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Document 62010CJ0351

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 16 de Junho de 2011.
Zollamt Linz Wels contra Laki DOOEL.
Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgerichtshof - Áustria.
Código Aduaneiro Comunitário - Regulamento de aplicação do código aduaneiro - Artigos 555.º, n.º 1, alínea c), e 558.º, n.º 1 - Veículo entrado no território aduaneiro em regime de importação temporária com isenção total dos direitos de importação - Veículo utilizado no tráfego interno - Utilização irregular - Constituição da dívida aduaneira - Autoridades nacionais competentes para cobrar os direitos aduaneiros.
Processo C-351/10.

European Court Reports 2011 I-05495

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:406

Processo C-351/10

Zollamt Linz Wels

contra

Laki DOOEL

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria)]

«Código Aduaneiro Comunitário – Regulamento de aplicação do código aduaneiro – Artigos 555.°, n.° 1, alínea c), e 558.°, n.° 1 – Veículo entrado no território aduaneiro em regime de importação temporária com isenção total dos direitos de importação – Veículo utilizado no tráfego interno – Utilização irregular – Constituição da dívida aduaneira – Autoridades nacionais competentes para cobrar os direitos aduaneiros»

Sumário do acórdão

União aduaneira – Regime de admissão temporária com isenção de direitos – Veículo comercial – Veículo utilizado no tráfego interno – Descarga das mercadorias num Estado‑Membro sem autorização para o efeito

(Regulamento n.º 2454/93 da Comissão, artigos 555.º, n.º 1, e 558.º, n.º 1, alínea c), conforme alterado pelo Regulamento n.º 993/2001)

Os artigos 555.°, n.° 1, e 558.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 2454/93, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.° 2913/92 que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento n.° 993/2001, devem ser interpretados no sentido de que a irregularidade na utilização de um veículo importado para a União em regime de isenção total de direitos aduaneiros e utilizado no tráfego interno se deve considerar materializada no momento da passagem da fronteira do Estado‑Membro em que o veículo circula em violação das disposições nacionais no domínio do transporte, isto é, sem licença para descarregar concedida pelo Estado‑Membro da descarga, sendo as autoridades desse Estado competentes para cobrar os referidos direitos.

(cf. n.º 41 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

16 de Junho de 2011 (*)

«Código Aduaneiro Comunitário – Regulamento de aplicação do código aduaneiro – Artigos 555.°, n.° 1, alínea c), e 558.°, n.° 1 – Veículo entrado no território aduaneiro em regime de importação temporária com isenção total dos direitos de importação – Veículo utilizado no tráfego interno – Utilização irregular – Constituição da dívida aduaneira – Autoridades nacionais competentes para cobrar os direitos aduaneiros»

No processo C‑351/10,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Áustria), por decisão de 24 de Junho de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 12 de Julho de 2010, no processo

Zollamt Linz Wels

contra

Laki DOOEL,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, K. Schiemann, L. Bay Larsen, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Laki DOOEL, por R. Burghofer, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo helénico, por K. Paraskevopoulou, I. Pouli e I. Bakopoulos, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Caeiros e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 555.°, n.° 1, alínea c), e 558.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 253, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 993/2001 da Comissão, de 4 de Maio de 2001 (JO L 141, p. 1, a seguir «regulamento de aplicação»), e do artigo 61.° da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1, a seguir «directiva ‘IVA’»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Zollamt Linz Wels (estância aduaneira de Linz Wels) à Laki DOOEL (a seguir «Laki»), empresa de transportes estabelecida na antiga República Jugoslava da Macedónia, relativamente aos direitos aduaneiros e ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») na importação exigidos a esta empresa pela importação de um veículo articulado no território da União, em regime de importação temporária com isenção total dos direitos de importação.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Código aduaneiro

3        As disposições do título IV, capítulo 2, secção 3, F, do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Novembro de 2000 (JO L 311, p. 17, a seguir «código aduaneiro»), fixam as regras relativas ao regime de importação temporária com isenção total dos direitos de importação.

4        O artigo 137.° do código aduaneiro, que figura no título IV, dispõe:

«O regime de importação temporária permite a utilização no território aduaneiro da Comunidade, com isenção total ou parcial dos direitos de importação e sem que sejam submetidas a medidas de política comercial, de mercadorias não comunitárias destinadas a serem reexportadas sem terem sofrido qualquer alteração para além da depreciação normal resultante da utilização que lhes tenha sido dada.»

