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Document 62006CJ0374

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 13 de Dezembro de 2007.
BATIG Gesellschaft für Beteiligungen mbH contra Hauptzollamt Bielefeld.
Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht Düsseldorf - Alemanha.
Reenvio prejudicial - Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Directiva 92/12/CEE - Produtos sujeitos a imposto especial de consumo - Marcas fiscais - Saída irregular de um regime de suspensão - Furto - Introdução no consumo no Estado-Membro do furto - Não reembolso das marcas fiscais de outro Estado-Membro já colocadas nos produtos furtados.
Processo C-374/06.

European Court Reports 2007 I-11271

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:788

Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Partes

No processo C‑374/06,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Finanzgericht Düsseldorf (Alemanha), por decisão de 6 de Setembro de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de Setembro de 2006, no processo

BATIG Gesellschaft für Beteiligungen mbH

contra

Hauptzollamt Bielefeld,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, A. Tizzano, A. Borg Barthet, M. Ilešič (relator) e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: M. Poiares Maduro,

secretário: J. Swedenborg, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Setembro de 2007,

vistas as observações apresentadas:

– em representação da BATIG Gesellschaft für Beteiligungen mbH, por M. Dettmeier, Rechtsanwalt,

– em representação do Governo alemão, por M. Lumma e C. Blaschke, na qualidade de agentes,

– em representação do Governo português, por L. Fernandes e A. Simões, na qualidade de agentes,

– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por W. Mölls, na qualidade de agente,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão

1. O pedido de decisão prejudicial é relativo à interpretação da Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1), alterada pelo Regulamento (CE) n.° 807/2003 do Conselho, de 14 de Abril de 2003, que adapta à Decisão 1999/468/CE as disposições relativas aos comités que assistem a Comissão no exercício das suas competências de execução previstas em actos do Conselho adoptados pelo procedimento consultivo (unanimidade) (JO L 122, p. 36, a seguir «Directiva 92/12»).

2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a BATIG Gesellschaft für Beteiligungen mbH (a seguir «BATIG») ao Hauptzollamt Bielefeld (a seguir «Hauptzollamt»), a respeito da recusa de este último reembolsar o montante pago pela aquisição de marcas fiscais que foram em seguida colocadas em maços de tabaco destinados ao mercado alemão, mas que foram furtados na Irlanda, durante a expedição.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3. Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, a Directiva 92/12 estabelece o regime dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

4. O artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 92/12 especifica que esta é aplicável, a nível comunitário, aos tabacos manufacturados.

5. O artigo 6.° da Directiva 92/12 dispõe:

«1. O imposto especial de consumo é exigível no momento da introdução no consumo ou da constatação das faltas que devem ser sujeitas ao imposto especial de consumo em conformidade com o n.° 3 do artigo 14.°

Considera‑se como introdução no consumo de produtos sujeitos ao imposto especial de consumo:

a) Toda e qualquer saída, mesmo irregular, de um regime de suspensão;

b) Todo e qualquer fabrico, mesmo irregular, desses produtos fora de um regime de suspensão;

c) Toda e qualquer importação, mesmo irregular, desses produtos quando estes não se encontrem em regime de suspensão.

2. As condições de exigibilidade e a taxa do imposto especial de consumo a aplicar são as que estiverem em vigor na data de exigibilidade no Estado‑Membro em que se efectuar a introdução no consumo ou a constatação das faltas. O imposto especial de consumo será percebido e cobrado segundo as regras estabelecidas por cada Estado‑Membro, entendendo‑se que os Estados‑Membros aplicarão as mesmas regras de percepção e cobrança aos produtos nacionais e aos produtos provenientes dos outros Estados‑Membros.»

6. Nos termos do artigo 20.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 92/12, «[s]empre que, no decurso da circulação, seja cometida uma irregularidade ou uma infracção que torne exigível o imposto especial de consumo, este deverá ser cobrado no Estado‑Membro em que tiver sido cometida a irregularidade ou a infracção, junto da pessoa singular ou colectiva que se constituiu garante do pagamento do imposto especial de consumo, em conformidade com o n.° 3 do artigo 15.°, sem prejuízo do recurso a acções penais».

