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Document 52012AE1932

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Recomendação de recomendação do Conselho relativa à aplicação das orientações gerais para as políticas económicas dos Estados-Membros cuja moeda é o euro [COM(2012) 301 final]

OJ C 133, 9.5.2013, p. 44–51 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

9.5.2013   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 133/44


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Recomendação de recomendação do Conselho relativa à aplicação das orientações gerais para as políticas económicas dos Estados-Membros cuja moeda é o euro

[COM(2012) 301 final]

2013/C 133/09

Relator: Thomas DELAPINA

Em 14 de agosto de 2012, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Recomendação de recomendação do Conselho relativa à aplicação das orientações gerais para as políticas económicas dos Estados-Membros cuja moeda é o euro

COM(2012) 301 final.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada da União Económica e Monetária e Coesão Económica e Social, que emitiu parecer em 21 de janeiro de 2013.

Na 487.a reunião plenária de 13 e 14 de fevereiro de 2013 (sessão de 13 de fevereiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 161 votos a favor, 3 votos contra e 9 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1

O CESE acolhe favoravelmente a adoção de orientações gerais de política económica para os países da zona euro, dado que constituem um quadro coerente para aprofundar a necessária integração e melhorar a coordenação, tornando-a mais eficaz.

1.2

Além disso, o Comité apoia a formulação de recomendações diferenciada por país e o exame da sua aplicação. Assim, poderão ser levadas em conta as diferenças no desempenho económico e a diversidade das causas da crise em cada país.

1.3

O CESE deseja, no entanto, aproveitar a oportunidade da publicação das recomendações para a aplicação das orientações de política económica para insistir na necessidade de uma reforma da conceção da política económica, tendo em conta, em especial, a reformulação das orientações prevista para 2014. O Comité considera que a combinação de políticas macroeconómicas dominante é desequilibrada, uma vez que negligencia a importância da procura e da redistribuição equitativa. Alguns esforços de reforma dão sinais de ter um efeito estabilizador nos mercados financeiros, o que deverá permitir que as atuais orientações de política económica se centrem mais nas políticas de crescimento e na criação de emprego. Não obstante, a capacidade de funcionamento do setor bancário e dos mercados financeiros ainda não está plenamente restabelecida. Além disso, a política de austeridade também não permite seguir um programa de expansão credível para reduzir a dívida pública e o desemprego. Pelo contrário, a crise agravou-se e, em vez de superar a crise através do crescimento, a zona euro mergulhou numa recessão dupla (double dip recession) devido à austeridade, com profundas consequências não só económicas mas sobretudo sociais. A negligência dessas consequências sociais implica, a longo prazo, uma ameaça ainda maior ao crescimento da economia europeia.

1.4

Os esforços de estabilização da política nacional estão condenados ao fracasso se são anulados pela evolução dos mercados financeiros e pela especulação. Pelo que o Comité solicita uma regulação mais severa dos mercados financeiros que inclua também o sistema bancário paralelo e que seja coordenada ao nível do G-20, assim como o redimensionamento do sistema financeiro, que deve ser readaptado às necessidades da economia real. O CESE reclama uma «renovação da economia real» na Europa, em que a atividade empresarial ocupe novamente uma posição central em relação a motivação especulativa.

1.5

Uma rede de segurança solidária e credível, em grande medida assente numa confiança conquistada, garantiria que a especulação contra os países com problemas não teria hipóteses de êxito, permitindo assim reduzir os custos do seu financiamento. Também a emissão de obrigações europeias e a diminuição da dependência das agências de notação privadas pode ajudar a reduzir os custos de financiamento nos países em crise.

1.6

As medidas de consolidação das finanças públicas, indispensáveis por uma série de motivos, tais como os custos relacionados com o apoio ao setor bancário, as medidas de relançamento da economia e, em alguns países, o rebentar das bolhas especulativas nos setores imobiliário e da construção, não têm o mesmo grau de urgência, razão pela qual necessitam de um leque de prazos mais alargado e flexível. Além disso, devem levar em conta os efeitos na procura e ser coordenados com os objetivos da política social e de emprego definidos na Estratégia Europa 2020, uma vez que o crescimento e o emprego são fatores essenciais para alcançar a consolidação. Um défice orçamental baixo é, sobretudo, o resultado de uma evolução macroeconómica favorável e de boa governação e não uma das suas condições.

