EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62009CC0484

Conclusões da advogada-geral Trstenjak apresentadas em 7 de Dezembro de 2010.
Manuel Carvalho Ferreira Santos contra Companhia Europeia de Seguros SA.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunal da Relação do Porto - Portugal.
Reenvio prejudicial - Directiva 72/166/CEE - Artigo 3.º, n.º 1 - Directiva 84/5/CEE - Artigo 2.º, n.º 1 - Directiva 90/232/CEE - Artigo 1.º - Direito de indemnização pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis - Requisitos de redução - Contribuição para o dano - Inexistência de culpa imputável aos condutores - Responsabilidade pelo risco.
Processo C-484/09.

European Court Reports 2011 I-01821

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:745

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 7 de Dezembro de 2010 (1)

Processo C‑484/09

Manuel Carvalho Ferreira Santos

contra

Companhia Europeia de Seguros, SA

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal da Relação do Porto [Portugal])

«Directivas 72/166/CEE, 84/5/CEE e 90/232/CEE – Seguro de responsabilidade civil automóvel – Regime da responsabilidade civil por danos resultantes de acidentes causados por veículos automóveis – Redução do direito de indemnização a título do seguro obrigatório devido à contribuição de um dos condutores responsáveis pelo acidente para a produção do dano – Não apuramento da parte em que cada um dos condutores contribuiu para o acidente – Responsabilidade pelo risco»





I –    Introdução

1.        O Tribunal da Relação do Porto submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE (2) uma questão de interpretação das Directivas 72/166/CEE (3), 84/5/CEE (4) e 90/232/CEE (5). O tribunal de reenvio pretende, no essencial, esclarecer se as citadas directivas se opõem a um regime de direito civil nacional que permite, no caso de o lesado ter contribuído para a produção do dano, a repartição da responsabilidade na proporção em que cada um dos veículos tiver contribuído para os danos, tendo como consequência a redução da indemnização que o lesado pode exigir da seguradora que fez o seguro de responsabilidade civil automóvel.

2.        Esta questão suscitou‑se no quadro de um litígio entre Manuel Carvalho Ferreira Santos e a Companhia Europeia de Seguros, SA, uma seguradora de responsabilidade civil automóvel, em que se discute a indemnização total dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor em virtude de um acidente de viação. Tendo em conta que a aplicação directa do regime legal nacional acima referido teria como consequência que a indemnização a pagar seria de metade dos danos sofridos, torna‑se necessário esclarecer a questão da compatibilidade deste regime nacional com o direito da União.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União Europeia (6)

3.        A partir de 1972, o legislador da União Europeia iniciou – através de directivas – o processo de aproximação dos regimes nacionais de seguro de responsabilidade civil automóvel.

4.        A Primeira Directiva previa a eliminação do controlo da carta verde nas fronteiras e a introdução de um regime de seguro de responsabilidade civil em todos os Estados‑Membros, para cobertura dos danos ocorridos no território da Comunidade.

5.        Partindo do princípio de que a vítima de um acidente de viação deve ser indemnizada por um responsável solvente quando a responsabilidade tiver sido apurada, o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva dispõe o seguinte:

«Cada Estado‑Membro […] adopta todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Essas medidas devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro.»

6.        Determina ainda o artigo 3.°, n.° 2, da Primeira Directiva:

«Cada Estado‑Membro adopta todas as medidas adequadas para que o contrato de seguro abranja igualmente:

–        os prejuízos causados no território de um outro Estado‑Membro, de acordo com a respectiva legislação nacional em vigor,

[…]»

7.        Com a Segunda Directiva, o legislador comunitário pretendeu harmonizar as diferenças materiais deste seguro obrigatório, de forma a que as vítimas de acidentes de viação pudessem obter uma protecção mínima e para que as diferenças subsistentes na Comunidade quanto ao âmbito deste seguro fossem reduzidas.

8.        No artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva, dispõe‑se:

«Cada Estado‑Membro tomará as medidas adequadas para que qualquer disposição legal ou cláusula contratual contida numa apólice de seguro, emitida em conformidade com o n.° 1 do artigo 3.° da Directiva 72/166/CEE, que exclua do seguro a utilização ou a condução de veículos por:

–        pessoas que não estejam expressa ou implicitamente autorizadas para o fazer;

ou

–        pessoas que não sejam titulares de uma carta de condução que lhes permita conduzir o veículo em causa;

ou

–        pessoas que não cumpram as obrigações legais de carácter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do veículo em causa,

seja, por aplicação do n.° 1 do artigo 3.° da Directiva 72/166/CEE, considerada sem efeito no que se refere ao recurso de terceiros vítimas de um sinistro.

Todavia, a disposição ou a cláusula a que se refere o primeiro travessão do n.° 1 pode ser oponível às pessoas que, por sua livre vontade se encontrassem no veículo causador do sinistro, sempre que a seguradora possa provar que elas tinham conhecimento de que o veículo tinha sido roubado.

[…]»

9.        A Terceira Directiva foi aprovada para esclarecer algumas disposições relativas ao seguro, pois subsistiam ainda consideráveis disparidades no âmbito da cobertura garantida pelo seguro.

10.      Nos termos do quinto considerando da Terceira Directiva, existiam em certos Estados‑Membros lacunas na cobertura, pelo seguro obrigatório, dos passageiros de veículos automóveis, pelo que, para proteger essa categoria particularmente vulnerável de vítimas potenciais, essas lacunas deviam ser preenchidas.

11.      Por fim, o artigo 1.° da Terceira Directiva determina:

«Sem prejuízo do n.° 1, segundo parágrafo, do artigo 2.° da Directiva 84/5/CEE, o seguro referido no n.° 1 do artigo 3.° da Directiva 72/166/CEE cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, com excepção do condutor, resultantes da circulação de um veículo.

[…]»

12.      A Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (7), que só entrou em vigor em 8 de Outubro de 2009, procedeu à consolidação das referidas directivas, que deixaram de estar em vigor. Tendo em conta que os factos que deram origem ao processo principal ocorreram muito antes da data de entrada em vigor da Directiva 2009/103, apenas aquelas directivas são aplicáveis ao processo principal.

B –    Direito nacional

13.      As disposições relevantes para o processo principal do Código Civil português dispõem o seguinte:

14.      Artigo 503.°, n.° 1: «Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.»

15.      Artigo 504.°, n.° 1: «A responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem como às pessoas transportadas.»

16.      Artigo 506.°, n.° 1: «Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar.»

17.      Artigo 506.°, n.° 2: «Em caso de dúvida, considera‑se igual a medida de contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores.»

III – Matéria de facto, processo principal e questão prejudicial

18.      Em 5 de Agosto de 2000, ocorreu um acidente de viação em que estiveram envolvidos Manuel Carvalho Ferreira Santos, como condutor e proprietário de um ciclomotor, e um veículo automóvel de passageiros, cujo seguro de responsabilidade civil foi feito pela Companhia Europeia de Seguros, SA. Do acidente resultaram danos graves para Manuel Carvalho Ferreira Santos, pois sofreu traumatismo crânio‑encefálico e ficou incapacitado para o trabalho.

