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Document 62012CJ0059

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 3 de outubro de 2013.
BKK Mobil Oil Körperschaft des öffentlichen Rechts contra Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs eV.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
Diretiva 2005/29/CE — Práticas comerciais desleais — Âmbito de aplicação — Informações enganosas difundidas por uma caixa de seguro de doença do regime legal de segurança social — Caixa constituída sob a forma de uma entidade de direito público.
Processo C‑59/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:634

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

3 de outubro de 2013 ( *1 )

«Diretiva 2005/29/CE — Práticas comerciais desleais — Âmbito de aplicação — Informações enganosas difundidas por uma caixa de seguro de doença do regime legal de segurança social — Caixa constituída sob a forma de uma entidade de direito público»

No processo C‑59/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), por decisão de 18 de janeiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 6 de fevereiro de 2012, no processo

BKK Mobil Oil Körperschaft des öffentlichen Rechts

contra

Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs eV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Berger, A. Borg Barthet, E. Levits e J.‑J. Kasel (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs eV, por C. von Gierke, Rechtsanwältin,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por W. Ferrante, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de julho de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO L 149, p. 22).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a BKK Mobil Oil Körperschaft des öffentlichen Rechts (a seguir «BKK») e a Zentrale zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs eV (Associação de luta contra a concorrência desleal, a seguir «Wettbewerbszentrale») a respeito de informações difundidas pela BKK aos seus membros.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 5 a 8, 11, 12 e 14 da diretiva relativa às práticas comerciais desleais enunciam:

«(5)

[…] os obstáculos à livre circulação de serviços e de produtos para lá das fronteiras ou à liberdade de estabelecimento […] devem ser eliminados. Tais obstáculos só podem ser eliminados através da introdução de regras uniformes ao nível comunitário que estabeleçam um nível elevado de proteção dos consumidores e da clarificação de determinados conceitos legais, também ao nível comunitário, na medida em que tal seja necessário para o bom funcionamento do mercado interno e para satisfazer a necessidade de segurança jurídica.

(6)

Assim, a presente diretiva aproxima as legislações dos Estados‑Membros relativas às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal, que prejudicam diretamente os interesses económicos dos consumidores e consequentemente prejudicam indiretamente os interesses económicos de concorrentes legítimos. […]

(7)

A presente diretiva refere‑se a práticas comerciais relacionadas com o propósito de influenciar diretamente as decisões de transação dos consumidores em relação a produtos. [...]

(8)

A presente diretiva protege diretamente os interesses económicos dos consumidores das práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores. Consequentemente, protege também indiretamente os interesses legítimos das empresas face aos concorrentes que não respeitam as regras da presente diretiva e garante assim a concorrência leal no domínio por ela coordenado. [....]

[...]

(11)

O elevado nível de convergência atingido pela aproximação das disposições nacionais através da presente diretiva cria um elevado nível comum de defesa dos consumidores. A presente diretiva estabelece uma proibição geral única das práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores. [...]

(12)

A harmonização aumentará de forma considerável a segurança jurídica tanto para os consumidores como para as empresas. Tanto os consumidores como as empresas passarão a poder contar com um quadro jurídico único baseado em conceitos legais claramente definidos regulando todos os aspetos das práticas comerciais desleais na União Europeia. [...]

[...]

(14)

Seria desejável que as práticas comerciais enganosas abrangessem aquelas práticas, incluindo a publicidade enganosa, que, induzindo em erro o consumidor, o impedem de efetuar uma escolha esclarecida e, deste modo, eficiente. [...]»

4

Nos termos do artigo 1.o da referida diretiva:

«A presente diretiva tem por objetivo contribuir para o funcionamento correto do mercado interno e alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores através da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às práticas comerciais desleais que lesam os interesses económicos dos consumidores.»

5

O artigo 2.o da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por:

a)

‘Consumidor’: qualquer pessoa singular que, nas práticas comerciais abrangidas pela presente diretiva, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;

b)

‘Profissional’: qualquer pessoa singular ou coletiva que, no que respeita às práticas comerciais abrangidas pela presente diretiva, atue no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional e quem atue em nome ou por conta desse profissional;

c)

‘Produto’: qualquer bem ou serviço [...];

d)

‘Práticas comerciais das empresas face aos consumidores’ (a seguir designadas também por (‘práticas comerciais’): qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores.

[...]»

6

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais:

«A presente diretiva é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.o, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto.»

