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Document 62003CC0004

Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 16 de Septembro de 2004.
Gesellschaft für Antriebstechnik mbH & Co. KG contra Lamellen und Kupplungsbau Beteiligungs KG.
Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht Düsseldorf - Alemanha.
Convenção de Bruxelas - Artigo 16.º, n.º 4 - Litígios em matéria de inscrição ou de validade de patentes - Competência exclusiva do Estado de depósito ou de registo - Acção declarativa de não contrafacção - Questão da validade da patente suscitada a título incidental.
Processo C-4/03.

European Court Reports 2006 I-06509

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:539

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

L. A. GEELHOED

apresentadas em 16 de Setembro de 2004 (1)

Processo C‑4/03

Gesellschaft für Antriebstechnik mbH & Co. KG (GAT)

contra

Lamellen und Kupplungsbau Beteiligungs KG (LuK)

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Düsseldorf)

«Interpretação do artigo 16.º, n.º 4, da Convenção de Bruxelas – Competência exclusiva ‘em matéria de validade de patentes’ – Inclusão ou não da acção por violação de patente (ou de declaração de inexistência de violação de patente) no decurso da qual uma das partes invoca a excepção da invalidade da patente»





I –    Introdução

1.     No presente processo, o Oberlandesgericht Düsseldorf colocou uma questão sobre a interpretação do artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (2) (a seguir «Convenção de Bruxelas»). Esta disposição confere, em determinados casos, competência exclusiva aos tribunais do Estado contratante em cujo território o depósito ou o registo tiver sido requerido, efectuado ou considerado efectuado.

2.     Mais especificamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a competência exclusiva só se aplica quando é intentada uma acção (com eficácia erga omnes) de declaração de nulidade da patente ou também quando, num processo por violação de patente, é suscitada por uma das partes a questão da validade ou da nulidade da patente.

3.     Pode acontecer num processo por violação de patente que o demandado deduza a excepção da nulidade da patente. Também é possível que o demandante num processo de declaração de inexistência de violação de patente alegue que a patente é inválida ou nula e, por conseguinte, que também não há violação de patente. Esta segunda situação é a que se verifica no processo principal. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, ainda e mais especificamente, se são relevantes o facto de o órgão jurisdicional chamado a decidir considerar procedente ou improcedente o fundamento da nulidade ou da invalidade e o momento do processo em que esse fundamento é alegado.

4.     O artigo 16.°, n.° 4, introduz uma derrogação ao princípio fundamental consagrado no artigo 2.° da Convenção de Bruxelas. Esse artigo estipula que as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado. Subjacente a este artigo está o aforismo actor sequitur forum rei. O objectivo do artigo 2.° reside, assim, na protecção dos direitos do demandado. Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o carácter geral do princípio consagrado no artigo 2.° implica que as derrogações ao mesmo sejam interpretadas restritivamente (3).

5.     Em contrapartida, uma interpretação ampla do disposto no artigo 16.°, n.° 4, favorece a segurança jurídica e reduz o risco de decisões contraditórias. A competência para decidir sobre a validade de uma patente pertence sempre, nesse caso, ao mesmo órgão jurisdicional. Mais importante ainda é o facto de ser pouco desejável uma interpretação do artigo 16.°, n.° 4, em que a escolha pelo demandante de uma acção de declaração de nulidade ou de uma acção de declaração da inexistência de violação seja determinante para o estabelecimento da competência jurisdicional. O forum shopping deve, tanto quanto possível, ser evitado.

II – Enquadramento jurídico, matéria de facto e tramitação processual

6.     O artigo 2.° da Convenção de Bruxelas, que consta da secção I do título II intitulada «Disposições gerais», enuncia: «Sem prejuízo do disposto na presente convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado. […]»

7.     O artigo 16.°, parte inicial e n.° 4, da Convenção de Bruxelas, que consta da secção V do título II intitulada «Competências exclusivas», dispõe: «Têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio: em matéria de inscrição ou de validade de patentes, marcas, desenhos e modelos, e outros direitos análogos sujeitos a depósito ou a registo, os tribunais do Estado contratante em cujo território o depósito ou o registo tiver sido requerido, efectuado ou considerado efectuado nos termos de uma convenção internacional.»