19.      Uma vez que não se provou a culpa de nenhum dos intervenientes no acidente, verificam‑se, segundo as observações do tribunal de reenvio, os pressupostos da responsabilidade pelo risco, nos termos do direito interno português. Manuel Carvalho Ferreira Santos, como vítima do acidente, beneficia igualmente dessa responsabilidade objectiva.

20.      O tribunal de reenvio observa que o direito português determina, num caso como o presente, em que o acidente não foi devido a culpa de nenhum dos condutores, a aplicação da regra prevista no artigo 506.° do Código Civil, nos termos da qual a indemnização a pagar ao lesado deve ser reduzida em proporção igual à medida da sua contribuição para o evento e para os danos dele decorrentes, sendo que, em caso de dúvida, se considera igual a medida de contribuição de cada um dos veículos para os danos. Sendo a responsabilidade do outro condutor assim reduzida, o lesado só poderá reclamar da companhia de seguros que efectuou o seguro de responsabilidade civil automóvel do outro condutor o pagamento de uma indemnização correspondentemente reduzida.

21.      O Tribunal da Relação do Porto, que tem de decidir no processo principal o montante da indemnização, perante a interpretação dada na jurisprudência do Tribunal de Justiça à Primeira, Segunda e Terceira Directivas, exprime dúvidas quanto à compatibilidade deste regime nacional com o direito da União. Por isso, suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Em caso de colisão de veículos, não sendo o evento imputável a qualquer dos condutores a título de culpa, e da qual resultaram danos corporais e materiais para um dos condutores (o lesado que exige indemnização), a possibilidade de estabelecer uma repartição da responsabilidade pelo risco (art. 506.°, n.° 1 e 2 do c.c.), com reflexo directo no montante indemnizatório a atribuir ao lesado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes das lesões corporais sofridas (pois aquela repartição de responsabilidade pelo risco implicará redução do montante indemnizatório em igual proporção), é contrária ao direito comunitário, designadamente aos artigos 3.°, n.° 1 da Primeira Directiva (72/166/CEE), 2.°, n.° 1 da Segunda Directiva (84/5/CEE) e 1.° da Terceira Directiva (90/232/CEE), de acordo com a interpretação que a tais normativos vem sendo dada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias?»

IV – Tramitação no Tribunal de Justiça

22.      O pedido de decisão prejudicial, datado de 24 de Novembro de 2009, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 30 de Novembro de 2009.

23.      Apresentaram observações escritas, no prazo previsto no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, os Governos da República Portuguesa, da República Federal da Alemanha, da República da Áustria e da República Italiana e a Comissão Europeia.

24.      Uma vez que nenhuma das partes requereu a abertura da fase oral, passou‑se à fase de elaboração das conclusões do advogado‑geral neste processo, como determinado na reunião geral do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 2010.

V –    Principais argumentos das partes

A –    Admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

25.      O Governo alemão considera o pedido de decisão prejudicial parcialmente inadmissível, na medida em que a questão prejudicial se refere ao artigo 1.° da Terceira Directiva. Na sua opinião, esta disposição é irrelevante para a decisão do processo principal, uma vez que se refere unicamente ao alargamento da cobertura do seguro aos danos pessoais de todos os passageiros, com excepção do condutor, resultantes da circulação de um veículo. Porém, o processo principal tem como objecto uma situação em que o lesado não é um passageiro, mas um terceiro. Assim, a questão do tribunal de reenvio, na parte em que se refere ao artigo 1.° da Terceira Directiva, não tem nenhuma relação com o litígio subjacente ao pedido de decisão prejudicial.

B –    Quanto ao próprio pedido de decisão prejudicial

26.      As alegações das partes referem‑se, por um lado, ao âmbito de aplicação das directivas e, por outro, ao alcance do acórdão Candolin e o. (8).

1.      Quanto ao âmbito de aplicação das directivas

27.      O Governo português alega que as directivas em questão não contêm nenhuma disposição relativa à responsabilidade civil. Daí resulta, em sua opinião, que o que está em causa na questão prejudicial não é o artigo 506.° do Código Civil, que se limita a estabelecer a responsabilidade pela produção dos danos, ao passo que a relação entre o direito de indemnização e a responsabilidade civil está regulada no artigo 483.° do Código Civil.

28.      Os Governos alemão, austríaco e italiano alegam que do objectivo e da letra das três directivas decorre que elas não visam harmonizar as normas sobre responsabilidade civil dos Estados‑Membros.

29.      Pelo contrário, o legislador da União pretendeu regular o âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel, a fim de, através da eliminação das diferenças subsistentes relativamente ao âmbito deste seguro, garantir um nível mínimo de protecção às vítimas de acidentes de viação. Na opinião daqueles governos, as directivas em causa não prevêem regras para determinação do tipo de responsabilidade civil como responsabilidade culposa ou como responsabilidade pelo risco. Esta matéria permanece, como reconheceu o Tribunal de Justiça no seu acórdão de 14 de Setembro de 2000, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira (9), na situação actual do direito comunitário, na competência dos Estados‑Membros.

30.      Neste contexto, não se coloca a questão da compatibilidade com o direito da União dos critérios de repartição da responsabilidade, fixados pelo direito nacional. Pelo contrário, as directivas pressupõem a existência de um direito de indemnização civil regulado pelos Estados‑Membros, pois não é o seguro obrigatório que determina o âmbito da responsabilidade civil, mas, pelo contrário, é a responsabilidade civil, em sentido jurídico‑substantivo, que determina o âmbito do dever de indemnizar da seguradora.

2.      Quanto ao alcance do acórdão Candolin e o.

31.      O Governo português alega que do acórdão Candolin e o. resulta que as disposições das directivas em questão não impedem um Estado‑Membro de prever, num regime nacional baseado em critérios gerais e abstractos, a redução do direito de indemnização do lesado, proporcionalmente à sua contribuição para o acidente. Na medida em que essas disposições impõem uma apreciação casuística, o artigo 506.° do Código Civil deve ser considerado compatível com o direito da União.

32.      O Governo alemão alega que o acórdão Candolin e o. não proíbe a possibilidade de princípio de os Estados‑Membros estabelecerem uma limitação à indemnização com base numa apreciação casuística, desde que seja respeitado o princípio da proporcionalidade, o que se verifica neste caso. A apreciação da proporcionalidade deve fundar‑se no facto de os regimes de responsabilidade civil se basearem no princípio de que a pessoa responsável só responde pelos danos que lhe sejam imputáveis, ficando os outros a cargo do próprio lesado. O lesado só pode, nesse caso, reclamar do responsável a indemnização pelos danos que este lhe tiver causado. Pelo contrário, os danos pelos quais o próprio lesado é responsável não são indemnizáveis. O mesmo se aplica ao seguro de responsabilidade civil, que cobre a responsabilidade do causador do dano. Isto significa que a seguradora só deve responder na medida em que o causador do dano responderia.

