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Document 62001CJ0464

Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 20 de Janeiro de 2005.
Johann Gruber contra Bay Wa AG.
Pedido de decisão prejudicial: Oberster Gerichtshof - Áustria.
Convenção de Bruxelas - Artigo 13.º, primeiro parágrafo - Condições de aplicação - Conceito de "contrato celebrado por um consumidor" - Aquisição de telhas por um agricultor para os telhados de uma quinta para uso parcialmente particular e parcialmente profissional.
Processo C-464/01.

European Court Reports 2005 I-00439

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:32

Arrêt de la Cour

Processo C‑464/01

Johann Gruber

contra

Bay Wa AG

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria)]

«Convenção de Bruxelas – Artigo 13.º, primeiro parágrafo – Condições de aplicação – Conceito de ‘contrato celebrado por um consumidor’ – Aquisição de telhas por um agricultor para os telhados de uma quinta para uso parcialmente particular e parcialmente profissional»

Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs apresentadas em 16 de Setembro de 2004 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 20 de Janeiro de 2005 

Sumário do acórdão

Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões – Competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores – Conceito de «contrato celebrado por um consumidor» – Contrato relativo a um bem destinado a uma utilização parcialmente profissional e parcialmente particular – Exclusão salvo em caso de utilização profissional marginal – Apreciação pelo juiz nacional – Critérios

(Convenção de 27 de Setembro de 1968, artigos 13.° a 15.°)

As regras de competência enunciadas pela Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, na redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica, pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, devem ser interpretadas da seguinte forma:

– uma pessoa que celebrou um contrato relativo a um bem destinado a uma utilização parcialmente profissional e parcialmente estranha à sua actividade profissional não se pode prevalecer do benefício das regras de competência específicas previstas nos artigos 13.° a 15.° da referida Convenção, salvo se a utilização profissional for marginal, a ponto de apenas ter um papel despiciendo no contexto global da operação em causa, sendo irrelevante, a este respeito, o facto de o aspecto extraprofissional ser dominante;

– compete ao órgão jurisdicional onde a acção foi proposta decidir se o contrato em causa foi celebrado para satisfazer, em medida não despicienda, necessidades decorrentes da actividade profissional do interessado ou se, pelo contrário, a utilização profissional apenas tem um papel insignificante;

– para esse efeito, o referido órgão jurisdicional deve tomar em consideração todos os elementos de facto relevantes que resultam objectivamente dos autos; em contrapartida, não devem ser tidas em conta as circunstâncias ou elementos de que o co‑contratante pudesse ter tomado conhecimento no momento da celebração do contrato, salvo se a pessoa que invoca a qualidade de consumidor se tiver comportado de tal forma que pôde legitimamente causar à outra parte no contrato a impressão de que agia com fins profissionais.

(cf. n.° 54, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
20 de Janeiro de 2005(1)

«Convenção de Bruxelas – Artigo 13.º, primeiro parágrafo – Condições de aplicação – Conceito de ‘contrato celebrado por um consumidor’ – Aquisição de telhas por um agricultor para os telhados de uma quinta para uso parcialmente particular e parcialmente profissional»

No processo C‑464/01,que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do Protocolo de 3 de Julho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), por despacho de 8 de Novembro de 2001, entrado no Tribunal de Justiça em 4 de Dezembro de 2001, no processo

Johann Gruber

contra

Bay Wa AG ,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),,



composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, C. Gulmann, R. Schintgen (relator), G. Arestis e J. Klučka, juízes,

advogado‑geral: F. G. Jacobs,
secretário: M.‑F. Contet, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 24 de Junho de 2004,vistas as observações apresentadas:

em representação de J. Gruber, por W. Graziani‑Weiss, Rechtsanwalt,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por R. Wagner, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. Aiello e G. Albenzio, avvocati dello Stato,

em representação do Governo português, por L. Fernandes e M. Telles Romão, na qualidade de agentes,

em representação do Governo sueco, por A. Kruse, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A.‑M. Rouchaud e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 16 de Setembro de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial diz respeito à interpretação do artigo 13.°, primeiro parágrafo, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), na redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e – texto alterado – p. 77; EE 01 F2 p. 131, e – texto alterado – p. 207), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234), pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1) e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1, a seguir «Convenção de Bruxelas»).

2
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe J. Gruber, residente na Áustria, à sociedade de direito alemão Bay Wa AG (a seguir «Bay Wa»), com sede na Alemanha, devido à alegada execução defeituosa de um contrato celebrado entre ambos.