7. O artigo 21.°, n. os  1 e 2, segundo parágrafo, da Directiva 92/12 dispõe:

«1. Sem prejuízo do n.° 1 do artigo 6.°, os Estados‑Membros podem estipular que os produtos destinados a ser consumidos no seu território ostentem marcas fiscais ou marcas nacionais de identificação utilizadas para efeitos fiscais.

2. […]

Os Estados‑Membros, sem prejuízo das disposições que fixam para assegurar a correcta aplicação do presente artigo e evitar qualquer fraude, evasão ou abuso, providenciarão para que as marcas não criem entraves à livre circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.»

8. O artigo 22.°, n. os  1 e 2, da Directiva 92/12 prevê:

«1. Os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo introduzidos no consumo podem, em casos adequados e a pedido de um operador no exercício da sua profissão, ser objecto de reembolso desse imposto pelas autoridades fiscais do Estado‑Membro onde se efectuar a introdução no consumo sempre que não se destinem a ser consumidos nesse Estado‑Membro.

Todavia, os Estados‑Membros podem indeferir esse pedido de reembolso, caso o mesmo não obedeça aos critérios de regularidade por si estabelecidos.

2. Para efeitos da execução do n.° 1, aplicar‑se‑ão as seguintes disposições:

a) Antes da expedição das mercadorias, o expedidor deverá apresentar um pedido de reembolso às autoridades competentes do seu Estado‑Membro e provar o pagamento do imposto especial de consumo. No entanto, as autoridades competentes não poderão recusar o reembolso pela simples razão de o documento emitido por essas mesmas autoridades para comprovar o pagamento inicial não ter sido apresentado;

[…]

d) Os produtos sujeitos ao imposto especial de consumo introduzidos no consumo num Estado‑Membro e ostentando, por isso, uma marca fiscal ou uma marca de identificação desse Estado‑Membro podem ser objecto de reembolso do imposto devido às autoridades fiscais do Estado‑Membro que emitiu essas marcas fiscais ou de identificação, desde que a destruição dessas marcas seja verificada pelas autoridades fiscais do Estado‑Membro que as emitiu.»

9. Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 95/59/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 1995, relativa aos impostos que incidem sobre o consumo de tabacos manufacturados, com excepção dos impostos sobre o volume de negócios (JO L 291, p. 40), os cigarros são considerados tabacos manufacturados.

10. O artigo 10.°, n.° 1, da Directiva 95/59 dispõe, designadamente, que «[a]s modalidades de cobrança do imposto especial de consumo serão harmonizadas no estádio final, o mais tardar» e que, «[d]urante as fases anteriores, o imposto especial de consumo será cobrado, em princípio, por meio de selo fiscal».

Legislação nacional

11. O artigo 1.° da Lei alemã relativa ao imposto sobre o tabaco (Tabaksteuergesetz), de 21 de Dezembro de 1992 (BGBl. 1992 I, p. 2150), na sua versão em vigor à data dos factos do processo principal (a seguir «TabStG»), prevê que o imposto especial de consumo sobre o tabaco incide sobre os cigarros, os charutos e as cigarrilhas assim como sobre o tabaco de fumar (tabacos manufacturados).

12. O § 12 da TabStG, intitulado «Utilização de marcas fiscais, declaração fiscal», dispõe, nos seus n. os  1 e 2:

«(1) O imposto sobre produtos de tabacos manufacturados é pago através da utilização de marcas fiscais. A utilização abrange a obliteração e a aposição das marcas fiscais nos maços individuais de tabaco. As marcas fiscais têm de ser utilizadas quando o imposto se torna exigível.

