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Document 62003CC0205
Opinion of Mr Advocate General Poiares Maduro delivered on 10 November 2005. # Federación Española de Empresas de Tecnología Sanitaria (FENIN) v Commission of the European Communities. # Appeal - Competition - Management bodies of the Spanish national health system - Medical treatment - Definition of 'undertaking' - Payment conditions imposed on suppliers of medical goods and equipment. # Case C-205/03 P.
Conclusões do advogado-geral Poiares Maduro apresentadas em 10 de Novembro de 2005.
Federación Española de Empresas de Tecnología Sanitaria (FENIN) contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Concorrência - Organismos gestores do sistema nacional de saúde espanhol - Prestações de cuidados de saúde - Conceito de 'empresa' - Condições de pagamento impostas aos fornecedores de material sanitário.
Processo C-205/03 P.
Conclusões do advogado-geral Poiares Maduro apresentadas em 10 de Novembro de 2005.
Federación Española de Empresas de Tecnología Sanitaria (FENIN) contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Concorrência - Organismos gestores do sistema nacional de saúde espanhol - Prestações de cuidados de saúde - Conceito de 'empresa' - Condições de pagamento impostas aos fornecedores de material sanitário.
Processo C-205/03 P.
European Court Reports 2006 I-06295
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:666
CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
M. POIARES MADURO
apresentadas em 10 de Novembro de 2005 1(1)
Processo C‑205/03 P
Federación Española de Empresas de Tecnología Sanitaria (FENIN), antiga Federación Nacional de Empresas, Instrumentación Científica, Médica, Técnica y Dental
«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Organismos gestores do sistema nacional de saúde espanhol – Conceito de empresa – Condições de pagamento impostas aos fornecedores de produtos sanitários»
1. A sujeição de uma entidade ao direito comunitário da concorrência depende da sua qualificação como empresa. Ainda que o refira abundantemente, o Tratado CE não define este conceito, que a jurisprudência procurou tornar preciso, atribuindo‑lhe um conteúdo funcional. Considera‑se que uma entidade que exerce uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento, é uma empresa na acepção dos artigos 81.° CE a 86.° CE (2). Embora o carácter não económico de determinadas missões de interesse geral, como a manutenção e a melhoria da segurança na navegação aérea (3) ou a protecção do ambiente (4), seja admitido, é menos fácil determinar quando é que as actividades podem ser qualificadas de não económicas se estiverem ligadas ao funcionamento do sistema de segurança social nacional, uma vez que a jurisprudência procede, neste âmbito, a um exame caso a caso, verificando se o princípio de solidariedade deve excluir a aplicação das regras comunitárias da concorrência. Ora, é difícil enunciar as condições em que este princípio retira a uma actividade o seu carácter económico.
2. A questão central do presente processo diz respeito à compra de instrumentos médicos por uma entidade pública encarregue da gestão do sistema nacional de saúde espanhol (a seguir «SNS»). Será dada atenção a dois aspectos. Haverá que determinar, por um lado, se a sujeição da actividade exercida por esta entidade ao princípio de solidariedade impede a sua qualificação como empresa e, por outro, se é possível separar as operações de compra das operações de prestação de serviços de saúde que ela efectua.
3. A Federación Española de Empresas de Tecnología Sanitaria (a seguir «FENIN») interpôs recurso do acórdão de 4 de Março de 2003, FENIN/Comissão (T‑319/99, Colect., p. II‑357, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias confirmou a decisão da Comissão das Comunidades Europeias, de rejeição de denúncia, que concluiu pela inaplicabilidade do direito da concorrência à entidade em questão, uma vez que esta não tem a qualidade de empresa. Com o presente recurso, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre a conformidade dessa conclusão com o conceito de empresa, tal como este é definido na sua jurisprudência.
I – Quadro do recurso
4. Resulta do acórdão recorrido que na origem do litígio está uma decisão da Comissão, de 26 de Agosto de 1999 (a seguir «acto impugnado»), de não dar seguimento a uma denúncia apresentada pela FENIN, destinada a obter a declaração de que 26 entidades públicas, entre as quais três ministérios do Governo espanhol, que gerem o SNS, tinham violado o artigo 82.° CE, uma vez que pagaram as suas facturas à FENIN com atrasos consideráveis, de 300 dias em média.
5. A FENIN é uma associação que reúne a maioria das empresas que comercializam produtos sanitários utilizados no meio hospitalar em Espanha. Em 12 de Dezembro de 1997, apresentou à Comissão uma denúncia, alegando que os organismos que gerem o SNS estão em situação de posição dominante no mercado espanhol dos produtos sanitários e que abusaram dessa posição ao atrasarem o pagamento das suas dívidas. A FENIN apresentou um articulado complementar à Comissão, em 12 de Maio de 1998. Por carta de 2 de Dezembro de 1998, a Comissão informou a recorrente da sua decisão provisória de rejeitar a denúncia. A FENIN respondeu à Comissão através de observações de 10 de Fevereiro de 1999. O acto impugnado rejeitou definitivamente a denúncia da FENIN, por um lado, porque «os 26 ministérios e organismos em causa não são empresas quando participam na gestão do serviço de saúde pública» e, por outro, porque «a posição dos 26 ministérios e organismos em causa não pode ser dissociada da oferta posterior». Daí a Comissão inferiu que os referidos organismos não agiam como empresas e não estavam, portanto, sujeitos ao artigo 82.° CE.
6. Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 10 de Novembro de 1999, a FENIN interpôs recurso de anulação do acto impugnado, com o fundamento, designadamente, de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na aplicação dos artigos 82.° CE e 86.° CE. A Comissão confirmou que tinha aplicado o critério funcional da definição de empresa para apreciar a situação do SNS, conforme enunciado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Poucet e Pistre (5).
7. No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso interposto pela FENIN, por entender que a Comissão tinha aplicado correctamente o conceito de empresa na acepção dos artigos 82.° CE e 86.° CE. O Tribunal de Primeira Instância chegou a esta conclusão após um raciocínio em três etapas. No n.° 36 do referido acórdão, o Tribunal de Primeira Instância distingue, em primeiro lugar, as actividades de compra das de oferta, afirmando que «é a actividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado que caracteriza o conceito de actividade económica […] e não a actividade de compra enquanto tal». O Tribunal de Primeira Instância declara em seguida que «não deve dissociar‑se a actividade de compra do produto da utilização ulterior do produto adquirido pelo comprador para efeitos de apreciar a natureza desta última». Por conseguinte, há que determinar a natureza económica ou não da utilização do produto comprado. Ora, concluída a sua análise, baseando‑se nos acórdãos Poucet e Pistre, já referido, e FFSA e o. (6), o Tribunal de Primeira Instância considera, no n.° 39 do acórdão recorrido, que «o SNS, gerido pelos ministérios e outras entidades visadas na denúncia apresentada pela recorrente, funciona em conformidade com o princípio de solidariedade quanto ao seu modo de financiamento através de contribuições sociais e outras contribuições estatais e quanto à prestação gratuita de serviços aos seus beneficiários com base na cobertura universal». Por conseguinte, a actividade de compra ligada a uma actividade de carácter não económico tem a mesma natureza. Daí resulta, conclui o Tribunal de Primeira Instância, que as entidades visadas na denúncia da FENIN não são empresas na acepção dos artigos 82.° CE e 86.° CE.
8. O presente recurso interposto pela FENIN tem por objecto esta parte do acórdão recorrido. A FENIN formula o fundamento único de que o Tribunal de Primeira Instância interpretou erradamente o conceito de empresa na acepção do direito comunitário da concorrência. Através da primeira parte do presente recurso, a FENIN sustenta, por um lado, que foi sem razão que o Tribunal de Primeira Instância não considerou que a actividade de compra é uma actividade económica e, por outro, que o Tribunal associou erradamente a natureza da actividade de compra à do serviço fornecido posteriormente. Na segunda parte do presente recurso, a FENIN alega, subsidiariamente, que o Tribunal de Primeira Instância deveria ter considerado que a actividade de compra é de natureza económica, dado que a actividade posterior, a prestação de cuidados médicos, tem carácter económico. Nas conclusões que apresentou na sua resposta, a Comissão sustenta o ponto de vista de que a análise feita pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido é conforme com a interpretação dada pela jurisprudência ao conceito de empresa na acepção do direito comunitário da concorrência. A Comissão considera, além disso, que a segunda parte do recurso é inadmissível por ter sido apresentada pela primeira vez na fase do presente recurso. Acrescente‑se que este fundamento equivale a pôr em causa a apreciação dos factos feita pelo Tribunal de Primeira Instância, o que não pode constituir objecto de recurso. O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e o Reino de Espanha intervieram em apoio da posição da Comissão. Consideram que nem a compra enquanto tal nem a prestação de cuidados médicos constituem uma actividade económica.
