 das cláusulas contratuais gerais é totalmente compatível com o disposto no artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I, já que os tribunais da cidade de Paris são tribunais de um Estado‑Membro, em concreto, a República Francesa. A interpretação restritiva preconizada pela Hőszig não tem em conta o considerando 14 desse regulamento, nos termos do qual se deve respeitar a autonomia das partes num contrato.

24

O órgão jurisdicional de reenvio considera, no que diz respeito à exceção de incompetência deduzida pela Alstom, que importa saber se as cláusulas contratuais gerais fazem parte do quadro contratual acordado entre as partes. A este respeito, convém determinar a que «circunstâncias» há que atender, na aceção do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento Roma I, para apreciar em que medida a Hőszig deu o seu consentimento à aplicabilidade das cláusulas contratuais gerais.

25

Se este órgão jurisdicional concluir, com base na lei do país onde a Hőszig tem a sua residência habitual, que as cláusulas contratuais gerais fazem parte do quadro contratual, então importa determinar se a cláusula atributiva de jurisdição contida no ponto 23.1 destas cláusulas contratuais gerais cumpre os requisitos estabelecidos no artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I.

26

Nestas condições, o Pécsi Törvényszék (Tribunal de Pécs, Hungria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Relativamente ao [Regulamento Roma I]:

Pode o tribunal de um Estado‑Membro interpretar a expressão ‘resultar das circunstâncias’, contida no artigo 10.o, n.o 2, do [Regulamento Roma I], no sentido de que a análise das ‘circunstâncias a tomar em consideração’ para efeitos de determinar se é razoável que não se tenha dado acordo, nos termos da lei do país em que o contraente tenha a sua residência habitual, se deve referir às circunstâncias da celebração, ao objeto e à execução do contrato?

Devem os efeitos a que se refere o artigo 10.o, n.o 2, [do Regulamento Roma I] decorrentes da situação descrita no [primeiro travessão] ser interpretados no sentido de que quando, com base na designação [da lei do país de residência habitual] feita por um contraente, resultar das circunstâncias a tomar em consideração que a aceitação da lei aplicável nos termos do n.o 1 não era um efeito razoável do comportamento desse contraente o tribunal deve apreciar a existência e a validade da cláusula contratual nos termos da lei do país de residência habitual do contraente que a invocou?

Pode o tribunal desse Estado‑Membro interpretar o disposto no artigo 10.o, n.o 2, do [Regulamento Roma I] no sentido de que o tribunal pode apreciar discricionariamente, tendo em conta o conjunto de circunstâncias que se verificam no caso, se, atendendo às circunstâncias a tomar em consideração, a aceitação da lei aplicável nos termos do artigo 10.o, n.o 1, não era um efeito razoável do comportamento do contraente?

No caso de, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, do [Regulamento Roma I], um contraente invocar a lei do país em que tenha a sua residência habitual para demonstrar que não deu o seu acordo, deve o tribunal de um Estado‑Membro tomar em consideração a lei do país de residência habitual desse contraente no sentido de que, por força da lei desse país, devido às referidas ‘circunstâncias’, a aceitação por esse contraente da lei designada no contrato não era um comportamento razoável?

Nesse caso, é contrária ao direito [da União] a interpretação do tribunal de um Estado‑Membro nos termos da qual a análise das ‘circunstâncias’, para efeitos de determinar se é razoável que não se tenha dado acordo, se refere às circunstâncias da celebração, ao objeto e à execução do contrato?

2)

Relativamente ao [Regulamento Bruxelas I]:

É contrária ao disposto no artigo 23.o, n.o 1, do [Regulamento Bruxelas I] a interpretação do tribunal de um Estado‑Membro nos termos da qual é necessária a designação de um tribunal específico, ou, tendo em conta o estabelecido no considerando 14 do referido regulamento, é suficiente que da redação se deduza inequivocamente a vontade ou a intenção dos contraentes?