8.     A Convenção de Bruxelas foi, entretanto, substituída pelo Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (4). Contudo, as disposições deste regulamento não são aplicáveis ao processo em causa, uma vez que a aplicação do regulamento se limita às acções judiciais intentadas e aos actos autênticos exarados posteriormente à entrada em vigor do regulamento, em 1 de Março de 2002, o que não é o caso.

9.     Esta questão foi suscitada num litígio entre a GAT, Gesellschaft für Antriebstechnik mbH & Co. KG, com sede em Alsdorf (demandante), e a LuK, Lamellen und Kupplungsbau Beteiligungs KG, com sede em Bühl. As partes são concorrentes no sector dos componentes técnicos para automóveis.

10.   A demandante candidatou‑se perante a sociedade Ford‑Werke AG, de Colónia, a um contrato que tem por objecto o fornecimento de um amortecedor de torção mecânico. A demandada alega que, ao fazê‑lo, a demandante violou, designadamente, patentes francesas de que é a titular registada. A demandante intentou, então, no Landgericht Düsseldorf, uma acção para a declaração de inexistência de qualquer direito da demandada sobre as patentes francesas, deduzindo ainda a excepção da nulidade ou da invalidade das patentes.

11.   O Landgericht Düsseldorf considerou‑se internacionalmente competente para a decisão sobre a violação das patentes francesas. Também se considerou competente para conhecer parte do litígio respeitante à nulidade ou à invalidade das patentes controvertidas. O Landgericht partiu – de acordo com o despacho de reenvio submetido ao Tribunal de Justiça – de uma interpretação restritiva do artigo 16.°, n.° 4, sem a qual um tribunal perderá a sua competência logo que o demandado numa acção por violação do direito de patente deduza a excepção da nulidade da patente.

12.   O Landgericht julgou improcedente o pedido da demandante e concluiu que as patentes preenchem os requisitos da patenteabilidade. A demandante interpôs, seguidamente, recurso para o Oberlandesgericht Düsseldorf. No âmbito da apreciação deste recurso, o Oberlandesgericht colocou ao Tribunal de Justiça a questão referida no n.° 2.

13.   No despacho de reenvio, o Oberlandesgericht chama a atenção, nomeadamente, para o perigo de decisões divergentes, independentemente da solução por que se opte. Este tribunal considera igualmente relevante o facto de a concessão de uma patente constituir um acto de um poder público que é melhor fiscalizado pelos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em questão do que por um órgão jurisdicional de uma potência estrangeira e entende que tal também constitui um dos objectivos do artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas.

III – Observações escritas apresentadas pelas partes

14.   Foram apresentadas ao Tribunal de Justiça observações escritas pela demandada no processo principal (LuK), os Governos da Alemanha, França e Reino Unido e pela Comissão. Em 14 de Julho de 2004, o Tribunal de Justiça realizou a audiência no âmbito deste processo. Na audiência, a demandante no processo principal (GAT) compareceu para defender a sua posição.

15.   No processo perante o Tribunal de Justiça, são defendidas três posições que se excluem mutuamente. O Tribunal de Justiça deverá decidir qual das três posições corresponde melhor à letra e aos objectivos do artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas.

16.   A LuK e o Governo alemão defendem uma interpretação restritiva do artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas. Sustentam que o artigo 16.°, n.° 4, só é aplicável a um litígio sobre a validade de patentes se este litígio constituir a principal causa de pedir do processo. Contestam a posição de que as questões relativas à validade e à violação de uma patente não podem ser separadas; segundo estes, esse entendimento colocaria em perigo o equilíbrio entre as diferentes competências previstas na Convenção de Bruxelas. Implicaria, nomeadamente, que quase todos os processos por violação ficassem abrangidos pela competência exclusiva do artigo 16.°

17.   As partes perderiam, assim, direitos que lhes foram atribuídos nos termos do artigo 2.° (o órgão jurisdicional do domicílio do demandado) mas também nos termos do artigo 5.°, n.os 3 e 5, e do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas. Acresce que o titular de uma patente poderia, com base no artigo 2.°, submeter todos os casos de violação da patente ao mesmo órgão jurisdicional (nomeadamente: o órgão jurisdicional do domicílio do infractor), ao passo que este último deverá, nos termos do artigo 16.°, n.° 4, dirigir‑se aos órgãos jurisdicionais de todos os Estados‑Membros onde estiver registada a patente.