7

O artigo 5.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Proibição de práticas comerciais desleais», tem a seguinte redação:

«1.   São proibidas as práticas comerciais desleais.

2.   Uma prática comercial é desleal se:

a)

For contrária às exigências relativas à diligência profissional;

e

b)

Distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afeta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores.

[...]

4.   Em especial, são desleais as práticas comerciais:

a)

Enganosas, tal como definido nos artigos 6.° e 7.°,

[...]»

8

O artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva prevê:

«É considerada enganosa uma prática comercial se contiver informações falsas, sendo inverídicas ou que por qualquer forma, incluindo a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro o consumidor médio, mesmo que a informação seja factualmente correta, em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo:

[...]»

Direito alemão

9

A diretiva relativa às práticas comerciais desleais foi transposta para o direito interno alemão através da Lei contra a concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb, BGBl. 2004 I, p. 1414, a seguir «UWG»).

10

O § 2 da UWG tem a seguinte redação:

«(1)   Para efeitos da presente lei, entende‑se por:

1.

‘prática comercial’: qualquer comportamento de uma pessoa a favor da sua própria empresa ou de uma empresa terceira antes, durante ou após a conclusão de uma operação comercial e que apresenta uma relação objetiva com a promoção da venda ou da aquisição de mercadorias ou serviços ou ainda com a celebração ou a execução de um contrato sobre bens e serviços; entre os bens, incluem‑se também bens imóveis e entre os serviços, direitos e obrigações;

[...]

6.

‘Empresário’: qualquer pessoa singular ou coletiva, que pratique atos comerciais no âmbito de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional, e quem atue em nome ou por conta dessa pessoa;

[...]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

11

A BKK é uma caixa de seguro de doença do regime legal alemão constituída sob a forma de uma entidade de direito público.

12

Com a sua ação intentada em primeira instância, a Wettbewerbszentrale pretende que a BKK seja condenada a cessar a difusão das informações seguintes, publicadas em dezembro de 2008 no sítio Internet desta última:

«Se optar por abandonar agora a BKK [...], permanecerá vinculado à nova [caixa de seguro de doença obrigatória] durante os próximos 18 meses a contar desta mudança. Deste modo, deixará de poder beneficiar das atrativas ofertas que a BKK […] lhe fará no próximo ano e terá, eventualmente, de pagar um suplemento no final, se a quantia atribuída à sua nova caixa de seguro de doença não for suficiente e esta cobrar, portanto, uma cotização adicional.»

13

A Wettbewerbszentrale considera que estas informações são enganosas e que, por conseguinte, são proibidas tanto pela diretiva relativa às práticas comerciais desleais como pelo direito interno da concorrência. Com efeito, a BKK omite a indicação de que, em caso de cobrança de uma cotização adicional, a lei alemã confere ao segurado um direito especial de rescisão.

14

Consequentemente, a Wettbewerbszentrale notificou a BKK, por carta de 17 de dezembro de 2008, de um prazo para a cessação da difusão das referidas informações e exigiu‑lhe um compromisso nesse sentido, sob cominação de uma sanção, e o reembolso das despesas relativas à fase pré‑contenciosa.

15

A BKK retirou assim as informações em questão do seu sítio Internet. Por carta de 6 de janeiro de 2009, reconheceu ter publicado informações incorretas e comprometeu‑se a deixar de fazer a promoção dos seus serviços servindo‑se das declarações que lhe eram censuradas. No entanto, a BKK recusou remeter à Wettbewerbszentrale o compromisso exigido, sob cominação de uma sanção, e recusou‑se a assumir as despesas relativas à fase pré‑contenciosa.

16

Segundo a BKK, nem as disposições da UWG nem as da diretiva relativa às práticas comerciais desleais são aplicáveis ao litígio no processo principal. Com efeito, resulta do artigo 2.o, alínea d), desta diretiva que a mesma só se aplica às «práticas comerciais» de um «profissional» na aceção do seu artigo 2.o, alínea b), e o § 2, n.o 1, pontos 1 e 6, da UWG inclui uma redação substancialmente idêntica à das referidas disposições da diretiva supramencionada. Ora, esses critérios não estão preenchidos no caso em apreço, uma vez que, na sua qualidade de entidade de direito público, a BKK não prossegue nenhum fim lucrativo.

17

O órgão jurisdicional de primeira instância ordenou à BKK que cessasse, sob pena da aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, a divulgação das informações em causa com fins publicitários e concorrenciais no âmbito das suas atividades e condenou‑a pagar à Wettbewerbszentrale a quantia de 208,65 euros, acrescida de juros.

