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Document 62012CJ0270

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 22 de janeiro de 2014.
Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte contra Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia.
Regulamento (UE) n.° 236/2012 — Vendas a descoberto e certos aspetos dos swaps de risco de incumprimento — Artigo 28.° — Validade — Base jurídica — Poderes de intervenção conferidos à Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados em circunstâncias excecionais.
Processo C‑270/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:18

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

22 de janeiro de 2014 ( *1 )

«Regulamento (UE) n.o 236/2012 — Vendas a descoberto e certos aspetos dos swaps de risco de incumprimento — Artigo 28.o — Validade — Base jurídica — Poderes de intervenção conferidos à Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados em circunstâncias excecionais»

No processo C‑270/12,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 31 de maio de 2012,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por A. Robinson, na qualidade de agente, assistido por J. Stratford, QC, e A. Henshaw, barrister,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por A. Neergaard, R. Van de Westelaken, D. Gauci e A. Gros‑Tchorbadjiyska, na qualidade de agentes,

Conselho da União Europeia, representado por H. Legal, A. De Elera e E. Dumitriu‑Segnana, na qualidade de agentes,

recorridos,

apoiados por:

Reino de Espanha, representado por A. Rubio González, na qualidade de agente,

República Francesa, representada por G. de Bergues, D. Colas e E. Ranaivoson, na qualidade de agentes,

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por F. Urbani Neri, avvocato dello Stato,

Comissão Europeia, representada por T. van Rijn, B. Smulders, C. Zadra e R. Vasileva, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, R. Silva de Lapuerta (relatora), M. Ilešič, E. Juhász, A. Borg Barthet, C. G. Fernlund e J. L. da Cruz Vilaça, presidentes de secção, G. Arestis, J. Malenovský, E. Levits, M. Berger, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de junho de 2013,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de setembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pede a anulação do artigo 28.o do Regulamento (UE) n.o 236/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2012, relativo às vendas a descoberto e a certos aspetos dos swaps de risco de incumprimento (JO L 86, p. 1).

Quadro jurídico

2

A Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) foi criada pelo Regulamento (UE) n.o 1095/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados), altera a Decisão n.o 716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/77/CE da Comissão (JO L 331, p. 84, a seguir «Regulamento ESMA»).

3

Em conformidade com o artigo 1.o, n.os 2 e 3, do Regulamento (UE) n.o 1092/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativo à supervisão macroprudencial do sistema financeiro na União Europeia e que cria o Comité Europeu do Risco Sistémico (JO L 331, p. 1), a ESMA faz parte do Sistema Europeu de Supervisão Financeira («SESF»), cujo objetivo é garantir a supervisão do sistema financeiro da União Europeia.

4

O Regulamento (UE) n.o 1093/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária Europeia), altera a Decisão n.o 716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/78/CE da Comissão (JO L 331, p. 12), e o Regulamento (UE) n.o 1094/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma), altera a Decisão n.o 716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/79/CE da Comissão (JO L 331, p. 48), dotaram, respetivamente, o SESF de uma Autoridade Bancária Europeia e de uma Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma. O SESF é também composto pelo Comité Conjunto das Autoridades Europeias de Supervisão e pelas autoridades competentes ou de supervisão dos Estados‑Membros.

5

O artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento ESMA prevê que a ESMA «age no âmbito das competências que lhe são conferidas pelo presente regulamento e no âmbito de aplicação [de qualquer] ato juridicamente vinculativo da União que confira atribuições à [ESMA]».

6

Os artigos 8.° e 9.° deste regulamento precisam as atribuições e as competências da ESMA. Entre estas, figura a tomada de certas decisões dirigidas às autoridades nacionais competentes e aos intervenientes nos mercados financeiros.

7

O artigo 9.o, n.o 5, do referido regulamento prevê:

«A [ESMA] pode proibir ou restringir temporariamente determinadas atividades financeiras que ameacem o funcionamento ordenado e a integridade dos mercados financeiros ou a estabilidade da totalidade ou de parte do sistema financeiro da União nos casos especificados e nas condições estabelecidas nos atos legislativos referidos no n.o 2 do artigo 1.o, ou, se necessário, no caso de uma situação de emergência, nos termos e condições estabelecidos no artigo 18.o

A [ESMA] reavalia a decisão a que se refere o primeiro parágrafo a intervalos adequados e, pelo menos, de três em três meses. Se a decisão não for renovada passado esse período de três meses, caduca automaticamente.

Os Estados‑Membros podem solicitar à [ESMA] que reconsidere a sua decisão. Nesse caso, a [ESMA] decide, nos termos do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 44.o, se mantém a sua decisão.

A [ESMA] pode igualmente avaliar a necessidade de proibir ou restringir determinados tipos de atividades financeiras e, se necessário, informar a Comissão, a fim de facilitar a imposição de qualquer proibição ou restrição.»

8

O Regulamento n.o 236/2012 foi adotado com base no artigo 114.o TFUE, que confere ao Parlamento Europeu e ao Conselho da União Europeia o poder de adotarem as medidas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros, que tenham por objeto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno.

9

Em conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 1, o referido regulamento aplica‑se a:

«a)

Instrumentos financeiros, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), admitidos à negociação numa plataforma de negociação na União, mesmo quando negociados fora de uma plataforma de negociação;

b)

Derivados referidos no anexo I, Secção C, pontos 4 a 10, da Diretiva 2004/39/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho (JO L 145, p. 1),] relacionados com um instrumento financeiro referido na alínea a) ou com um emitente de tal instrumento financeiro, mesmo quando negociados fora de uma plataforma de negociação;

c)

Instrumentos de dívida emitidos por um Estado‑Membro ou pela União e derivados referidos no anexo I, Secção C, pontos 4 a 10, da Diretiva 2004/39/CE relacionados com tais instrumentos de dívida emitidos por um Estado‑Membro ou pela União ou a eles referentes.»

10

O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 236/2012 dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)

‘Instrumento financeiro’, os instrumentos enumerados no anexo I, secção C, da Diretiva 2004/39/CE;

b)

‘Venda a descoberto’, relativamente a uma ação ou a um instrumento de dívida, qualquer venda [das] ações ou do instrumento de dívida de que o vendedor não seja titular no momento em que celebra o acordo de venda, incluindo vendas em que, no momento em que celebra o acordo de venda, o vendedor tenha tomado de empréstimo ou acordado em tomar de empréstimo as ações ou o instrumento de dívida para entrega na liquidação [...]

[...]»

11

O artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, é considerada uma posição curta sobre o capital social emitido ou sobre a dívida soberana emitida uma posição resultante de qualquer das seguintes situações:

a)

Venda a descoberto de uma ação emitida por uma sociedade ou de um instrumento de dívida emitido por um emitente soberano;

b)

Celebração de uma transação que cria ou está relacionada com um instrumento financeiro distinto dos referidos na alínea a), sempre que o efeito ou um dos efeitos da transação seja o de conferir uma vantagem financeira à pessoa singular ou coletiva que participou nessa transação em caso de diminuição do preço ou do valor da ação ou instrumento de dívida.»