Quadro jurídico

3
As regras de competência estabelecidas pela Convenção de Bruxelas constam do seu título II, constituído pelos artigos 2.° a 24.°

4
O artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, que se integra na secção 1 do título II, intitulada «Disposições gerais», enuncia uma regra de princípio assim formulada:

«Sem prejuízo do disposto na presente Convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

5
O artigo 3.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, que consta da mesma secção, dispõe:

«As pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado contratante por força das regras enunciadas nas secções 2 a 6 do presente título.»

6
Nos artigos 5.° a 18.° da Convenção de Bruxelas, que formam as secções 2 a 6 do seu título II, prevêem‑se regras de competência especial, imperativa ou exclusiva.

7
O artigo 5.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, que faz parte do título II, secção 2, sob a epígrafe «Competências especiais», prevê:

«O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

1)
Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida; [...]»

8
A secção 4, sob a epígrafe «Competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores», do título II da Convenção de Bruxelas é composta pelos artigos 13.° a 15.°

9
O artigo 13.° da Convenção de Bruxelas tem a seguinte redacção:

«Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua actividade comercial ou profissional, a seguir denominada ‘o consumidor’, a competência será determinada pela presente secção [...]:

1)
Quando se trate de empréstimo a prestações de bens móveis corpóreos;

2)
Quando se trate de empréstimo a prestações ou de outra operação de crédito relacionados com o financiamento da venda de tais bens;

3)
Relativamente a qualquer outro contrato que tenha por objecto a prestação de serviços ou o fornecimento de bens móveis corpóreos se:

a)
A celebração do contrato tiver sido precedida no Estado do domicílio do consumidor de uma proposta que lhe tenha sido especialmente dirigida ou de anúncio publicitário; e

b)
O consumidor tiver praticado nesse Estado os actos necessários para a celebração do contrato.

[…]»

10
Segundo o artigo 14.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas:

«O consumidor pode intentar uma acção contra a outra parte no contrato, quer perante os tribunais do Estado contratante em cujo território estiver domiciliada essa parte, quer perante os tribunais do Estado contratante em cujo território estiver domiciliado o consumidor.»

11
Esta regra de atribuição de competência só pode ser derrogada se estiverem reunidas as condições enunciadas no artigo 15.° da Convenção de Bruxelas.


Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12
Resulta dos autos do processo principal que J. Gruber, que é agricultor, é proprietário de uma quinta disposta em quadrado («Vierkanthof») situada na Alta Áustria, na proximidade da fronteira com a Alemanha. J. Gruber utiliza, com a sua família, uma dezena de divisões para habitação. A quinta compreende ainda uma pocilga de mais de 200 porcos e um grande armazém para máquinas e silos para cereal. Por outro lado, 10% a 15% da quantidade total de forragem necessária à exploração é armazenada na quinta. A parte da quinta utilizada a título privativo é ligeiramente superior a 60% da superfície útil total do imóvel.

13
A Bay Wa explora, na Alemanha, diversas empresas distintas do ponto de vista organizacional. Em Pocking (Alemanha), próximo da fronteira austríaca, a Bay Wa possui um estabelecimento de materiais de construção e uma loja de ferramentas e de horticultura. Este último departamento da Bay Wa difundiu folhetos publicitários, que foram igualmente distribuídos na Áustria.

14
J. Gruber, que pretendia substituir as telhas do telhado da sua quinta, tomou conhecimento desses folhetos publicitários da Bay Wa, que estavam anexos ao Branauer Rundschau, um jornal periódico regional distribuído ao domicílio. As telhas cuja venda foi proposta pelo departamento de material de construção da Bay Wa, em Pocking, não figuravam nesses folhetos.

15
Por diversas vezes, J. Gruber solicitou telefonicamente a um empregado da Bay Wa informações sobre diferentes tipos de telha e preços, indicando o seu nome e endereço, mas sem mencionar que era agricultor. Esse empregado apresentou‑lhe uma oferta por telefone, mas J. Gruber quis ver as telhas in loco . Quando da sua visita à Bay Wa, o empregado entregou‑lhe um orçamento por escrito, datado de 23 de Julho de 1998. Nesse encontro, J. Gruber informou o empregado da Bay Wa de que possuía uma exploração agrícola e de que pretendia telhar a sua quinta. Referiu ainda que também possuía edifícios secundários, utilizados essencialmente para as actividades agrícolas, mas não especificou expressamente se o edifício a telhar estava afecto essencialmente às actividades agrícolas ou a um uso privativo. No dia seguinte, J. Gruber telefonou, a partir da Áustria, ao referido empregado para lhe anunciar que aceitava o orçamento elaborado pela Bay Wa. Este último enviou então, por fax, uma confirmação da encomenda ao banco de J. Gruber na Áustria.