(2) O fabricante ou importador tem de encomendar as marcas fiscais de acordo com um formulário oficial, devendo ser ele a calcular no próprio formulário a dívida pela aquisição das marcas fiscais (declaração fiscal). […] O imposto torna‑se exigível com a compra das marcas fiscais, no montante do respectivo imposto. Se as marcas fiscais forem expedidas, considera‑se que a data da aquisição é o segundo dia útil após a expedição. O devedor é o adquirente […]»

13. O § 22 da TabStG, intitulado «Isenção e reembolso do imposto», especifica, nos seus n. os  1 a 3:

«(1) Existe isenção ou reembolso do imposto, a requerimento do interessado, se os produtos de tabacos manufacturados forem admitidos em entreposto fiscal ou se forem transportados ou exportados, sob fiscalização, do território fiscal para outro Estado‑Membro. Os importadores e os destinatários habilitados que não possuam a qualidade de entreposto também beneficiam da isenção ou do reembolso se os produtos de tabacos manufacturados por eles importados ou recebidos forem destruídos ou inutilizados, sob fiscalização.

(2) Se o montante do imposto for pago através da utilização das marcas fiscais, só haverá isenção ou restituição se as marcas fiscais tiverem sido destruídas ou invalidadas, sob fiscalização, e o conteúdo dos maços ainda estiver completo.

(3) Às dívidas pela aquisição de marcas fiscais aplica‑se, correspondentemente, o n.° 1, se as marcas fiscais que ainda não tiverem sido obliteradas forem devolvidas ao Hauptzollamt, ou se as marcas fiscais obliteradas forem destruídas ou invalidadas sob fiscalização e o imposto não se tiver tornado exigível.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

14. Em 1 de Abril de 2004, a Tuxedo GmbH (a seguir «Tuxedo»), da qual a BATIG é legítima sucessora, adquiriu marcas fiscais junto do Hauptzollamt, no valor global de 184 170,46 EUR, para cigarros fabricados na Irlanda pela P. J. Carroll & Co. Ltd (a seguir «Carroll») e destinados ao mercado alemão.

15. A Tuxedo enviou essas marcas fiscais à Carroll, que as colocou em maços individuais de cigarros. A Carroll expediu então esses cigarros para um parceiro comercial estabelecido nos Países Baixos, no âmbito do regime de suspensão intracomunitária. No entanto, em 29 de Abril de 2004, todos os cigarros foram furtados no porto de Dublim (Irlanda).

16. A Carroll pagou à Administração Aduaneira irlandesa 277 587,30 EUR de imposto especial de consumo, devido à saída dos cigarros do regime suspensivo na Irlanda.

17. Em 18 de Agosto de 2004, a Tuxedo pediu ao Hauptzollamt o reembolso do montante de 184 445,64 EUR que tinha pago pela aquisição das marcas fiscais, por essas marcas já não poderem ser utilizadas na liquidação do imposto alemão sobre o tabaco. Segundo a Tuxedo, na realidade, podia presumir‑se que todos os cigarros furtados seriam vendidos no mercado negro britânico.

18. Por decisão de 30 de Agosto de 2004, que foi confirmada, depois de a Tuxedo dela ter recorrido, por decisão de 15 de Outubro de 2004, o Hauptzollamt recusou o reembolso porque é o adquirente que tem de suportar o risco da perda das marcas fiscais. O Hauptzollamt considerou que não era de excluir que os maços de tabaco furtados, com as referidas marcas, fossem vendidos no território fiscal alemão. Alegou, além disso, que as marcas fiscais não tinham sido destruídas nem invalidadas, como exige o § 22, n.° 3, da TabStG.

19. A Tuxedo interpôs então recurso para o Finanzgericht Düsseldorf. Alegou essencialmente que um montante exigível a título de marcas fiscais que não seja absorvido por um imposto especial sobre o consumo de tabaco subsequente ou simultâneo é contrário à Directiva 92/12. Na realidade, resulta dessa directiva que os impostos especiais de consumo só podem ser cobrados no Estado‑Membro onde a violação ou a irregularidade foram cometidas na vigência do regime suspensivo, mesmo quando outro Estado‑Membro prescreva a utilização de marcas fiscais. Se assim não fosse, multiplicar‑se‑iam os impostos especiais de consumo, facto que afectaria o comércio intracomunitário, na acepção do artigo 21.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Directiva 92/12.