33.      O Governo austríaco e o Governo italiano são de opinião de que o acórdão Candolin e o. não se pode aplicar ao processo principal.

34.      Estes governos alegam que da fundamentação daquele acórdão resulta que o mesmo só se aplica a casos em que um passageiro é vítima de um acidente de viação. É o que resulta, designadamente, das considerações sobre os objectivos das directivas, sobretudo da Terceira Directiva. O Governo austríaco e o Governo italiano salientam que a Terceira Directiva foi aprovada sobretudo com o objectivo de preencher as lacunas existentes no regime do seguro de responsabilidade civil em alguns Estados‑Membros, em benefício dos passageiros de veículos automóveis, para proteger essa categoria particularmente vulnerável de vítimas potenciais. Contudo, no processo principal, é o próprio condutor que é o lesado.

35.      O Governo austríaco e o Governo alemão referem ainda que, se a responsabilidade do condutor não fosse tida em conta na decisão, a seguradora deveria cobrir danos que o lesado não poderia reclamar do condutor segurado, devido à sua co‑responsabilidade, nos termos dos princípios do direito nacional aplicável à responsabilidade pelo risco.

36.      O Governo italiano esclarece que a extensão do acórdão Candolin e o. a todas as categorias de terceiros lesados equivaleria a aceitar o princípio da indemnização punitiva em prejuízo da seguradora, uma vez que esta teria de indemnizar prejuízos que o segurado não seria obrigado a indemnizar nos termos do regime nacional da responsabilidade civil.

37.      A Comissão limita‑se a alegar que as referidas directivas se opõem às normas nacionais objecto do litígio, uma vez que a limitação da indemnização do lesado não se baseia na sua culpa concorrente na produção do dano, como era o caso nos acórdãos Candolin e o. (10) e Farrell (11), mas na repartição, em partes iguais, da responsabilidade, na ausência de culpa do lesado.

VI – Apreciação

A –    Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

1.      Esclarecimento do sentido da questão prejudicial

38.      A questão prejudicial está formulada no sentido de que o tribunal de reenvio pretende concretamente saber se o regime, em discussão, do artigo 506.°, n.os 1 e 2, do Código Civil português «é contrário» ao direito da União. Ora, é jurisprudência constante que o Tribunal de Justiça, com excepção dos processos por incumprimento do Tratado, não tem competência para apreciar a compatibilidade de uma disposição nacional com o direito da União. Para esse efeito, são competentes os tribunais nacionais, se necessário após obtenção de uma decisão prejudicial do Tribunal de Justiça sobre o sentido e a interpretação do direito da União (12). O respeito recíproco das competências respectivas é o fundamento da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais, que é o objectivo do reenvio prejudicial (13).

39.      Para permitir ao tribunal nacional apreciar a compatibilidade do direito nacional com o direito da União, deve entender‑se a questão prejudicial no sentido de uma questão de interpretação do direito da União, nos termos do artigo 234.°, n.° 1, alínea b), CE, concretamente ligada à questão de saber se as disposições das directivas mencionadas no pedido de decisão prejudicial se opõem a um regime legal como o que está em causa no litígio. É a partir deste entendimento da questão prejudicial que procedo à análise seguinte.

2.      Relevância da questão prejudicial

40.      O pedido de decisão prejudicial deve ser considerado parcialmente inadmissível, na parte em que o tribunal nacional pretende a interpretação do artigo 1.° da Terceira Directiva.

41.      Esta disposição, vista com mais rigor, não é relevante para a decisão do litígio do processo principal, uma vez que, como observou com razão o Governo alemão, se refere unicamente ao alargamento da cobertura do seguro de responsabilidade civil automóvel aos danos pessoais de todos os passageiros, com excepção do condutor. Como resulta do quinto considerando da Terceira Directiva, antes da aprovação da directiva, havia, em certos Estados‑Membros, lacunas na cobertura, pelo seguro obrigatório, dos passageiros de veículos automóveis, pelo que o legislador da União considerou necessário preenchê‑las para proteger essa categoria particularmente vulnerável de vítimas potenciais. Foi o que consagrou no artigo 1.°, n.° 1, da Terceira Directiva, nos termos do qual o seguro referido no n.° 1 do artigo 3.° da Primeira Directiva cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, com excepção do condutor, resultantes da circulação de um veículo. Assim, há que salientar, desde logo, que, no caso em apreço, não se trata dos direitos dos passageiros, mas manifestamente do direito do próprio condutor. Não há indicações, na decisão de reenvio, de que no acidente também tivessem ficado feridos passageiros.

42.      Deve recordar‑se, neste contexto, que o Tribunal de Justiça, quando as questões colocadas pelos tribunais nacionais dizem respeito à interpretação de uma disposição do direito comunitário, está, em princípio, obrigado a pronunciar‑se, salvo se for manifesto que o pedido prejudicial visa, na realidade, levá‑lo a pronunciar‑se através de um litígio que não existe ou a emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio ou ainda quando o Tribunal não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (14).

43.      Tendo em conta o facto de que o tribunal nacional não indica em que medida a interpretação do artigo 1.° da Terceira Directiva tem ligação com o objecto do litígio e pode, portanto, ser relevante para a decisão do litígio, o Tribunal de Justiça, em minha opinião, não tem de se pronunciar sobre esta disposição no quadro da interpretação das directivas.

B –    Análise da questão prejudicial

1.      Observações introdutórias

44.      Antes de entrar na análise da própria questão prejudicial, descreverei com brevidade quer os esforços de harmonização da matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel quer a nova jurisprudência do Tribunal de Justiça relevante nesta matéria sobre a interpretação da Primeira, Segunda e Terceira Directivas, que são o cerne do presente processo. Esta descrição visa tornar mais fácil a compreensão da problemática subjacente ao presente processo.

a)      A harmonização da matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel

45.      A harmonização, ao nível europeu, da cobertura do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel foi iniciada pela Convenção Europeia para o Seguro Obrigatório Automóvel, de 20 de Abril de 1959, elaborada no âmbito do Conselho da Europa (15). Os seus objectivos eram, essencialmente, a introdução, ao nível europeu, do seguro obrigatório dos danos pessoais e materiais dos lesados, a admissão da acção do lesado directamente contra a seguradora do responsável (a chamada «action directe»), o estabelecimento de um nível mínimo de protecção europeu e da obrigação de os Estados contratantes criarem um fundo de garantia que indemnize as vítimas de acidentes mesmo nos casos em que não exista o seguro obrigatório. A convenção só foi ratificada por alguns Estados‑Membros e não teve por isso grande repercussão prática (16). No entanto, os seus objectivos foram posteriormente concretizados com a aprovação das primeiras três directivas da União Europeia.