9. Antes de examinar sucessivamente as duas partes do fundamento único, importa reconsiderar o conceito de empresa na acepção do direito comunitário da concorrência, conforme elaborado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Será igualmente mencionada a prática dos órgãos jurisdicionais e das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros.
II – Questão prévia: o conceito de empresa
10. Como foi acima recordado, a qualificação de uma entidade como empresa na acepção do direito comunitário depende da natureza económica da actividade que ela exerce. Dado que a análise da natureza de uma entidade é decomposta por actividade, é perfeitamente possível que a mesma entidade seja considerada empresa em relação a algumas das suas actividades, ao passo que, em relação a outras, escapa ao direito da concorrência (7). Para fazer uma distinção entre actividade de carácter económico ou não económico, a jurisprudência baseia‑se em critérios concorrentes, utilizados cumulativa ou alternativamente, que têm de ser apresentados, uma vez que a FENIN baseia o presente recurso no fundamento de que o Tribunal de Primeira Instância aplicou essa jurisprudência de forma errada.
A – Jurisprudência relativa ao conceito de empresa
11. O recurso a um critério comparativo, que está na origem de uma concepção funcional e extensiva do conceito de empresa, data do acórdão Höfner e Elser, já referido. O Tribunal de Justiça concluiu pelo carácter económico da actividade, porque «as actividades de colocação nem sempre foram e não são necessariamente exercidas por entidades públicas» (8). Segundo o mesmo raciocínio, nas conclusões no processo Poucet e Pistre, já referido, o advogado‑geral A. Tesauro considerou que a actividade em causa só podia ser exercida por um organismo público e não era comparável com as actividades seguradoras exercidas pelas empresas privadas, o que o levou a concluir que a entidade em causa não era uma empresa (9). O acórdão Ambulanz Glöckner oferece outro exemplo da utilização que o Tribunal de Justiça faz do critério comparativo: organizações sanitárias que fornecem serviços no mercado do transporte de urgência e do transporte de doentes foram consideradas empresas, uma vez que «tais actividades não foram sempre nem são necessariamente exercidas por essas organizações ou por autoridades públicas» (10).
12. Quando não existe um mercado concorrencial em que várias empresas actuam em concorrência, a questão do carácter económico de uma actividade e a aplicação do critério comparativo tornam‑se mais delicadas. É por esta razão que, a fim de impedir que a inexistência de concorrência efectiva num mercado leve à sua exclusão automática do âmbito de aplicação do direito da concorrência, o critério comparativo tende a incluir no conceito de actividade económica qualquer actividade susceptível de ser exercida por uma entidade que prossegue um fim lucrativo (11). Mesmo que o Tribunal de Justiça não faça sistematicamente esta comparação, em quase todos os seus acórdãos relativos ao conceito de empresa ele faz referência ao já mencionado acórdão Höfner e Elser, que continua a ser a premissa de base do seu raciocínio. Todavia, aplicado literalmente, este critério comparativo permite incluir qualquer actividade no âmbito de aplicação do direito da concorrência (12). Com efeito, quase todas as actividades podem ser exercidas por operadores privados. Assim, em teoria, nada se opõe a que a defesa de um Estado seja subcontratada, disso havendo exemplos históricos. Por isso, nos seus acórdãos posteriores, o Tribunal de Justiça aprofundou este conceito, ligando‑o à participação num mercado.
13. O segundo critério desenvolvido pela jurisprudência para qualificar uma actividade como económica é o da participação num mercado ou então o do exercício de uma actividade num contexto de mercado. Ainda que, no acórdão Höfner e Elser, já referido, a natureza económica da actividade só implicitamente decorra da participação num mercado, porquanto o Estado aceitava a participação de empresas privadas no mercado, noutras decisões, o Tribunal de Justiça estabeleceu uma nítida ligação entre participação num mercado e exercício de uma actividade económica. Com efeito, para concluir que os despachantes alfandegários italianos são empresas, o Tribunal de Justiça descreve a sua actividade nestes termos: «estes prestam, contra remuneração, serviços consistentes no cumprimento de formalidades aduaneiras, essencialmente formalidades relacionadas com a importação, a exportação e o trânsito de mercadorias, bem como outros serviços complementares, como serviços nos domínios monetário, comercial e fiscal» (13). Em acórdãos posteriores, o Tribunal de Justiça equipara nitidamente participação num mercado a carácter económico da actividade exercida. Assim, nos acórdãos Pavlov e o. e Ambulanz Glöckner, o Tribunal de Justiça afirma que «constitui uma actividade económica qualquer actividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado» (14). O que importa não é o simples facto de a actividade poder, teoricamente, ser exercida por operadores privados, mas o facto de a actividade ser exercida em condições de mercado. Estas caracterizam‑se por um comportamento que aponta para um objectivo de capitalização, por oposição ao princípio de solidariedade. É o que permite determinar se existe ou não um mercado, mesmo que as disposições legais em vigor impeçam a emergência de uma concorrência real nesse mercado. Em contrapartida, quando o Estado permite que se desenvolva uma concorrência parcial, a actividade em causa implica necessariamente a participação num mercado.
14. É neste contexto que as referências da jurisprudência ao potencial cometimento de infracções ao direito da concorrência podem ser entendidas como argumento para a qualificação de uma entidade como empresa (15). Mesmo que não seja prosseguido nenhum objectivo lucrativo, pode existir uma participação no mercado susceptível de pôr em causa os objectivos do direito da concorrência. Da jurisprudência do Tribunal de Justiça não resulta que este critério seja suficiente para determinar a qualificação como empresa, mas ele reforça a conclusão de que o direito da concorrência deve ser aplicado.
15. Para além dos critérios atrás expostos, que levaram o Tribunal de Justiça a concluir, em diferentes processos, que estava perante uma empresa, é igualmente útil examinar a jurisprudência na qual o Tribunal de Justiça caracterizou determinadas actividades como «não económicas». Essa qualificação permite, a contrario, delimitar o âmbito de aplicação do direito comunitário da concorrência. O Tribunal de Justiça examina a natureza, o objecto, bem como as regras a que está sujeita uma actividade (16). No termo deste exame, excluiu do âmbito de aplicação do direito da concorrência missões de interesse geral como a manutenção da segurança aérea (17) e a protecção do ambiente (18), por considerar que tais missões fazem parte das funções essenciais do Estado (19). Mais geralmente, todas as manifestações do exercício da autoridade pública que visem regular o mercado, mas não participar nele, estão excluídas do âmbito de aplicação do direito da concorrência (20).
16. Ainda que o sector da saúde pública esteja cada vez mais aberto à concorrência, a maior parte das vezes por iniciativa do legislador nacional (21), domínios inteiros deste sector ainda continuam a estar exclusivamente abrangidos pelas actividades do Estado. De qualquer forma, o direito da concorrência só lhe pode ser aplicado na medida em que a solidariedade nele não seja predominante. Para avaliar o grau de solidariedade existente, o Tribunal de Justiça baseou‑se, nos acórdãos que proferiu a este respeito, num conjunto de indícios para determinar se a inscrição obrigatória em fundos de pensão ou em regimes de seguro ou de reforma é conforme com o direito da concorrência. O Tribunal de Justiça considerou, em dois casos, que a actividade em causa não era de natureza económica, tendo, contudo, chegado a conclusão contrária em três outras ocasiões.
17. No processo Poucet e Pistre, já referido, colocava‑se a questão da compatibilidade da inscrição obrigatória num regime de segurança social com o direito da concorrência. Não sendo visada nenhuma actividade em particular, o Tribunal de Justiça faz referência à natureza das entidades em causa. O dispositivo do acórdão enuncia, com efeito, que «[o] conceito de empresa, na acepção dos artigos 85.° e 86.° do Tratado […], não abrange os organismos encarregados da gestão de regimes de segurança social como os descritos nos despachos de reenvio». Para chegar a esta conclusão, e sem indicar a importância que concede a cada elemento considerado isoladamente, o Tribunal de Justiça observa que «estes regimes prosseguem um objectivo social e obedecem ao princípio da solidariedade» (22). O exame das diferentes manifestações do princípio de solidariedade forma o contexto a partir do qual deve ser feita a qualificação (23), ao passo que o carácter «exclusivamente social» da função desempenhada por estes organismos decorre do facto de ela ser «baseada no princípio da solidariedade nacional e desprovida de qualquer fim lucrativo». O Tribunal de Justiça acrescenta que «as prestações pagas são prestações legais independentes do montante das contribuições» (24).