16
Segundo J. Gruber, as telhas fornecidas pela Bay Wa e utilizadas para telhar a sua quinta apresentavam diferenças consideráveis de cor, não obstante a garantia prestada quanto à homogeneidade da cor, sendo necessário refazer o telhado. Assim, decidiu reclamar por via judicial, ao abrigo da garantia e com fundamento na responsabilidade do vendedor, o reembolso, por um lado, do preço da aquisição das telhas, ou seja, 258 123 ATS, e das despesas de destelhamento e reconstrução do telhado, ou seja, 141 877 ATS, e, por outro, dos encargos futuros.

17
Para esse efeito, J. Gruber propôs, em 26 de Maio de 1999, uma acção no Landesgericht Steyr (Áustria), que tinha sido indicado como o órgão jurisdicional competente na Áustria pelo Oberster Gerichtshof, nos termos do § 28 da Lei de 1 de Agosto de 1895 sobre a competência material e territorial dos tribunais ordinários em questões cíveis (Jurisdiktionsnorm, RGBl. 111).

18
Por despacho de 29 de Novembro de 2000, o Landesgericht Steyr julgou improcedente a excepção de incompetência deduzida pela Bay Wa e, portanto, declarou‑se competente para conhecer da causa.

19
Segundo este órgão jurisdicional, estão cumpridas as condições de aplicação do artigo 13.° da Convenção de Bruxelas. Com efeito, no caso de um contrato com dupla finalidade, há que apurar qual o objectivo, privado ou profissional, dominante. Como a fronteira entre as operações privadas e as operações profissionais é difícil de traçar no caso das explorações agrícolas, o referido órgão jurisdicional entendeu que não havia qualquer elemento que permitisse ao vendedor saber objectivamente se uma ou outra finalidade era dominante no momento da celebração do contrato, pelo que, na dúvida, se tratava de um contrato celebrado por um consumidor. Além disso, no âmbito do artigo 13.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Convenção de Bruxelas, pouco importa que o produto concreto, que o consumidor acabou por adquirir, tenha sido ou não objecto de publicidade. Basta que tenham sido tomadas medidas para assegurar publicidade em proveito de uma empresa determinada. Ora, foi graças à publicidade que a Bay Wa pôde celebrar um contrato com J. Gruber, embora essa publicidade tivesse provindo de um departamento diferente daquele que forneceu a mercadoria. Por fim, a condição relativa à «proposta que [...] tenha sido especialmente dirigida [ao consumidor]» pelo vendedor, na acepção da referida disposição, está igualmente cumprida no caso em apreço, pois J. Gruber recebeu uma oferta por telefone. Pouco importa saber se esta foi aceite ou não.

20
Em contrapartida, o Oberlandesgericht Linz (Áustria), por acórdão de 1 de Fevereiro de 2001, concedeu provimento ao recurso interposto pela Bay Wa do referido despacho e indeferiu o pedido de J. Gruber, com fundamento em que os órgãos jurisdicionais austríacos não são competentes para conhecer da causa.

21
Segundo o Oberlandesgericht Linz, para que se esteja na presença de um contrato celebrado por um consumidor, na acepção do artigo 13.° da Convenção de Bruxelas, é necessário que o contrato constitua um acto imputável, na esfera jurídica da pessoa em causa, a uma finalidade que não seja profissional ou comercial. Para identificar essa finalidade, a intenção do destinatário da prestação é inoperante. São as circunstâncias objectivas da transacção de que o co‑contratante pôde tomar conhecimento que importam. Os artigos 13.° a 15.° da Convenção de Bruxelas só são aplicáveis se o interessado tiver agido, essencialmente, fora do âmbito da sua actividade profissional e se o co‑contratante tivesse ou devesse ter conhecimento dessa circunstância no momento da celebração do contrato, levando‑se em conta, na apreciação deste conhecimento, todos os elementos objectivos.

22
Ora, a avaliar pelos elementos objectivos dados a conhecer à Bay Wa, a transacção em causa tem uma finalidade pelo menos essencialmente profissional. A aquisição de telhas efectuada por um agricultor para telhar a sua quinta é imputável, à primeira vista, à sua actividade de agricultor. Numa exploração agrícola, a quinta é, por definição, um local profissional que serve também, mas não a título principal, para alojar o seu proprietário e os membros da sua família. O facto de se habitar numa exploração agrícola resulta, em princípio, do exercício da actividade de agricultor e apresenta, por isso, uma conexão estreita com esta última; no espírito da grande parte da população, trata‑se essencialmente do local de trabalho do agricultor. Quanto J. Gruber declarou que possuía uma exploração agrícola e pretendia substituir as telhas do telhado da sua quinta, a Bay Wa foi levada a considerar, com razão, que se tratava essencialmente de fins profissionais. O que se apurou no que toca à proporção das superfícies afectas a uso privado e a uso profissional não são susceptíveis de infirmar esta conclusão, pois estes elementos não foram levados ao conhecimento da Bay Wa. O vendedor não tinha qualquer motivo para pensar que J. Gruber utilizaria as telhas exclusiva ou principalmente para fins não profissionais. Por fim, o volume de telhas adquirido, a saber, 24 000 telhas no total, pôde constituir, para o vendedor, um elemento determinante para considerar que o edifício estava afecto essencialmente a um uso profissional.