46.      A harmonização das ordens jurídicas dos Estados‑Membros da União Europeia, no domínio do seguro de responsabilidade civil automóvel, está actualmente muito avançada. Neste domínio, existem cinco directivas, consolidadas pela Directiva 2009/103. Estas directivas têm por objectivo, por um lado, facilitar a livre circulação de pessoas com veículos automóveis e assegurar condições uniformes para o mercado interno em matéria de seguro de responsabilidade civil automóvel; por outro lado, visam melhorar a protecção por seguro das vítimas de acidentes de viação na União Europeia, através da criação de um nível mínimo de protecção, e garantir‑lhes a efectiva execução do seu direito de indemnização.

47.      Os objectivos estabelecidos pelo legislador da União Europeia foram concretizados tecnicamente logo com a Primeira Directiva, que prescreveu a introdução de um seguro de responsabilidade civil em todos os Estados‑Membros, para cobertura de todos os danos ocorridos no território da União Europeia. Inicialmente, foi deixada aos Estados‑Membros a regulação da cobertura dos danos e das condições do seguro obrigatório, do que resultaram algumas lacunas importantes na cobertura, designadamente, no caso dos passageiros. Posteriormente, com a Segunda Directiva, foram previstas disposições mínimas para o âmbito da cobertura prescrita para os danos pessoais e patrimoniais, o que deu origem a uma maior harmonização da protecção das pessoas envolvidas no tráfego automóvel na União Europeia. A Terceira Directiva, por fim, estendeu o âmbito de aplicação pessoal da cobertura aos passageiros dos veículos automóveis, com excepção do condutor. A Quarta Directiva (17), que não é aplicável ao processo principal, diz respeito essencialmente à regulamentação de acidentes de viação ocorridos fora do país de origem do lesado. Para facilitar o exercício dos direitos do terceiro lesado, é‑lhe permitido, pela Quarta Directiva, exercer o seu direito de indemnização no foro da sua residência contra o representante para sinistros da seguradora que fez o seguro obrigatório do responsável (18). Por fim, a Directiva 2005/14/CE (19) actualizou e melhorou o sistema do seguro automóvel, especialmente ao estender a todos os lesados o direito de demandar directamente a seguradora, previsto na Quarta Directiva.

48.      Esta avançada acção legislativa desenvolvida ao nível da União Europeia não permite ignorar, contudo, que as competências legislativas e a margem de transposição dos Estados‑Membros no domínio do seguro de responsabilidade civil continuam a ser muito amplas, dado as directivas terem um âmbito limitado e simultaneamente restringido a um único sector, o que tem como consequência que continua a existir um espaço para regulamentações específicas dos Estados‑Membros, mas também o risco de, precisamente, essa diversidade de regulamentações nacionais se afastar das disposições da directiva e acabar por não corresponder aos níveis mínimos fixados no direito da União.

b)      Os limites das competências dos Estados‑Membros segundo a nova jurisprudência do Tribunal de Justiça

49.      Por isso, já há algum tempo o Tribunal de Justiça, salientando a ideia, já consagrada nas directivas, de protecção da vítima (20), recordou aos Estados‑Membros, repetidamente, a necessidade de respeitarem os níveis mínimos, especialmente quando se verifique concretamente o risco de exclusão ou de limitação, por parte das companhias de seguros, do direito de indemnização dos terceiros lesados. A jurisprudência do Tribunal de Justiça caracteriza‑se, por isso, por um acentuado casuísmo.

50.      Especialmente relevantes para apreciação da questão prejudicial são os acórdãos Candolin e o. e Farrell, em que o Tribunal de Justiça apontou aos Estados‑Membros os limites da sua competência legislativa. Neles o Tribunal de Justiça recordou, em primeiro lugar, a sua jurisprudência até essa data, segundo a qual «resulta do objecto da Primeira, Segunda e Terceira Directivas, bem como do teor das suas disposições, que as mesmas não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados‑Membros e que, no estado actual do direito comunitário, os Estados‑Membros continuam livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos» (21).

51.      Como declarou acertadamente o Tribunal de Justiça no acórdão Farrell, a obrigação de cobertura dos passageiros pelo seguro é distinta da extensão da indemnização destes últimos, quando são vítimas de um sinistro causado por um veículo. A primeira é garantida e definida pela regulamentação comunitária, a segunda é garantida e regulada, essencialmente, pelo direito nacional (22). Neste contexto, poderia argumentar‑se, em teoria, que a determinação do âmbito da indemnização permaneceu na esfera da competência dos Estados‑Membros.

52.      Efectivamente, o Tribunal de Justiça declarou que «os Estados‑Membros são obrigados a exercer as suas competências no respeito do direito comunitário, especialmente dos artigos 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva, 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva e 1.° da Terceira Directiva, cujo objectivo consiste em garantir que o seguro automóvel obrigatório permitirá que todos os passageiros vítimas de um acidente causado por um veículo sejam indemnizados pelos danos que sofreram» (23).

53.      Assim, o Tribunal de Justiça, invocando o objectivo de protecção das directivas, assumiu, nos dois acórdãos acima citados, que «as disposições nacionais que regulam as indemnizações devidas por sinistros resultantes da circulação de veículos não podem […] privar as referidas disposições do seu efeito útil» (24). E, na opinião do Tribunal de Justiça, seria esse o caso «se, apenas com fundamento na contribuição do passageiro para a produção do dano, uma legislação nacional, definida com base em critérios gerais e abstractos, recusasse ao passageiro o direito a ser indemnizado pelo seguro automóvel obrigatório ou limitasse esse direito de modo desproporcionado» (25). No entender do Tribunal de Justiça, «apenas em circunstâncias excepcionais se poderá limitar a extensão da indemnização […], com base numa apreciação individual […]» (26).

2.      Quanto à questão prejudicial propriamente dita

54.      As duas questões jurídicas principais que se colocam no presente processo e que a seguir serão analisadas são: a) o regime em causa está no âmbito de aplicação das directivas? e b) quais as consequências concretas a retirar da jurisprudência acima citada?

a)      Aplicabilidade das directivas

55.      Não me parece descabido que, no quadro da análise das directivas, se refira que o sistema do seguro de responsabilidade civil se caracteriza por um conjunto de diferentes relações jurídicas que se devem claramente distinguir umas das outras. Este sistema constitui, considerado no seu conjunto, uma relação triangular entre o terceiro lesado, o segurado responsável pelos danos e a seguradora. As relações jurídicas entre a seguradora e o responsável pelos danos, que é também o tomador do seguro, são objecto da chamada «relação de seguro ou de cobertura», ao passo que a chamada «relação de responsabilidade» diz respeito às relações entre o responsável pelo dano e o terceiro lesado (27). Destas deve ainda distinguir‑se o direito de «acção directa», ou seja, o direito de acção de indemnização que a ordem jurídica confere ao terceiro lesado contra a companhia de seguros. Quando se analisa a questão de saber se o regime legal em apreço está abrangido pelas directivas, é preciso esclarecer, em primeira linha, quais destas relações jurídicas aquelas normas jurídicas visam regular.

i)      Não inclusão das normas sobre responsabilidade civil

56.      As directivas regulam vários aspectos do seguro de responsabilidade civil automóvel. O seu objecto principal pode ser caracterizado como sendo tipicamente o seguro obrigatório de responsabilidade civil, uma vez que, por um lado, se trata de proteger as pessoas obrigadas a realizar o seguro do risco de incorrerem em responsabilidades colossais e, por outro, de proteger também, pelo menos, os terceiros lesados (28). Este último aspecto é expresso, por exemplo, no sétimo considerando da Segunda Directiva, segundo o qual se deve garantir que, no interesse das vítimas, «os efeitos de certas cláusulas de exclusão sejam limitados às relações entre a seguradora e o responsável pelo acidente».