1.7

Uma consolidação orçamental sustentável deve ser equilibrada, isto é, por um lado, deve contrabalançar os efeitos da oferta e da procura e, por outro, ter em conta da mesma forma as receitas e as despesas. O Comité refere expressamente que um quadro de política orçamental integrado («união orçamental») afeta não só as despesas públicas, mas também as receitas. Assim, solicita uma reflexão geral não só sobre a despesa, mas também sobre os regimes fiscais, que leve em conta a redistribuição equitativa, e indica uma série de medidas possíveis para reforçar a receita fiscal de modo a assegurar o nível de financiamento necessário aos sistemas sociais, bem como investimentos públicos orientados para o futuro. Seria de almejar a harmonização do cálculo da matéria coletável e dos regimes fiscais com base em análises cuidadas dos diferentes sistemas económicos dentro da UE. Isto evitaria as distorções de concorrência dentro da União, em vez de conduzir à erosão das receitas públicas através de uma corrida à redução dos impostos.

1.8

O Comité apela a uma reavaliação dos multiplicadores orçamentais, à luz da considerável investigação publicada internacionalmente, que sugere que, numa recessão, os multiplicadores orçamentais divergem de país para país e têm um impacto significativamente mais adverso no crescimento e no emprego do que se supunha até agora. A política devia tirar mais partido do facto de os multiplicadores negativos dos rendimentos e do emprego relativamente às receitas serem geralmente mais baixos do que no caso de cortes da despesa, em especial se essas medidas relacionadas com as receitas afetarem as camadas da população com menor propensão para o consumo. Isto poderia abrir a possibilidade de, mediante reafetações neutras para o saldo orçamental, gerar emprego e procura, libertando recursos para medidas de expansão, como, por exemplo, programas de formação e emprego, investimento na indústria, na investigação e em serviços sociais. Isto por sua vez ajuda a reforçar a confiança muito necessária das empresas e dos consumidores.

1.9

Tais medidas de expansão permitem igualmente estimular as importações, em especial, nos países que têm um excedente orçamental. A coordenação a nível da UE destas medidas seria ainda mais eficaz, uma vez que a quota de importação da zona euro no seu todo (ou seja, em relação aos países terceiros) é consideravelmente menor do que cada economia nacional considerada individualmente.

1.10

Ao eliminarem os desequilíbrios económicos externos, e no sentido de conseguir uma simetria necessária, os países que têm um excedente orçamental devem distribuir os rendimentos das exportações por grupos amplos da população de forma que estes beneficiem da prosperidade. Um tal aumento da procura interna contribuiria também para reduzir os seus «défices de importações».

1.11

Para além da reconfiguração da combinação de políticas macroeconómicas que se impõe, as reformas estruturais estabelecidas no contrato social podem também reforçar a procura e melhorar o desempenho da economia.

1.12

De uma maneira geral, uma concentração na competitividade dos preços, quando se trata de reduzir os desequilíbrios económicos externos, combinando-a frequentemente com exigências de moderação salarial, não é eficaz. A contenção salarial para promover as exportações em todos os países da zona euro, ao mesmo tempo, não só tem consequências graves nos efeitos redistributivos, mas também diminui a procura no seu conjunto e leva a uma espiral descendente em que todos os países ficam a perder.

1.13

O Comité reitera o seu pedido de uma política salarial que utilize plenamente as margens de manobra da produtividade e rejeita, por ser totalmente inaceitável, a imposição de normas e cortes por parte do Estado à autonomia em matéria de negociação coletiva.

1.14

Muitas vezes são negligenciados outros fatores de custo mais importantes do que os salários. Também muitas vezes se subestima a importância dos fatores não relacionados com o preço para a competitividade. No entanto, na concorrência mundial, a Europa só terá êxito se aplicar uma estratégia de «alto nível» para a criação de valor de alta qualidade. Uma estratégia de «baixo nível» que implique a concorrência com outras regiões do mundo para reduzir os custos estaria condenada ao fracasso.

1.15

No geral, o modelo social europeu ajudou a mitigar os efeitos da crise graças aos estabilizadores automáticos dos sistemas de segurança social, uma vez que estimulou a procura e a confiança. A fragilização deste sistema implica o perigo de se entrar numa depressão profunda como nos anos trinta do século passado.

1.16

Em geral, o Comité apela ao reforço do papel dos parceiros sociais a nível nacional e europeu e à intensificação da coordenação europeia da política salarial, através de uma revalorização do diálogo macroeconómico, que também deve ser introduzido na zona euro. A reformulação das orientações deverá ter em conta que, nos países onde o diálogo social funciona, se conseguiu atenuar melhor o impacto da crise do que noutros países.