12

O artigo 28.o do referido regulamento, intitulado «Poderes de intervenção da ESMA em circunstâncias excecionais», tem a seguinte redação:

«1.   Nos termos do artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento (UE) n.o 1095/2010, a ESMA deve, sem prejuízo do n.o 2 do presente artigo:

a)

Exigir que as pessoas singulares ou coletivas que detenham posições líquidas curtas relativamente a um determinado instrumento financeiro ou classe de instrumentos financeiros comuniquem a uma autoridade competente ou divulguem publicamente informações pormenorizadas sobre quaisquer posições dessa natureza; ou

b)

Proibir a participação de pessoas singulares ou coletivas, ou impor condições à sua participação, em vendas a descoberto ou transações que criem ou digam respeito a um instrumento financeiro distinto dos instrumentos financeiros a que se refere o artigo 1.o, n.o 1, alínea c), caso o efeito ou um dos efeitos da transação seja conferir uma vantagem financeira a essa pessoa se ocorrer uma redução do preço ou valor de outro instrumento financeiro.

As medidas podem aplicar‑se em circunstâncias específicas ou ser sujeitas a exceções especificadas pela ESMA. Podem, em particular, ser especificadas exceções aplicáveis às atividades de criação de mercado e às atividades do mercado primário.

2.   A ESMA só pode tomar decisões ao abrigo do n.o 1 se:

a)

As medidas referidas no n.o 1, alíneas a) e b), se destinarem a enfrentar uma ameaça para o correto funcionamento e a integridade dos mercados financeiros ou para a estabilidade da totalidade ou de parte do sistema financeiro na União e o caso tiver implicações transfronteiriças; e

b)

Nenhuma autoridade competente tiver tomado medidas para enfrentar a ameaça ou uma ou mais autoridades competentes tiverem tomado medidas que não sejam adequadas para enfrentar a ameaça.

3.   Caso tome as medidas referidas no n.o 1, a ESMA deve ter em conta até que ponto essas medidas:

a)

Enfrentam de forma significativa a ameaça para o correto funcionamento e a integridade dos mercados financeiros ou para a estabilidade da totalidade ou de parte do sistema financeiro da União ou melhoram significativamente a capacidade das autoridades competentes para controlar a ameaça;

b)

Não criam riscos de arbitragem regulatória;

c)

Não têm efeitos prejudiciais sobre a eficiência dos mercados financeiros, incluindo em termos de redução da liquidez nesses mercados ou de criação de incerteza para os participantes no mercado, que sejam desproporcionados relativamente aos seus benefícios.

Caso uma ou mais autoridades competentes tomem uma medida ao abrigo dos artigos 18.°, 19.°, 20.° ou 21.°, a ESMA pode tomar qualquer das medidas referidas no n.o 1 do presente artigo sem emitir o parecer previsto no artigo 27.o

4.   Antes de decidir impor ou prorrogar qualquer das medidas a que se refere o n.o 1, a ESMA consulta o [Comité Europeu do Risco Sistémico (ESRB)] e, se o considerar apropriado, outras autoridades relevantes.

5.   Antes de decidir impor ou prorrogar qualquer das medidas a que se refere o n.o 1, a ESMA notifica as autoridades competentes em questão da medida que se propõe tomar. A notificação deve incluir informações pormenorizadas sobre as medidas propostas, a classe de instrumentos financeiros e as transações a que se aplicam, os elementos comprovativos dos motivos que sustentam as medidas e o momento em que se pretende que estas comecem a produzir efeitos.

6.   A notificação deve ser feita com a antecedência mínima de 24 horas relativamente ao momento em que se pretende que a medida comece a produzir efeitos ou seja prorrogada. Em circunstâncias excecionais, a ESMA pode fazer a notificação menos de 24 horas antes do momento em que se pretende que a medida comece a produzir efeitos se não for possível fazê‑lo com 24 horas de antecedência.

7.   A ESMA publica no seu sítio web um aviso relativo a cada decisão de impor ou prorrogar qualquer das medidas a que se refere o n.o 1. O aviso deve pelo menos especificar:

a)

As medidas impostas, incluindo os instrumentos e as classes de transações a que se aplicam, e o respetivo período de vigência; e

b)

Os motivos pelos quais a ESMA considera necessário impor as medidas, incluindo os elementos comprovativos desses motivos.

8.   Após decidir impor ou prorrogar qualquer das medidas a que se refere o n.o 1, a ESMA notifica imediatamente as autoridades competentes das medidas tomadas.

9.   As medidas produzem efeitos a partir da data de publicação do aviso no sítio web da ESMA ou num momento posterior à publicação especificado no aviso, e só se aplicam a transações celebradas depois de a medida começar a produzir efeitos.

10.   A ESMA deve rever a intervalos adequados e, pelo menos, de três em três meses as medidas referidas no n.o 1. Se as medidas não forem prorrogadas até ao final desse período de três meses, caducam automaticamente. À renovação das medidas aplicam‑se os n.os 2 a 9.

11.   As medidas tomadas pela ESMA ao abrigo do presente artigo prevalecem sobre quaisquer medidas anteriores tomadas por autoridades competentes ao abrigo da Secção 1.»

13

O artigo 30.o do Regulamento n.o 236/2012, lido em conjugação com o artigo 42.o do mesmo regulamento, habilita a Comissão a adotar atos delegados especificando os critérios e os fatores a ter em conta pela ESMA para determinar, nomeadamente, os casos de ameaças a que se refere o artigo 28.o, n.o 2, alínea a), do referido regulamento.

14

O Regulamento Delegado (UE) n.o 918/2012 da Comissão, de 5 de julho de 2012, que complementa o Regulamento (UE) n.o 236/2012, no que diz respeito a definições, cálculo das posições líquidas curtas, swaps de risco de incumprimento soberano cobertos, limiares de comunicação, limiares de liquidez para suspensão das restrições, redução significativa do valor de instrumentos financeiros e acontecimentos desfavoráveis (JO L 274, p. 1), prevê no seu artigo 24.o, n.o 3:

«Para efeitos do artigo 28.o, n.o 2, alínea a) [do Regulamento n.o 236/2012], uma ameaça ao correto funcionamento e à integridade dos mercados financeiros ou à estabilidade do sistema financeiro na União, no seu todo ou em parte, significa:

a)

Qualquer ameaça de instabilidade financeira, monetária ou orçamental grave respeitante a um Estado‑Membro ou ao sistema financeiro de um Estado‑Membro, se tal puder constituir uma ameaça grave ao correto funcionamento e à integridade dos mercados financeiros ou à estabilidade do sistema financeiro na União, no seu todo ou em parte;

b)

A possibilidade de incumprimento por parte de um Estado‑Membro ou de um emitente supranacional;

c)

Quaisquer danos graves às estruturas físicas de importantes emitentes financeiros, infraestruturas de mercado, sistemas de compensação e liquidação e autoridades de supervisão, que possam afetar seriamente os mercados transfronteiras, em especial, sempre que esses danos decorram de uma catástrofe natural ou de um ataque terrorista, se tal puder constituir uma ameaça grave ao correto funcionamento e à integridade dos mercados financeiros ou à estabilidade do sistema financeiro na União, no seu todo ou em parte;

d)

Qualquer perturbação grave num sistema de pagamento ou processo de liquidação, em especial se estiver relacionada com operações interbancárias, que cause ou possa causar deficiências ou atrasos significativos de pagamentos ou liquidação nos sistemas de pagamento transfronteiriços da União, nomeadamente se estes puderem dar origem à propagação de tensão financeira ou económica do sistema financeiro da União, no seu todo ou em parte.»