É compatível com o disposto no artigo 23.o, n.o 1, do [Regulamento Bruxelas I] a interpretação do tribunal de um Estado‑Membro nos termos da qual uma cláusula atributiva de jurisdição, incluída nas cláusulas contratuais gerais de um dos contraentes, por força da qual as partes convencionaram que os litígios que surjam ou se relacionem com a validade, a execução ou o cancelamento da nota de encomenda e que não sejam objeto de resolução amigável entre as partes ficarão sob a jurisdição exclusiva e definitiva dos tribunais de uma cidade de um determinado Estado‑Membro, no caso concreto, os tribunais de Paris, é suficientemente precisa por se deduzir inequivocamente da sua redação, tendo em conta o estabelecido no considerando 14 do referido [regulamento], a vontade ou a intenção das partes no que respeita ao Estado‑Membro designado?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à segunda questão

27

Com a sua segunda questão, que importa analisar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula atributiva de jurisdição, como a em causa no processo principal, que, por um lado, está estipulada nas cláusulas contratuais gerais do comitente, mencionadas nos instrumentos que constituem os contratos entre as partes e que foram comunicadas quando da sua celebração, e, por outro, designa como jurisdições competentes os tribunais de uma cidade de um Estado‑Membro, cumpre os requisitos desta disposição relativos ao consentimento das partes e à precisão do conteúdo dessa cláusula.

28

Há que recordar, desde logo, que, embora a interpretação de uma cláusula atributiva de jurisdição, a fim de determinar os diferendos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, seja da competência do órgão jurisdicional nacional onde foi invocada (acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.o 67 e jurisprudência referida), a competência de um tribunal ou de tribunais de um Estado‑Membro convencionada pelos contraentes nessa cláusula é, segundo a redação do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I, em princípio, exclusiva (v., neste sentido, acórdão de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 24).

29

Seguidamente, tendo em conta os objetivos e a sistemática geral deste regulamento, e a fim de assegurar a aplicação uniforme deste instrumento, importa interpretar o conceito de «pacto atributivo de jurisdição» previsto no seu artigo 23.o não como uma simples remissão para o direito interno de um ou outro dos Estados em questão, mas como um conceito autónomo (acórdão de 7 de fevereiro de 2013, Refcomp, C‑543/10, EU:C:2013:62, n.o 21 e jurisprudência referida).

30

Por último, na medida em que o Regulamento Bruxelas I substitui, nas relações entre os Estados‑Membros, a Convenção de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), conforme alterada pelas sucessivas Convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a essa Convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»), a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições desta Convenção é igualmente válida para as do regulamento, quando as disposições destes instrumentos possam ser qualificadas de equivalentes (acórdão de 23 de outubro de 2014, flyLAL‑Lithuanian Airlines, C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.o 25 e jurisprudência referida).

31

Quanto ao artigo 17.o, primeiro parágrafo, da referida Convenção, ao qual sucedeu o artigo 23.o do Regulamento Bruxelas I, o Tribunal de Justiça declarou que uma cláusula atributiva de jurisdição, que obedece a uma finalidade processual, rege‑se pelas disposições da Convenção, cujo objetivo é a criação de regras uniformes em matéria de competência jurisdicional internacional (acórdão de 3 de julho de 1997, Benincasa, C‑269/95, EU:C:1997:337, n.o 25).

32

O Tribunal de Justiça também já teve ocasião de esclarecer que esta disposição tem por objetivo prever ela própria os requisitos de forma que devem revestir as cláusulas atributivas de jurisdição, e isto para garantir a segurança jurídica e para assegurar o acordo das partes (v., neste sentido, acórdão de 16 de março de 1999, Castelletti, C‑159/97, EU:C:1999:142, n.o 34 e jurisprudência referida).

33

Quanto aos requisitos estabelecidos pelo artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I, importa recordar que esta disposição prevê essencialmente requisitos de forma e menciona um requisito material relativamente ao objeto dessa cláusula, a qual deve incidir sobre uma relação jurídica específica (v., neste sentido, acórdão de 20 de abril de 2016, Profit Investment SIM, C‑366/13, EU:C:2016:282, n.o 23 e jurisprudência referida).