23
J. Gruber recorreu então, no Oberster Gerichtshof, do acórdão do Oberlandesgericht Linz de 1 de Fevereiro de 2001.

24
Para fundamentar o seu recurso, J. Gruber alega que, para poder ser considerado um consumidor na acepção do artigo 13.° da Convenção de Bruxelas, era necessário que o fim não profissional da operação fosse dominante. Ora, no caso em apreço, a utilização para fins privados da quinta prima sobre a sua utilização profissional. Acrescenta que o co‑contratante do consumidor tem a obrigação de se informar e de aconselhar o cliente, recaindo sobre si o risco de eventual erro. Segundo J. Gruber, a Bay Wa tinha, no caso vertente, razões suficientes para considerar que se tratava do uso da quinta para fins essencialmente privados e, em caso de dúvida, deveria ter questionado o comprador a esse respeito. Além disso, a venda das telhas foi precedida de publicidade divulgada na Áustria pela Bay Wa, que levou J. Gruber a tratar com esta última, pois, antes dessa divulgação, não conhecia essa sociedade. Por fim, J. Gruber praticou na Áustria os actos que antecederam a celebração do contrato.

25
A Bay Wa replica que, numa exploração agrícola, a quinta é antes de mais nada um local de trabalho e que, normalmente, as entregas de bens relativas a essa exploração não se verificam com base em contratos celebrados por consumidores. No caso em apreço, a utilização para fins privados é, de qualquer modo, acessória e a Bay Wa não teve conhecimento dessa utilização. O consumidor deveria declarar claramente em que qualidade age, visto que, como sucede no caso em apreço, é possível supor, à primeira vista, que se trata de um fim profissional. A outra parte no contrato não tem qualquer obrigação de se informar a esse respeito. As dúvidas quanto à qualidade do consumidor deveriam conduzir ao afastamento das regras de competência previstas pela Convenção de Bruxelas para os contratos celebrados pelos consumidores. Além disso, o departamento de material de construção da Bay Wa a que foram encomendadas as telhas não beneficiou da publicidade efectuada através dos folhetos e as lojas de ferramentas e de horticultura da mesma sociedade, em benefício das quais a publicidade foi efectuada, não vendem telhas. De qualquer modo, não foi feita publicidade às telhas. Os actos necessários à celebração do contrato não foram praticados na Áustria, mas na Alemanha, porque, segundo o direito alemão, a declaração de aceitação do orçamento por telefone constitui uma manifestação de vontade que carece de confirmação da recepção e a confirmação da encomenda foi efectuada por fax a partir da Alemanha. No caso de oferta e aceitação não simultâneas, como sucede quando a encomenda é feita por telefone com base num orçamento prévio, considera‑se que o contrato foi celebrado no lugar da residência do réu.

26
O Oberster Gerichtshof observa que, embora decorra da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as regras de competência da Convenção de Bruxelas em matéria de contratos celebrados pelos consumidores têm natureza derrogatória relativamente ao princípio da competência dos órgãos jurisdicionais do Estado contratante em cujo território o réu reside, sendo por isso o conceito de consumidor de interpretação estrita, o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou quanto a determinadas condições de aplicação do artigo 13.° dessa Convenção, que estão em causa no processo que lhe foi submetido.

27
Por considerar que, nestes termos, a resolução do litígio sobre o qual foi chamado a pronunciar‑se depende da interpretação da Convenção de Bruxelas, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)
Para determinar a qualidade de ‘consumidor’, para efeitos do artigo 13.° da Convenção de Bruxelas, em caso de carácter parcialmente privado da operação, deve atender‑se ao predomínio da finalidade privada ou da finalidade comercial/profissional, e quais os critérios decisivos para determinar o predomínio da finalidade privada ou da finalidade comercial/profissional?

2)
Deve a finalidade ser determinada em função das circunstâncias objectivamente reconhecíveis pelo co‑contratante do consumidor?

3)
Um contrato que possa ser considerado como relativo tanto à actividade privada como à actividade comercial/profissional deve, em caso de dúvida, ser considerado como um contrato celebrado pelo consumidor?