20. O Hauptzollamt objecta que, com a aquisição das marcas fiscais alemães, a respectiva dívida fiscal se tornou exigível. Não havendo devolução, destruição ou invalidação das referidas marcas, não é possível efectuar a restituição do montante pago a esse título. À excepção do imposto sobre o tabaco cobrado na Irlanda, não havia outro imposto alemão sobre esse tabaco, mas antes uma dívida resultante da aquisição de marcas fiscais alemãs, pelo que não é possível falar‑se de dupla tributação. É certo que se verifica a existência de um duplo encargo fiscal, mas este é inerente à Directiva 92/12. Não havia entraves à livre circulação dos produtos sujeitos a imposto especial de consumo, porquanto só em caso de anterior irregularidade é que poderia surgir um duplo encargo fiscal.

21. Considerando que a interpretação da Directiva 92/12 é necessária para a resolução do litígio sobre o qual tem de se pronunciar, o Finanzgericht Düsseldorf decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A Directiva [92/12] deve ser interpretada no sentido de que um Estado‑Membro que tenha cobrado um imposto especial de consumo sobre tabacos manufacturados, através da emissão de marcas fiscais, deve reembolsar ao adquirente dessas marcas o montante que ele efectivamente pagou pelas mesmas, no caso de os produtos de tabacos manufacturados munidos dessas marcas fiscais terem saído irregularmente do regime de suspensão noutro Estado‑Membro, pelo que esse Estado‑Membro cobra o imposto especial sobre os produtos de tabacos manufacturados ao operador aí estabelecido que expediu esses produtos em regime de suspensão intracomunitário?»

Quanto à questão prejudicial

22. A título liminar, há que salientar que as marcas fiscais adquiridas pela Tuxedo junto das autoridades fiscais alemãs foram colocadas nos produtos de tabaco, quando estes ainda se encontravam sob o regime suspensivo e, consequentemente, quando o imposto especial de consumo ainda não era exigível.

23. Por outro lado, é facto assente que a BATIG, que é legítima sucessora da Tuxedo, não logrou fazer prova junto das autoridades fiscais alemãs de que os produtos de tabaco, furtados na Irlanda durante a expedição, não foram escoados na Alemanha.

24. Assim sendo, com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a Directiva 92/12 se opõe à legislação de um Estado‑Membro que exclui o reembolso do montante pago pela aquisição de marcas fiscais desse Estado‑Membro, quando essas marcas foram colocadas em produtos sujeitos ao imposto especial de consumo antes da sua introdução no consumo no referido Estado‑Membro, quando esses produtos foram furtados noutro Estado‑Membro, determinando o pagamento do imposto especial de consumo nesse outro Estado‑Membro, e quando não é feita prova de que os produtos furtados não foram escoados no Estado‑Membro de emissão das referidas marcas.

25. O artigo 6.° da Directiva 92/12 especifica que o imposto especial de consumo é exigível no momento da introdução no consumo e que as condições de exigibilidade e a taxa do imposto especial de consumo a aplicar são as que estiverem em vigor na data de exigibilidade no Estado‑Membro onde se efectuar a introdução no consumo. O artigo 21.°, n.° 1, da Directiva 92/12 reconhece aos Estados‑Membros a possibilidade de estipularem que os produtos destinados a ser consumidos no seu território ostentem marcas fiscais. Por último, o artigo 10.°, n.° 1, da Directiva 95/59 prevê que, durante as fases que antecedem a harmonização das modalidades de cobrança do imposto especial de consumo, este último será cobrado, em princípio, por meio de marcas fiscais.

26. À luz destas disposições, resulta que a emissão de marcas fiscais para um operador económico, por parte de um Estado‑Membro, constitui, para este Estado‑Membro, um modo de cobrança antecipada do imposto especial de consumo sobre os produtos que o operador pretende introduzir no consumo no referido Estado‑Membro.