57.      Sem prejuízo deste indiscutível efeito de protecção de terceiros decorrente das directivas, o seu objecto é, em primeira linha – como observa com acerto o Governo alemão (29) – o seguro de responsabilidade civil automóvel, regulando a relação de seguro, ou seja, a relação entre a companhia de seguros e o tomador do seguro.

58.      Além disso, deve considerar‑se que o legislador da União concedeu aos Estados‑Membros uma ampla margem de transposição para atingirem os objectivos da directiva. Assim, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva, os Estados‑Membros «adopta[m] todas as medidas adequadas» para garantirem que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Para esse efeito, o legislador da União atribui‑lhes, no quadro dessas medidas, a determinação do «âmbito da cobertura» e das «modalidades» de seguro. Na directiva, só existem disposições relativamente às questões de saber que tipo de danos devem ser cobertos pelo seguro e quais as pessoas lesadas que têm direito a indemnização.

59.      Nem a letra nem os objectivos da directiva indicam que a intenção do legislador da União fosse a harmonização parcial das normas aplicáveis ao direito de indemnização que regulam a relação entre o tomador do seguro e o lesado. Pelo contrário, é precisamente o oposto que se verifica, como resulta claramente do artigo 3.°, n.° 2, da Primeira Directiva, do qual resulta que a questão de saber se ocorreu um dano indemnizável pelo contrato de seguro deve ser respondida «de acordo com a respectiva legislação nacional em vigor». A letra desta disposição demonstra a vontade expressa do legislador da União de deixar o regime da responsabilidade civil na esfera da competência dos Estados‑Membros. Neste aspecto, há que dar razão ao Governo italiano (30), quando sustenta que tanto os critérios com base nos quais se deve imputar a responsabilidade pelos danos decorrentes de um acidente de viação como o âmbito da responsabilidade estão fora do campo de aplicação dessas directivas.

60.      A jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, acima citada, segundo a qual as directivas não têm por objectivo a harmonização dos regimes nacionais de responsabilidade civil (31), é juridicamente incontestável (32). Isto mesmo foi confirmado pelo acórdão Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira (33), em que o Tribunal de Justiça concluiu que as directivas, por exemplo, não se pronunciam sobre o tipo de responsabilidade civil – pelo risco ou por culpa – que o seguro deverá cobrir. Por isso, o Tribunal de Justiça deduziu, com acerto, naquele acórdão que, na falta de regulamentação comunitária, a escolha do regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos é, em princípio, da competência dos Estados‑Membros (34). Tendo em conta que a disposição portuguesa em causa deve ser classificada, do ponto de vista sistemático, no direito nacional da responsabilidade civil, a mesma não deve ser considerada como abrangida pela directiva.

61.      Opinião contrária não é sustentável com a invocação dos acórdãos Candolin e o. e Farrell, uma vez que o objecto desses processos não eram regimes de responsabilidade civil, mas disposições legais nacionais que regulavam o seguro de responsabilidade civil automóvel (35). Essas disposições previam, inter alia, que os direitos de indemnização do lesado perante a companhia de seguros podiam, em determinadas condições, ser reduzidos ou mesmo excluídos, por exemplo, quando o passageiro conhecesse ou devesse conhecer o estado de embriaguês do condutor ou se o passageiro sofresse lesões por viajar num veículo que não foi construído nem modificado para ter lugares de passageiros. As referidas disposições legais tinham por objecto o conteúdo do contrato de seguro, uma vez que limitavam amplamente o âmbito da cobertura do seguro, mas não tratavam da matéria da responsabilidade civil em si mesma. Esta é igualmente a razão por que, no acórdão Candolin e o., o causador do dano, em consonância com as disposições do direito civil nacional, respondeu irrestritamente pelo pagamento da indemnização (36). O mesmo se aplica manifestamente ao acórdão Farrell (37). A situação de facto e de direito do presente processo é outra e não pode, portanto, ser equiparada à que era objecto dos processos Candolin e o. e Farrell.

62.      Pode, por isso, concluir‑se que as directivas não visam harmonizar as regras de responsabilidade civil do direito civil e que, portanto, essas regras não estão, em qualquer caso, directamente submetidas às disposições do direito da União.

ii)    Acessoriedade do direito de acção contra a seguradora relativamente às regras da responsabilidade civil

63.      Por outro lado, uma focagem exclusiva sobre estas normas do direito civil poderia levar a perder de vista que o objecto do processo principal não é exactamente o direito de indemnização do direito civil numa relação entre privados. Na verdade, no processo principal, está em causa o direito de indemnização do lesado contra a seguradora. Ao contrário do pedido baseado na responsabilidade civil, tal direito pode estar eventualmente submetido às disposições do direito da União.

64.      Para este efeito, deve analisar‑se previamente se este direito é autonomizável, de um ponto de vista lógico e jurídico, do direito de indemnização civil. Em sentido contrário, pode dizer‑se que o direito contra a seguradora é acessório do direito de indemnização civil, uma vez que a responsabilidade civil, de um ponto de vista material, determina o âmbito do dever de indemnizar da seguradora. A transferência dos danos para as entidades colectivas seguradoras pressupõe normalmente a responsabilidade civil pelos danos e depende dela (38). A existência de responsabilidade civil, num primeiro momento, é o pressuposto fundamental do direito de acção contra a companhia de seguros, num segundo momento (39).

65.      Esta opinião corresponde à dogmática dominante nas ordens jurídicas dos Estados‑Membros, que define o direito de acção contra a seguradora a partir do âmbito da responsabilidade do causador dos danos (40). Através desta construção, a protecção do lesado, prosseguida pelo seu direito de acção directa contra a seguradora, não é gratuitamente reduzida, pois esse direito de acção visa proteger a vítima do acidente, especialmente da incapacidade de pagamento do causador do dano, e pôr à sua disposição um devedor solvente, a seguradora. Se se tiverem presentes estes objectivos de protecção, torna‑se claro que o direito de acção do lesado contra a seguradora não visa a sua autonomização ou afastamento da responsabilidade civil do causador do dano.