4)
Deve entender‑se que a celebração do contrato é precedida de anúncio publicitário, na acepção do artigo 13.°, [primeiro parágrafo], ponto 3, alínea a), da Convenção de Bruxelas, também quando o futuro co‑contratante do consumidor distribuiu folhetos publicitários relativos aos seus produtos no Estado contratante do domicílio do consumidor, mas o produto subsequentemente adquirido pelo mesmo não é neles referido?

5)
Está‑se perante um contrato celebrado pelo consumidor, na acepção do artigo 13.° da Convenção de Bruxelas, quando o vendedor tenha formulado, por telefonema ao comprador, domiciliado noutro Estado, uma proposta que não foi aceite, mas o produto oferecido tenha sido subsequentemente adquirido pelo comprador no seguimento de uma proposta escrita?

6)
Deve considerar‑se que, nos termos do artigo 13.°, [primeiro parágrafo], ponto 3, alínea b), da Convenção de Bruxelas, o consumidor praticou no seu Estado os actos necessários para a celebração do contrato quando aceita uma proposta feita no Estado do domicílio do co‑contratante por telefonema a partir do seu Estado?»


Quanto às três primeiras questões

28
Com as suas três primeiras questões, que importa apreciar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se as regras de competência enunciadas pela Convenção de Bruxelas podem ser interpretadas no sentido de que um contrato do tipo em causa no processo principal, que se reporta a actividades parcialmente profissionais e parcialmente privadas, deve ser considerado celebrado por um consumidor na acepção do artigo 13.°, primeiro parágrafo, da referida Convenção.

29
Como resulta do despacho de reenvio, o Oberster Gerichtshof interroga‑se essencialmente sobre a questão de saber se, e em caso afirmativo em que condições, um contrato com dupla finalidade, como o celebrado entre J. Gruber e a Bay Wa, está abrangido pelas regras de competência específicas previstas nos artigos 13.° a 15.° da Convenção de Bruxelas. Mais especificamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende obter esclarecimentos sobre as circunstâncias a que deve atender, para efeitos da qualificação de semelhante contrato, sobre a importância, para esse efeito, da preponderância dos fins privados ou profissionais prosseguidos pela operação objecto do contrato e sobre a influência do conhecimento, pelo co‑contratante da parte em cujo benefício a operação foi efectuada, da finalidade do referido contrato, por um lado, e das condições em que foi celebrado, por outro.

30
A título preliminar, importa recordar que a Convenção de Bruxelas determina, no título II, secção 4, as regras de competência jurisdicional em matéria de contrato celebrado por um consumidor. Este último conceito define‑se, como resulta da própria letra do artigo 13.°, primeiro parágrafo, dessa Convenção, como o «contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua actividade comercial ou profissional».

31
Segundo jurisprudência constante, os conceitos constantes da Convenção de Bruxelas – entre os quais se encontra, nomeadamente, o de «consumidor» na acepção dos artigos 13.° a 15.° dessa Convenção – devem ser interpretados de forma autónoma, por referência principalmente ao sistema e aos objectivos desta Convenção, para assegurar a aplicação uniforme da mesma em todos os Estados contratantes (v., designadamente, acórdãos de 21 de Junho de 1978, Bertrand, 150/77, Colect., p. 487, n. os  14 a 16; de 19 de Janeiro de 1993, Shearson Lehman Hutton, C‑89/91, Colect., p. I‑139, n.° 13; de 3 de Julho de 1997, Benincasa, C‑269/95, Colect., p. I‑3767, n.° 12; de 27 de Abril de 1999, Mietz, C‑99/96, Colect., p. I‑2277, n.° 26, e de 11 de Julho de 2002, Gabriel, C‑96/00, Colect., p. I‑6367, n.° 37).

32
Ora, em primeiro lugar, no sistema da Convenção de Bruxelas, a competência dos órgãos jurisdicionais do Estado contratante em cujo território o requerido tem o seu domicílio constitui o princípio geral, enunciado no artigo 2.°, primeiro parágrafo, dessa Convenção, e é só por derrogação a esse princípio que esta prevê casos, taxativamente enumerados, em que o requerido pode ou deve ser demandado perante um órgão jurisdicional de outro Estado contratante. Consequentemente, as normas de competência derrogatórias a esse princípio geral são de interpretação estrita, no sentido de que não podem dar lugar a uma interpretação que extravase as hipóteses expressamente previstas pela Convenção (v., nomeadamente, acórdãos, já referidos, Bertrand, n.° 17; Shearson Lehman Hutton, n. os  14 a 16; Benincasa, n.° 13, e Mietz, n.° 27).