27. Para mais, é facto assente que uma marca fiscal, após ter sido colocada em maços individuais de cigarros, como os do processo principal, não pode ser retirada sem ser destruída. Consequentemente, quando um operador económico coloca nesses produtos as marcas fiscais emitidas por um Estado‑Membro, que se propõe introduzir no mercado desse Estado‑Membro, há que considerar que o referido Estado‑Membro cobra antecipadamente o imposto especial de consumo sobre esses mesmos produtos.

28. Deste modo, no processo principal, a BATIG pagou antecipadamente o imposto especial de consumo alemão para os produtos furtados.

29. Por outro lado, quando, como no processo principal, forem furtados produtos de tabaco que circulem em regime de suspensão de imposto, o seu furto constitui uma saída irregular de um regime de suspensão, na acepção do artigo 6.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 92/12, pelo que o imposto especial de consumo se torna exigível no Estado‑Membro onde ocorreu o furto, nos termos do artigo 20.°, n.° 1, da mesma directiva.

30. Deste modo, no processo principal, o imposto especial de consumo sobre os produtos furtados tornou‑se exigível na Irlanda.

31. No entanto, o facto de as marcas fiscais não terem podido servir para pagar o imposto especial de consumo não implica necessariamente, para os operadores em causa, o direito ao reembolso do montante pago pela aquisição das referidas marcas.

32. Com efeito, como referiu correctamente o advogado‑geral nos n. os  33 a 35 das suas conclusões no processo que deu origem ao acórdão de 15 de Junho de 2006, Heintz van Landewijck (C‑494/04, Colect., p. I‑5381), as marcas fiscais têm um valor intrínseco que as distingue de simples papéis comprovativos do pagamento de uma determinada quantia em dinheiro às autoridades fiscais do Estado‑Membro que emitiu essas marcas.

33. Em caso de perda, essas marcas podem ser utilizadas para fins ilícitos, porque a sua mera presença nos produtos sujeitos a imposto especial de consumo constitui uma presunção de que o imposto especial de consumo foi pago no Estado‑Membro de emissão e, consequentemente, autoriza a sua comercialização nesse Estado‑Membro.

34. Há que recordar, a este respeito, que o mercado dos cigarros é, tal como o Tribunal de Justiça já salientou, particularmente propício ao desenvolvimento de um comércio ilegal [acórdãos de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C‑491/01, Colect., p. I‑11453, n.° 87, e de 29 de Abril de 2004, British American Tobacco, C‑222/01, Colect., p. I‑4683, n.° 72].

35. Assim, quando um operador económico que adquiriu marcas fiscais não puder fazer prova de que essas marcas não serão utilizadas para escoar produtos sujeitos a imposto especial de consumo no Estado‑Membro de emissão das referidas marcas, esse Estado tem um interesse legítimo em recusar o reembolso do montante pago.

36. O Tribunal de Justiça pronunciou‑se neste sentido no seu acórdão Heintz van Landewijck, já referido, em que a questão consistia em saber se a Directiva 92/12 se opõe à legislação de um Estado‑Membro que não prevê a restituição do montante do imposto especial de consumo pago através da aquisição de marcas fiscais, quando essas marcas fiscais desapareceram antes de terem sido colocadas.

37. Nesse processo, a sociedade Heintz van Landewijck SARL tinha adquirido junto das autoridades neerlandesas marcas fiscais para produtos de tabaco, mas essas marcas tinham desaparecido antes de terem sido colocadas. Esta sociedade, que reclamava a restituição do montante pago pela aquisição dessas marcas, alegava, designadamente, que não tinha havido introdução no consumo nos Países Baixos de produtos sujeitos a imposto especial de consumo.

38. O Tribunal de Justiça concluiu que a Directiva 92/12 não impede que os Estados‑Membros prevejam regras nacionais que, em caso de desaparecimento de marcas fiscais, façam recair a responsabilidade financeira da perda destas marcas sobre o seu adquirente (acórdão Heintz van Landewijck, já referido, n.° 41).