66.      Por outro lado, não se pode ignorar que o direito de acção do lesado contra a seguradora tem um carácter autónomo e está imbuído de valores próprios (41). Enquanto o direito de indemnização do direito civil tem subjacente a ideia de compensação dos prejuízos sofridos (iustitia commutativa) (42), o direito contra a companhia de seguros está imbuído, pelo menos, também das ideias de repartição do risco, de solidariedade e, portanto, de elementos de justiça distributiva (iustitia distributiva), no sentido aristotélico (43)/(44). A ideia fundamental da chamada «action directe» é a garantia e a protecção do lesado, que é normalmente a parte mais fraca (45).

67.      A autonomização do direito de acção do lesado contra a seguradora face ao direito de indemnização civil conduziria, porém, a contradições de valores dificilmente resolúveis, especialmente quando o direito de acção contra a seguradora ultrapassasse o abrangido pelo regime substantivo de responsabilidade civil. Por exemplo, no caso de a culpa concorrente do lesado apenas dever ser tida em conta na apreciação do dano segundo o regime do direito civil, mas não na fixação do dever de indemnizar da seguradora, então, o seguro de responsabilidade civil cobriria – como com razão salientam o Governo austríaco (46) e o Governo alemão (47) – direitos que o lesado, devido à sua co‑responsabilidade na produção do dano, nos termos dos princípios do direito nacional em matéria de responsabilidade pelo risco, não poderia exercer contra o condutor responsável. Com efeito, nada na directiva aponta no sentido de que, através do seguro de responsabilidade civil, se pretendam atribuir ao lesado mais direitos do que os resultantes da responsabilidade civil do causador do dano que está coberta pelo seguro.

68.      A atribuição ao lesado de um direito de indemnização mais amplo do que o previsto no direito material aplicável à responsabilidade civil não parece adequada nem proporcionada e, simplesmente, não parece ter sido pretendida pelo legislador da União Europeia para efeito de concretizar o objectivo mencionado no terceiro considerando da Primeira Directiva, que é o de realizar a livre circulação de veículos e de pessoas no interior da União. As directivas foram emitidas com base nos fundamentos que permitem proceder a uma harmonização jurídica, no interesse da concretização da livre circulação de mercadorias e de pessoas, necessária para a criação do mercado comum. As «disparidades entre as várias disposições nacionais [que] podem dificultar a livre circulação de veículos automóveis e de pessoas na Comunidade», mencionadas no segundo considerando da Primeira Directiva, não são afastadas pelo facto de se garantir um direito de indemnização contra a seguradora, sempre pelo valor total do dano, independentemente de uma eventual co‑responsabilidade do lesado prevista no direito civil a título de culpa ou de risco – por exemplo, pelo risco tipicamente associado à utilização de um ciclomotor. É isso que decorre, em última análise, do pedido de Manuel Carvalho Ferreira Santos.

69.      Privilegiar o lesado, como resultaria se, nesta relação com a seguradora, ele ficasse mais bem posicionado do que se tivesse de exercer o seu direito de indemnização contra o causador dos danos, não contribuiria para a eliminação das restrições que resultam da existência de diferentes regimes legais de seguro (por exemplo, exclusões de responsabilidade a favor das seguradoras), que são o verdadeiro objectivo das directivas. A tanto se limita o objecto das directivas (48). A eventual redução, ou mesmo exclusão, do direito de indemnização com base na valoração das normas do direito civil nacional sobre responsabilidade civil não constitui uma qualquer «restrição» à livre circulação de mercadorias e de pessoas que tenha de ser eliminada pelas directivas. Neste contexto, a disparidade das normas dos Estados‑Membros sobre responsabilidade civil é um facto que, no estádio actual do direito da União, tem de ser aceite como inevitável.

70.      O reconhecimento de um direito de indemnização mais amplo do que o previsto no regime material da responsabilidade civil iria, pois, claramente para além daquilo que o legislador da União considerou adequado e proporcionado para atingir o objectivo da livre circulação de veículos e de pessoas. Tendo em conta esta situação jurídica clara, parece‑me de excluir uma interpretação das directivas mediante a qual estas se poderiam opor à eventual redução ou exclusão do direito de indemnização do lesado directamente pela seguradora. É certo que o Tribunal de Justiça, nos acórdãos Candolin e o. e Farrell, salientou, com razão, que «as disposições nacionais que regulam as indemnizações devidas por sinistros resultantes da circulação de veículos não podem […] privar as referidas disposições do seu efeito útil» (49). Porém, esta conclusão, devido à sua formulação genérica, pode, mediante uma leitura superficial, conduzir facilmente a mal‑entendidos. Só mediante uma compreensão aprofundada desta frase, que tenha em consideração a situação de facto e de direito então em apreciação, é que se torna claro que o Tribunal de Justiça se referia apenas às disposições legais nacionais que regulavam a relação de cobertura entre a seguradora e o tomador do seguro, de forma que o direito do lesado contra a seguradora, em determinadas situações, podia ser reduzido ou mesmo excluído (50). As considerações do Tribunal de Justiça referiam‑se assim apenas ao direito aplicável ao seguro de responsabilidade civil automóvel, que também é objecto das directivas, mas de maneira nenhuma ao direito nacional em matéria de responsabilidade civil. A exigência do Governo italiano de, na análise do presente caso, se distinguirem claramente estas duas matérias jurídicas (51), é inteiramente justificada.

71.      Se se entendesse a citada declaração do Tribunal de Justiça nos acórdãos Candolin e o. e Farrell num sentido amplo, no sentido de serem nela igualmente incluídas as regras nacionais de responsabilidade civil, daí decorreria uma importante intromissão nas ordens jurídicas dos Estados‑Membros, pois, nesse caso, todas as normas nacionais sobre responsabilidade civil que definissem o âmbito do direito de indemnização do lesado ficariam automaticamente sujeitas à conformidade com os critérios da jurisprudência Candolin (52), o que afectaria o princípio da segurança jurídica (53), uma vez que os seguradores ficariam sem a possibilidade de conhecerem previamente quais os danos por que devem responder e em que medida. Tal resultado não seria aceitável do ponto de vista da prática jurídica.

72.      Das considerações que precedem resulta que a acessoriedade do direito de acção do lesado directamente contra a seguradora, relativamente ao regime do direito de indemnização resultante do direito civil, se opõe à autonomização daquele direito de acção face a este regime, de forma que este, nem directamente nem em consequência de uma interpretação teleológica da directiva, se pode considerar abrangido pela directiva.

iii) Conclusão intercalar

73.      De quanto precede resulta que o regime nacional em questão não está no âmbito de aplicação da directiva. Por consequência, as directivas não se lhe opõem.

b)      Aplicabilidade da jurisprudência Candolin

74.      Da análise precedente conclui‑se que a situação de facto e de direito do presente processo é diferente, em diversos pontos essenciais, da que foi objecto dos acórdãos Candolin e o. e Farrell. Estes dois acórdãos diziam respeito a uma matéria sujeita ao domínio de aplicação das directivas e, portanto, ao seu efeito de harmonização, ou seja, o direito aplicável ao seguro de responsabilidade civil automóvel. Não é esse aqui o caso, uma vez que o direito da responsabilidade civil é expressamente excluído. Uma interpretação das directivas mediante a qual estas poderiam opor‑se a uma eventual redução ou exclusão do direito de acção directamente contra a seguradora não pode aceitar‑se, tendo em conta as razões já expostas. A aplicação da citada jurisprudência a este caso não é, por isso, procedente.