33
Tal interpretação impõe‑se por maioria de razão a propósito de uma regra de competência, como a do artigo 14.° da Convenção de Bruxelas, que permite ao consumidor, na acepção do artigo 13.°, primeiro parágrafo, da mesma, demandar o requerido perante os órgãos jurisdicionais do Estado contratante em cujo território o requerente tem o seu domicílio. Com efeito, fora dos casos expressamente previstos pela Convenção, esta é hostil à admissão da competência de órgãos jurisdicionais do domicílio do requerente (v. acórdãos de 11 de Janeiro de 1990, Dumez France e Tracoba, C‑220/88, Colect., p. I‑49, n. os  16 e 19; Shearson Lehman Hutton, já referido, n.° 17; Benincasa, já referido, n.° 14, e de 10 de Junho de 2004, Kronhofer, C‑168/02, Colect., p. I‑0000, n.° 20).

34
Em segundo lugar, o Tribunal decidiu, repetidamente, que o regime especial instituído pelas disposições do título II, secção 4, da Convenção de Bruxelas, que derroga a regra de base prevista no artigo 2.°, primeiro parágrafo, da mesma e a regra de competência especial para os contratos em geral, prevista no artigo 5.°, ponto 1, da mesma Convenção, tem a função de garantir uma protecção adequada do consumidor enquanto parte do contrato reputada economicamente mais fraca e juridicamente menos experiente do que o seu co‑contratante profissional e que, por isso, não deve ser desencorajado de actuar judicialmente pelo facto de ser obrigado a intentar uma acção junto dos órgãos jurisdicionais do Estado em cujo território o seu co‑contratante tem o seu domicílio (v., nomeadamente, acórdãos, já referidos, Shearson Lehman Hutton, n.° 18, e Gabriel, n.° 39).

35
Da sistemática das regras de competência consagradas pela Convenção de Bruxelas e da teleologia do regime especial instituído pelas disposições do título II, secção 4, da mesma, o Tribunal inferiu que essas disposições apenas se aplicam ao consumidor final privado, não envolvido em actividades comerciais ou profissionais, não devendo o benefício da aplicação dessas disposições ser alargado a pessoas para as quais essa protecção não se justifica (v., neste sentido, designadamente, acórdãos, já referidos, Bertrand, n.° 21; Shearson Lehman Hutton, n. os  19 e 22; Benincasa, n.° 15, e Gabriel, n.° 39).

36
Nos n. os  16 a 18 do acórdão Benincasa, já referido, o Tribunal precisou, a este respeito, que o conceito de «consumidor» na acepção dos artigos 13.°, primeiro parágrafo, e 14.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas deve ser interpretado de forma restritiva, atendendo‑se à posição dessa pessoa num contrato determinado, em conjugação com a natureza e finalidade deste, e não à situação subjectiva dessa mesma pessoa, pois uma mesma pessoa pode ser considerada consumidor no âmbito de determinadas operações e operador económico no âmbito de outras. O Tribunal deduziu daí que só os contratos celebrados fora e independentemente de qualquer actividade ou finalidade de ordem profissional, unicamente com o objectivo de satisfazer as próprias necessidades de consumo privado de um indivíduo, ficam sob a alçada do regime especial previsto pela referida Convenção para protecção do consumidor enquanto parte considerada economicamente mais débil, ao passo que essa protecção não se justifica em casos de contratos cujo objectivo é uma actividade profissional.

37
Daqui se conclui que as regras de competência específicas dos artigos 13.° a 15.° da Convenção de Bruxelas só são aplicáveis, em princípio, nos casos em que o contrato celebrado entre as partes tem por finalidade a utilização não profissional do bem ou serviço em causa.

38
É à luz destes princípios que se deve apreciar a questão de saber se e em que medida um contrato como o em causa no processo principal, que se reporta a actividades parcialmente profissionais e parcialmente privadas, é susceptível de cair sob a alçada das regras de competência derrogatórias previstas nos referidos artigos 13.° a 15.°

39
Neste aspecto, já resulta claramente do objectivo dos artigos 13.° a 15.° da Convenção de Bruxelas, que é o de proteger adequadamente a pessoa que se presume estar numa posição mais fraca relativamente ao seu co‑contratante, que o benefício dessas disposições não pode, em princípio, ser invocado por uma pessoa que celebra um contrato para uma finalidade que se reporta parcialmente à sua actividade profissional e, portanto, só parcialmente é estranha a esta. Só se poderia chegar a solução diversa se o nexo do referido contrato com a actividade profissional do interessado fosse tão ténue que se tornaria marginal e, por isso, teria um papel despiciendo no contexto da operação a propósito da qual o contrato foi celebrado, considerada globalmente.