39. O Tribunal também concluiu que essas regras nacionais não podem ser contrárias ao princípio da proporcionalidade. Com efeito, constatou que uma legislação nacional que permitisse ao adquirente de marcas obter o respectivo reembolso, alegando simplesmente a sua perda, seria susceptível de favorecer os abusos e as fraudes, cuja prevenção constitui precisamente um dos objectivos prosseguidos pela regulamentação comunitária (acórdão Heintz van Landewijck, já referido, n. os  42 e 43).

40. Considerou, por conseguinte, que regras nacionais que, em caso de desaparecimento de marcas fiscais, fazem recair a responsabilidade financeira da respectiva perda sobre o seu adquirente contribuem para a realização do objectivo de prevenção da utilização fraudulenta dessas marcas e não excedem o que é necessário para prosseguir este objectivo, visto que não excluem toda e qualquer possibilidade de reembolso ou de compensação noutras hipóteses, como a da perda das marcas por acidente ou em caso de força maior (acórdão Heintz van Landewijck, já referido, n.° 44).

41. O Tribunal afastou expressamente o argumento segundo o qual o risco de utilização abusiva das marcas desaparecidas é mínimo, ao constatar que esse risco de utilização abusiva não era inexistente (acórdão Heintz van Landewijck, já referido, n.° 45).

42. Contrariamente ao que sucedeu no processo que deu origem ao acórdão Heintz van Landewijck, já referido, as marcas fiscais em causa no processo principal já tinham sido colocadas nos produtos de tabaco destinados ao mercado alemão e trata‑se de produtos que desapareceram na sequência de um furto. Contudo, estas diferenças factuais não podem conduzir a um resultado diferente daquele a que chegou o Tribunal de Justiça no referido processo.

43. Por um lado, a Directiva 92/12 não regula mais a hipótese de um desaparecimento de produtos já revestidos com as marcas fiscais de um Estado‑Membro antes da sua introdução no consumo desse Estado, como no processo principal, do que a do desaparecimento dessas marcas antes da sua colocação nos produtos, como no processo na origem do acórdão Heintz van Landewijck, já referido.

44. É certo que, como alega a Comissão das Comunidades Europeias, o artigo 20.° da Directiva 92/12 determina o único Estado‑Membro habilitado a cobrar o imposto especial de consumo em caso de irregularidade ou de infracção cometidas durante a circulação, como uma saída irregular de um regime de suspensão.

45. Pelo contrário, este artigo, que é aplicável quer os produtos que deram lugar à irregularidade ou à infracção tenham ou não sido antecipadamente munidos de marcas fiscais, não visa de forma alguma especificar quem, o operador económico ou o Estado‑Membro em causa, deve suportar o risco que resulta do desaparecimento das marcas fiscais já colocadas nos referidos produtos.

46. Por outro lado, com a possibilidade de se obter o reembolso do montante das marcas fiscais através da simples alegação do desaparecimento dos produtos nos quais foram colocadas também se corre o risco de favorecer os abusos e as fraudes.

47. Com efeito, numa situação como a do processo principal, existe um risco não negligenciável de que os produtos furtados sejam escoados no Estado‑Membro que emitiu as marcas fiscais. Estando munidos das marcas fiscais desse Estado, esses produtos podem ser introduzidos sem dificuldade no mercado oficial dos produtos de tabaco do referido Estado.

48. É verdade que, em todo o caso, os produtos furtados dão lugar à cobrança do imposto especial de consumo no Estado‑Membro onde ocorreu a saída irregular do regime de suspensão. No entanto, não é possível afastar todos os riscos de fraude na hipótese de o imposto especial de consumo em vigor no Estado‑Membro que emitiu as marcas fiscais ser mais elevado do que o montante em vigor no Estado‑Membro onde ocorreu a saída irregular do regime de suspensão. Com efeito, em semelhantes casos, não se pode excluir que um operador desonesto alegue o furto da sua mercadoria no segundo Estado‑Membro, pague aí o imposto especial de consumo num montante inferior ao obtido com o reembolso das marcas fiscais no primeiro Estado‑Membro e, finalmente, escoe essa mercadoria, sempre revestida das referidas marcas, no mercado desse Estado.