15

A Comissão adotou o Regulamento de Execução (UE) n.o 827/2012, de 29 de junho de 2012, que estabelece normas técnicas de execução no que diz respeito aos meios para a divulgação pública das posições líquidas em ações, ao formato das informações a fornecer à Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados em relação às posições líquidas curtas, aos tipos de acordos, mecanismos e medidas para assegurar de forma adequada que as ações ou instrumentos de dívida soberana estão disponíveis para liquidação e às datas e período relevantes para a determinação da plataforma de negociação principal de uma ação em conformidade com o Regulamento n.o 236/2012 (JO L 251, p. 11).

16

O anexo 1, secção C, da Diretiva 2004/39 define o conceito de instrumentos financeiros da seguinte forma:

«1.

Valores mobiliários;

2.

Instrumentos do mercado monetário;

3.

Unidades de participação em organismos de investimento coletivo;

4.

Opções, futuros, swaps, contratos a prazo de taxa de juro e quaisquer outros contratos derivados relativos a valores mobiliários, divisas, taxas de juro ou de rendibilidades ou outros instrumentos derivados, índices financeiros ou indicadores financeiros que possam ser liquidados mediante uma entrega física ou um pagamento em dinheiro;

5.

Opções, futuros, swaps, contratos a prazo de taxa de juro e quaisquer outros contratos derivados relativos a mercadorias que devam ser liquidados em dinheiro ou possam ser liquidados em dinheiro por opção de uma das partes (por qualquer razão diferente do incumprimento ou outro fundamento para rescisão);

6.

Opções, futuros, swaps e quaisquer outros contratos derivados relativos a mercadorias que possam ser liquidados mediante uma entrega física, desde que sejam transacionados num mercado regulamentado e/ou num [sistema multilateral de negociação (multilateral trading facility) (MTF)];

7.

Opções, futuros, swaps, contratos a prazo e quaisquer outros contratos sobre derivados relativos a mercadorias, que possam ser liquidados mediante entrega física, não mencionados no ponto 6 e não destinados a fins comerciais, que tenham as mesmas características de outros instrumentos financeiros derivados, tendo em conta, nomeadamente, se são compensados ou liquidados através de câmaras de compensação reconhecidas ou se estão sujeitos ao controlo regular do saldo da conta margem;

8.

Instrumentos derivados para a transferência do risco de crédito;

9.

Contratos financeiros por diferenças [...]

10.

Opções, futuros, swaps, contratos a prazo de taxa de juro e quaisquer outros contratos sobre derivados relativos a variáveis climáticas, tarifas de fretes, licenças de emissão, taxas de inflação ou quaisquer outras estatísticas económicas oficiais, que devam ser liquidados em dinheiro ou possam ser liquidados em dinheiro por opção de uma das partes (por qualquer razão diferente do incumprimento ou outro fundamento para rescisão), bem como quaisquer outros contratos sobre derivados relativos a ativos, direitos, obrigações, índices e indicadores não mencionados na presente Secção e que tenham as mesmas características de outros instrumentos financeiros derivados, tendo em conta, nomeadamente, se são negociados num mercado regulamentado ou num MTF, se são compensados e liquidados através de câmaras de compensação reconhecidas ou se estão sujeitos ao controlo regular do saldo da conta margem.»

17

A fim de garantir o bom funcionamento do SESF, a Diretiva 2010/78/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, alterou as Diretivas 98/26/CE, 2002/87/CE, 2003/6/CE, 2003/41/CE, 2003/71/CE, 2004/39/CE, 2004/109/CE, 2005/60/CE, 2006/48/CE, 2006/49/CE e 2009/65/CE no que diz respeito às competências da Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária Europeia), da Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma) e da Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados) (JO L 331, p. 120).

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

18

O Reino Unido pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012; e

condenar os recorridos nas despesas.

19

O Parlamento pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso; e

condenar o Reino Unido nas despesas.

20

O Conselho pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso na íntegra; e

condenar o Reino Unido nas despesas.

21

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de novembro de 2013, foi admitida a intervenção do Reino de Espanha, da República Francesa, da República Italiana e da Comissão em apoio dos pedidos do Parlamento e do Conselho.

Quanto à eventual reabertura da fase oral

22

Por cartas de 24 de setembro de 2013, o Parlamento, o Conselho e a Comissão evocaram a possibilidade de uma reabertura da fase oral, em conformidade com o artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

23

A este respeito, essas três instituições indicaram que o argumento principal apresentado nas conclusões do advogado‑geral, a saber, a questão da concessão de determinados poderes decisórios à ESMA com base no artigo 114.o TFUE, «não foi suscitado por nenhuma das partes», pelo que constitui «um argumento novo» relativamente ao qual as partes não tiveram a possibilidade de se pronunciar.

24

Importa, contudo, observar que, no seu quarto fundamento, o recorrente invoca a violação do artigo 114.o TFUE e que o referido argumento foi abordado na audiência no Tribunal de Justiça.

25

Nestas condições e tendo em conta os elementos enunciados no artigo 83.o do Regulamento de Processo, não deve ser dado seguimento à sugestão feita.

Quanto ao recurso

Observação preliminar

26

No que respeita ao objeto do recurso, deve observar‑se que o recorrente pretende apenas a anulação do artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 e não põe em causa a instituição da ESMA.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos princípios respeitantes à delegação de poderes enunciados no acórdão Meroni/Alta Autoridade

Argumentos das partes

27

Em apoio do seu primeiro fundamento, o Reino Unido invoca cinco argumentos.

28

Em primeiro lugar, o Reino Unido alega que uma decisão da ESMA relativa à questão de saber se os critérios enunciados no artigo 28.o, n.o 2, do Regulamento n.o 236/2012 estão reunidos implica um «amplo poder discricionário». Em especial, o facto de determinar se existe ou não uma «ameaça» para o correto funcionamento e a integridade dos mercados financeiros ou para a estabilidade da totalidade ou de parte do sistema financeiro constitui, em si, uma «decisão extremamente subjetiva». O facto de os Estados‑Membros terem adotado abordagens divergentes quanto à venda a descoberto demonstra o caráter discricionário das escolhas a fazer.

29

O Reino Unido considera que, para determinar se as autoridades competentes tomaram ou não medidas para pôr termo a essa ameaça ou tomaram medidas que não são adequadas para a enfrentar, a ESMA deve adotar decisões suscetíveis de serem controversas. A adoção dessas decisões associa esse organismo à implementação de uma verdadeira política económica e obriga a ESMA a dirimir os conflitos entre diferentes interesses públicos, a emitir juízos de valor ou a proceder a avaliações financeiras complexas.

30

Em segundo lugar, o Reino Unido considera que, nos termos do artigo 28.o, n.o 1, do Regulamento n.o 236/2012, a ESMA dispõe de um amplo leque de escolhas no que respeita à medida, ou às medidas, a impor e às eventuais exceções a prever. Essas escolhas têm implicações muito significativas em matéria de política económica e financeira.