18. No processo Cisal, já referido, tratava‑se de determinar se a inscrição obrigatória num regime nacional de seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais era conforme com os artigos 82.° CE e 86.° CE. Nos termos do acórdão, o Tribunal de Justiça considera que o organismo em questão, o Istituto nazionale per l’assicurazione contro gli infortuni sul lavoro (Instituto nacional italiano de seguros contra os acidentes de trabalho, a seguir «INAIL»), funciona segundo o princípio de solidariedade (25) e está sujeito ao controlo do Estado, que fixa o montante das contribuições e impõe a inscrição obrigatória. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça exclui que o INAIL exerça uma actividade económica, o que impede a aplicação do direito da concorrência.
19. A questão colocada ao Tribunal de Justiça no acórdão FFSA e o., já referido, tinha por objecto o monopólio de gestão de um regime de seguro de velhice, confiado a uma caixa mútua. No termo da análise, os organismos que gerem o regime facultativo de reforma complementar são qualificados de empresas. O Tribunal de Justiça insiste no facto de a inscrição no regime de reforma ser facultativa, de este ser gerido em aplicação do princípio da capitalização e de as prestações serem calculadas em função das contribuições. A existência de concorrência com as empresas de seguros de vida é, assim, implicitamente admitida. Finalmente, ainda que possam ser observados elementos de solidariedade, o Tribunal de Justiça considera que tais elementos «não são susceptíveis de contrariar» a qualificação como empresa.
20. Um fundo sectorial de pensões neerlandês, sujeito ao exame do Tribunal de Justiça no processo Albany (26), é igualmente considerado empresa na acepção do direito da concorrência. Três elementos são mencionados: o carácter facultativo da inscrição nesse fundo, a gestão segundo o princípio da capitalização e a proporcionalidade entre as prestações e as contribuições pagas, daí se inferindo que existe uma certa concorrência entre o fundo e as companhias privadas de seguros de vida. A finalidade social, a inexistência de fim lucrativo, a exigência de solidariedade e as restrições legais continuam a não poder «retirar» à actividade exercida a sua natureza económica. A solidariedade instituída pelo fundo é, com efeito, limitada, pois dela apenas beneficiam os que nele estão inscritos.
21. O raciocínio seguido no acórdão Pavlov e o., já referido, é semelhante. Depois de ter apresentado os elementos que aproximam o fundo de pensões complementar dos médicos neerlandeses de uma empresa privada que gere seguros de vida, o Tribunal de Justiça exclui a possibilidade de as exigências de solidariedade que incumbem ao organismo alterarem a sua natureza de empresa.
22. Por último, há que citar o acórdão AOK Bundesverband e o., já referido, no qual o Tribunal de Justiça não examina a inscrição numa caixa de reforma ou num fundo, mas a fixação, pelas caixas alemãs de seguro de doença, de montantes máximos para a comparticipação de medicamentos. Ainda que o pudesse ter feito, o Tribunal de Justiça não afasta a qualificação como empresa das caixas, por estas exercerem uma função de regulação do mercado. A justificação escolhida está ligada ao conceito de solidariedade aplicado pelo Estado, uma vez que os elementos de concorrência presentes no sector dos seguros de doença não podem criar as condições de um mercado. Todavia, há que ter em conta que, no n.° 58 desse acórdão, está expressamente reservada a possibilidade de as entidades em causa agirem como empresas quando «se dedicarem a operações com uma finalidade não social».
B – Critério indicado a nível nacional
23. Um estudo de direito comparado permite constatar que o direito nacional dos Estados‑Membros utiliza critérios semelhantes aos desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça. Alguns exemplos merecem ser apresentados, pois mostram de que modo as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais interpretaram o conceito de empresa. Nas práticas decisórias alemã (27) e espanhola (28) encontram‑se critérios utilizados pelo juiz comunitário. Com efeito, segundo parece, uma entidade estatal será considerada uma empresa sujeita ao direito da concorrência se exercer num mercado uma actividade susceptível de produzir efeitos anticoncorrenciais.
24. A decisão proferida pelo Competition Commission Appeal Tribunal inglês no processo BetterCare c/ The Director of Fair Trading (29) chama particularmente a atenção. O North & West Belfast Health & Social Services Trust (a seguir «N & W») estava obrigado, por lei, a garantir serviços de cuidados de enfermagem e de gestão de residências a pessoas idosas. A N & W é proprietária de residências, algumas das quais são geridas por empresas privadas. Uma dessas empresas, a BetterCare, denunciou um abuso de posição dominante da N & W, que, na qualidade de única compradora dos seus serviços, a obrigou a aceitar preços demasiado baixos. Segundo o juiz inglês, parece ter sido decisivo o facto de a N & W celebrar transacções comerciais no domínio dos serviços com empresas privadas, que gerem residências, daí decorrendo a natureza comercial das suas actividades. O referido tribunal considera também que a gestão de residências e a prestação de cuidados de enfermagem são levadas a cabo pelo sector privado e que, neste âmbito, a N & W se encontra em concorrência com operadores privados. Por último, sublinha ainda que a N & W pode violar o direito da concorrência.
25. Em direito finlandês, o facto de uma actividade ser exercida por uma entidade estatal em aplicação de uma disposição legal pode contribuir para lhe retirar o carácter económico. A autoridade da concorrência considerou, no entanto, que um hospital público acusado de praticar preços predatórios em relação aos serviços de laboratório e de radiologia no mercado privado podia ser considerado sujeito ao direito da concorrência (30). Também na jurisprudência sueca, o exercício do poder de autoridade escapa ao direito da concorrência desde que se baseie numa lei (31). As autoridades irlandesas, em contrapartida, limitam‑se a distinguir as actividades económicas do exercício de funções de natureza regulamentar ou relativas à organização das relações industriais. A autoridade irlandesa da concorrência considerou, assim, que uma autoridade sanitária, encarregue da administração dos serviços sanitários e da prestação de serviços hospitalares numa região geográfica, que arrendava bens imóveis, exercia uma actividade económica (32).
C – Critério aplicável
26. Quando tenta determinar se uma actividade assumida pelo Estado ou por uma entidade estatal é de natureza económica, o Tribunal de Justiça entra num terreno perigoso pois tem de encontrar um equilíbrio entre a necessidade de proteger uma concorrência não falseada no mercado comum e o respeito das competências dos Estados‑Membros (33). O poder do Estado, que se exerce na esfera política, está sujeito ao controlo democrático. Um tipo de controlo diferente é imposto aos operadores económicos que actuam num mercado: o seu comportamento é enquadrado pelo direito da concorrência. Mas, quando o Estado actua enquanto operador económico, não se justifica subtrair a sua acção a todo e qualquer controlo. Pelo contrário, o Estado será, neste caso, obrigado a respeitar as mesmas regras. É, pois, indispensável enunciar um critério claro, a fim de determinar qual é a linha divisória para efeitos de aplicação do direito da concorrência. Em princípio, as regras do direito da concorrência aplicam‑se unicamente aos operadores económicos que participam num mercado, e não aos Estados, salvo nos casos em que estes concedem auxílios às empresas (artigos 88.° CE a 92.° CE). No entanto, a exigência de coerência implica que se o Estado ratificar decisões tomadas por empresas (34), ou se se comportar de facto como um operador económico, lhe possam ser aplicados os artigos 81.° CE a 86.° CE. Acrescente‑se que o artigo 86, n.° 2, CE ficaria privado de efeito útil se a aplicação do direito da concorrência fosse afastada a partir do momento em que o Estado estivesse presente num mercado (35).
27. É certo que não faz sentido introduzir exigências de natureza concorrencial em sectores que não reúnem as características de um mercado. Isso criaria o risco de impor aos Estados‑Membros que se justificassem sistematicamente sob o ângulo do artigo 86.°, n.° 2, CE e corresponderia a uma extensão sem limites do campo de aplicação do direito da concorrência. Sobretudo, o Estado não actua a título principal como um operador de mercado, uma vez que um dos seus papéis preeminentes é criar mecanismos de redistribuição. Neste âmbito, a acção do Estado, que é ditada unicamente por objectivos de solidariedade, não conhece a lógica do mercado. Ora, o direito da concorrência só a enquadra na medida em que as entidades encarregues de cumprir os objectivos de solidariedade sejam consideradas empresas. Em contrapartida, se nenhum objectivo de capitalização for prosseguido no exercício da actividade, o que impede a emergência de uma lógica de mercado, esse direito não é aplicável. O Estado não está menos sujeito a uma exigência de coerência: só é livre de subtrair do mercado determinadas actividades na condição de aplicar efectivamente o princípio de solidariedade e de organizar políticas de redistribuição. Isto equivale a reconhecer que o Estado assume dois papéis distintos, consoante actue como um operador de mercado ou leve a cabo uma acção política inspirada pela solidariedade. Mas não se pode escudar num pretexto de solidariedade para permitir que operadores económicos escapem ao domínio do direito da concorrência.