49. Seja como for, mesmo que de todo não haja fraude por parte do operador económico detentor das mercadorias, o facto de o imposto especial de consumo ter sido pago noutro Estado‑Membro não tem incidência no risco de as mercadorias, depois de furtadas, serem escoadas, pelo autor do furto, no mercado oficial do Estado‑Membro que emitiu as marcas fiscais, privando assim esse Estado‑Membro de receitas fiscais a que tem direito.

50. A Comissão alega, porém, que, depois de as marcas fiscais terem sido colocadas nas embalagens de venda, haverá que determinar as consequências do desaparecimento dos próprios produtos, e não do desaparecimento das marcas fiscais enquanto tais.

51. Segundo a Comissão, estas consequências devem ser determinadas à luz das regras de harmonização da cobrança dos impostos especiais de consumo. Ora, por um lado, decorre da Directiva 92/12 que o direito de cobrança do imposto especial de consumo pertence, numa situação como a do processo principal, exclusivamente ao Estado‑Membro onde ocorreu o furto. Por outro lado, o objectivo de prevenção da dupla tributação, que é prosseguido por esta directiva, seria posto em causa se, no processo principal, a par do imposto devido à Irlanda, o pagamento antecipado ficasse definitivamente nas mãos do fisco alemão.

52. Estes argumentos não devem ser acolhidos.

53. Por um lado, as marcas fiscais conservam um valor intrínseco mesmo depois de terem sido colocadas nos produtos. Como foi salientado nos n. os  46 a 49 do presente acórdão, a sua mera presença nas embalagens de venda dos produtos furtados é de natureza a favorecer o escoamento destes últimos no mercado oficial do Estado‑Membro de emissão das referidas marcas, defraudando‑se assim os interesses desse Estado.

54. Este risco é diferente daquele em que incorrem geralmente todos os Estados‑Membros devido ao contrabando dos produtos de tabaco. Com efeito, os produtos de tabaco que não estejam revestidos com as marcas fiscais de um Estado‑Membro só podem ser escoados no mercado negro desse Estado‑Membro.

55. Por outro lado, se a Directiva 92/12 visar efectivamente harmonizar as modalidades de cobrança dos impostos especiais de consumo, prosseguindo um duplo objectivo de cobrança efectiva do imposto especial de consumo num único Estado‑Membro, que é aquele onde se verificou a introdução no consumo, é forçoso constatar que o legislador comunitário não erigiu a prevenção da dupla tributação em princípio absoluto.

56. Com efeito, resulta do artigo 22.°, n. os  1 e 2, da Directiva 92/12 que, quando os produtos introduzidos no consumo num primeiro Estado‑Membro e a esse título munidos de uma marca fiscal desse Estado‑Membro se destinam a ser consumidos noutro Estado‑Membro e para aí são expedidos, não basta, para obter o reembolso do imposto especial de consumo pago no primeiro Estado‑Membro, provar o pagamento do imposto especial de consumo no Estado‑Membro de consumo, sendo também necessário que a destruição das marcas fiscais do primeiro Estado‑Membro seja constatada pelas autoridades fiscais desse Estado.

57. Decorre desta disposição que, não podendo as autoridades fiscais do Estado‑Membro que emitiu as marcas fiscais constatar a destruição das referidas marcas, os produtos em que estas últimas foram colocadas darão lugar ao pagamento do imposto especial de consumo, simultaneamente, no Estado‑Membro onde foram introduzidos no consumo e naquele onde se destinam a ser consumidos. Através da referida disposição, o legislador comunitário privilegiou a prevenção dos abusos e das fraudes em detrimento do princípio da tributação num único Estado‑Membro.

58. É certo que, como alega a Comissão, nas situações reguladas pelo artigo 22.°, n. os  1 e 2, da Directiva 92/12, o imposto especial de consumo cujo reembolso é pedido a um Estado‑Membro era exigível nesse Estado, ao passo que, no processo principal, o imposto especial de consumo nunca foi exigível na Alemanha.