31

O Reino Unido precisa que a ESMA dispõe de um poder de apreciação extremamente amplo quando determina a forma como se devem ter em conta os fatores enumerados no artigo 28.o, n.o 3, do Regulamento n.o 236/2012. Esse tipo de decisões exige uma análise das principais implicações em termos de política económica, como a incidência na liquidez e o nível de incerteza que serão gerados nos mercados financeiros, elementos esses que, por sua vez, têm consequências a longo prazo na confiança geral nos mercados. Tratam‑se, então, de «juízos de mérito indetermináveis» que não podem ser qualificados de decisões adotadas com base em critérios estabelecidos e suscetíveis de serem examinados objetivamente.

32

Em terceiro lugar, o Reino Unido indica que, na sua escolha das medidas a tomar, a ESMA se deve nortear pelos fatores enunciados no artigo 28.o, n.o 3, do Regulamento n.o 236/2012. Ora, os referidos fatores contêm «critérios altamente subjetivos». Por outro lado, a ESMA dispõe de um grande poder discricionário quanto à tomada em consideração dos critérios enunciados na mesma disposição. Com efeito, a disposição em causa não especifica a conduta a seguir pela ESMA se esta considerar, por exemplo, que uma medida que se propõe adotar pode ter efeitos prejudiciais na eficiência dos mercados financeiros que sejam desproporcionados relativamente aos seus benefícios.

33

Em quarto lugar, o Reino Unido sustenta que, ainda que as medidas tomadas pela ESMA sejam teoricamente temporárias, isso não altera em nada a sua natureza fundamental. Mesmo as proibições temporárias que visam transações nos mercados financeiros podem ter consequências significativas a longo prazo, nomeadamente um impacto na liquidez dos mercados, e provocar efeitos potencialmente duradouros na confiança global desses mercados. Com efeito, os princípios estabelecidos no acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, Colet. 1954-1961, p. 175), aplicam‑se tanto a medidas permanentes como a medidas temporárias.

34

Em quinto lugar, o Reino Unido alega que, mesmo que o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 devesse ser interpretado no sentido de que não conduz a ESMA a fazer escolhas políticas sob a forma de decisões de política macroeconómica, o mesmo não deixaria de ser contrário ao princípio estabelecido no acórdão Meroni/Alta Autoridade, já referido. Com efeito, à semelhança dos organismos objeto desse acórdão, a ESMA dispõe de um amplo poder discricionário no que respeita à aplicação da política em causa.

35

O Parlamento considera que não são considerações políticas, mas análises profissionais complexas, que comandam as decisões a tomar. Decorre do artigo 28.o, n.o 2, do Regulamento n.o 236/2012 que uma medida de ação só é autorizada se for para enfrentar ameaças bem determinadas. Essas medidas a tomar exigem um elevado nível de informação e de competência tanto técnica como económica. Além disso, os poderes conferidos à ESMA são concebidos para permitir uma intervenção rápida e para reagir a uma ameaça iminente.

36

O Parlamento acrescenta que os poderes conferidos ao abrigo do artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 são objeto de critérios e de limitações bem precisos. Foram instituídos no âmbito de um método e de uma prática de supervisão profissional que se inscreve num quadro legislativo e regulamentar que não pode ser comparado ao que foi objeto do acórdão Meroni/Alta autoridade, já referido.

37

O Conselho salienta que a ESMA não dispõe de nenhum poder discricionário no que respeita à adoção das medidas abrangidas pelo artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012, mas que está obrigada a adotá‑las no caso de se verificarem determinadas circunstâncias, a saber, a existência de uma ameaça para o correto funcionamento e a integridade dos mercados financeiros ou para a estabilidade do sistema financeiro na União.

38

O Conselho sustenta que a ESMA deve dispor, relativamente a todas as suas atividades, incluindo as previstas no artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012, de um certo poder de apreciação para qualificar os atos à luz das normas jurídicas. Esse poder é, contudo, conforme com o acórdão Meroni/Alta Autoridade, já referido. Com efeito, existe uma diferença entre o amplo poder discricionário visado nesse acórdão e a capacidade de adotar decisões de caráter exclusivo num determinado contexto factual.

39

A Comissão alega que os poderes conferidos à ESMA ao abrigo do artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 respeitam o equilíbrio dos poderes inscrito nos Tratados, como interpretado pelo Tribunal de Justiça. Decorre, nomeadamente, do acórdão Meroni/Alta Autoridade, já referido, que, mesmo na inexistência de qualquer referência a uma delegação de poderes no Tratado CECA, uma instituição, nas condições enunciadas no referido acórdão, pode delegar poderes decisórios de execução delimitados a um organismo distinto, uma vez que essa delegação não constitui uma verdadeira transferência de responsabilidade em que as escolhas da autoridade delegante são substituídas pelas da autoridade delegatária.

40

A Comissão considera que os organismos da União, como a ESMA, aos quais podem ser conferidos poderes decisórios de natureza executiva, não podem ser proibidos de avaliar os elementos de facto previstos na legislação pertinente que não impliquem escolhas que traduzam uma política económica, mas unicamente uma apreciação técnica no seu domínio de especialização. Uma medida escolhida pela ESMA deve permitir garantir o correto funcionamento e a integridade dos mercados financeiros ou a estabilidade da totalidade ou de parte do sistema financeiro na União.

Apreciação do Tribunal

41

Nas páginas 196 e 198 do acórdão Meroni/Alta Autoridade, já referido, o Tribunal de Justiça salientou, no essencial, que as consequências resultantes de uma delegação de poderes são muito diferentes, consoante esta vise, por um lado, poderes executivos claramente delimitados e cuja utilização seja, portanto, suscetível de um controlo rigoroso à luz de critérios objetivos fixados pela autoridade delegante, ou, por outro, um «poder discricionário, que implica uma ampla liberdade de apreciação suscetível de traduzir, pela respetiva utilização, uma verdadeira política económica».

42

O Tribunal de Justiça indicou também no mesmo acórdão que uma delegação do primeiro tipo não é suscetível de alterar sensivelmente as consequências provocadas pelo exercício dos poderes que ela implica, ao passo que uma delegação do segundo tipo, ao substituir as escolhas da autoridade delegante pelas da autoridade delegatária, opera uma «verdadeira transferência da responsabilidade». No que respeita ao processo que deu origem ao acórdão Meroni/Alta Autoridade, já referido, o Tribunal de Justiça declarou então que a delegação de poderes conferida pela Alta Autoridade aos organismos em causa mediante a sua decisão n.o 14‑55, de 26 de março de 1955, que instituía um mecanismo financeiro permitindo garantir o abastecimento regular em sucata do mercado comum (JO 1955, 8, p. 685), lhes conferia uma «liberdade de apreciação que implicava um amplo poder discricionário» e não pode ser considerada compatível com os «requisitos do Tratado».

43

Importa observar que os organismos em causa, visados no acórdão Meroni/Alta Autoridade, já referido, eram entidades de direito privado, ao passo que a ESMA é uma entidade da União criada pelo seu legislador.

44

Quanto aos poderes de que a ESMA é titular ao abrigo do artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012, deve salientar‑se, antes de mais, que esta disposição não atribui nenhuma competência autónoma à referida entidade que ultrapasse o quadro regulamentar instituído pelo Regulamento ESMA.