5        O título VII, capítulo 2, do código aduaneiro contém as disposições relativas à constituição da dívida aduaneira.

6        O artigo 204.° do código aduaneiro, que figura nesse título VII, prevê:

«1.      É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a)      O incumprimento de uma das obrigações que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam da sua permanência em depósito temporário ou da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida

ou

b)      A não observância de uma das condições fixadas para a sujeição de uma mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais,

[...]

2.      A dívida aduaneira considera‑se constituída quer no momento em que cessa o cumprimento da obrigação cujo incumprimento dá origem à dívida aduaneira quer no momento em que a mercadoria foi submetida ao regime aduaneiro em causa quando se verificar a posteriori que não foi, na realidade, cumprida uma das condições fixadas para a sujeição dessa mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais.»

7        O artigo 215.° do código aduaneiro dispõe:

«1.       A dívida aduaneira considera‑se constituída:

–        no lugar em que ocorre o facto que dá origem à constituição dessa dívida,

[...]»

 Regulamento de aplicação

8        O artigo 232.° do regulamento de aplicação estabelece as regras relativas ao regime de importação temporária, nomeadamente dos meios de transporte, com isenção total. Tem o seguinte teor:

«1.       Sempre que não forem objecto de uma declaração escrita ou verbal, consideram‑se declarados para importação temporária pelo acto previsto no artigo 233.°, nos termos do artigo 579.°:

[...]

b)      Os meios de transporte referidos nos artigos 556.° a 561.°;

[...]»

9        O título III, capítulo 5, secção 2, subsecção 1, do regulamento de aplicação, que inclui os artigos 555.° a 562.°, fixa as condições para a isenção total de direitos de importação no que diz respeito aos meios de transporte abrangidos pelo regime aduaneiro da importação temporária.

10      O artigo 555.° do regulamento de aplicação dispõe:

«1.       Para efeitos da presente subsecção, entende‑se por:

[...]

c)      ‘Tráfego interno’: o transporte de pessoas embarcadas ou de mercadorias carregadas no território aduaneiro da Comunidade para serem desembarcadas ou descarregadas nesse território.

[...]»

11      O artigo 558.° deste regulamento prevê:

«1.       A isenção total de direitos de importação é concedida aos meios de transporte rodoviário, ferroviário e aos afectos à navegação aérea, marítima e fluvial, desde que:

[...]

c)      Sejam utilizados exclusivamente para um transporte que se inicie ou termine fora do território aduaneiro no âmbito do uso comercial dos meios de transporte, com exclusão dos ferroviários. Todavia, podem ser utilizados no tráfego interno, desde que as disposições vigentes no domínio dos transportes, especialmente no que se refere às condições de acesso e sua execução, prevejam essa possibilidade.

[...]»

 Directiva «IVA»

12      No que se refere ao IVA na importação de bens, o artigo 61.° da directiva «IVA» prevê:

«Em derrogação do disposto no artigo 60.°, quando um bem que não se encontre em livre prática esteja abrangido, desde a sua introdução na Comunidade, por um dos regimes ou situações previstos no artigo 156.° ou por um regime de importação temporária com isenção total de direitos de importação ou por um regime de trânsito externo, a sua importação é efectuada no Estado‑Membro em cujo território o bem deixa de estar abrangido por esses regimes ou situações.

[...]»

 Regime de licença «CEMT»

13      Por resolução de 14 de Junho de 1973, o Conselho da Conferência Europeia dos Ministros dos Transportes (CEMT), composta por 42 membros, dos quais fazem parte todos os Estados‑Membros da União, instituiu um sistema de contingente para o transporte rodoviário internacional de mercadorias entre os Estados‑Membros. Esse sistema prevê que as autoridades competentes podem emitir licenças com base em cada contingente nacional (a seguir «licença ‘CEMT’»).

14      Decorre do formulário relativo a essa licença, anexo ao manual de utilização do contingente, que a mesma permite o transporte comercial das mercadorias entre os locais de carga e de descarga situados em países membros da Conferência, bem como a circulação dos veículos sem carga em todos os territórios desses países.