18.   Os Governos francês e do Reino Unido, bem como a GAT, defendem um entendimento diverso. Propõem uma interpretação ampla para o artigo 16.°, n.° 4, no interesse de uma boa organização da jurisprudência.

19.   Salientam que os tribunais do Estado‑Membro onde foi concedida a patente são os mais adequados para decidir sobre a sua validade, devido à proximidade dos factos e também porque estão mais ligados às condições jurídicas da concessão da patente. Além disso, as questões relativas à validade e à violação de uma patente são, na prática, inseparáveis. A aplicabilidade do artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas às acções por violação das patentes pode evitar decisões contraditórias e é, por conseguinte, no interesse da segurança jurídica. Por outro lado, este entendimento não permite às partes iludir a regra da competência exclusiva do artigo 16.°, n.° 4. Se, nomeadamente, o suposto infractor instaurar uma acção de declaração de inexistência de violação de patente, em vez de impugnar a respectiva validade, não poderá socorreu‑se – como defende o entendimento contrário – do artigo 16.°, n.° 4. A este propósito, o Governo francês remete para o relatório Jenard (5), onde se salienta que as decisões sobre a validade das patentes pertencem à competência dos Estados‑Membros.

20.   A Comissão defende uma terceira posição intermédia. Sustenta que a já referida interpretação ampla do artigo 16.°, n.° 4, se traduz, no essencial, no facto de todos os litígios sobre as patentes serem apreciados pelo órgão jurisdicional do país onde a patente foi ou é depositada ou registada. A Comissão não contesta que essa solução pode ser desejável, mas entende que não corresponde à letra do artigo 16.°, n.° 4.

21.   Considera que é, de facto, importante que as partes não possam esvaziar do seu conteúdo o artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas. Não podem escolher o foro com base na causa de pedir que é invocada em primeiro lugar: a validade, a nulidade ou a violação. Num caso como o controvertido, não é relevante saber se a nulidade da patente é invocada como elemento do pedido principal ou apenas como um argumento em apoio da posição de que não foi violada a patente. Por força do artigo 16.°, n.° 4, há apenas um tribunal que pode declarar a validade ou a nulidade da patente. As demais questões sobre as patentes não são abrangidas pelo artigo 16.°, n.° 4.

IV – Apreciação

A –    O contexto: a jurisprudência do Tribunal de Justiça

22.   Começo por remeter para a jurisprudência constante nos termos da qual, a fim de garantir, na medida do possível, a igualdade e a uniformidade dos direitos e obrigações que decorrem da Convenção de Bruxelas para os Estados contratantes e para as pessoas interessadas, se deve determinar de forma autónoma o sentido dos conceitos constantes desta convenção (6).

23.   A interpretação do Tribunal de Justiça deve ainda contribuir para a previsibilidade da repartição das competências judiciárias. Se o demandante num processo civil estiver em condições de determinar com facilidade o tribunal a que se poderá dirigir e se o demandado puder facilmente determinar qual o tribunal perante o qual poderá ser demandado, tanto a protecção jurisdicional como a segurança jurídica são salvaguardadas. O décimo primeiro considerando do Regulamento n.° 44/2001 refere expressamente que as regras de competência devem revestir um elevado grau de certeza jurídica.

24.   Além disso, o Tribunal de Justiça já decidiu reiteradamente que, enquanto derrogação à regra geral de competência consagrada no artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, o seu artigo 16.° não deve ser interpretado em termos mais amplos do que o requerido pelo seu objectivo, uma vez que tem como consequência privar as partes da liberdade, que de outro modo teriam, de escolher o foro e, em determinados casos, submetê‑las a uma jurisdição diversa da do domicílio de qualquer delas. Já chamei a atenção para este aspecto na introdução (7). Concordo com o advogado‑geral F. G. Jacobs quando refere que também não se deve atribuir demasiada importância à necessidade de uma interpretação restritiva. O mesmo refere nas conclusões que apresentou no processo na origem do acórdão Gabriel (8) que há que atribuir a uma derrogação legal, como a qualquer outra disposição legislativa, o seu próprio significado, determinado à luz do seu objectivo e da sua letra, bem como da economia geral e do objectivo do instrumento de que faz parte.