40
Com efeito, como o advogado‑geral refere nos n. os  40 e 41 das suas conclusões, se uma pessoa celebra um contrato para uma finalidade ligada à sua actividade profissional, deve ser considerada em pé de igualdade com o seu co‑contratante, de forma que, em tal hipótese, a protecção especial reservada pela Convenção de Bruxelas aos consumidores não se justifica.

41
Esta consideração não é minimamente infirmada pelo facto de o contrato em causa obedecer igualmente a uma finalidade de ordem privada e mantém a sua relevância independentemente da proporção entre a utilização privada e profissional que pode ser dada ao bem ou serviço em causa, e isto mesmo que a utilização privada seja dominante, contanto que a proporção da utilização imputável à actividade profissional não seja despicienda.

42
Consequentemente, no caso de um contrato que tenha dupla finalidade, não é necessário que a utilização do referido bem ou serviço para fins profissionais seja preponderante para que seja afastada a aplicação dos artigos 13.° a 15.° da referida Convenção.

43
Tal interpretação é corroborada pelo facto de a definição do conceito de consumidor constante do artigo 13.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas estar redigida em termos claramente restritivos, sendo construída pela negativa («contrato celebrado [...] para finalidade [...] estranha à [...] actividade [...] profissional»). Além do mais, a definição de contrato celebrado por um consumidor deve ser objecto de interpretação estrita na medida em que constitui uma derrogação à regra de competência de base prevista no artigo 2.°, primeiro parágrafo, dessa Convenção e atribui, excepcionalmente, a competência aos órgãos jurisdicionais do domicílio do demandante (v. n. os  32 e 33 do presente acórdão).

44
A referida interpretação impõe‑se igualmente pelo facto de a qualificação do contrato só poder resultar de uma apreensão global do mesmo, tendo o Tribunal decidido, por diversas vezes, que a inexistência da multiplicação de esferas de competência jurisdicional relativamente a uma mesma relação jurídica constitui um dos objectivos essenciais da Convenção de Bruxelas (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 19 de Fevereiro de 2002, Besix, C‑256/00, Colect., p. I‑1699, n.° 27; Gabriel, já referido, n.° 57, e de 5 de Fevereiro de 2004, DFDS Torline, C‑18/02, Colect., p. I‑0000, n.° 26).

45
A interpretação que consiste em negar a qualidade de consumidor, na acepção do artigo 13.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, se a finalidade da utilização do bem ou serviço apresentar um nexo não despiciendo com a actividade profissional do interessado é igualmente a que melhor se conforma com as exigências de segurança jurídica e de previsibilidade do órgão jurisdicional competente na esfera do futuro demandado, que estão na base desta Convenção (v., nomeadamente, acórdão Besix, já referido, n. os  24 a 26).

46
Tendo em conta as regras habituais em matéria de ónus da prova, cabe à pessoa que pretende invocar os artigos 13.° a 15.° da Convenção de Bruxelas fazer prova de que, no contrato com dupla finalidade em causa, a utilização profissional apenas tem um papel despiciendo, podendo a outra parte produzir prova em contrário.

47
Face aos elementos de prova que lhe são assim apresentados, cabe então ao órgão jurisdicional onde a acção foi proposta pronunciar‑se sobre a questão de saber se o referido contrato tem por objecto satisfazer, em medida não despicienda, necessidades decorrentes da actividade profissional do interessado ou se, pelo contrário, a utilização profissional apenas tem uma importância insignificante. Para o efeito, o órgão jurisdicional nacional deve tomar em consideração não só o conteúdo, natureza e finalidade do contrato, mas também as circunstâncias objectivas que rodearam a sua celebração.

48
Por último, no que respeita à questão do órgão jurisdicional de reenvio relativa à necessidade de o co‑contratante do alegado consumidor ter tido conhecimento da finalidade da operação a propósito da qual o contrato foi celebrado e das condições em que o mesmo foi celebrado, importa precisar que, para facilitar o mais possível quer a produção quer a apreciação da prova, o órgão jurisdicional onde a acção é proposta tem de se basear prioritariamente nos elementos de prova que resultam objectivamente dos autos.

49
Mesmo que esses elementos sejam suficientes para o órgão jurisdicional concluir que o contrato satisfazia, de forma não despicienda, necessidades de ordem profissional da pessoa em causa, os artigos 13.° a 15.° da Convenção de Bruxelas não são em todo o caso aplicáveis dado o lugar excepcional que essas disposições ocupam na sistemática instituída por essa Convenção. É, pois, inútil averiguar, nesse caso, se a utilização profissional podia ou não ser conhecida do co‑contratante.

50
Se, pelo contrário, as circunstâncias objectivas dos autos não forem susceptíveis de constituir prova bastante de que a operação que deu lugar à celebração de um contrato com dupla finalidade tinha um objectivo profissional não despiciendo, esse contrato deve, em princípio, ser considerado celebrado por um consumidor na acepção dos referidos artigos 13.° a 15.°, sob pena de se privar essas disposições de efeito útil.