28. Há que distinguir dois casos. Por um lado, se entidades privadas e entidades públicas exercem a mesma actividade, pode haver concorrência entre elas, ainda que limitada e enquadrada. Efectivamente, a identidade da actividade exercida pelos dois tipos de entidades implica que os serviços prestados sejam semelhantes e que respondam à mesma procura num mercado. O Tribunal de Justiça não utiliza o critério de comparação como imperativo de liberalização de quaisquer actividades em que o Estado intervenha, mas zela no sentido de evitar que entidades públicas possam agir em concorrência com empresas, reivindicando ao mesmo tempo imunidade face ao direito da concorrência. O acórdão Höfner e Elser, já referido, pode ser interpretado à luz desta grelha de leitura. Com efeito, um elemento decisivo no raciocínio do Tribunal de Justiça parece ter sido a incapacidade do Estado para satisfazer a procura do mercado, uma vez que tolerava, de facto, a violação, por sociedades privadas, do seu direito exclusivo de colocação (36). O Estado continua a poder introduzir restrições às condições de mercado neste sector, como, por exemplo, a obrigação de fornecer um serviço universal (37). As entidades colocadas sob controlo do Estado serão então consideradas empresas encarregues da gestão de serviços de interesse económico geral, conforme definidas no artigo 86.°, n.° 2, CE. Falta verificar se as condições impostas por este artigo estão preenchidas, ou seja, se a aplicação das regras da concorrência não compromete o cumprimento da missão que lhes foi confiada. É nesta fase que as exigências sociais serão tidas em conta à luz do objectivo da manutenção de uma concorrência não falseada (38).
29. Por outro lado, nos casos em que o Estado se reservou um monopólio legal para o exercício de uma actividade, o que implica que nenhuma concorrência efectiva se poderá desenvolver, não está, no entanto, excluído que ele actue como um operador de mercado porque a existência desse monopólio não é adequada para mudar a natureza da actividade em causa (39). Neste âmbito, partindo de indícios pertinentes, haverá que verificar se a actividade é organizada de tal modo que preencha de maneira preponderante exigências de solidariedade, ou, pelo contrário, se obedece a uma lógica de mercado, com um objectivo de capitalização. A impossibilidade de a entidade em causa alcançar o equilíbrio financeiro sem a contribuição do Estado para o seu orçamento será um indício de que se está perante a primeira hipótese.
30. Seja qual for o domínio em questão, a solidariedade posta em prática pelo Estado pode ser mais ou menos importante. No sector dos seguros, como o Tribunal de Justiça declarou na sua jurisprudência relativa à inscrição em fundos ou em caixas de reforma ou de seguro de doença, três elementos permitem medir o grau de solidariedade: o carácter obrigatório da inscrição, a ligação entre as contribuições a pagar e o risco do segurado ou, pelo contrário, numa perspectiva de solidariedade, os seus rendimentos, e, por último, a relação entre as prestações fornecidas e as contribuições pagas (40).
31. Os parâmetros pertinentes são diferentes quando se trata de aferir o grau de solidariedade no fornecimento de um serviço. Garantir aos utilizadores um acesso universal, seja no domínio da saúde, das telecomunicações ou da energia, é expressão de solidariedade na medida em que as diferenças de custo real são eliminadas em benefício de um preço uniforme. Todavia, o condicionalismo ligado ao acesso universal não pode, só por si, retirar à actividade em causa o seu carácter económico. Alcança‑se um maior grau de solidariedade se o serviço em causa estiver disponível gratuitamente, pois não existe, nesse caso, nenhuma ligação entre o custo da prestação e o preço pago pelo utilizador. Para concluir que um sector não está sujeito à lógica de mercado, é determinante uma última condição. Com efeito, se entidades públicas e privadas prestarem os mesmos serviços, a análise deverá ser feita no âmbito do artigo 86.°, n.° 2, CE. Em contrapartida, se os cuidados de saúde só puderem ser prestados por estabelecimentos controlados pelo Estado, que são obrigados a dispensar tratamento gratuito a todos os doentes que os solicitem, então não há lógica de mercado e a actividade será unicamente guiada pelo princípio de solidariedade.
32. Ainda que diga respeito ao sector da saúde, o presente processo distingue‑se, no entanto, dos acórdãos atrás evocados. Com efeito, resulta do acórdão recorrido que o SNS, embora gira o regime dos seguros de doença em Espanha, está igualmente incumbido de prestar serviços de saúde aos seus filiados. Se estivessem em causa as relações dos beneficiários dos cuidados de saúde com o organismo que tem a seu cargo o sistema nacional de saúde, haveria que recorrer aos critérios que permitem avaliar o grau de solidariedade do regime, conforme elaborados pelo Tribunal de Justiça a partir do acórdão Poucet e Pistre, já referido. No entanto, a questão suscitada no presente recurso é diferente, pois questiona‑se a natureza económica, por um lado, da prestação de serviços de saúde gratuitos aos inscritos no SNS e, por outro, da compra de material sanitário aos seus fornecedores (acórdão recorrido, n.° 40). Para lhe responder, haverá que determinar, à luz da análise que tem vindo a ser desenvolvida, se o acórdão recorrido concluiu correctamente que estas actividades não têm natureza económica.
III – Apreciação do fundamento apresentado no presente recurso
33. Depois de ter afastado as objecções da Comissão relativas à admissibilidade, estudarei, em primeiro lugar, a segunda parte do presente recurso, pois se o Tribunal de Primeira Instância tivesse, erradamente, qualificado como não económica a actividade de prestação de serviços de saúde a título gratuito exercida pelo SNS, isso influiria na sua conclusão. Em segundo lugar, analisarei a ligação entre a operação de compra e a utilização a que ela se destina, que é objecto da primeira parte do presente recurso.
A – Admissibilidade
34. A Comissão sustenta que a segunda parte do fundamento apresentado pela FENIN é inadmissível, por não ter sido, em momento algum, invocada em primeira instância e por dizer respeito a considerações de facto.
35. Segundo a Comissão, a FENIN não pôs em causa, nos seus articulados apresentados ao Tribunal de Primeira Instância, que a actividade exercida pelas entidades gestoras do SNS, enquanto prestadoras de cuidados de saúde não constitui uma actividade económica.
36. No entanto, há que referir que, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Primeira Instância, em 8 de Fevereiro de 2002, a propósito do acórdão Smits e Peerbooms (41), a recorrente foi levada a pronunciar‑se sobre o carácter económico de prestações de saúde efectuadas a título gratuito. Por conseguinte, dado que a qualificação desta actividade, garantida pelo SNS, foi submetida a debate pelo Tribunal de Primeira Instância, há que considerar que fazia parte do objecto do litígio que lhe foi submetido.
37. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância resolve esta questão no n.° 40 do seu acórdão, ao declarar o carácter não económico desta actividade. Ora, é pacífico que os fundamentos em que assenta a solução do acórdão podem ser impugnados (42). Por conseguinte, a segunda parte do fundamento do recurso deve ser declarada inadmissível.
38. A qualificação de uma actividade como económica ou não económica, tal como foi feita no n.° 39 do acórdão recorrido acerca da prestação gratuita de serviços de saúde, é uma operação sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, e não uma constatação de facto (43). Daí resulta que nenhum dos fundamentos de inadmissibilidade apresentados pela Comissão é de molde a afastar a segunda parte do fundamento do recurso.
B – Natureza da actividade de oferta de serviços de saúde gratuitos aos filiados no SNS
39. O Tribunal de Primeira Instância, no n.° 39 do acórdão recorrido, considerou que «o SNS, gerido pelos ministérios e outras entidades visadas na denúncia apresentada pela recorrente, funciona em conformidade com o princípio da solidariedade quanto ao seu modo de financiamento através de contribuições sociais e outras contribuições estatais e quanto à prestação gratuita de serviços aos seus beneficiários com base na cobertura universal». Daí inferiu, em aplicação da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de empresa, que «esses organismos não actuam como empresas na sua actividade de gestão do SNS».
40. Segundo o presente recurso, o Tribunal de Primeira Instância cometeu dois erros de direito: o primeiro, ao não dar uma interpretação funcional ao conceito de actividade económica, e o segundo, ao interpretar de forma extensiva o princípio de solidariedade.