25.   Um quarto pressuposto de que se socorre o Tribunal de Justiça na sua jurisprudência sobre a Convenção de Bruxelas é de que deve existir uma conexão tão estreita quanto possível entre o litígio e o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso, que justifique uma atribuição de competência a esse tribunal por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo (9).

26.   Tendo em conta estes pressupostos, o Tribunal de Justiça já interpretou por diversas vezes os conceitos utilizados pelo artigo 16.° da Convenção de Bruxelas. A maior parte das decisões referia‑se à competência exclusiva na acepção do artigo 16.°, n.° 1, que respeita a determinados litígios sobre bens imóveis. O Tribunal de Justiça proferiu uma única decisão sobre o artigo 16.°, n.° 4.

27.   No acórdão Reichert e Kockler (10), o Tribunal de Justiça salientou que a competência exclusiva dos tribunais do Estado contratante onde o imóvel se situa (artigo 16.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas) se justifica pelo facto de estes tribunais serem os que estão em melhores condições, tendo em conta a sua proximidade, de possuir um bom conhecimento das situações de facto e das regras e usos aplicáveis. A competência exclusiva dos tribunais do Estado contratante onde o imóvel está situado não abrange a totalidade das acções sobre direitos reais sobre imóveis. Em contrapartida, a competência exclusiva apenas abrange (no essencial) as acções que se destinam a determinar o alcance, a consistência, a propriedade, a posse de um bem imóvel ou a existência de outros direitos reais sobre esses bens.

28.   No acórdão Duijnstee (11), o Tribunal de Justiça deu uma interpretação à competência exclusiva conferida pelo artigo 16.°, n.° 4, aos tribunais do Estado‑Membro onde a patente foi concedida (ou ainda pedida). O Tribunal de Justiça justifica esta competência pela «circunstância destes tribunais estarem em melhor posição para dirimir os casos em que o litígio incide mais precisamente sobre a validade da patente ou a existência do depósito ou do registo». O Tribunal de Justiça distinguiu estes litígios de outras acções que têm por objecto as patentes, mas que não são abrangidas pelo artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas. A esta última categoria pertencem, por exemplo, os litígios sobre as violações das patentes mas também e designadamente o que constituía a questão suscitada no processo Duijnstee, que era a de saber se o titular do direito sobre a patente é a entidade empregadora ou o trabalhador.

29.   O Tribunal de Justiça também conforta a sua posição com o relatório Jenard (12), bem como com o disposto nas convenções sobre as patentes, que introduzem uma distinção clara entre, por um lado, a concessão e o registo da patente e, por outro, a sua violação.

B –    O que diz o texto da Convenção de Bruxelas?

30.   Nos termos do artigo 16.°, n.° 4, que faz parte da secção 5 do título II da Convenção de Bruxelas, intitulada «Competência exclusiva», determinados litígios relativos às patentes e a outros direitos de propriedade industrial serão dirimidos pelo órgão jurisdicional do Estado‑Membro onde esse direito foi ou será depositado ou registado.

31.   Os artigos 17.° e 18.° da Convenção de Bruxelas conferem um carácter imperativo à competência exclusiva. Resta saber quais são os litígios a que se refere o artigo 16.°, n.° 4.

32.   Em primeiro lugar, é suficientemente claro, tendo em conta a letra do artigo 16.°, n.° 4, que os autores da convenção não pretenderam fazer abranger pela competência exclusiva todos os litígios relativos às patentes – e a outros direitos de propriedade industrial. Com efeito, o artigo 16.°, n.° 4, apenas se refere aos litígios em matéria de registo ou de validade de patentes e de outros direitos. A disposição não se refere expressamente aos litígios por violação de patentes. Nesse sentido, esta disposição distingue‑se do artigo 229.°‑A CE, que prevê a possibilidade de ser atribuída ao Tribunal de Justiça competência para decidir de todos os litígios relativos a títulos comunitários de propriedade industrial.