51
Contudo, tendo em conta o carácter derrogatório do regime de protecção instituído pelos artigos 13.° a 15.° da Convenção de Bruxelas, o órgão jurisdicional onde a acção foi proposta deverá, nesta última hipótese, verificar ainda se a outra parte no contrato não podia legitimamente ignorar a finalidade extraprofissional da operação pelo facto de, na realidade, através do seu próprio comportamento para com o futuro co‑contratante, o alegado consumidor ter dado a este último a impressão de que agia com fins profissionais.

52
Tal é o caso quando, por exemplo, um particular encomenda, sem mais esclarecimentos, objectos susceptíveis de servir efectivamente para o exercício da sua profissão, utiliza para esse efeito papel de carta com timbre profissional, solicita a entrega dos bens no seu endereço profissional ou menciona a possibilidade de recuperar o imposto sobre o valor acrescentado.

53
Num caso destes, as regras específicas de competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores enunciadas nos artigos 13.° a 15.° da Convenção de Bruxelas não seriam aplicáveis mesmo que o contrato não tivesse, por si só, um objectivo profissional não despiciendo e deve considerar‑se que o consumidor renunciou à protecção prevista nesses artigos, tendo em conta a impressão que causou ao seu co‑contratante de boa‑fé.

54
Pelo exposto, há que responder às três primeiras questões submetidas que as regras de competência enunciadas pela Convenção de Bruxelas devem ser interpretadas da seguinte forma:

uma pessoa que celebrou um contrato relativo a um bem destinado a uma utilização parcialmente profissional e parcialmente estranha à sua actividade profissional não se pode prevalecer do benefício das regras de competência específicas previstas nos artigos 13.° a 15.° da referida Convenção, salvo se a utilização profissional for marginal, a ponto de apenas ter um papel despiciendo no contexto global da operação em causa, sendo irrelevante, a este respeito, o facto de o aspecto extraprofissional ser dominante;

compete ao órgão jurisdicional onde a acção foi proposta decidir se o contrato em causa foi celebrado para satisfazer, em medida não despicienda, necessidades decorrentes da actividade profissional do interessado ou se, pelo contrário, a utilização profissional apenas tem um papel insignificante;

para esse efeito, o referido órgão jurisdicional deve tomar em consideração todos os elementos de facto relevantes que resultam objectivamente dos autos; em contrapartida, não devem ser tidas em conta as circunstâncias ou elementos de que o co‑contratante pudesse ter tomado conhecimento no momento da celebração do contrato, salvo se a pessoa que invoca a qualidade de consumidor se tiver comportado de tal forma que pôde legitimamente causar à outra parte no contrato a impressão de que agia com fins profissionais.


Quanto às três últimas questões

55
Uma vez que as três últimas questões apenas se colocam na hipótese de ser provada a qualidade de consumidor na acepção do artigo 13.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas e tendo em conta a resposta dada, quanto a esse aspecto, às três primeiras questões, não é necessário responder às três últimas, relativas a outras condições de aplicação da referida disposição.


Quanto às despesas

56
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelos demais intervenientes que apresentaram observações ao Tribunal não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

As regras de competência enunciadas pela Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, na redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica, pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, devem ser interpretadas da seguinte forma:

uma pessoa que celebrou um contrato relativo a um bem destinado a uma utilização parcialmente profissional e parcialmente estranha à sua actividade profissional não se pode prevalecer do benefício das regras de competência específicas previstas nos artigos 13.° a 15.° da referida Convenção, salvo se a utilização profissional for marginal, a ponto de apenas ter um papel despiciendo no contexto global da operação em causa, sendo irrelevante, a este respeito, o facto de o aspecto extraprofissional ser dominante;

compete ao órgão jurisdicional onde a acção foi proposta decidir se o contrato em causa foi celebrado para satisfazer, em medida não despicienda, necessidades decorrentes da actividade profissional do interessado ou se, pelo contrário, a utilização profissional apenas tem um papel insignificante;

para esse efeito, o referido órgão jurisdicional deve tomar em consideração todos os elementos de facto relevantes que resultam objectivamente dos autos; em contrapartida, não devem ser tidas em conta as circunstâncias ou elementos de que o co‑contratante pudesse ter tomado conhecimento no momento da celebração do contrato, salvo se a pessoa que invoca a qualidade de consumidor se tiver comportado de tal forma que pôde legitimamente causar à outra parte no contrato a impressão de que agia com fins profissionais.

Assinaturas.


1
Língua do processo: alemão.

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