 Direito nacional

15      Resulta da decisão de reenvio que, nos termos do § 7, n.° 1, da Lei relativa ao transporte de mercadorias (Güterbeförderungsgesetz, BGBl. 593/1995, a seguir «GütbefG»), os transportadores que, ao abrigo da regulamentação aplicável no Estado em cujo território a sua empresa está estabelecida, estejam autorizados a transportar mercadorias utilizando veículos automóveis e que sejam titulares, nomeadamente, de uma licença «CEMT» podem efectuar transportes para ou através do território federal ou, a partir de locais situados no território federal, para o estrangeiro.

16      Por força do § 9, n.° 1, da GütbefG, o transportador é obrigado a assegurar‑se de que, em quaisquer transportes transfronteiriços de mercadorias, os documentos comprovativos das licenças requeridas pelo § 7, n.° 1, desta lei, devidamente preenchidos e, se for caso disso, validados pela autoridade competente, se encontram a bordo do veículo. Além disso, segundo o § 9, n.° 2, da GütbefG, o condutor é obrigado, em quaisquer transportes transfronteiriços de mercadorias e durante todo o trajecto, a estar na posse desses mesmos documentos e a apresentá‑los às autoridades fiscalizadoras quando estas o solicitem.

 Lítígio no processo principal e questões prejudiciais

17      Em 14 de Abril de 2008, entrou no território aduaneiro da União um veículo articulado sem carga, pertencente à Laki, em regime de importação temporária, com isenção total de direitos de importação. Esse veículo tinha sido objecto de uma licença «CEMT» para o transporte de mercadorias entre a Suécia e a Alemanha.

18      Na Suécia, esse veículo foi carregado com mercadorias com destino à Alemanha e à Áustria. As mercadorias encaminhadas para a Alemanha foram as primeiras a ser descarregadas. Na Áustria, foram descarregadas as outras mercadorias e o referido veículo foi carregado com mercadorias destinadas a ser transportadas para a Suécia. À passagem da fronteira austríaca, esse veículo foi objecto de um controlo pelas autoridades aduaneiras austríacas.

19      Terminado esse controlo, o Zollamt Linz Wels concluiu que o veículo em questão não dispunha de licença para o transporte de mercadorias na Áustria e que, por conseguinte, a Laki tinha infringido as condições de importação temporária desse veículo com isenção total de direitos de importação. Assim, exigiu a essa empresa direitos aduaneiros, num montante de 7 524 euros, bem como o IVA na importação, no valor de 10 909 euros, relativo ao referido veículo articulado.

20      A Laki interpôs recurso da decisão do Zollamt Linz Wels para o Unabhängiger Finanzsenat, Auβenstelle Linz, no qual contestava a legalidade dessa decisão. Esse órgão jurisdicional deu provimento ao recurso, tendo considerado que a dívida aduaneira se tinha constituído devido a uma infracção ligada à falta de licença para o transporte de mercadorias para a Áustria e que essa infracção tinha sido cometida na Suécia, uma vez que as mercadorias em causa tinham sido carregadas nesse Estado‑Membro. Por conseguinte, segundo o referido órgão jurisdicional, era às autoridades aduaneiras suecas que competia reclamar os direitos de importação em causa no processo principal.

21      O Zollamt Linz Wels interpôs recurso da decisão do Unabhängiger Finanzsenat, Auβenstelle Linz, para o Verwaltungsgerichtshof.

22      No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, por força do artigo 558.°, n.° 1, alínea c), do regulamento de aplicação, a isenção total de direitos de importação só é concedida, para os veículos utilizados em tráfego interno, desde que as disposições nacionais vigentes no domínio dos transportes, especialmente no que se refere às condições de acesso e sua execução, permitam a circulação no território do Estado em causa.

23      Considera assim que, para determinar quais são as autoridades competentes para verificar uma eventual violação dessa disposição do regulamento de aplicação, se deve definir o conceito de tráfego interno que figura nessa disposição.