33.   O órgão jurisdicional de reenvio refere, em especial, a versão inglesa da convenção que parece utilizar no artigo 16.°, n.° 4, uma formulação mais ampla do que a utilizada no artigo 16.°, n.os 1, 2 e 3. O artigo 16.°, n.° 4, refere os «proceedings concerned with», ao passo que, no artigo 16.°, n.os 1, 2 e 3, se fala dos «proceedings which have as their object». As demais versões linguísticas, como a alemã, a francesa, a italiana e a neerlandesa não fazem esta distinção, sendo que da redacção inglesa também não resulta de forma inequívoca qual é o significado da diferença de formulação. Nas suas observações escritas, a Comissão analisa aprofundadamente a distinção constante da versão inglesa que é mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Considera que esta distinção não é relevante, uma vez que não existe nas demais versões linguísticas e que, de resto, não existem indicações de que os autores da convenção tenham pretendido restringir o significado do artigo 16.°, n.° 4. A este propósito, remete para o já referido relatório Jenard (13). Concordo com a Comissão.

34.   Por força do artigo 19.° da Convenção de Bruxelas, o juiz de um Estado contratante perante o qual tenha sido proposta, a título principal, uma acção relativamente à qual tenha competência exclusiva um tribunal de outro Estado contratante nos termos do artigo 16.°, declarar‑se‑á oficiosamente incompetente. A versão francesa precisa – ao contrário das versões alemã, inglesa, italiana e neerlandesa – que neste caso deverá tratar‑se de uma acção instaurada «à titre principal». O conteúdo do artigo 19.° da Convenção de Bruxelas foi amplamente discutido durante a tramitação processual no Tribunal de Justiça. Foi explicado que o artigo 19.° não constitui uma regra de competência e que a interpretação do artigo 19.° não é determinante para a interpretação do artigo 16.° da Convenção de Bruxelas. Independentemente da interpretação do artigo 19.°, a Convenção de Bruxelas não exclui que o artigo 16.°, n.° 4, também abranja litígios relativamente aos quais o órgão jurisdicional não está obrigado a declarar‑se incompetente quando são instaurados.

35.   Em resumo: a Convenção de Bruxelas instituiu um regime imperativo no que respeita à atribuição de competência, mas não incluiu, contudo, todos os litígios sobre as patentes no âmbito de aplicação do artigo 16.°, n.° 4. Por outro lado, não resulta do texto da Convenção de Bruxelas que os autores da convenção tenham pretendido restringir a sua aplicação aos processos em que a causa de pedir tenha por objecto a validade ou a nulidade de uma patente.

C –    Apreciação propriamente dita

36.   O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, como já referido, qual é a amplitude da competência exclusiva atribuída pelo artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas aos tribunais do Estado onde é registada ou depositada uma patente. As intervenções no Tribunal de Justiça sugerem três possibilidades de interpretação (v. mais desenvolvidamente a secção III das presentes conclusões):

–       a primeira possibilidade: o artigo 16.°, n.° 4, só é aplicável se a principal causa de pedir em determinado processo se referir à validade da patente;

–       a segunda possibilidade: as questões relativas à validade e à violação de uma patente são, na prática, indissociáveis e, por conseguinte, o artigo 16.°, n.° 4, também é aplicável às acções respeitantes à violação da patente;

–       a terceira possibilidade: só o tribunal designado no artigo 16.°, n.° 4, é competente para declarar a validade ou a nulidade de uma patente. As demais questões sobre as patentes não são abrangidas pelo artigo 16.°, n.° 4.

37.   Proponho que o Tribunal de Justiça opte pela terceira possibilidade, pelos seguintes fundamentos.

38.   Desde logo, está excluída a segunda possibilidade. Conforme salientou o Tribunal de Justiça no acórdão Duijnstee, o artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas assenta na diferença entre, por um lado, os litígios sobre a concessão e o registo de uma patente nos quais se discute, sobretudo, a validade da patente e, por outro lado, os litígios sobre a violação das patentes. Embora a segunda possibilidade possa ser atractiva do ponto de vista da segurança jurídica e da uniformidade do direito, contraria, contudo, a opção expressa dos autores da convenção de não incluir todos os litígios sobre as patentes e outros direitos da propriedade industrial no âmbito de aplicação do artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas.