C –    Consequência

75.      Em resumo, há que concluir que a Primeira, Segunda e Terceira Directivas não obstam a um regime de direito civil como o artigo 506.° do Código Civil português, que, numa situação como a do processo principal, leva a que o direito de indemnização do lesado com base na responsabilidade pelo risco, quando não é possível determinar a parte da sua contribuição para o acidente, seja reduzido, por efeitos de presunção legal, a metade dos prejuízos sofridos.

VII – Conclusão

76.      Tendo em conta as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão colocada pelo Tribunal da Relação Porto, da seguinte forma:

«A Primeira Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, a Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, e a Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, não obstam a um regime nacional de direito civil que, numa situação como a do processo principal – em que está em causa uma colisão de veículos na qual não se provou a culpa de nenhum dos condutores, tendo um deles sofrido danos corporais e materiais – leva a que o direito de indemnização do lesado com base na responsabilidade pelo risco seja reduzido, por efeitos de presunção legal, a metade dos prejuízos sofridos.»


1 – Língua original das conclusões: alemão.


Língua do processo: português.


2 – O processo de reenvio prejudicial está doravante regulado no artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nos termos do Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, assinado em Lisboa, em 13 de Dezembro de 2007 (JO C 306, p. 1).


3 – Primeira Directiva do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 103, p. 1, a seguir «Primeira Directiva»).


4 – Segunda Directiva do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (JO L 8, p. 17, a seguir «Segunda Directiva»).


5 – Terceira Directiva do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (JO L 129, p. 33, a seguir «Terceira Directiva»).


6 – Em consonância com as referências do Tratado da União Europeia (TUE) e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), o conceito «direito da União Europeia» é utilizado como conceito geral que abrange o direito comunitário e o direito da União Europeia. Sempre que forem citadas disposições do direito primário, será considerada a versão em vigor à época dos factos.


7 – JO L 263, p. 11.


8 – Acórdão de 30 de Junho de 2005 (C‑537/03, Colect., p. I‑5745).


9 – C‑348/98, Colect., p. I‑5711, n.° 29.


10 – Já referido na nota 8.


11 – Acórdão de 19 de Abril de 2007 (C‑356/05, Colect., p. I‑3067).


12 – Acórdãos de 22 de Março de 1990, Triveneta e o./Comissão (C‑347/87, Colect., p. I‑1083, n.° 16), e de 21 de Outubro de 2010, Padawan (C‑467/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 61).


13 – Sobre a partilha de competências entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais relativamente à interpretação e à aplicação do direito da União, v. as minhas conclusões de 6 de Julho de 2010 no processo Pénzügyi Lízing (acórdão de 9 de Novembro de 2010, C‑137/08, ainda não publicado na Colectânea).


14 – V. acórdãos de 7 de Janeiro de 2003, BIAO (C‑306/99, Colect., p. I‑1, n.° 89); de 14 de Dezembro de 2006, Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio (C‑217/05, Colect., p. I‑11987, n.° 17); e de 22 de Dezembro de 2008, Les Vergers du Vieux Tauves (C‑48/07, Colect., p. I‑10627, n.° 17).


15 – V. Reichert‑Facilidades, F. – «Europäisches Versicherungsvertragsrecht?», Festschrift für Ulrich Drobnig zum siebzigsten Geburtstag (coordenação de Jürgen Basedow/Klaus J. Hopt/Hein Kötz), Tübingen, 1998, p. 127.


16 – V. Lemor, U. – Kommentar zur Kraftfahrtversicherung (coordenação de Hans Feyock/Peter Jacobsen/Ulf Lemor), 3.ª edição, Munique, 2009, 1.ª parte, n.° 5.


17 – Directiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Maio de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis e que altera as Directivas 73/239/CEE e 88/357/CEE do Conselho (JO L 181, p. 65).


18 – Como esclarece pertinentemente Schauer, M. – «Bemerkungen zur Umsetzung der 4. Kfz‑Haftpflicht‑Richtlinie im österreichischen Recht», Recht und Risiko – Festschrift für Helmut Kollhosser, vol. I (Versicherungsrecht), Karlsruhe, 2004, p. 293, o objectivo da Quarta Directiva era dar ao lesado a possibilidade de propor a acção de indemnização no Estado em que reside. A Quarta Directiva promoveu, assim, uma relevante melhoria da protecção do lesado, no caso de acidentes no estrangeiro.


19 – Directiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, que altera as Directivas 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE do Conselho e a Directiva 2000/26/CE relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (JO L 149, p. 14).


20 – V. acórdãos Candolin e o. (já referido na nota 8, n.° 18) e de 28 de Março de 1996, Ruiz Bernáldez (C‑129/94, Colect., p. I‑1829, n.° 20).


21 – Acórdãos Candolin e o. (já referido na nota 8, n.° 24) e Farrell (já referido na nota 11, n.° 33). V., igualmente, o acórdão Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira (já referido na nota 9, n.os 23 e 29). V., ainda, no que respeita à interpretação da Primeira, Segunda e Terceira Directivas quanto aos seus efeitos nos Estados da EFTA e do EEE, a jurisprudência do Tribunal da EFTA (correspondente ao princípio da uniformidade do direito do EEE), entre outros, os acórdãos de 4 de Junho de 2001, Helgadóttir (E‑7/00, n.° 30), e de 20 de Junho de 2008, Nguyen (E‑8/07, n.° 24). As directivas, nos termos dos n.os 8, 9 e 19 do anexo IX do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, são aplicáveis aos Estados da EFTA e do EEE.


22 – Acórdão Farrell (já referido na nota 11, n.° 32).


23 – Acórdão Candolin e o. (já referido na nota 8, n.° 27).


24 – Ibidem (n.° 28) e acórdão Farrell (já referido na nota 11, n.° 34). Esta jurisprudência tem correspondência em jurisprudência semelhante do Tribunal da EFTA, concretamente no acórdão de 17 de Novembro de 1999, Storebrand and Finanger (E‑1/99, Report of EFTA Court 1999, 119, n.° 29), em que certamente o advogado‑geral L. A. Geelhoed baseou as suas considerações nas conclusões de 10 de Março de 2005 no processo Candolin e o.


25 – Acórdãos Candolin e o. (já referido na nota 8, n.° 29) e Farrell (já referido na nota 11, n.° 35).


26 – Acórdãos Candolin e o. (já referido na nota 8, n.° 30) e Farrell (já referido na nota 11, n.° 35).