45

Em seguida, importa observar que, contrariamente aos poderes delegados aos organismos em causa, objeto do acórdão Meroni/Alta Autoridade, já referido, o exercício dos poderes previstos no artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 está enquadrado por diversos critérios e condições que delimitam o âmbito de ação da ESMA.

46

Com efeito, em primeiro lugar, a ESMA só está autorizada a tomar as medidas previstas no artigo 28.o, n.o 1, do Regulamento n.o 236/2012 se, em conformidade com o n.o 2 desse artigo, as referidas medidas se destinarem a enfrentar ameaças para o correto funcionamento e a integridade dos mercados financeiros ou para a estabilidade da totalidade ou de parte do sistema financeiro na União e o caso tiver implicações transfronteiriças. Além disso, qualquer medida da ESMA está sujeita à condição de que nenhuma autoridade nacional competente tenha tomado uma medida para pôr termo a essas ameaças, ou de que uma ou mais dessas autoridades tenham tomado medidas que não se revelam adequadas para as enfrentar.

47

Em segundo lugar, quando toma as medidas previstas no artigo 28.o, n.o 1, do Regulamento n.o 236/2012, a ESMA, em conformidade com o n.o 3 deste artigo, deve verificar de que maneira aquelas permitem enfrentar de forma significativa a ameaça para o correto funcionamento e a integridade dos mercados financeiros ou para a estabilidade da totalidade ou de parte do sistema financeiro da União ou melhorar significativamente a capacidade das autoridades competentes para controlar a ameaça em questão, não criam riscos de arbitragem regulatória e não têm efeitos prejudiciais na eficiência dos mercados financeiros, incluindo em termos de redução da liquidez nesses mercados ou de criação de incerteza para os participantes no mercado, que sejam desproporcionados relativamente aos seus benefícios.

48

Daqui decorre que, antes de qualquer tomada de decisão, a ESMA deve, portanto, examinar um número significativo de fatores indicados no artigo 28.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 236/2012, sendo essas condições cumulativas.

49

Por outro lado, os dois tipos de medidas que a ESMA pode tomar nos termos do artigo 28.o, n.o 1, do Regulamento n.o 236/2012 estão estritamente limitados às enunciadas no artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento ESMA.

50

Por último, nos termos do artigo 28.o, n.os 4 e 5, do Regulamento n.o 236/2012, a ESMA está obrigada a consultar o ESRB e, se o considerar apropriado, outras autoridades relevantes e deve notificar as autoridades nacionais competentes em questão da medida que se propõe tomar, nomeadamente, informações pormenorizadas sobre as medidas propostas e os elementos que justificam as razões pelas quais deve ser adotada. Incumbe também à ESMA rever as medidas a intervalos adequados e, pelo menos, de três em três meses. Assim, a margem de apreciação da ESMA é limitada tanto pela obrigação de consulta acima mencionada como pelo caráter temporário das medidas autorizadas que, definidas com base nas melhores práticas existentes em matéria de supervisão e à luz de elementos justificativos, são tomadas para enfrentar uma ameaça que exige uma intervenção ao nível da União.

51

O enquadramento detalhado dos poderes de intervenção atribuídos à ESMA é também salientado no artigo 30.o do Regulamento n.o 236/2012, segundo o qual a Comissão fica habilitada a adotar, nos termos do artigo 42.o deste regulamento, atos delegados especificando os critérios e os fatores a ter em conta pelas autoridades competentes e pela ESMA para determinarem os casos em que ocorrem certos acontecimentos ou desenvolvimentos desfavoráveis e as ameaças a que se refere o artigo 28.o, n.o 2, alínea a), do referido regulamento.

52

A este respeito, o artigo 24.o do Regulamento n.o 918/2012 salienta mais ainda a avaliação factual de caráter técnico que deve ser efetuada pela ESMA. Com efeito, o n.o 3 do referido artigo limita os poderes de intervenção da ESMA em situações excecionais, nomeadamente pormenorizando o tipo de ameaça que pode levar a ESMA a intervir nos mercados financeiros.

53

Resulta do exposto que os poderes de que a ESMA dispõe nos termos do artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 estão enquadrados de forma precisa e são suscetíveis de fiscalização jurisdicional à luz dos objetivos fixados pela autoridade delegante. Esses poderes cumprem, assim, as exigências impostas no acórdão Meroni/Alta Autoridade, já referido.

54

Por conseguinte, os referidos poderes não implicam, contrariamente às alegações do recorrente, que a ESMA disponha de um «amplo poder discricionário» incompatível com o Tratado FUE na aceção do referido acórdão.

55

Por conseguinte, o primeiro fundamento não pode ser acolhido.

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação de um princípio enunciado no acórdão Romano

Argumentos das partes

56

O Reino Unido considera que o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 autoriza a ESMA a adotar «atos quase legislativos» de alcance geral e que essa faculdade viola o princípio enunciado no acórdão de 14 de maio de 1981, Romano (98/80, Recueil, p. 1241).

57

O Reino Unido observa que uma proibição de vendas a descoberto afeta todas as pessoas que efetuam transações através desse instrumento ou dessa categoria de instrumentos. Tratar‑se‑ia, assim, não de uma decisão individual ou mesmo de um conjunto de decisões individuais, ainda que essa medida esteja limitada a uma gama de valores muito restrita, mas de uma «medida normativa de alcance geral».

58

O Parlamento alega que o poder de impor proibições nos termos da referida disposição se limita a autorizar uma intervenção no quadro de instrumentos financeiros determinados. Neste sentido, os atos que podem ser adotados teriam sempre um caráter de execução. À luz das suas características técnicas, esses atos, na medida em que dão uma resposta temporária, são decisões de execução, ainda que possam comportar certos elementos de caráter geral.

59

O Parlamento sustenta que as medidas suscetíveis de serem tomadas pela ESMA nos termos do artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 não podem ser equiparadas a disposições «quase legislativas» ou a um aspeto «normativo» na aceção do acórdão Romano, já referido. Em todas as medidas suscetíveis de serem tomadas ao abrigo desse artigo, três outros elementos evidenciam o caráter executivo das decisões da ESMA, a saber, a dimensão técnica, a vontade, mediante a medida em causa, de responder a uma situação particular e a natureza temporária da intervenção.

60

O Conselho afirma que o Tribunal de Justiça não fez referência ao conceito de «atos quase legislativos» nem ao de «atos de alcance geral» no acórdão Romano, já referido, nem em nenhum outro acórdão posterior. Assim, o dito acórdão deve ser interpretado no sentido de que proíbe a atribuição de poderes legislativos a órgãos diferentes do legislador da União.

61

O Conselho recorda que, nos termos do artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012, a ESMA está obrigada a tomar uma decisão quando se verificam determinadas circunstâncias, estando estas definidas no referido artigo, bem como os critérios que definem o conteúdo dessas medidas. Assim, a ESMA limita‑se a aplicar a legislação da União, de modo que as decisões previstas nessa disposição não revestem um caráter legislativo, mas executivo.