24      O Verwaltungsgerichtshof evoca, a este propósito, o acórdão de 15 de Dezembro de 2004, Siig (C‑272/03, Colect., p. I‑11941), no qual o Tribunal de Justiça considerou que, para se apurar se a utilização de um veículo corresponde às condições do regime de importação temporária com isenção total de direitos de importação, o elemento determinante é não o destino final das mercadorias, mas o transporte efectuado. O órgão jurisdicional de reenvio sublinha, no entanto, que esse acórdão é relativo à interpretação do artigo 670.° do regulamento de aplicação na versão, em língua alemã, que vigorava anteriormente à resultante do Regulamento n.° 993/2001, que definia tráfego interno como «o transporte […] de mercadorias carregadas no território aduaneiro da Comunidade [e] […] descarregadas nesse território», enquanto o artigo 555.° do regulamento de aplicação, em causa no processo principal, define tráfego interno como «o transporte […] de mercadorias carregadas no território aduaneiro da Comunidade para serem […] descarregadas nesse território».

25      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se essa alteração pode ter incidências na definição dos critérios de determinação do Estado em que a infracção teve lugar e, portanto, na designação das autoridades competentes para verificar a sua ocorrência. Também coloca a questão de saber se a referida alteração pode ser interpretada como uma «contracção» da regulamentação anterior, no sentido de que o facto de carregar mercadorias num veículo para serem transportadas, sem a licença requerida, e iniciar esse transporte já constitui um tráfego interno irregular e, portanto, se a dívida aduaneira se considera constituída no Estado em que se inicia o transporte. Sublinha que a nova definição do conceito de tráfego interno, enunciada no artigo 555.° do regulamento de aplicação, também pode ser interpretada como uma atenuação das condições fixadas na regulamentação anterior, no sentido de que o tráfego interno irregular se materializa unicamente quando o transporte e a descarga no Estado‑Membro não coberto pela licença tenham sido realizados. Segundo esta interpretação, a dívida aduaneira só se constitui no Estado‑Membro de destino das mercadorias em causa.

26      Tendo em conta estas considerações, o Verwaltungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 558.°, n.° 1, conjugado com o artigo 555.°, n.° 1, alínea c), do [regulamento de aplicação], deve ser interpretado no sentido de que, desde logo, as operações de carregamento e de início do transporte são constitutivas de utilização irregular de um meio de transporte no tráfego interno, quando tenha sido concedida ao veículo de uso comercial uma autorização para o tráfego interno entre dois Estados‑Membros, o carregamento tenha sido feito num desses dois Estados‑Membros, mas o local de destino (local de descarga previsto) se encontra num Estado‑Membro diferente dos dois Estados referidos, e para o qual não foi concedida nenhuma autorização?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o artigo 204.°, n.° 1, alínea a), em conjugação com o artigo 215.° do [código aduaneiro], deve ser interpretado no sentido de que, nesse caso, a dívida aduaneira se constitui no Estado‑Membro de carregamento e de que é este o Estado competente para a cobrança dos direitos aduaneiros, apesar de, só no momento da descarga, ser possível verificar que o transporte se realizou para um Estado‑Membro para o qual não foi concedida autorização de tráfego interno?

3)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o artigo 61.° da [directiva ‘IVA’] deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a anteriormente descrita, a importação se verifica no Estado‑Membro de carregamento e de que é este o Estado competente para a cobrança do [IVA] na importação, apesar de só no momento da descarga ser possível verificar que o transporte se realizou para um Estado‑Membro para o qual não foi concedida autorização de tráfego interno?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

27      Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 555.°, n.° 1, e 558.°, n.° 1, alínea c), do regulamento de aplicação devem ser interpretados no sentido de que a utilização irregular de um veículo, matriculado num Estado terceiro, autorizado para tráfego interno em dois Estados‑Membros da União ao abrigo do regime de importação temporária com isenção total de direitos de importação previsto no artigo 137.° do código aduaneiro e que descarregou mercadorias num terceiro Estado‑Membro, em violação das regras de transporte aplicáveis neste Estado, se deve considerar materializada a partir do carregamento das mercadorias ou, pelo contrário, só no momento em que são descarregadas.

28      Esse órgão jurisdicional pergunta, nomeadamente, quais são as autoridades nacionais competentes para, na acepção do artigo 204.° do código aduaneiro, cobrar os direitos de importação relativos a esse veículo.