39.   Há, seguidamente, que excluir também a primeira possibilidade. Embora esta seja defensável com base numa interpretação literal estrita do artigo 16.°, n.° 4, optar por ela permitiria ao demandante num processo civil iludir o carácter imperativo da determinação do foro prevista no artigo 16.°, n.° 4. O caso do processo principal ilustra bem esta situação. A GAT optou correctamente – se optarmos pela primeira possibilidade – por requerer ao órgão jurisdicional alemão a declaração de inexistência de violação da patente. Contudo, a empresa também poderia ter optado, em primeiro lugar, por impugnar nos órgãos jurisdicionais civis a validade das patentes da LuK. Deveria, nesse caso e nos termos do artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas, dirigir‑se ao órgão jurisdicional do Estado‑Membro onde a patente está registada, que no caso concreto é a França.

40.   Atribuir esta liberdade de escolha ao demandante num processo civil – com a consequência daí decorrente no que toca à competência do órgão jurisdicional – prejudicaria a previsibilidade do regime a respeito do demandado e, deste modo, um dos pressupostos da jurisprudência do Tribunal de Justiça (14). Esta liberdade de escolha também não corresponde ao objectivo e ao alcance do artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas, que institui, efectivamente, um regime imperativo.

41.   A terceira possibilidade é, em contrapartida, bastante defensável. Implica que a competência exclusiva prevista no artigo 16.°, n.° 4, seja sempre determinante quando num processo de direito civil se contesta a validade de um direito conferido pela autoridade de um Estado‑Membro – ou de um direito registado por essa autoridade. Está, nomeadamente, em causa a decisão da própria autoridade, pelo que esta também comporta elementos de direito administrativo. A decisão de uma autoridade nacional deve, sempre que possível, ser sujeita à fiscalização de um órgão jurisdicional do próprio país e não de um órgão jurisdicional de um Estado estrangeiro. De resto, também vejo aqui um paralelo com o acórdão Reichert e Kockler no qual o Tribunal de Justiça se socorreu do critério da proximidade relativamente a determinadas acções sobre bens imóveis (v. n.° 27, supra).

42.   As referidas considerações aplicam‑se independentemente do processo no âmbito do qual é contestada essa validade. O que é determinante é o objectivo do processo e não a formulação do pedido principal pelo demandante em determinado processo. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ainda se é relevante o momento do processo em que é suscitada a questão da validade ou da nulidade. Em meu entender, esta pergunta deve ser respondida pela negativa. Com efeito, a essência da solução que proponho é que só o órgão jurisdicional do Estado‑Membro onde foi depositada ou registada uma patente deverá decidir sobre a respectiva validade. Assim sendo, não é relevante o momento do processo em que é contestada a validade, e isto sem prejuízo do facto de a Convenção de Bruxelas dever ser, tanto quanto possível, interpretada de forma autónoma e independentemente do direito processual dos Estados‑Membros.

43.   No caso das «puras» acções por violação, não existe essa ligação com a autoridade nacional. Estes litígios referem‑se à violação de um direito subjectivo pertencente a uma pessoa e não se distinguem, em princípio, de outros litígios análogos de direito civil relativos a direitos subjectivos não incluídos no domínio da propriedade industrial. Esta posição sobre a distinção entre os processos por violação das patentes e os processos de declaração de validade ou de nulidade de patentes é directamente corroborada pelo teor da Convenção de Bruxelas. Conforme já referi, esta distinção também foi confirmada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Duijnstee.

44.   Os autores da convenção optaram expressamente por não incluir a violação das patentes (ou, por exemplo, de uma marca) no âmbito do artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de Bruxelas. Não seria correcto – tendo ainda em conta o necessário equilíbrio do regime – interpretar o artigo 16.°, n.° 4, de tal modo que também os processos por «puras» violações ficassem subtraídos à regra geral consagrada no artigo 2.° da Convenção de Bruxelas. Além disso, essa interpretação seria contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça no sentido de que as derrogações à regra geral da competência consagrada no artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas não devem ser interpretadas em termos mais amplos do que o requerido pelo seu objectivo (15).