1.17

Além disso, o Comité reitera o seu pedido de os parceiros sociais e outras organizações representativas da sociedade civil participarem tão cedo e tão amplamente quanto possível na formulação de políticas. As mudanças e as reformas necessárias só poderão ter êxito e ser aceites se a repartição dos custos for percebida como justa.

1.18

Em suma, é possível constatar que a Europa necessita de um novo modelo de crescimento que se caracterize pelo combate ao desemprego inaceitável e por uma margem de manobra suficiente para investimentos no futuro, bem como para investimentos sociais e ecológicos que permitam gerar crescimento e procura. A reestruturação da política orçamental e a garantia de uma base de receitas suficiente, respeitando a redistribuição equitativa, deverão reforçar os sistemas sociais com vista ao aumento da produtividade e à estabilização da procura e da confiança. Um tal modelo de crescimento possibilitará igualmente a consolidação sustentável das finanças públicas.

2.   Contexto

2.1

Na «Recomendação do Conselho, de 13 de julho de 2010, relativa às orientações gerais para as políticas económicas dos Estados-Membros e da União» são apresentadas as seguintes orientações, que se manterão estáveis até 2014, para manter a ênfase na sua aplicação:

—   Orientação 1: Assegurar a qualidade e a sustentabilidade das finanças públicas

—   Orientação 2: Corrigir os desequilíbrios macroeconómicos

—   Orientação 3: Reduzir os desequilíbrios na área do euro

—   Orientação 4: Otimizar o apoio à I&D e à inovação, reforçar o triângulo do conhecimento e libertar o potencial da economia digital

—   Orientação 5: Melhorar a eficiência em termos de recursos e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa

—   Orientação 6: Melhorar o enquadramento para as empresas e os consumidores e modernizar e desenvolver a base industrial a fim de assegurar o pleno funcionamento do mercado interno.

2.2

Para tal, a Comissão apresentou recentemente, em 30 de maio de 2012, a sua «Recomendação de recomendação do Conselho relativa à aplicação das orientações gerais para as políticas económicas dos Estados-Membros cuja moeda é o euro», que inclui uma atualização das recomendações relativas à orientação geral das políticas económicas da zona euro. Além disso, foram elaboradas recomendações por país para os 27 Estados-Membros da União. O Conselho da União Europeia adotou os respetivos documentos em 6 de julho de 2012.

3.   Observações na generalidade

3.1

O CESE congratula-se com os esforços desenvolvidos pela Comissão no sentido de estabelecer um quadro coerente para a melhoria necessária e urgente da coordenação das políticas económicas europeias. Isto é indispensável para voltar a avançar, de forma duradoura, na via do crescimento e do emprego, pois existe o risco de medidas destinadas a resolver os desequilíbrios e que são pertinentes para um dado país considerado isoladamente serem contraproducentes para a zona euro no seu todo.

3.2

É, por conseguinte, necessária uma abordagem global europeia, acompanhada de um entendimento e um pensamento europeu. O Comité partilha da opinião da Comissão de que uma verdadeira cooperação em matéria de política económica requer, pelo menos a nível do Eurogrupo, uma integração mais aprofundada e uma coordenação mais eficiente e melhorada. Para tal, há que levar em conta as diferenças em termos de desempenho económico dos Estados-Membros (nível do PIB e crescimento, taxa de desemprego e tendências, montante e estrutura do défice orçamental e da dívida pública, despesa em I&D, despesa com as prestações sociais, balança corrente, aprovisionamento energético, etc.).

3.3

A crise que perdura desde 2008 começou nos EUA e tomou proporções de crise mundial. Consequentemente, verificou-se que a configuração da união monetária confiou demasiado nas forças do mercado e não soube responder adequadamente ao risco de desequilíbrios. Como revela a evolução das contas públicas na zona euro até 2008, não se pode dizer, em geral, que a causa da crise tenha sido a falta de disciplina orçamental.

Rácio da dívida em relação ao PIB em % (Fonte: AMECO 2012/11)

Image

3.4

Na zona euro, em média, o aumento do défice e da dívida ficou a dever-se, em primeiro lugar, à injeção massiva de recursos públicos para salvar o sistema financeiro e apoiar a procura e o mercado de trabalho, que entraram em colapso na sequência da crise financeira (1), bem como à diminuição da receita pública resultante, sobretudo, da redução do nível de emprego. Esta questão é de particular importância para o desenvolvimento de estratégias de política económica, pois um diagnóstico errado leva à aplicação de soluções erradas. Por isso, o CESE apoia, em princípio, a diferenciação por país feita na avaliação relativa à aplicação das orientações.«One size does not fit all» [a mesma solução não se aplica a todos], pois as causas da crise variam consideravelmente em função do país.