27 – V. Baumann, H. – «Zur Überwindung des Trennungsprinzips im System von Haftpflicht und Haftpflichtversicherung», Festgabe Zivilrechtslehrer 1934/1935 (coordenação de Walther Hadding), Berlim, 1999, p. 13.


28 – V. Looschelders, D. – Münchener Kommentar zum Versicherungsvertragsgesetz (coordenação de Theo Langheid/Manfred Wandt), 1.ª edição, 2010, vol. 1, cap. 1, n.° 117; von Bar, C. – «Das Trennungsprinzip und die Geschichte des Wandels der Haftpflichtversicherung», Archiv für die civilistische Praxis, 1981, n.° 181, p. 326.


29 – V. n.° 10 das observações do Governo alemão.


30 – V. n.° 13 das observações do Governo italiano.


31 – V. n.° 50 destas conclusões.


32 – Outra indicação a favor desta opinião é o facto de o décimo terceiro considerando da Quarta Directiva (que não é aplicável a este caso) referir expressamente que as disposições da directiva «não altera[m] o direito material aplicável no caso concreto […]». Schauer, M., já referido na nota 18, p. 294, considera esta referência uma indicação de que a Quarta Directiva não altera o direito aplicável ao seguro de responsabilidade civil.


33 – Já referido na nota 9.


34 – Ibidem, n.° 28.


35 – No processo Candolin e o., estava em discussão o regime legal finlandês sobre o seguro de responsabilidade civil automóvel (liikennevakuutuslaki). No processo Farrell, tratava‑se do regime relativo ao seguro obrigatório, codificado no Código da Estrada irlandês (Road Traffic Act) e no Regulamento do Código da Estrada (Road Traffic Regulations).


36 – No acórdão Candolin e o., o condutor demandado (o Sr. Ruokoranta), nos termos das pertinentes disposições nacionais, ficou responsável pelo pagamento da indemnização, independentemente do facto de os passageiros terem a obrigação de conhecer o seu estado de embriaguês. Resulta do n.° 12 deste acórdão que o condutor foi condenado pelo tribunal de primeira instância no pagamento de indemnizações aos lesados. Resulta igualmente dos n.os 20 e 23 das conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed nesse processo que as indemnizações que o condutor foi condenado a pagar não foram reduzidas.


37 – Do n.° 1.4 do pedido prejudicial no processo Farrell e do n.° 14 das conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl, de 5 de Outubro de 2006, resulta que o pedido de indemnização do recorrente teve provimento. Só a avaliação do dano foi adiada até à audiência.


38 – V. Jansen, N. – Die Struktur des Haftungsrechts, Tubinga, 2003, p. 115.


39 – V. Basedow, J., e Fock, T., in:Europäisches Versicherungsvertragsrecht (coordenação de Jürgen Basedow/Till Fock), Tubinga, 2002, vol. I, p. 54, que consideram o direito a receber a indemnização pecuniária do segurador dependente da verificação do sinistro.


40 – V. Basedow, J., e Fock, T., já referido na nota 39, pp. 108 e segs.; v., igualmente, in Europäisches Versicherungsvertragsrecht (coordenação de Jürgen Basedow/Till Fock), Tubinga, 2002, por exemplo, para Espanha, Schlenker, S., vol. II., p. 1098, para Itália, D’Usseaux, F. B., vol. I, pp. 727 e segs., para a Grécia, Papathoma‑Baetge, A., vol. I, p. 636, e, para a Áustria, Lemmel, U., vol. II, p. 1098.


41 – V. Basedow, J., e Fock, T., já referidos na nota 39, pp. 108 e segs.


42 – V. Jansen, N., já referido na nota 38, pp. 61, 112, 115, que indica que as normas sobre a indemnização se baseiam no princípio de que quem é responsável pelo dano está obrigado a repará‑lo. Schiemann, G. – Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch mit Einführungsgesetz und Nebengesetzen, livro 2, Recht der Schuldverhältnisse, §§ 249‑254 (Schadensersatzrecht), anotação aos §§ 249 e segs., esclarece que a função geral da indemnização é garantir ao lesado, com base na justiça comutativa, uma compensação do prejuízo. Essa compensação deve ser calculada por forma a repor o mais exactamente possível a situação que existiria se o dano não tivesse ocorrido, mas não a beneficiar o lesado para além dessa medida.


43 – O filósofo grego Aristóteles, na sua obra Ética a Nicómaco (livro V), delimitou os dois tipos de justiça, contribuindo de forma decisiva para o conceito de justiça. Sobre este ponto, v. as minhas conclusões de 11 de Maio de 2010, Padawan (C‑467/08, acórdão já referido na nota 12, n.° 74 das conclusões).


44 – V. Jansen, N., já referido na nota 38, p. 114, que chama a atenção para a repartição dos custos da responsabilidade entre entidades colectivas, ou seja, entre as seguradoras e os sistemas de segurança social. Com efeito, é frequente que num processo de indemnização não estejam presentes nem o responsável nem o lesado, mas, em vez disso, a acção seja proposta contra a seguradora do responsável. Os processos de indemnização e as normas de responsabilidade civil, na opinião do autor, não parecem ter por objecto, economicamente, a compensação do lesado pelo responsável pelo prejuízo, mas a partilha do prejuízo entre duas entidades colectivas que arcam com o prejuízo. Basedow, J., e Fock, T., já referidos na nota 39, p. 6, esclarecem que os seguros privados, na medida em que se trata da assunção de riscos no quadro de uma relação de seguro, entram parcialmente em concorrência com os sistemas de segurança social, que nos Estados‑Membros da União estão frequentemente sobrecarregados. A proximidade dos dois sistemas revela‑se especialmente nos seguros obrigatórios que existem também nos sistemas de seguros privados em muitas ordens jurídicas.


45 – V. Mansel, H.‑P. – Direktansprüche gegen Haftpflichtversicherer, Heidelberg 1986; Lüttringhaus, J. D. – «Der Direktanspruch im vergemeinschafteten IPR und IZVR», Versicherungsrecht, 4/2010, pp. 183, 186.


46 – V. n.° 13 das observações do Governo austríaco.


47 – V. n.° 20 das observações do Governo alemão.


48 – V. n.° 57 destas conclusões.


49 – V. n.° 53 destas conclusões.


50 – V. n.° 61 destas conclusões.


51 ­_ V. n.° 11 das observações do Governo italiano.


52 – V. n.° 53 destas conclusões.


53 – Origer, P.‑C. – Assurance et Responsabilité: bulletin de l’AIDA, Association internationale de droit des assurances, Section Luxembourg, 2006, n.° 9, p. 167, critica, por exemplo, o facto de o Tribunal de Justiça não ter declarado claramente no acórdão Candolin e o. o que se deve entender por limitar o direito de indemnização «de modo desproporcionado», o que fez com que se mantivesse a insegurança jurídica.

Top