41. O primeiro erro resulta, segundo a recorrente, do facto de o Tribunal de Primeira Instância não ter qualificado, caso a caso, cada actividade do SNS. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância qualificou globalmente as actividades do SNS, sem ter em conta que este, por um lado, proporciona aos seus filiados um seguro de doença obrigatório e, por outro, é obrigado a prestar‑lhes serviços de cuidados de saúde a título gratuito. Mesmo quando o facto de estar segurado concede o benefício dos cuidados de saúde, a prestação de cuidados de saúde pode ser analisada independentemente da obrigação de seguro. Pode conceber‑se que o seguro obrigatório seja regido pelo princípio de solidariedade, enquanto a concorrência entre prestadores de serviços de saúde se desenvolve, continuando os segurados a poder escolher livremente quem os trata.
42. Resulta do acórdão recorrido que o SNS está efectivamente encarregue destas duas actividades. É igualmente pacífico que o Tribunal de Primeira Instância, em vez de qualificar cada actividade caso a caso, procedeu a uma qualificação global e única do SNS.
43. Ora, resulta da jurisprudência que é indispensável um exame autónomo de cada actividade levada a cabo por um organismo, para determinar se esta deve ser qualificada de económica (44). A qualificação autónoma de cada uma das actividades é necessária sobretudo quando se trata de uma entidade pública, dado que esta pode agir como operador económico em relação a uma só actividade, assumindo, além disso, funções de carácter não económico.
44. Ao qualificar globalmente o SNS, sem examinar individualmente a sua actividade de prestação de cuidados a título gratuito, o Tribunal de Primeira Instância incorreu, pois, num erro de direito. No entanto, esse erro não teria consequências para as conclusões do acórdão recorrido se a actividade de prestação de cuidados a título gratuito devesse ser qualificada, ela própria, como não económica (45).
45. Ora, segundo a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância qualificou, erradamente, de não económica a actividade de prestação de cuidados a título gratuito, ao fazer uma interpretação extensiva do conceito de solidariedade. Esta parte do recurso toca no aspecto principal que o Tribunal de Justiça tem de resolver no presente processo, isto é, determinar se a actividade de prestação de serviços de saúde a título gratuito pelo SNS foi correctamente qualificada de não económica.
46. Para concluir que o SNS exerce uma actividade de carácter não económico, o Tribunal de Primeira Instância interpretou os acórdãos Poucet e Pistre, FFSA e o. e Albany, já referidos, declarando, no n.° 38 do acórdão recorrido, que «os organismos que geriam as caixas de seguro de doença […] desempenha[vam] uma função de carácter exclusivamente social, [que] esta actividade assenta[va] no princípio da solidariedade nacional e, por último, [que] a referida actividade não t[inha] fins lucrativos, sendo financiada através de prestações legais e independentes do montante das contribuições».
47. No entanto, o critério enunciado pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos referidos não constitui o fundamento adequado para qualificar a natureza de uma actividade de prestação de cuidados de saúde. Com efeito, ao passo que o Tribunal de Justiça, nos acórdãos invocados pelo Tribunal de Primeira Instância, examinou, como foi atrás recordado, a conformidade, com o direito comunitário da concorrência, da inscrição obrigatória numa caixa de seguro de doença ou de seguros, é pacífico que a actividade cuja qualificação deve ser feita não é a de seguro de doença obrigatório, que o SNS exerce igualmente, mas a de prestação de cuidados de saúde. Por conseguinte, o grau de solidariedade que existe neste sector deve ser avaliado com base em parâmetros diferentes dos que são pertinentes para a actividade de uma caixa de seguro de doença ou de seguros (46).
48. Dado que o Tribunal de Justiça se pronunciou em várias ocasiões sobre as actividades médicas no âmbito da livre prestação de serviços, pode ser útil estabelecer um paralelismo com esta jurisprudência, para apreciar a natureza da prestação de serviços de saúde gratuitos pelo SNS aos seus filiados.
49. Como resulta do artigo 50.° CE, «serão considerados ‘serviços’ na acepção do Tratado as prestações fornecidas normalmente contra remuneração, na medida em que não sejam regidas pelas disposições relativas à livre circulação das mercadorias, dos capitais e das pessoas» (47). Mais geralmente, o Tribunal de Justiça declarou que «as actividades médicas relevam do âmbito de aplicação do artigo 60.° do Tratado» (48). A este respeito, podem reproduzir‑se as palavras do advogado‑geral A. Tesauro, que afirmava que o sector da segurança social não constitui «uma ilha impermeável à influência do direito comunitário» (49), de tal modo que as regulamentações nacionais que lhe dizem respeito não se situam fora do âmbito de aplicação desse direito. Segundo o Tribunal de Justiça, a autonomia dos Estados‑Membros em matéria de organização dos seus sistemas de segurança social não se opõe à aplicação das liberdades fundamentais (50). No entanto, é deixada à legislação nacional a missão de determinar, «por um lado, as condições do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social […] e, por outro, as condições que dão direito a prestações» (51).
50. A participação do Estado no financiamento das prestações médicas não é de molde a excluir a qualificação de uma actividade médica como serviço (52). A jurisprudência declarou igualmente que o simples facto de uma prestação médica poder ser fornecida ao doente, a título gratuito, não basta para excluir esta actividade do âmbito de aplicação do artigo 49.° CE. Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou expressamente nos acórdãos Smits e Peerbooms que os serviços de saúde dispensados gratuitamente nos hospitais são serviços na acepção do artigo 49.° CE. Pouco importa que o serviço não seja pago por aqueles que dele beneficiam, uma vez que «os pagamentos efectuados pelas caixas de seguro de doença […] constituem efectivamente a contrapartida económica das prestações hospitalares e possuem, indubitavelmente, carácter remuneratório» (53).
51. À primeira vista, parece desejável adoptar uma solução semelhante em matéria de livre prestação de serviços e de livre concorrência, uma vez que estas disposições do direito comunitário visam alcançar o objectivo comum da realização do mercado interno (54). No entanto, os âmbitos de aplicação da livre concorrência e da livre prestação de serviços, não coincidem totalmente. Com efeito, nada se opõe a que uma transacção que implica uma troca seja qualificada de prestação de serviços, mesmo que as entidades que nela participaram não sejam empresas na acepção do direito da concorrência (55). Como se explicou atrás (56), os Estados‑Membros podem subtrair do âmbito de aplicação da concorrência determinadas actividades se as organizarem de modo a concederem predominância ao princípio de solidariedade, com a consequente exclusão do direito da concorrência. Em contrapartida, a maneira como uma actividade está organizada a nível nacional não influencia de modo algum a aplicação do princípio da livre prestação de serviços. Assim, ainda que a prestação de cuidados de saúde a título gratuito seja, sem dúvida alguma, uma actividade económica na acepção do artigo 49.° CE (57), daí não decorre necessariamente que as entidades que a exercem serão sujeitas ao direito da concorrência.
52. No presente caso, não parece que a actividade de prestação de cuidados de saúde dispensada pelo SNS aos seus filiados seja de natureza diferente daquela que os hospitais públicos propunham no processo Smits e Peerbooms, já referido. Embora não inclua unicamente cuidados hospitalares, ela comporta, no entanto, tais cuidados. Do mesmo modo, ainda que os doentes não paguem aos profissionais de saúde o preço dos cuidados que lhes são dispensados, estes não deixam de ser remunerados. Mas, para determinar se esta actividade deve estar sujeita ao direito da concorrência, há que demonstrar se o Estado, com o fim de instaurar uma política de redistribuição, confiando‑a exclusivamente a entidades estatais que são guiadas apenas por considerações de solidariedade, quis excluir essa actividade de quaisquer considerações de mercado.
53. Resulta do acórdão recorrido que o SNS está obrigado a garantir uma cobertura universal, a título gratuito, a todos os que nele estão inscritos. No entanto, o Tribunal de Primeira Instância não precisou se as necessidades do mercado são inteiramente satisfeitas por entidades públicas ou se entidades privadas que têm a natureza de empresa nele participam igualmente. Assim, não estão reunidos os dados indispensáveis para concluir pelo carácter não económico da actividade de prestação de cuidados de saúde do SNS.
54. A Ley 15/1997, de 25 de Abril, sobre habilitación de nuevas formas de gestión del Sistema Nacional de Salud (58), parece autorizar o SNS a subcontratar com entidades privadas a prestação de cuidados de saúde. Resulta igualmente das respostas do Governo espanhol à questão que lhe foi dirigida pelo Tribunal de Primeira Instância em 15 de Janeiro de 2002 que uma parte das prestações de cuidados de saúde é assegurada pelo sector privado. Consequentemente, há que remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância a fim de que este proceda às necessárias apreciações de facto para determinar se, em Espanha, coexistem os sectores público e privado da saúde ou se a solidariedade presente na actividade de prestação de cuidados de saúde a título gratuito é preponderante.