62

A Comissão explica que, no processo que deu origem ao acórdão Romano, já referido, não era possível submeter os atos adotados pela entidade em questão, mesmo sendo estes de alcance geral, a uma fiscalização jurisdicional. Consequentemente, o Tribunal de Justiça considerou, acertadamente, que essa atribuição de poderes de adotar atos com caráter normativo não respeitava o Tratado FUE.

Apreciação do Tribunal

63

Para responder ao segundo fundamento, há que recordar que, no n.o 20 do acórdão Romano, já referido, o Tribunal de Justiça observou que resultava tanto do direito primário em matéria de competências conferidas pelo Conselho à Comissão para a execução de normas que o mesmo estabelece como do sistema jurisdicional instituído pelo Tratado [CEE] que um órgão, como o que estava em causa no processo que deu origem a esse acórdão, no caso, uma comissão administrativa, não pode ser habilitado pelo Conselho a adotar «atos com caráter normativo». Segundo o Tribunal de Justiça, uma decisão desse órgão, sendo suscetível de ajudar as instituições encarregadas de aplicar o direito da União, não as pode obrigar a seguir certos métodos ou a adotar certas interpretações quando aplicam as normas da União. O Tribunal de Justiça concluiu daí que a decisão controvertida adotada por essa comissão administrativa «não vinculava» o órgão jurisdicional de reenvio.

64

Na verdade, decorre do artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 que a ESMA é chamada a adotar, ao abrigo desse artigo, em circunstâncias estritamente circunscritas, atos de alcance geral. Esses atos podem também incluir normas dirigidas a todas as pessoas singulares ou coletivas que detenham um determinado instrumento financeiro ou classe de instrumentos financeiros ou procedam a certas transações financeiras.

65

Isto não implica, contudo, que o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 viole o princípio enunciado no acórdão Romano, já referido. Com efeito, há que recordar que o quadro institucional instituído pelo Tratado FUE, e, em especial, os artigos 263.°, primeiro parágrafo, TFUE e 277.° TFUE, permite expressamente que os órgãos e organismos da União adotem atos de alcance geral.

66

Nestas condições, não se pode inferir do acórdão Romano, já referido, que a delegação de poderes a uma instância como a ESMA seria regulada por condições diferentes das enunciadas no acórdão Meroni/Alta Autoridade, já referido, e recordadas nos n.os 41 e 42 do presente acórdão.

67

Ora, como decorre da apreciação do primeiro fundamento invocado pelo Reino Unido, este não demonstrou que a delegação de poderes à ESMA, resultante do artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012, é contrária às referidas condições e, em especial, à que prevê que esta delegação só pode dizer respeito a poderes executivos, claramente definidos.

68

Por conseguinte, o segundo fundamento não pode ser acolhido.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma delegação de poderes incompatível com os artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE

Argumentos das partes

69

O Reino Unido sustenta que, enquanto os artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE delimitam as circunstâncias em que podem ser atribuídos certos poderes à Comissão, os Tratados não atribuem nenhuma competência ao Conselho para delegar a um organismo da União poderes como os previstos no artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012.

70

O Reino Unido explica que qualquer proibição de vendas a descoberto nos termos do artigo 28.o, n.o 1, do Regulamento n.o 236/2012 visa todas as pessoas que efetuam transações mediante esse instrumento ou essa classe de instrumentos. Trata‑se, assim, de uma medida de alcance geral que não pode ser confiada ao organismo em causa.

71

O Parlamento salienta que, na verdade, os artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE não preveem a atribuição de poderes a um organismo da União. Contudo, essas disposições não indicam, porém, que os poderes suscetíveis de ser atribuídos a essa entidade devam ser mais restritivos do que eram antes da entrada em vigor do Tratado FUE. Assim, o facto de a Comissão poder exercer poderes ao abrigo desses artigos não exclui a possibilidade de atribuir outros poderes a esse organismo.

72

O Parlamento considera que o legislador da União pode conferir poderes a um organismo da União com vista à adoção de medidas de caráter executório em domínios que exigem uma competência técnica especial. Contudo, esses poderes não devem permitir a adoção de medidas de regulamentação de natureza geral que possam ser qualificadas de «normativas» ou que exijam verdadeiros poderes discricionários. Desde que os poderes sejam definidos pelo legislador da União, tenham caráter de execução e sejam regulados por considerações de ordem profissional, técnica ou científica, não prejudicam o equilíbrio institucional.

73

O Conselho alega que nenhuma disposição dos Tratados faz especificamente referência à delegação de poderes a organismos da União. Contudo, isso não implica que qualquer atribuição desse tipo pelo legislador da União seja incompatível com os artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE. Com efeito, a natureza das medidas que podem ser tomadas pela ESMA, nos termos do artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012, é completamente diferente da dos atos adotados ao abrigo das referidas disposições do Tratado FUE.

74

O Conselho observa que o artigo 290.o TFUE só prevê exigências processuais em matéria de controlo dos poderes atribuídos à Comissão no que respeita à adoção de atos delegados, cuja finalidade é «complet[ar] ou alter[ar] certos elementos não essenciais do ato legislativo».

75

Relativamente aos atos de execução suscetíveis de serem adotados ao abrigo do artigo 291.o TFUE, o Conselho salienta que este artigo não enuncia nenhuma limitação de ordem processual, com exceção da obrigação de o legislador da União adotar disposições relativas à implementação das competências aí previstas.

76

A Comissão alega que, contrariamente à delegação de poderes quase legislativos, regulada no artigo 290.o TFUE, os Tratados não precisam se os poderes de execução podem ser delegados nem em que medida o podem ser. Quanto aos poderes de execução, os artigos 17.° TUE e 291.° TFUE não excluem que o legislador da União ou a Comissão possam, em princípio, delegá‑los a uma entidade não institucional.

Apreciação do Tribunal

77

A título preliminar, há que recordar que o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 não prevê uma delegação à Comissão, mas a um órgão ou a um organismo da União.

78

Nestas condições e para responder a este terceiro fundamento, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre a questão de saber se os autores do Tratado FUE pretenderam estabelecer, nos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE, um quadro jurídico único que permite atribuir exclusivamente à Comissão certos poderes delegados e de execução ou se podem ser previstos pelo legislador da União outros sistemas de delegação desses poderes a órgãos ou a organismos da União.

79

A este respeito, deve observar‑se que, embora seja verdade que os Tratados não contêm nenhuma disposição que preveja a atribuição de poderes a um órgão ou a um organismo da União, o certo é que diversas disposições do Tratado FUE pressupõem que essa possibilidade existe.

80

Com efeito, nos termos do artigo 263.o TFUE, as entidades da União relativamente às quais o Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade incluem os «órgãos» e os «organismos» da União. Em conformidade com o artigo 265.o TFUE, são‑lhes aplicáveis as regras da ação por omissão. Nos termos do artigo 267.o TFUE, os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros podem, a título prejudicial, submeter ao Tribunal de Justiça questões relativas à validade e à interpretação dos atos dessas entidades. Esses atos podem também ser objeto de uma exceção de ilegalidade nos termos do artigo 277.o TFUE.

81

Esses mecanismos de fiscalização da legalidade aplicam‑se aos órgãos e aos organismos instituídos pelo legislador da União que foram dotados de poderes para adotar atos juridicamente vinculativos relativamente a pessoas singulares ou coletivas nos domínios específicos, como a Agência Europeia dos Produtos Químicos, a Agência Europeia de Medicamentos, o Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos), o Instituto Comunitário das Variedades Vegetais e a Agência Europeia para a Segurança da Aviação.