18

O recurso interposto pela BKK da decisão de primeira instância não obteve provimento. No seu recurso de «Revision», admitido pelo tribunal de recurso, a BKK pede que seja julgada improcedente a ação intentada pela Wettbewerbszentrale.

19

O Bundesgerichtshof considera que as informações publicitárias divulgadas pela BKK constituem uma prática enganosa na aceção da diretiva relativa às práticas comerciais desleais e entende que essa prática deve ser proibida por constituir violação da UWG.

20

No entanto, essa violação só pode ser constatada se a prática em causa for suscetível de ser apreciada à luz do previsto pela referida diretiva, a qual serviu de base à UWG.

21

Ora, não é pacífico que a diretiva relativa às práticas comerciais desleais deva ser interpretada no sentido de que um operador, como a BKK, que se constituiu sob a forma de entidade de direito público para assumir as missões do regime legal de seguro de doença, tenha atuado como «empresa» ao divulgar as informações que lhe são censuradas. Com efeito, poderá sustentar‑se que essa entidade não exerce uma atividade económica, mas prossegue um objetivo exclusivamente social.

22

Nestas condições, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições conjugadas dos artigos 3.°, n.o 1, e 2.°, alínea d), da [diretiva relativa às práticas comerciais desleais] devem ser interpretadas no sentido de que uma ação de um profissional — que se apresenta como prática comercial de uma empresa face aos consumidores — pode consistir igualmente no facto de uma caixa pública de seguro de doença fornecer informações (enganosas) aos seus segurados sobre quais as desvantagens para eles decorrentes em caso de mudança para outra caixa pública de seguro de doença?»

Quanto à questão prejudicial

23

A título liminar, há que salientar que resulta dos autos que o Bundesgerichtshof considera que as informações que estão na origem do litígio no processo principal devem ser qualificadas de enganosas na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais e que se propõe proibi‑las em conformidade com o previsto no artigo 5.o, n.o 1, desta diretiva e na UWG.

24

Para o efeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, porém, quanto à questão de saber se o autor destas informações, no presente caso, a BKK, é abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal da referida diretiva, mesmo quando esse autor reveste a qualidade de entidade de direito público a quem compete uma missão de interesse geral, como a gestão de um regime legal de seguro de doença.

25

Para decidir se uma entidade nacional, como a BKK, que reveste um estatuto de direito público e a quem compete a gestão de um regime legal de seguro de doença, deve ser considerada uma «empresa» na aceção da diretiva relativa às práticas comerciais desleais e se fica, nessa qualidade, sujeita ao estabelecido por esta diretiva quando, como no caso vertente, preste informações enganosas aos seus membros, importa desde logo recordar que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União, que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros no sentido de estes determinarem o seu sentido e alcance, devem normalmente ser interpretados em toda a União de modo autónomo e uniforme, tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pelas normas em causa (v., designadamente, acórdãos de 19 de setembro de 2000, Linster, C-287/98, Colet., p. I-6917, n.o 43; de 11 de março de 2003, Ansul, C-40/01, Colet., p. I-2439, n.o 26; e de 30 de junho de 2011, VEWA, C-271/10, Colet., p. I-5815, n.o 25).

26

Por conseguinte, a qualificação, o estatuto jurídico e as características específicas da entidade em questão ao abrigo do direito nacional são desprovidos de pertinência para efeitos da interpretação da referida diretiva pelo Tribunal de Justiça e para permitirem a este último responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

27

Para fornecer esta resposta, importa constatar que, embora a diretiva relativa às práticas comerciais desleais utilize invariavelmente o termo «consumidor», designa a outra parte numa transação comercial relacionada com um produto através dos termos «empresa» ou «profissional».

28

Assim, em conformidade com a letra do seu artigo 3.o, n.o 1, a referida diretiva «é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores […] antes, durante e após uma transação».

29

O artigo 2.o, alínea d), da mesma diretiva, por seu turno, define como «práticas comerciais das empresas face aos consumidores» qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores. O termo «produto» é definido no mesmo artigo, alínea c), como qualquer bem ou serviço, não estando, por outro lado, excluído nenhum setor de atividade.

30

O referido artigo 2.o, alínea b), define o conceito de «profissional» como «qualquer pessoa singular ou coletiva que, no que respeita às práticas comerciais abrangidas [por esta mesma] diretiva, atue no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional e quem atue em nome ou por conta desse profissional».