55. De qualquer forma, ainda que se chegasse à conclusão de que o SNS exerce uma actividade económica, isso não poria em causa as finalidades sociais que o SNS prossegue, uma vez que essa conclusão não se opõe à aplicação do princípio de solidariedade, quer quanto ao modo de financiamento através de contribuições sociais e outras contribuições estatais quer quanto ao carácter gratuito dos serviços prestados aos seus filiados com base numa cobertura universal. Com efeito, não existe antagonismo entre a aplicação do direito da concorrência e o reconhecimento de que determinados sectores devem estar sujeitos a regras específicas. Pelo contrário, o artigo 86.°, n.° 2, CE destina‑se precisamente a justificar que sejam concedidos direitos exclusivos às empresas encarregues de serviços de interesse geral (59). Os efeitos a esperar da sujeição ao direito da concorrência de determinadas actividades exercidas por empresas encarregues de serviços de interesse geral não conduzem, da mesma forma que os produzidos pela aplicação do princípio da livre circulação ao sector da saúde, a uma redução da protecção social. Nas duas hipóteses, o direito comunitário tende a incluir princípios de abertura e de transparência em sistemas de saúde inicialmente concebidos à escala nacional (60).
56. Todavia, no caso presente, mesmo que não haja dúvida que o SNS está efectivamente encarregue de prestar, a título gratuito, serviços de saúde aos seus filiados com base numa cobertura universal (n.os 39 e 40 do acórdão recorrido), o papel de gestão do SNS que incumbe aos ministérios e outras entidades visadas na denúncia não está, em contrapartida, claramente definido. Ora, uma entidade só pode ser qualificada como empresa em razão das actividades económicas que exerce, se ela for o suporte real das actividades em causa (61). Assim, mesmo que fosse indiscutível que o SNS devia ser considerado uma empresa para efeitos de aplicação do direito da concorrência, haveria ainda que verificar se os organismos visados pela denúncia da FENIN são o suporte dessas actividades. Essa apreciação deverá ser feita pelo Tribunal de Primeira Instância, caso este conclua que a actividade de prestação de cuidados de saúde exercida pelo SNS tem carácter económico.
57. Pelas razões expostas, sugiro ao Tribunal de Justiça que acolha a segunda parte do fundamento e que remeta o processo ao Tribunal de Primeira Instância, a fim de que este proceda às necessárias apreciações de facto para determinar o carácter económico ou não da actividade das entidades que gerem o SNS e, por conseguinte, a procedência da rejeição da denúncia da FENIN pela Comissão.
C – Ligação entre a actividade de compra e a natureza das actividades a que os produtos e serviços se destinam
58. Caso o Tribunal de Justiça decidisse, contrariamente ao que lhe é sugerido, confirmar o acórdão recorrido na parte em que ele qualifica de actividade não económica a prestação gratuita de cuidados de saúde, seria ainda necessário examinar a primeira parte do fundamento formulado no presente recurso, que critica a ligação estabelecida entre a natureza da compra e a utilização posterior dos bens adquiridos.
59. Na primeira parte do presente recurso, a FENIN critica o n.° 36 do acórdão recorrido, que enuncia que «é a actividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado que caracteriza o conceito de actividade económica […] e não a actividade de compra enquanto tal». O Tribunal de Primeira Instância prossegue afirmando que «não deve dissociar‑se a actividade de compra do produto da utilização ulterior do produto adquirido», pelo que «o carácter económico ou não da utilização ulterior do produto comprado determina necessariamente o carácter da actividade de compra».
60. A FENIN contesta a ligação estabelecida pelo Tribunal de Primeira Instância entre a natureza de uma compra e a da sua utilização posterior. Em seu entender, essa ligação assenta numa interpretação errada da jurisprudência, suscita dificuldades práticas e reduz o efeito útil do direito comunitário da concorrência.
61. A FENIN considera, em primeiro lugar, que a jurisprudência na qual o Tribunal de Primeira Instância baseia o seu raciocínio, ou seja, os acórdãos Comissão/Itália (62) e Consiglio Nazionale degli Spedizionieri Doganali/Comissão (63), se limita a qualificar como actividade económica a oferta de bens ou de serviços num mercado, sem se pronunciar sobre a natureza de uma actividade de compra. Segundo a recorrente, estes acórdãos não são, portanto, pertinentes para excluir que uma compra constitui uma actividade económica.
62. É certo que um dos critérios úteis a fim de qualificar uma actividade como empresa é a sua participação num mercado. Ora, um mercado caracteriza‑se pela existência de trocas comerciais entre operadores económicos, que se concretizam através de ofertas e compras. A este respeito, não se vê como sujeitar uma ao controlo do direito da concorrência, ao passo que a outra estaria dele excluída, visto que uma é o recíproco da outra. Assim sendo, esta crítica não basta para infirmar o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância, que faz depender a qualificação da compra da sua utilização posterior.
63. Em segundo lugar, a FENIN sublinha uma contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão Pavlov e o., já referido. Neste último acórdão, o Tribunal de Justiça, para determinar o carácter económico da inscrição dos médicos numa caixa de reforma, declarou que essa inscrição estava estreitamente ligada à sua actividade profissional e, por conseguinte, devia considerar‑se pertencente a esta actividade, de natureza económica (64). Como o advogado‑geral F. G. Jacobs lhe sugeriu (65), o Tribunal de Justiça distinguiu as actividades abrangidas pela esfera pessoal das que pertencem à esfera de actividade económica dos médicos. Com efeito, só a procura intermédia, por oposição à procura final, se pode considerar pertencente à esfera económica (66). A procura dos consumidores enquanto pessoas privadas, que é sempre uma procura final, não está, em contrapartida, sujeita ao direito da concorrência.
64. O acórdão recorrido não apresenta nenhuma contradição com este raciocínio. Com efeito, tratando‑se dos organismos públicos que exercem simultaneamente actividades económicas e actividades de outra natureza, só a procura ligada às suas actividades económicas pode cair no âmbito do direito da concorrência. As compras destinadas a actividades não económicas são, em contrapartida, equiparáveis à procura final dos consumidores e são alheias ao direito da concorrência. Mas, no caso presente, a compra de material sanitário está indiscutivelmente ligada à actividade de prestação de serviços de saúde do SNS.
65. Segundo o presente recurso, o Tribunal de Primeira Instância, para determinar se a actividade de compra do SNS tinha carácter económico, deveria ter examinado se essa actividade podia produzir efeitos anticoncorrenciais, a fim de não criar «zonas de imunidade injustificadas». Todavia, esse critério não pode ser acolhido, pois equivaleria a sujeitar ao direito da concorrência qualquer compra realizada pelo Estado, por uma entidade estatal ou por consumidores. Pelo contrário, como correctamente recordou o acórdão recorrido, uma compra só está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da concorrência na medida em que se integre no exercício de uma actividade económica. Além disso, se se seguisse a tese do presente recurso, as regras relativas aos contratos públicos veriam reduzido o seu efeito útil (67). A ligação estabelecida entre o comportamento denunciado pelas empresas e a actividade não económica do organismo visado está igualmente no centro da justificação desenvolvida no acórdão Eurocontrol, já referido, para afastar a aplicação do direito da concorrência. Foi declarado que a cobrança de uma taxa pela Eurocontrol não era de ordem económica porque se inscrevia no quadro de uma actividade não económica.
66. O acórdão Ambulanz Glöckner, referido no presente recurso para sustentar a sua argumentação, confirma, pelo contrário, o raciocínio seguido pelo Tribunal de Primeira Instância, uma vez que o Tribunal de Justiça aí excluiu que a recusa de uma autoridade pública conceder uma autorização a um transportador fosse examinada à luz do artigo 81.° CE, já que essa decisão não corresponde ao exercício de uma actividade económica, pretendendo, pelo contrário, regulamentá‑la e enquadrá‑la. Assim, se uma compra estiver ligada ao cumprimento de funções não económicas, pode sair do âmbito de aplicação do direito da concorrência. Esta conclusão é coerente com a teoria económica que sublinha que a existência de um monopsónio representa um perigo limitado para a concorrência, uma vez que não tem necessariamente consequências no mercado a jusante. Além disso, uma empresa em posição de monopsónio não tem interesse em exercer sobre os seus fornecedores uma pressão tal que os obrigasse a sair do mercado a montante (68). Não há, portanto, que anular o acórdão recorrido com base no facto de este ter feito uma interpretação errada da jurisprudência relativa à qualificação de uma compra como actividade económica.
67. Em último lugar, a FENIN alega que a interpretação do Tribunal de Primeira Instância é errada porquanto provocaria numerosas dificuldades práticas. Segundo o argumento apresentado, no momento da compra, é praticamente impossível dissociar as compras destinadas a actividades económicas das compras destinadas a actividades não económicas.