34

No caso em apreço, o requisito material encontra‑se cumprido, uma vez que resulta da decisão de reenvio que as partes no processo principal estão vinculadas por diversos contratos.

35

No que diz respeito aos requisitos de forma, há que recordar, por um lado, que, segundo a redação do referido artigo 23.o, n.o 1, para ser válido, um pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado quer por escrito, quer verbalmente com confirmação escrita, quer ainda em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si ou, no comércio internacional, com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer. Por força do n.o 2 desse artigo, «[q]ualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto» deve ser considerada equivalente à «forma escrita» (v., neste sentido, acórdão de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 24).

36

Por outro lado, a existência de consenso dos interessados é um dos objetivos do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I (v., neste sentido, acórdão de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 30 e jurisprudência referida). Isso justifica‑se pela preocupação de proteger a parte contratante mais fraca, evitando que cláusulas atributivas de jurisdição, introduzidas num contrato por uma única das partes, passem despercebidas (v., neste sentido, acórdão de 16 de março de 1999, Castelletti, C‑159/97, EU:C:1999:142, n.o 19 e jurisprudência referida).

37

O juiz chamado a pronunciar‑se tem a obrigação de analisar, in limine litis, se a cláusula atributiva de jurisdição foi efetivamente objeto de consenso entre as partes, que deve manifestar‑se de forma clara e precisa, sendo que as exigências de forma estabelecidas pelo artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I têm por função, a este título, assegurar que o consentimento seja efetivamente provado (acórdãos de 6 de maio de 1980, Porta‑Leasing, 784/79, EU:C:1980:123, n.o 5 e jurisprudência referida, e de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 29 e jurisprudência referida).

38

Assim, como sublinhou o advogado‑geral nos n.os 33 e 34 das suas conclusões, resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de um «pacto» entre as partes na aceção do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I pode ser extraída do facto de os requisitos formais estabelecidos no artigo 23.o, n.o 1, deste regulamento terem sido cumpridos.

39

No caso de uma situação como a em causa no processo principal, na qual uma cláusula atributiva de jurisdição está estipulada nas cláusulas contratuais gerais, o Tribunal de Justiça já declarou que essa cláusula era lícita, no caso de o próprio texto do contrato assinado por ambas as partes remeter expressamente para cláusulas contratuais gerais que incluem a referida cláusula (v., neste sentido, acórdãos de 16 de março de 1999, Castelletti, C‑159/97, EU:C:1999:142, n.o 13, e de 20 de abril de 2016, Profit Investment SIM, C‑366/13, EU:C:2016:282, n.o 26 e jurisprudência referida).

40

No entanto, esta apreciação só é válida no caso de a remissão ser explícita, suscetível de ser controlada por uma parte normalmente diligente e se se demonstrar que as cláusulas contratuais gerais que incluem a cláusula atributiva de jurisdição foram efetivamente comunicadas à outra parte contratante (v., neste sentido, acórdão de 14 de dezembro de 1976, Estasis Saloti di Colzani, 24/76, EU:C:1976:177, n.o 12).

41

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a cláusula atributiva de jurisdição foi estipulada nas cláusulas contratuais gerais da Technos, elas próprias mencionadas nos instrumentos que constituem os contratos entre as partes e que foram comunicadas quando da sua celebração.

42

Por conseguinte, decorre do exposto que uma cláusula atributiva de jurisdição, como a em causa no processo principal, cumpre os requisitos estabelecidos pelo artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I.

43

No que diz respeito à precisão do conteúdo de uma cláusula atributiva de jurisdição, quando se trata de determinar o tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro para conhecer dos litígios surgidos ou que venham a surgir entre as partes, o Tribunal de Justiça já declarou, quanto ao artigo 17.o da Convenção de Bruxelas, que os termos desta disposição não podem ser interpretados no sentido de que exigem que uma cláusula desta natureza seja formulada de tal forma que seja possível identificar o órgão jurisdicional competente apenas através do seu teor. Com efeito, basta que a cláusula identifique os elementos objetivos sobre os quais as partes se puseram de acordo para escolher o tribunal ou os tribunais aos quais pretendem submeter os seus litígios surgidos ou que venham a surgir. Estes elementos, que devem ser suficientemente precisos para permitir ao tribunal chamado a decidir determinar a sua competência, podem ser concretizados, eventualmente, através das circunstâncias próprias à situação do caso concreto (acórdão de 9 de novembro de 2000, Coreck, C‑387/98, EU:C:2000:606, n.o 15).