82

No que respeita ao presente processo, importa salientar que o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 atribui à ESMA certos poderes decisórios num domínio que exige a articulação entre uma competência profissional e técnica específica.

83

Esta atribuição de poderes não corresponde, contudo, a nenhum dos casos previstos nos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE.

84

Como referido nos n.os 2 a 4 do presente acórdão, o quadro jurídico em que se insere o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 é nomeadamente determinado pelos Regulamentos n.o 1092/2010, ESMA e n.o 236/2012. Estes regulamentos fazem parte de um conjunto de instrumentos de regulação adotados pelo legislador da União para que esta, tendo em conta a integração dos mercados financeiros internacionais e os riscos de contágio no âmbito das crises financeiras, possa atuar a favor da estabilidade financeira internacional, como indica o considerando 7 do Regulamento n.o 1092/2010.

85

Consequentemente, o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 não pode ser considerado isoladamente. Pelo contrário, este artigo deve ser entendido como parte de um conjunto de normas que visam dotar as autoridades nacionais competentes e a ESMA de poderes de intervenção para fazer face a evoluções desfavoráveis que ameacem a estabilidade financeira no seio da União e a confiança dos mercados. Para o efeito, essas autoridades devem estar em condições de impor restrições temporárias às vendas a descoberto de certos valores financeiros ou à celebração de swaps de risco de incumprimento ou de outras transações com vista a impedir quedas descontroladas dos preços desses instrumentos. Essas instâncias dispõem de um alto nível de competência profissional e colaboram de forma muito estreita na prossecução do objetivo de estabilidade financeira no seio da União.

86

Assim, não se pode considerar que o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012, lido em conjugação com os outros instrumentos adotados neste domínio, acima evocados, põe em causa o regime das delegações previsto nos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE.

87

Daqui resulta que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 114.o TFUE

Argumentos das partes

88

O Reino Unido entende que o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 não visa autorizar a ESMA a tomar medidas individuais dirigidas a pessoas singulares ou coletivas. Em contrapartida, as medidas suscetíveis de serem tomadas ao abrigo da referida disposição têm alcance geral.

89

O Reino Unido considera que, se, todavia, se devesse considerar que o artigo 28.o do referido regulamento autoriza a ESMA a dirigir decisões a pessoas singulares ou coletivas, esse artigo excederia os poderes previstos no artigo 114.o TFUE. Esta disposição não habilita o legislador da União a tomar decisões individuais sem alcance geral nem a delegar na Comissão ou num organismo da União o poder de adotar essas decisões.

90

O Reino Unido sustenta que as decisões dirigidas a instituições financeiras infirmando as tomadas pelas autoridades nacionais competentes não podem ser consideradas medidas de harmonização nos termos do artigo 114.o TFUE. Pelo contrário, essas decisões individuais constituem uma regulamentação direta emanada de um organismo da União tendo como destinatários os sujeitos dos Estados‑Membros.

91

O Parlamento alega que o conceito de «harmonização» na aceção do artigo 114.o TFUE engloba o poder de adotar, se necessário, medidas individuais. Além disso, a União está habilitada a instituir organismos e a conferir‑lhes um papel na aplicação desta disposição, desde que essas instâncias se insiram num contexto normativo que aproxime as disposições relativas ao mercado interno.

92

O Parlamento salienta que a possibilidade conferida à ESMA de intervir eventualmente no mercado financeiro da União visa a hipótese de a ação nacional ser insuficiente ou inadequada. Assim, as medidas adotadas ao abrigo do artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 destinam‑se a evitar de forma harmonizada os riscos associados às vendas a descoberto e asseguram o bom funcionamento do mercado interno.

93

O Conselho observa que o artigo 114.o TFUE pode servir de base jurídica para habilitar a ESMA a adotar medidas individuais. Com efeito, este artigo confere ao legislador da União, em função do contexto geral e das circunstâncias específicas da matéria a harmonizar, uma margem de apreciação quanto à técnica de aproximação mais adequada para alcançar o resultado pretendido, designadamente em domínios que se caracterizam por especificidades técnicas complexas.

94

O Conselho salienta que as medidas que podem ser tomadas pela ESMA no âmbito do artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 se destinam a fazer face a uma ameaça ao correto funcionamento e à integridade dos mercados financeiros ou à estabilidade da totalidade ou de parte do sistema financeiro na União. O referido artigo 28.o estabelece que a ESMA só pode adotar medidas de intervenção se existirem implicações transfronteiriças e quando não tiver sido adotada nenhuma medida nacional ou a mesma não tenha sido suficiente.

95

A Comissão afirma que o artigo 28.o, n.o 1, do Regulamento n.o 236/2012 faz referência ao artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento ESMA, que permite a esta última proibir ou limitar, em determinadas condições, certas atividades financeiras, tendo este último regulamento sido adotado também com base no artigo 114.o TFUE. Seria, portanto, difícil conceber que o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 pudesse ultrapassar as competências conferidas ao legislador da União por esse artigo 114.o TFUE.

96

A Comissão explica que as medidas enunciadas no artigo 28.o, n.o 1, do referido regulamento não devem ser examinadas isoladamente, mas consideradas em conjunto com outras disposições que regulam a fiscalização das atividades das vendas a descoberto. Assim, as missões da ESMA estariam estreitamente ligadas às normas que visam aproximar as disposições nacionais divergentes nesse domínio.

Apreciação do Tribunal

97

A título preliminar, cumpre observar que o quarto fundamento invocado pelo recorrente só é apresentado na hipótese de o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 dever ser interpretado no sentido de que autoriza a ESMA a adotar decisões com caráter individual dirigidas a pessoas singulares ou coletivas.

98

Se, como decorre do n.o 64 do presente acórdão, o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 habilita a ESMA a adotar, em circunstâncias estritamente circunscritas, atos de alcance geral, não se pode, contudo, excluir que a mesma possa ser levada, com base em poderes que lhe são atribuídos por esse artigo, a tomar também decisões dirigidas a determinadas pessoas singulares ou coletivas.

99

Para responder ao quarto fundamento, o Tribunal de Justiça deve pronunciar‑se sobre a questão de saber se o regime de intervenção estabelecido no artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 é suscetível de estar abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 114.o TFUE.

100

No que respeita ao alcance do artigo 114.o TFUE, há que recordar que um ato legislativo adotado com essa base jurídica deve, por um lado, incluir medidas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros e, por outro, ter como objeto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno.

101

Consequentemente, há que examinar se o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 cumpre estas duas condições.

102

Em primeiro lugar, através da expressão «medidas relativas à aproximação», os autores do Tratado FUE quiseram conferir ao legislador da União, em função do contexto geral e das circunstâncias específicas da matéria a harmonizar, uma margem de apreciação quanto à técnica de aproximação mais adequada para alcançar o resultado pretendido, designadamente em domínios que se caracterizam por particularidades técnicas complexas (v. acórdão de 6 de dezembro de 2005, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C-66/04, Colet., p. I-10553, n.o 45).