29      Para designar o Estado‑Membro em que teve lugar o incumprimento das obrigações de que depende o benefício do regime de importação temporária de um veículo com isenção total de direitos de importação e o Estado‑Membro em que o seu titular deve pagar os direitos aduaneiros, importa recordar que, nos termos do artigo 558.°, n.° 1, alínea c), do regulamento de aplicação, essa isenção é concedida aos meios de transporte rodoviário não só quando sejam utilizados exclusivamente para um transporte que se inicie ou termine fora do território aduaneiro mas também quando sejam utilizados no tráfego interno, ou seja, num transporte de mercadorias que se inicie e termine no interior do território aduaneiro. Nesta última hipótese, o veículo só pode ser utilizado no tráfego interno se esse transporte não for proibido pelas disposições nacionais em vigor, especialmente no que se refere às condições de acesso e sua execução.

30      Por conseguinte, a isenção total de direitos aduaneiros relativamente a um veículo utilizado no tráfego interno está sujeita, nomeadamente, à condição de o transporte das mercadorias que carrega ser permitido em todos os Estados em que esse veículo circula.

31      No presente caso, resulta da decisão de reenvio que o veículo em causa no processo principal entrou sem carga no território aduaneiro da União com uma licença «CEMT» para o transporte de mercadorias entre a Suécia e a Alemanha e que, na Suécia, foi carregado com mercadorias com destino não só à Alemanha mas também à Áustria. Neste último Estado‑Membro, o transportador, sem ser titular da licença «CEMT», efectuou a descarga das mercadorias em causa e, em seguida, carregou esse veículo com mercadorias destinadas a serem transportadas para a Suécia.

32      Por conseguinte, coloca‑se a questão de saber se a competência para cobrar os direitos de importação relativos ao referido veículo pertence às autoridades do Reino da Suécia, Estado‑Membro em que as mercadorias em causa foram carregadas, ou antes às autoridades da República da Áustria, Estado‑Membro no qual o veículo circula em violação das disposições nacionais e as referidas mercadorias, ou parte delas, foram descarregadas de forma irregular.

33      Resulta, por um lado, do n.° 1, alínea a), do artigo 204.° do código aduaneiro que o incumprimento de uma das obrigações de que depende o benefício do regime de isenção de direitos de importação de uma mercadoria no território da União é facto constitutivo de dívida aduaneira e, por outro, do n.° 2 da mesma disposição que essa dívida se considera constituída no momento em que cessa o cumprimento de uma dessas obrigações. Além disso, em conformidade com o disposto no artigo 215.° do código aduaneiro, a dívida aduaneira considera‑se constituída no lugar em que ocorre o facto que dá origem à constituição dessa dívida e, portanto, num caso como o que está em causa no processo principal, no lugar em que a irregularidade foi cometida.

34      Para determinar quais as autoridades competentes para cobrar os direitos de importação relativos ao veículo em causa, deve, portanto, apurar‑se qual o acto que deu lugar ao incumprimento das obrigações que incumbem ao titular desse veículo, colocando‑o fora do regime do tráfego interno. Por conseguinte, há que apurar se a irregularidade consiste no carregamento das mercadorias com destino a um Estado‑Membro no qual o veículo não podia efectuar transportes comerciais de mercadorias ou se essa irregularidade se concretiza no momento da passagem da fronteira do Estado‑Membro em que o veículo circula em violação das disposições nacionais, ou ainda quando da descarga das mercadorias no território deste último Estado.

35      Como a Comissão correctamente salientou, a mera intenção de utilizar uma mercadoria colocada em regime de importação temporária de outro modo que não no quadro das condições a que este regime está subordinado não constitui, em si mesma e para efeitos da constituição de uma dívida aduaneira, uma infracção enquanto essa intenção se não traduzir num acto ou omissão que, objectivamente, constitua uma infracção às regras aplicáveis (v., neste sentido, acórdão de 1 de Fevereiro de 2001, D. Wandel, C‑66/99, Colect., p. I‑873, n.° 48).

36      Assim, para verificar a existência da irregularidade cometida na utilização de um veículo exportado em regime de isenção total, há apenas que tomar em consideração as operações de transporte efectuadas por esse veículo. São, portanto, irrelevantes tanto o destino final das mercadorias como, em geral, as eventuais intenções do titular desse veículo (v., neste sentido, acórdão Siig, já referido, n.° 20). Por conseguinte, uma irregularidade na utilização do referido veículo apenas deve ser determinada através da tomada em consideração dos trajectos efectuados por este.