3.5

O CESE aproveita, todavia, esta oportunidade para assinalar a necessidade de reformar a conceção das políticas económicas, que dizem respeito não só à avaliação anual, mas são também de particular relevância para a próxima versão das orientações para as políticas económicas em 2014.

3.6

Em 2012 a Europa já ia no seu quinto ano de crise. Pouco depois de fixadas as atuais orientações, a Comissão Europeia ainda calculava, nas suas previsões do outono de 2010, que, em 2012, o PIB cresceria 1,6 % na zona euro e a taxa de desemprego se situaria nos 9,6 %. Na realidade, a zona euro está em recessão no presente ano e a taxa de desemprego subiu acima dos 11 % chegando mesmo a atingir em alguns países cerca de 25 %.

3.7

Em contrapartida, a economia dos Estados Unidos da América tem vindo a crescer com uma taxa de cerca de 2 % – de forma moderada, mas contínua –, alicerçada numa forte política monetária expansionista e sustentada, bem como numa estratégia de política orçamental e social do governo. O consumo, o investimento e a produção industrial têm vindo a crescer de forma sólida, de modo que a taxa de desemprego se situa claramente abaixo do pico registado em outubro de 2009 (2).

3.8

Apesar de o Plano de Relançamento da Economia Europeia de 2008, adotado imediatamente sob o efeito da rápida queda da economia após a falência do Lehman Brothers, reconhecer a necessidade de tomar medidas ativas para reforçar a procura interna e regular os mercados, a política económica retomou rapidamente o seu curso tradicional. O alerta lançado reiteradamente pelo CESE de que a Europa deveria sair reforçada da crise e não começar a construir a próxima crise não foi ouvido e a tão receada double dip recession [recessão dupla] tornou-se realidade.

3.9

Em primeiro lugar, o fracasso da política económica europeia prende-se com o insucesso na estabilização dos mercados financeiros. A grande volatilidade, os spreads elevados, bem como as taxas de juro a longo prazo excessivas e a elevada liquidez mantida nos bancos revelam que a capacidade de funcionamento do sistema financeiro ainda não está totalmente restabelecida, não obstante os importantes primeiros passos tomados na direção de uma união bancária. A incerteza sentida pelas empresas e pelos consumidores que advém desta situação restringe mais ainda as oportunidades de crescimento.

3.10

Em segundo lugar, a política económica não conseguiu combater a falta de procura interna e externa. O agravamento significativo das disposições em matéria de política orçamental dos Estados-Membros e a subsequente mudança para uma política orçamental de contenção, demasiado precoce e radical e que, ademais, ocorreu simultaneamente em todos os países, enfraqueceram os principais elementos da procura interna. Além disso, é evidente que a dinâmica de crescimento através da procura externa também será extremamente limitada se os principais parceiros comerciais, ou seja, os outros Estados-Membros, também adotam uma política de austeridade. Assim, à diminuição da procura interna acresce também a redução mútua das oportunidades de exportação.

3.11

A atual combinação de políticas macroeconómicas é desequilibrada, na medida em que descura o lado da procura e os aspetos do sistema distributivo. Não passa de uma repetição da mesma política que levou ao fracasso da Estratégia de Lisboa, que negligenciou a falta de procura interna nos grandes Estados-Membros e a crescente desigualdade na distribuição. É unilateral, pois centra-se numa política de consolidação orçamental e numa estratégia de redução de custos a fim de aumentar a competitividade dos preços. O Comité acolhe favoravelmente o pedido da Comissão de consolidação orçamental que promova o crescimento, que também é salientado em documentos subsequentes da Comissão, como na Análise Anual do Crescimento para 2013 (3). No entanto, aquela parece existir apenas no papel, uma vez que os dados empíricos não forneceram até ao momento nenhuma evidência de que está a ser implementada.