45.   Remeto, a título supletivo, para o acórdão Gantner Electronic (16), que respeita ao artigo 21.° da Convenção de Bruxelas. Este artigo regula o caso em que acções entre as mesmas partes são submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados contratantes. O Tribunal de Justiça salienta neste acórdão que, para efeitos da competência judiciária, são determinantes os direitos dos demandantes e não os meios de defesa. Caso contrário, a repartição das competências poderia ser alterada em função do conteúdo da contestação – que não é necessariamente apresentada no início do processo. Além disso, a se terem em conta os meios de defesa, isso permitirá ao demandado agir de má fé e criar obstáculos ao andamento de um processo já pendente.

46.   Em meu entender, a jurisprudência do acórdão Gantner Electronic não implica que o artigo 16.°, n.° 4, não se aplique quando o demandado conteste a validade de uma patente no âmbito de um processo por violação da patente. A Convenção de Bruxelas prevê mecanismos suficientes para não se perder de vista o interesse da administração eficaz da justiça. O órgão jurisdicional que aprecia a violação pode reenviar integralmente o processo, pode suspendê‑lo até que o órgão jurisdicional competente de outro Estado‑Membro, nos termos do artigo 16.°, n.° 4, decida da validade da patente e pode ele próprio apreciar essa validade em caso de má fé do demandado.

47.   Por último: um dos principais argumentos defendidos nas intervenções perante o Tribunal de Justiça no presente processo respeita à organização da jurisprudência e à economia processual. Infelizmente, considerada a partir desta perspectiva, a possibilidade por que opto também não constitui a solução ideal. Como acontece com as demais soluções, também não se evita o risco de os tribunais de vários Estados‑Membros se envolverem no mesmo processo e tomarem decisões divergentes. Com efeito e na maior parte das vezes, o titular de uma patente possuirá patentes para o mesmo produto ou processo de produção em vários Estados‑Membros. E, por conseguinte, os tribunais destes diversos Estados‑Membros tornam‑se, em simultâneo, exclusivamente competentes sempre que, no âmbito de um processo por violação de patente, seja suscitada a questão da respectiva validade. O que não facilita necessariamente o andamento do processo por violação da patente.

V –    Conclusões

48.   Proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte modo à questão submetida pelo Oberlandesgericht Düsseldorf:

«O artigo 16.°, n.° 4, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercialdetermina a competência judiciária quando, num processo, é invocada a questão da validade ou da nulidade de uma patente ou de outro direito de propriedade industrial referido nesta disposição. O referido artigo é, por conseguinte, aplicável quando o demandado num processo por violação de patente ou o demandante num processo de declaração de inexistência de violação de patente deduzam a excepção da invalidade ou da nulidade dessa patente.»


1 – Língua original: neerlandês.


2  – JO 1972, L 299, p. 32. A versão consolidada da convenção, com a nova redacção que lhe foi dada, encontra‑se no JO 1998, C 27, p. 1.


3  – V., por exemplo, acórdão de 27 de Setembro de 1988, Kalfelis (189/87, Colect., p. 5565, n.° 19), e, mais recentemente, acórdão de 10 de Junho de 2004, Kronhofer (C‑168/02, Colect., p. I‑0000, n.os 12 a 14).


4  – JO 2001, L 12, p. 1. A Convenção de Bruxelas ainda se aplica em relação ao Reino da Dinamarca.


5  – JO 1979, C 59, p. 1.


6  – V., relativamente ao artigo 16.° da Convenção de Bruxelas, a decisão do Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 2001, Gaillard (C‑518/99, Colect., p. I‑2771, n.° 13).


7  – V., igualmente, a decisão referida na nota anterior, n.° 14.


8  – Conclusões no processo C‑96/00 (acórdão de 11 de Julho de 2002, Colect., p. I‑6367, n.° 46 das conclusões).


9  – V. acórdão recente Kronhofer, já referido na nota 3, n.° 15 (relativamente ao artigo 5.°, n.° 3, da Convenção de Bruxelas).


10  – Acórdão de 19 de Janeiro de 1990 (C‑115/88, Colect., p. I‑27, n.os 10 e 11).


11  – Acórdão de 15 de Novembro de 1983 (288/82, Colect., p. 3663).


12  – V. nota 5.


13  – V. nota 5.


14  – V. n.° 23, supra.


15  – V. n.° 24, supra.


16  – Acórdão de 8 de Maio de 2003 (C‑111/01, Colect., p. I‑4207).

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