37      Num caso como o em causa no processo principal, há que reconhecer que a irregularidade se concretizou quando o veículo em questão saiu efectivamente do regime de tráfego interno para o qual tinha sido autorizado no território da União, efectuando, no território da República da Áustria, um transporte comercial que já não correspondia ao previsto na licença «CEMT» e não satisfazia as condições a que se encontra subordinado esse transporte nos termos das disposições em vigor nesse Estado. A circunstância de as mercadorias que, na Suécia, foram carregadas nesse veículo se destinarem a ser transportadas para a Áustria, sem que o transportador possuísse essa licença, não constituía uma irregularidade enquanto esse veículo não tivesse transposto a fronteira deste último Estado‑Membro, no qual não podia efectuar um transporte comercial.

38      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o artigo 670.° do regulamento de aplicação, na sua versão anterior à aplicável no processo principal, que foi interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Siig, já referido, definia tráfego interno como «o transporte […] de mercadorias carregadas no território aduaneiro da Comunidade [e] […] descarregadas nesse território». Em contrapartida, o artigo 555.° do regulamento de aplicação, actualmente em vigor, define tráfego interno como «o transporte […] de mercadorias carregadas no território aduaneiro da Comunidade para serem […] descarregadas nesse território». Esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre se essa alteração tem incidências na definição dos critérios de determinação do Estado em que a infracção teve lugar e, portanto, na designação das autoridades competentes para apurar essa infracção. Interroga‑se sobre se dessa alteração do texto resulta a introdução de um elemento intencional na definição de tráfego interno.

39      A este propósito, como salientaram o Governo austríaco e a Comissão, a alteração, em algumas versões linguísticas do regulamento de aplicação, dos termos utilizados para definir o conceito de tráfego interno em relação aos que figuravam no referido artigo 670.° não modifica o conteúdo dessa disposição. Com efeito, segundo jurisprudência constante, em caso de divergência entre diversas versões linguísticas de um texto da União, a disposição em causa deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v., designadamente, acórdão de 29 de Abril de 2010, M e o., C‑340/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 44). Como resulta do n.° 35 do presente acórdão, uma interpretação do referido artigo 555.° que baseasse a verificação da existência da irregularidade na intenção do transportador seria incompatível com a economia da regulamentação em que se inscreve essa disposição.

40      Além disso, deve salientar‑se que a alteração do texto da disposição referida pelo órgão jurisdicional de reenvio apenas é patente em algumas versões linguísticas do regulamento de aplicação, não tendo a grande maioria emendado esse período do artigo 670.° do regulamento de aplicação.

41      Resulta do conjunto das considerações precedentes que se deve responder à primeira questão que os artigos 555.°, n.° 1, e 558.°, n.° 1, alínea c), do regulamento de aplicação devem ser interpretados no sentido de que a irregularidade na utilização de um veículo importado na União em regime de isenção total de direitos aduaneiros e utilizado no tráfego interno se deve considerar materializada no momento da passagem da fronteira do Estado‑Membro em que o veículo circula em violação das disposições nacionais no domínio do transporte, ou seja, sem licença para descarregar concedida pelo Estado‑Membro da descarga, sendo as autoridades desse Estado competentes para cobrar os referidos direitos.

 Quanto à segunda e terceira questões

42      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, o Tribunal de Justiça não tem de responder à segunda e terceira questões, já que estas, com efeito, foram submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio apenas para a eventualidade de ser dada resposta afirmativa à primeira questão.

 Quanto às despesas

43      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

Os artigos 555.°, n.° 1, e 558.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 993/2001 da Comissão, de 4 de Maio de 2001, devem ser interpretados no sentido de que a irregularidade na utilização de um veículo importado na União Europeia em regime de isenção total de direitos aduaneiros e utilizado no tráfego interno se deve considerar materializada no momento da passagem da fronteira do Estado‑Membro em que o veículo circula em violação das disposições nacionais no domínio do transporte, isto é, sem licença para descarregar concedida pelo Estado‑Membro da descarga, sendo as autoridades desse Estado competentes para cobrar os referidos direitos.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.

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