31

À luz do exposto, há que considerar que, para efeitos da aplicação da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, os dois termos «empresa» e «profissional» têm um sentido e alcance jurídico idênticos. De resto, é este último termo que é utilizado com mais frequência nas disposições desta diretiva.

32

A este propósito, resulta desde logo da redação do artigo 2.o, alínea b), da diretiva relativa às práticas comerciais desleais que o legislador da União consagrou um entendimento particularmente amplo do conceito de «profissional», o qual abrange «qualquer pessoa singular ou coletiva» que exerça uma atividade remunerada e não exclui do seu âmbito de aplicação as entidades que prosseguem uma missão de interesse geral nem as que se apresentam sob um estatuto de direito público.

33

Acresce, à luz das próprias definições enunciadas no artigo 2.o, alíneas a) e b), da referida diretiva, que o sentido e o alcance do conceito de «profissional», como visado por esta última, devem ser determinados com referência ao conceito correlativo, mas antinómico, de «consumidor», o qual designa o consumidor privado, não envolvido em atividades comerciais ou profissionais (v., por analogia, acórdão de 19 de janeiro de 1993, Shearson Lehman Hutton, C-89/91, Colet., p. I-139, n.o 22).

34

Ora, como decorre designadamente do seu artigo 1.o e do seu considerando 23, a diretiva relativa às práticas comerciais desleais visa garantir um elevado nível de defesa do consumidor, procedendo a uma harmonização completa das regras relativas às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal dos profissionais em face dos consumidores, que causam prejuízo aos interesses económicos destes últimos (v, neste sentido, acórdão de 9 de novembro de 2010, Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, C-540/08, Colet., p. I-10909, n.o 27).

35

Este objetivo prosseguido pela diretiva relativa às práticas comerciais desleais, que consiste em proteger plenamente os consumidores contra as práticas desta natureza, assenta na circunstância de, em face de um profissional, o consumidor se encontrar numa posição de inferioridade, na medida em que deve ser reputado economicamente mais fraco e juridicamente menos experiente que o seu cocontratante (v, por analogia, acórdão Shearson Lehman Hutton, já referido, n.o 18).

36

Assim, o Tribunal de Justiça também já declarou que, para efeitos da interpretação da referida diretiva, o conceito de consumidor reveste uma importância primordial e que as disposições desta última são concebidas essencialmente na ótica do consumidor, enquanto destinatário e vítima de práticas comerciais desleais (v., neste sentido, acórdãos de 12 de maio de 2011, Ving Sverige, C-122/10, Colet., p. I-3903, n.os 22 e 23, e de 19 de setembro de 2013, CHS Tour Services, C‑435/11, n.o 43).

37

Ora, numa situação como a que está em causa no processo principal, os membros da BKK, que devem evidentemente ser considerados consumidores na aceção da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, correm o risco de serem induzidos em erro pelas informações enganosas difundidas por esta entidade, as quais os impedem de efetuar uma escolha esclarecida (v. considerando 14 desta diretiva) e os conduzem, assim, a tomar uma decisão que não teriam tomado na falta dessas informações, como prevê o artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva. Neste contexto, o caráter público ou privado da entidade em causa e a missão específica que esta prossegue são desprovidos de pertinência.

38

Atendendo ao exposto, há que reconhecer a uma entidade como a BKK a qualidade de «profissional» na aceção da referida diretiva.

39

Esta interpretação é, com efeito, a única suscetível de assegurar a plena eficácia à diretiva relativa às práticas comerciais desleais, garantindo que, em conformidade com a exigência de um nível elevado de proteção dos consumidores, as práticas comerciais desleais sejam combatidas eficazmente.

40

Tal interpretação está também em consonância com o amplo alcance já reconhecido à mesma diretiva no que se refere ao seu âmbito de aplicação material (v., neste sentido, acórdão Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, já referido, n.o 21).

41

Em face das considerações precedentes, há que responder à questão submetida que a diretiva relativa às práticas comerciais desleais deve ser interpretada no sentido de que é abrangida pelo seu âmbito de aplicação pessoal uma entidade de direito público encarregada de uma missão de interesse geral, como a gestão de um regime legal de seguro de doença.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

A Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («diretiva relativa às práticas comerciais desleais»), deve ser interpretada no sentido de que é abrangida pelo seu âmbito de aplicação pessoal uma entidade de direito público encarregada de uma missão de interesse geral, como a gestão de um regime legal de seguro de doença.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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