44

Essa interpretação, inspirada na prática corrente da vida empresarial, justifica‑se pela circunstância de o artigo 23.o do Regulamento Bruxelas I se basear, como o confirmam os considerandos 11 e 14, no reconhecimento da autonomia das partes em matéria de atribuição de competência aos órgãos jurisdicionais chamados a conhecer dos litígios abrangidos pelo âmbito de aplicação deste regulamento (v., neste sentido, acórdãos de 9 de novembro de 1978, Meeth, 23/78, EU:C:1978:198, n.o 5, e de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.o 26).

45

No caso em apreço, segundo as constatações do órgão jurisdicional de reenvio, nos termos da cláusula atributiva de jurisdição em causa no processo principal, qualquer litígio que surja entre as partes «fica sob a jurisdição exclusiva e definitiva dos tribunais de Paris».

46

Assim, embora esta cláusula não designe expressamente o Estado‑Membro cujos órgãos jurisdicionais as partes convencionaram ser competentes, os órgãos jurisdicionais visados são os da capital de um Estado‑Membro, o qual, neste caso, é igualmente aquele cuja lei foi designada pelas partes como aplicável ao contrato, de modo que não restam dúvidas de que a referida cláusula, contida num contrato como o em causa no processo principal, pretende conferir uma competência exclusiva aos órgãos jurisdicionais do sistema judicial específico deste Estado‑Membro.

47

Por conseguinte, resulta das circunstâncias específicas da situação concreta, conforme constatadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que uma cláusula atributiva de jurisdição, como a em causa no processo principal, cumpre os requisitos de precisão, recordados no n.o 43 do presente acórdão.

48

Por outro lado, conforme sublinhou o advogado‑geral no n.o 44 das suas conclusões, importa salientar que uma cláusula atributiva de jurisdição que visa «os tribunais» de uma cidade de um Estado‑Membro remete, implícita, mas necessariamente, para efeitos de determinação exata do órgão jurisdicional perante o qual a ação deve ser proposta, para o sistema de regras de competência em vigor no referido Estado‑Membro.

49

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula atributiva de jurisdição, como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, está estipulada nas cláusulas contratuais gerais do comitente, mencionadas nos instrumentos que constituem os contratos entre as partes e que foram comunicadas quando da sua celebração, e, por outro, designa como órgãos jurisdicionais competentes os tribunais de uma cidade de um Estado‑Membro, cumpre os requisitos desta disposição relativos ao consentimento das partes e à precisão do conteúdo dessa cláusula.

Quanto à primeira questão

50

Nos termos do seu artigo 1.o, n.o 2, alínea e), o Regulamento Roma I não é aplicável às cláusulas atributivas de jurisdição.

51

Além disso, conforme resulta da resposta à segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio é incompetente para conhecer do litígio no processo principal. Esse órgão jurisdicional não tem, portanto, que decidir sobre a validade, que a Hőszig também contesta ao invocar o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento Roma I, da cláusula nos termos da qual a lei francesa se aplica aos contratos em causa.

52

Por conseguinte, não há que responder à primeira questão.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula atributiva de jurisdição, como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, está estipulada nas cláusulas contratuais gerais do comitente, mencionadas nos instrumentos que constituem os contratos entre as partes e que foram comunicadas quando da sua celebração, e, por outro, designa como órgãos jurisdicionais competentes os tribunais de uma cidade de um Estado‑Membro, cumpre os requisitos desta disposição relativos ao consentimento das partes e à precisão do conteúdo dessa cláusula.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.

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