59. Seria, contudo, paradoxal que fosse autorizado o reembolso do montante das marcas fiscais colocadas em produtos sujeitos a imposto especial de consumo, numa situação como a do processo principal, em que não é possível efectuar qualquer fiscalização do destino dos produtos furtados, quando, em circunstâncias nas quais o risco de abuso e de fraude é menor, o artigo 22.°, n.° 2, alínea d), da Directiva 92/12 subordina o reembolso do imposto especial de consumo à verificação da destruição das marcas que comprovam o seu pagamento.

60. A Comissão sustenta ainda que um Estado‑Membro não tem o direito de subordinar o reembolso do montante das marcas fiscais à prova de que estas foram destruídas ou de que os produtos furtados não foram escoados no mercado do Estado‑Membro de emissão das referidas marcas, porque é impossível fazer essa prova.

61. Porém, mesmo supondo que assim é, este argumento não pode proceder, porque é precisamente esta impossibilidade que demonstra a realidade do risco de escoamento dessas mercadorias no Estado‑Membro de emissão das marcas fiscais, e, consequentemente, a realidade do risco de utilização das referidas marcas, e que legitima a recusa do Estado‑Membro em reembolsar o seu custo.

62. Por outro lado, para além do furto, existem outras hipóteses de pagamento antecipado do imposto especial de consumo através da colocação de marcas fiscais de um Estado‑Membro, não seguido da introdução no consumo nesse Estado‑Membro, por exemplo, quando um operador económico altera o destino dos produtos. Em semelhante caso, o operador pode provar que as marcas já colocadas foram destruídas e obter do Estado‑Membro de emissão das referidas marcas o reembolso do montante pago pela sua aquisição.

63. Há que acrescentar que não há nenhuma obrigação legal de colocação de marcas fiscais nas embalagens de produtos sujeitos a imposto especial de consumo, antes da sua saída do regime de suspensão no Estado‑Membro de emissão das referidas marcas, porque o imposto especial de consumo sobre os referidos produtos, por definição, ainda não se tornou exigível. Mesmo que necessidades práticas justifiquem que um operador mande colocar as marcas fiscais durante o processo de acondicionamento dos produtos sujeitos a imposto especial de consumo, quando esses produtos ainda se encontram sob um regime de suspensão, como a Tuxedo fez no processo principal, isso não deixa de ser uma escolha efectuada livremente e pela qual o operador tem de assumir as consequências em caso de furto dos referidos produtos.

64. Há, pois, que responder à questão prejudicial que a Directiva 92/12 não se opõe à legislação de um Estado‑Membro que exclui o reembolso do montante pago pela aquisição de marcas fiscais emitidas por esse Estado‑Membro, quando essas marcas foram colocadas em produtos sujeitos a imposto especial de consumo antes da sua introdução no consumo no referido Estado‑Membro, quando esses produtos foram furtados noutro Estado‑Membro, determinando o pagamento do imposto especial de consumo nesse outro Estado‑Membro, e quando não é feita prova de que os produtos furtados não foram escoados no Estado‑Membro de emissão das referidas marcas.

Quanto às despesas

65. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Parte decisória

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

A Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, alterada pelo Regulamento (CE) n.° 807/2003 do Conselho, de 14 de Abril de 2003, que adapta à Decisão 1999/468/CE as disposições relativas aos comités que assistem a Comissão no exercício das suas competências de execução previstas em actos do Conselho adoptados pelo procedimento consultivo (unanimidade), não se opõe à legislação de um Estado‑Membro que exclui o reembolso do montante pago pela aquisição de marcas fiscais emitidas por esse Estado‑Membro, quando essas marcas foram colocadas em produtos sujeitos a imposto especial de consumo antes da sua introdução no consumo no referido Estado‑Membro, quando esses produtos foram furtados noutro Estado‑Membro, determinando o pagamento do imposto especial de consumo nesse outro Estado‑Membro, e quando não é feita prova de que os produtos furtados não foram escoados no Estado‑Membro de emissão das referidas marcas.

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