68. É certo que, por vezes, é difícil separar as actividades económicas das que o não são, quando exercidas pelo mesmo organismo. No entanto, e contrariamente ao que se afirma no presente recurso, esta dificuldade não é adequada para modificar o critério de aplicação do direito da concorrência, que é o do exercício de uma actividade económica. Com efeito, a consequência inevitável deste critério é que entidades que exercem funções mistas só estão sujeitas ao direito da concorrência na parte das suas actividades que tem natureza económica (69). Se se seguisse o argumento do presente recurso, sempre que um organismo exercesse uma actividade económica, ele estaria sujeito ao direito da concorrência em relação à totalidade das suas actividades. Esta conclusão seria contrária ao critério funcional de empresa, conforme desenvolvido pela jurisprudência.
69. Dado que nenhum dos argumentos explanados na primeira parte do presente recurso demonstrou que a compra de material sanitário pelo SNS devia ser dissociada da actividade de prestação de serviços de saúde, o acórdão recorrido deve ser confirmado neste ponto.
IV – Conclusão
70. À luz das considerações precedentes, sugiro ao Tribunal de Justiça que:
«1) Acolha a segunda parte do fundamento e remeta o processo ao Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, a fim de que este proceda às necessárias apreciações de facto para determinar o carácter económico ou não da actividade das entidades que gerem o sistema nacional de saúde espanhol e, por conseguinte, a procedência da rejeição da denúncia da Federación Española de Empresas de Tecnología Sanitaria (FENIN) pela Comissão das Comunidades Europeias.
2) Julgue improcedente a primeira parte do presente recurso.»
1 – Língua original: português.
2 – Acórdão de 23 de Abril de 1991, Höfner e Elser (C‑41/90, Colect., p. I‑1979).
3 – Acórdão de 19 de Janeiro de 1994, SAT Fluggesellschaft, dito «Eurocontrol» (C‑364/92, Colect., p. I‑43).
4 – Acórdão de 18 de Março de 1997, Diego Calì & Figli (C‑343/95, Colect., p. I‑1547).
5 – Acórdão de 17 de Fevereiro de 1993 (C‑159/91 e C‑160/91, Colect., p. I‑637).
6 – Acórdão de 16 de Novembro de 1995, Fédération française des sociétés d’assurance e o. (C‑244/94, Colect., p. I‑4013).
7 – Acórdão de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália (118/85, Colect., p. 2599), que enuncia, no n.° 7, que «o Estado pode agir quer no exercício da autoridade pública quer no exercício de actividades económicas de carácter industrial ou comercial, que se traduzem na oferta de bens ou serviços no mercado».
8 – Acórdão Höfner e Elser, já referido, n.° 22.
9 – Conclusões apresentadas no processo Poucet e Pistre, já referido, n.° 12.
10 – Acórdão de 25 de Outubro de 2001 (C‑475/99, Colect., p. I‑8089, n.° 20).
11 – V. n.os 67 e 27 das conclusões apresentadas pelo advogado‑geral F. G. Jacobs, respectivamente, nos processos Ambulanz Glöckner, já referido, e AOK Bundesverband e o. (acórdão de 16 de Março de 2004, C‑264/01, C‑306/01, C‑354/01 e C‑355/01, Colect., p. I‑2493).
12 – Chérot, J. Y. – «Le droit communautaire de la concurrence fonde‑t‑il un ordre concurrentiel?», in L’ordre concurrentiel: mélanges en l’honneur d’A. Pirovano, 2003, critica este método de comparação, sublinhando que, «por um lado, em teoria, qualquer actividade pode ser exercida pela iniciativa privada e, por outro, a experiência mostra que todas as actividades foram, em dado momento da História, exercidas pela iniciativa privada» (p. 569). V., igualmente, Idot, L. – «La notion d’entreprise en droit de la concurrence, révélateur de l’ordre concurrentiel», op. cit: ‘de acordo com esta definição, de futuro, tudo pode vir a constituir uma actividade económica’» (p. 528).
13 – Acórdão de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália (C‑35/96, Colect., p. I‑3851, n.° 37). Pode igualmente citar‑se, como jurisprudência mais antiga, o acórdão de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália, já referido, n.° 3, no qual o Tribunal de Justiça afirma que «não se contesta que a Amministrazione autonoma dei monopoli di Stato participa na actividade económica, na medida em que oferece, no domínio dos tabacos manufacturados, bens e serviços no mercado».
14 – Acórdão de 12 de Setembro de 2000, Pavlov e o. (C‑180/98 a C‑184/98, Colect., p. I‑6451, n.° 75), e acórdão Ambulanz Glöckner, já referido, n.° 19. V., igualmente, acórdãos de 19 de Fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, Colect., p. I‑1577, n.° 47), e de 24 de Outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão (C‑82/01 P, Colect., p. I‑9297, n.° 79).
15 – Acórdão FFSA e o., já referido, n.° 21, segundo o qual «o simples facto de a CCMSA não ter fins lucrativos não retira à actividade que exerce a sua natureza económica, uma vez que […] pode dar lugar a comportamentos que as regras de concorrência visam reprimir». V., igualmente, conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Cisal (acórdão de 22 de Janeiro de 2002, C‑218/00, Colect., p. I‑691), onde se afirma, no n.° 71, que «a questão subjacente é a de saber se esta entidade se encontra numa posição que lhe permita gerar efeitos que as regras da concorrência se destinam a evitar».
16 – No n.° 30 do seu acórdão Eurocontrol, já referido, o Tribunal de Justiça enuncia que, «consideradas na sua globalidade, as actividades da Eurocontrol, pela sua natureza, pelo seu objecto e pelas regras às quais estão sujeitas», não apresentam carácter económico. V., igualmente, n.° 23 do acórdão Diego Calì & Figli, já referido, que sublinha que essa actividade, «pela sua natureza, pelo seu objecto e pelo regime a que está sujeita», se liga ao exercício de prerrogativas de poder público.
17 – Acórdão Eurocontrol, já referido.
18 – O acórdão Diego Calì & Figli, já referido, dizia respeito à prevenção da poluição no porto de Génova.
19 – A prova de que uma actividade faz parte das missões de interesse geral pode ser corroborada pela sua inscrição na categoria de princípio constitucional no Estado‑Membro considerado. V. n.° 22 do acórdão Diego Calì & Figli, já referido.
20 – Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2004, Meca‑Medina e Majcen/Comissão (T‑313/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 41).
21 – V., por exemplo, a matéria de facto do acórdão AOK Bundesverband e o., já referido, e Hervey, T., e McHale, J. – Health Law and the European Union, Cambridge, 2004, p. 136.
22 – Acórdão Poucet e Pistre, já referido, n.° 8.
23 – Acórdão Poucet e Pistre, já referido, n.° 16.
24 – Acórdão Poucet e Pistre, já referido, n.° 18.
25 – Nos n.os 38 a 40 do acórdão Cisal, já referido, precisa‑se que a solidariedade se manifesta no facto de as contribuições não serem estritamente proporcionais ao risco do segurado e de as prestações pagas também não serem estritamente proporcionais aos rendimentos do segurado.
26 – Acórdão de 21 de Setembro de 1999 (C‑67/96, Colect., p. I‑5751).
27 – V. Van de Gronden, J. W. – «Purchasing Care: Economic Activity or Service of General (Economic) Interest?» ECLR 2004, n.° 2, p. 87, em especial, p. 90. A situação das caixas de seguro de doença é diferente porque estas deixaram de estar sujeitas ao direito da concorrência a partir da entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2004, de uma lei de modernização dos seguros de doença. V., sobre este ponto, Jaeger, W. – «Die gesetzlichen Krankenkassen als Nachfrager im Wettbewerb», ZWeR 2005, n.° 1, p. 31.
28 – Numa decisão de 29 de Janeiro de 1997, «Cruz Roja Española» (Expte R 179/96), o Tribunal de Defesa da Concorrência considerou que a Cruz Vermelha Espanhola actua como um operador económico quando transfere doentes de ambulância, uma vez que propõe estes serviços num contexto de livre concorrência e não se limita a gerir subvenções públicas para fins caritativos.
29 – Processo n.° 1006/2/1/01 [2002] Competiton Appeal Reports 299.
30 – Kilpailuvirasto, de 17 de Março de 2000, dnro 345/61/1997.
31 – A Direcção Nacional da Concorrência considerou, por exemplo, que as decisões de o Instituto Nacional dos Medicamentos autorizar um medicamento entram neste âmbito.