103

A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que essa margem de apreciação pode ser utilizada, designadamente, para escolher a técnica de harmonização mais adequada quando a aproximação prevista exija análises altamente técnicas e especializadas, bem como a tomada em consideração dos desenvolvimentos num domínio particular (v., neste sentido, acórdão Reino Unido/Parlamento e Conselho, já referido, n.o 46).

104

Além disso, no seu acórdão de 2 de maio de 2006, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C-217/04, Colet., p. I-3771, n.o 44), o Tribunal de Justiça declarou, designadamente, que, segundo a apreciação efetuada pelo legislador da União, pode revelar‑se necessário prever a criação de um organismo da União encarregado de contribuir para a realização de um processo de harmonização.

105

Por conseguinte, na sua escolha da técnica de aproximação e tendo em conta a margem de apreciação de que beneficia quanto às medidas previstas no artigo 114.o TFUE, o legislador da União pode delegar num órgão ou num organismo da União as competências destinadas a implementar a harmonização pretendida. É o que acontece quando as medidas a tomar se devem apoiar numa competência profissional e técnica particular assim como numa capacidade de reação dessa entidade.

106

Tendo o recorrente alegado designadamente que o artigo 114.o TFUE não pode servir de base jurídica para a adoção de atos juridicamente vinculativos em relação a particulares, há que recordar que, no seu acórdão de 9 de agosto de 1994, Alemanha/Conselho (C-359/92, Colet., p. I-3681, n.o 37), o Tribunal de Justiça declarou que é possível que, em certos domínios, a simples aproximação das regras gerais não baste para assegurar a unidade do mercado. Nesta medida, o conceito de «medidas relativas à aproximação» deve ser interpretado no sentido de que engloba o poder do legislador da União de prescrever medidas relativas a dado produto ou categoria de produtos e, sendo caso disso, medidas individuais relativas a tais produtos.

107

A este respeito, no n.o 44 do seu acórdão de 2 de maio de 2006, Reino Unido/Parlamento e Conselho, já referido, o Tribunal de Justiça salientou que a redação do artigo 114.o TFUE de modo nenhum permite concluir que as medidas tomadas pelo legislador da União com fundamento nesse artigo se devem limitar, quanto aos seus destinatários, apenas aos Estados‑Membros.

108

Ora, há que observar que, com o artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012, o legislador da União pretendeu instituir, em face das ameaças graves ao correto funcionamento e à integridade dos mercados financeiros ou à estabilidade do sistema financeiro da União, um mecanismo adequado que permita, em última instância e em circunstâncias bem específicas, a adoção de medidas aplicáveis em toda a União, que podem assumir, se necessário, a forma de decisões dirigidas a certos operadores nos referidos mercados.

109

A este respeito, resulta do considerando 1 do Regulamento n.o 236/2012 que as autoridades competentes de diversos Estados‑Membros adotaram medidas de emergência para restringir ou proibir as vendas a descoberto de alguns ou de todos os valores mobiliários devido a ameaças à viabilidade das instituições financeiras e de riscos sistémicos daí decorrentes. Especifica‑se, além disso, que os Estados‑Membros tomaram medidas divergentes, já que a União não dispõe de um enquadramento legislativo comum específico para as questões associadas às vendas a descoberto.

110

O legislador da União precisou também, no considerando 3 do Regulamento n.o 236/2012, que é conveniente e necessário que as regras enunciadas neste regulamento assumam a forma legal de um regulamento, a fim de garantir que as disposições que impõem diretamente aos privados obrigações de comunicação e divulgação das suas posições líquidas curtas em relação a certos instrumentos e em relação às vendas a descoberto sem garantia de detenção dos ativos correspondentes sejam uniformemente aplicadas em toda a União. A forma de regulamento foi considerada necessária para conferir à ESMA os poderes necessários para coordenar as medidas tomadas pelas autoridades competentes ou para tomar ela própria as medidas necessárias no domínio em causa.

111

Além disso, o legislador da União sublinhou, no considerando 5 do Regulamento n.o 236/2012, que, para pôr fim à atual situação fragmentada, em que alguns Estados‑Membros têm tomado medidas divergentes, e reduzir a possibilidade de isso continuar a acontecer, é importante enfrentar de forma harmonizada os potenciais riscos resultantes das vendas a descoberto e dos swaps de risco de incumprimento.

112

O artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 visa efetivamente a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas à supervisão de um certo número de valores e ao controlo, em situações determinadas, de certas transações comerciais que têm por objeto os referidos valores, a saber, posições líquidas curtas relativamente a um determinado instrumento financeiro ou classe de instrumentos financeiros.

113

Em segundo lugar, e quanto à condição enunciada no artigo 114.o TFUE, segundo a qual as medidas de aproximação adotadas pelo legislador da União devem ter por objeto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno, cumpre recordar que o Tribunal de Justiça salientou, no n.o 42 do seu acórdão de 2 de maio de 2006, Reino Unido/Parlamento e Conselho, já referido, que essa disposição só é utilizada como base jurídica quando resulte objetiva e efetivamente de um ato jurídico que o seu objeto consiste na melhoria das condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno.

114

A este propósito, é enunciado no considerando 2 do Regulamento n.o 236/2012 que a sua finalidade é garantir o funcionamento adequado do mercado interno e melhorar as condições desse funcionamento, nomeadamente no que diz respeito aos mercados financeiros. O legislador da União considerou então adequado definir um enquadramento legal comum relativamente aos requisitos e poderes relacionados com as vendas a descoberto e os swaps de risco de incumprimento e garantir uma maior coordenação e coerência entre os Estados‑Membros quando tiverem de ser tomadas medidas em circunstâncias excecionais. Consequentemente, a harmonização das regras aplicáveis a essas transações visam impedir a criação de obstáculos ao correto funcionamento do mercado interno e a persistência de medidas divergentes aplicadas pelos Estados‑Membros.

115

Deve acrescentar‑se que, nos termos do considerando 33 do referido regulamento, embora as autoridades competentes estejam habitualmente em melhor posição para acompanhar e reagir rapidamente a acontecimentos ou evoluções desfavoráveis, a ESMA deve também ter o poder de tomar medidas sempre que as vendas a descoberto ou outras atividades conexas ameacem o correto funcionamento e a integridade dos mercados financeiros ou a estabilidade da totalidade ou de parte do sistema financeiro da União, quando existam implicações transfronteiriças e quando as autoridades competentes não tenham tomado medidas suficientes para enfrentar essa ameaça.

116

Daqui resulta que os poderes previstos no artigo 28.o do Regulamento n.o 236/2012 têm efetivamente por objeto a melhoria das condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno no domínio financeiro.

117

Decorre do conjunto das considerações precedentes que o artigo 28.o do referido regulamento preenche as duas condições previstas no artigo 114.o TFUE. Este artigo constitui assim uma base jurídica adequada para a adoção desse artigo 28.o

118

Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

119

Resulta do conjunto das considerações precedentes que deve ser negado provimento ao recurso na íntegra.

Quanto às despesas

120

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorridos pedido a condenação do Reino Unido e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas. O Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana e a Comissão, que intervieram em apoio dos pedidos dos recorridos, suportam, em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do referido regulamento, as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte é condenado nas despesas.

 

3)

O Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana e a Comissão Europeia suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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