32 – Decisão n.° 358 da autoridade da concorrência, FDB/Southern Health Board, de 12 de Outubro de 1994.
33 – Em conformidade com o artigo 152.°, n.° 5, CE, «[a] acção da Comunidade no domínio da saúde pública respeitará plenamente as competências dos Estados‑Membros em matéria de organização e prestação de serviços de saúde e de cuidados médicos». No que respeita à organização da segurança social, o artigo 137.°, n.° 4, CE determina que «[a]s disposições adoptadas ao abrigo do presente artigo não prejudicam a faculdade de os Estados‑Membros definirem os princípios fundamentais dos seus sistemas de segurança social nem devem afectar substancialmente o equilíbrio financeiro desses sistemas». V., igualmente, acórdãos de 7 de Fevereiro de 1984, Duphar e o. (238/82, Recueil, p. 523, n.° 16), e de 28 de Abril de 1998, Kohll (C‑158/96, Colect., p. I‑1931, n.° 41). O artigo 36.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (JO 2000, C 364, p. 1) dispõe igualmente que «[a] União reconhece e respeita o acesso a serviços de interesse económico geral tal como previsto pelas legislações e práticas nacionais, em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia, a fim de promover a coesão social e territorial da União».
34 – Acórdãos de 3 de Dezembro de 1987, BNIC (136/86, Colect., p. 4789), e de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália (C‑35/96, Colect., p. I‑3851).
35 – O artigo 16.° CE, apesar de insistir na necessidade de garantir o funcionamento dos serviços de interesse económico geral, não constitui uma restrição ao âmbito de aplicação do artigo 86.°, n.° 2, CE, antes fornecendo uma orientação para interpretar esta disposição.
36 – Acórdão Höfner e Elser, já referido, n.° 25.
37 – V. acórdãos de 24 de Abril de 1994, Almelo (C‑393/92, Colect., p. I‑1477), cujo n.° 48 enuncia que «tal empresa deve assegurar o fornecimento ininterrupto de energia eléctrica, na integralidade do território concedido, a todos os consumidores, distribuidores locais ou utilizadores finais, nas quantidades solicitadas em qualquer altura, a tarifas uniformes e em condições que só podem variar segundo critérios objectivos aplicáveis a todos os clientes», e de 19 de Maio de 1993, Corbeau (C‑320/91, Colect., p. I‑2533).
38 – V. Baquero Cruz, J. – «Beyond Competition: Services of General Interest and European Community Law», in Collected Courses of the Academy of European Law, vol. XIV/2, EU Law and the Welfare State: In Search of Solidarity (editado por G. de Búrca), Oxford, 2005.
39 – A difusão de programas audiovisuais, por exemplo, era outrora reservada a entidades estatais, sendo hoje igualmente assegurada por operadores privados.
40 – V., sobre este aspecto, Winterstein, A. – «Nailing the Jellyfish: Social Security and Competition Law», [1999] ECLR, n.° 6, p. 324; Mossialos, E., McKee, M. – EU Law and the Social Character of Health Care, Bruxelas, P. I. E.‑Peter Lang, 2002, p. 34.
41 – Acórdão de 12 de Julho de 2001 (C‑157/99, Colect., p. I‑5473).
42 – Artigo 113.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. A fundamentação relativa a motivos supérfluos é, pelo contrário, inadmissível: acórdãos de 18 de Março de 1993, Parlamento/Frederiksen (C‑35/92 P, Colect., p. I‑991); de 22 de Dezembro de 1993, Pincherle/Comissão (C‑244/91 P, Colect., p. I‑6965, n.° 25); e de 16 de Junho de 1994, SFEI e o./Comissão (C‑39/93 P, Colect., p. I‑2681, n.° 23).
43 – Despacho de 11 de Julho de 1996, An Taisce e WWF UK/Comissão (C‑325/94 P, Colect., p. I‑3727, n.° 28); acórdão de 15 de Maio de 1997, Siemens/Comissão (C‑278/95 P, Colect., p. I‑2507, n.° 44).
44 – Acórdãos, já referidos, AOK Bundesverband e o., n.° 58, e de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália, n.° 7; v. n.° 114 das conclusões do advogado‑geral G. Cosmas no processo Ferlini (acórdão de 3 de Outubro de 2000, C‑411/98, Colect., p. I‑8081).
45 – Acórdãos de 9 de Junho de 1992, Lestelle/Comissão (C‑30/91 P, Colect., p. I‑3755, n.° 28), e de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France (C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.os 46 e 47).
46 – V., supra, n.os 30 e 31 das presentes conclusões.
47 – Acórdãos de 31 de Janeiro de 1984, Luisi e Carbone/Ministero del Tesoro (286/82 e 26/83, Recueil, p. 377, n.° 9); de 13 de Maio de 2003, Müller‑Fauré e van Riet (C‑385/99, Colect., p. I‑4509, n.° 38); e de 23 de Outubro de 2003, Inizan (C‑56/01, Colect., p. I‑12403, n.° 16).
48 – Acórdão de 4 de Outubro de 1991, Society for the Protection of Unborn Children Ireland, dito «Grogan» (C‑159/90, Colect., p. I‑4685, n.° 18).
49 – N.° 17 das suas conclusões nos processos Kohll, já referido, e Decker (acórdão de 28 de Abril de 1998, C‑120/95, Colect., p. I‑1831).
50 – Acórdãos, já referidos, Kohll, n.° 21; Smits e Peerbooms, n.° 54; Müller‑Fauré e van Riet, n.° 39; e Inizan, n.° 17.
51 – Acórdão Kohll, já referido, n.° 18.
52 – N.° 41 das conclusões do advogado‑geral A. Tesauro nos processos, já referidos, Decker e Kohll; acórdão Smits e Peerbooms, já referido, n.° 58. Para uma opinião divergente, v. conclusões apresentadas pelo advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Smits e Peerbooms, já referido, n.os 42 a 49.
53 – Acórdão Smits e Peerbooms, já referido, n.° 58.
54 – Mortelmans, K. – «Towards convergence in the application of the rules on free movement and competition?» CMLRev. 2001, p. 613; n.° 22 das conclusões do advogado‑geral W. Van Gerven no processo B & Q (acórdão de 23 de Novembro de 1989, C‑145/88, Colect., p. I‑3851); acórdão do Tribunal de Primeira Instância, Meca‑Medina e Majcen/Comissão, já referido, n.° 42.
55 – As entidades encarregues de gerir os seguros de doença, como no processo Cisal, já referido, não são empresas na acepção do direito da concorrência, mas as normas que as regem não podem, no entanto, excluir do seguro empregados provenientes de outros Estados‑Membros, sem ir contra o princípio da livre circulação dos trabalhadores.
56 – V., supra, n.os 27 a 29 das conclusões.
57 – Acórdão Smits e Peerbooms, já referido.
58 – Referida na nota 17 do anexo V do presente recurso (BOE n.° 100, de 26 de Abril de 1997, p. 13449).
59 – Acórdão Ambulanz Glöckner, já referido.
60 – Davies, G. – Nationality Discrimination in the European Internal Market, Kluwer, Den Haag, 2003, cap. 9, Free Movement of Welfare, especialmente pp. 183 e 184.
61 – V., por analogia, n.° 16 das minhas conclusões no processo BBL (acórdão de 21 de Outubro de 2004, C‑8/03, Colect., p. I‑10157).
62 – Acórdão de 18 de Junho de 1998, já referido na nota 13.
63 – Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000 (T‑513/93, Colect., p. II‑1807).
64 – Acórdão Pavlov e o., já referido, que precisa, no n.° 79, que «[a] inscrição de um médico especialista nesse regime tem a sua origem no exercício da profissão». No n.° 80, acrescenta‑se que «[o] facto de cada médico especialista independente pagar contribuições para o mesmo regime complementar de pensões profissional, por maioria de razão, está ligado ao exercício da sua actividade profissional, já que esse regime se caracteriza por um grau elevado de solidariedade entre todos os médicos».
65 – N.° 115 das conclusões no processo Pavlov e o., já referido.
66 – Arcelin, L. – L’entreprise en droit de la concurrence français et communautaire, Litec, 2003, p. 223.
67 – Acórdão de 24 de Setembro de 1998, Tögel (C‑76/97, Colect., p. I‑5357).
68 – V. Scherer, F.; Ross, D. – Industrial market structure and economic performance, Boston Houghton Mifflin, 1990, p. 517, e Noll, R. – «‘Buyer power’ and economic policy», Antitrust Law Journal, vol. 72, 2005, p. 589.
69 – V. acórdão de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália, bem como acórdãos Eurocontrol e AOK Bundesverband e o., já referidos; v. também conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Ambulanz Glöckner, já referido, n.° 72.