3.12

A política económica ao nível europeu não conseguiu tomar as medidas que se impunham para, no âmbito de um programa de expansão credível, possibilitar a redução simultânea da dívida pública e do desemprego. Os cortes significativos nas despesas públicas, em especial no domínio do Estado-providência, assim como os aumentos de impostos massivos tiveram um impacto devastador nas economias já em recessão. Ao diminuir o rendimento disponível reduz-se também a procura dos consumidores, a produção e o emprego. Deste modo, as políticas de austeridade reduzem as receitas fiscais bem mais do que inicialmente previsto, como teve de admitir também o FMI nas suas últimas previsões (4). Assim, a recessão é bastante agravada, o que conduz, em última instância, a défices orçamentais ainda mais elevados: um círculo vicioso, cujo fim ainda não se vislumbra. Os elevados custos sociais e económicos tornam-se visíveis sob a forma de um aumento drástico do desemprego.

3.13

É manifesto que, sobretudo devido aos custos relacionados com o apoio ao setor bancário, as medidas de relançamento da economia e, em alguns países, o rebentar das bolhas especulativas nos setores imobiliário e da construção, serão necessárias diferentes trajetórias de consolidação drástica, em função do país, para assegurar a sustentabilidade das finanças públicas. No entanto, o CESE destaca que os programas de redução da dívida devem ser compatíveis com as metas para o relançamento económico e com os objetivos sociais e de emprego fixados na Estratégia Europa 2020. O crescimento e o emprego são os fatores centrais de uma consolidação bem-sucedida, enquanto medidas radicais de austeridade podem mesmo aumentar o rácio da dívida, além de produzirem enormes fraturas sociais.

3.14

Apesar de, no presente parecer, o Comité se centrar sobretudo nos aspetos da combinação das políticas macroeconómicas, convém não minimizar a importância das reformas estruturais. Estas devem ser definidas de forma socialmente responsável e contribuir para o reforço da procura e do desempenho em domínios como, por exemplo, o regime de tributação, o aprovisionamento energético, a administração, a educação, a saúde, a construção habitacional, os transportes e as pensões, tendo em conta as diferenças entre cada país em termos de competitividade.

3.15

Também a política estrutural e regional deve concentrar-se no aumento da produtividade a fim de modernizar e/ou desenvolver uma economia industrial e de serviços sustentável. De um modo geral, é possível constatar que os países com uma maior quota industrial no conjunto da economia foram menos afetados pela crise, o que se revela a favor de estratégias de industrialização adequadas.

3.16

Além disso, o Comité gostaria de alargar o entendimento predominante, e muitas vezes restritivo, do conceito de «reforma estrutural». Quando se apela à realização de reformas estruturais, deve-se também refletir, por exemplo, na estrutura de regulação dos mercados financeiros, na estrutura de coordenação dos sistemas de tributação e na estrutura das despesas e das receitas públicas.

4.   Observações na especialidade

4.1   Sistema financeiro

4.1.1

O CESE concorda com a Comissão, que destaca a importância da estabilização e do bom funcionamento do sistema financeiro, dado que o pré-requisito para uma resolução bem-sucedida da crise – e para se evitar outras no futuro – é que a margem de manobra das políticas económicas não sucumba nem seja contrariada pela especulação nos mercados financeiros. Por este motivo, é necessária uma estrutura de vigilância clara e eficiente e uma regulação mais severa dos mercados financeiros (incluindo do sistema bancário paralelo), que acarretam um maior risco de destabilização do que a falta de competitividade. Para evitar tentativas de contornar estas regras, convém tomar medidas adequadas de coordenação no G20. Os mercados financeiros têm de ser reduzidos para um nível razoável. Têm de estar ao serviço da economia real e não devem entrar em concorrência com esta (5).

4.1.2

Para reduzir os custos de financiamento que aumentaram artificialmente nos países em crise, há, por um lado, que envidar esforços no sentido de diminuir a dependência das agências de notação privadas. Por outro lado, uma rede de segurança solidária e credível, em grande medida assente numa confiança conquistada, garantiria que a especulação contra os países com problemas não teria hipóteses de êxito, acabando, assim, com ela. Recentemente, foram tomadas algumas medidas significativas nesta direção (recente programa do BCE de aquisição da dívida pública, entrada em vigor definitiva e funcionalidade em pleno do Mecanismo Europeu de Estabilidade, etc.). A emissão de obrigações europeias comuns poderia contribuir, através de um enquadramento adequado, para aliviar a situação orçamental dos países em crise (6).

4.1.3

O Comité destaca a necessidade de acabar com a ligação entre os bancos comerciais e a dívida pública. Além disso, há que inverter a fragmentação e a renacionalização dos mercados financeiros através de uma estabilização do setor. A intensificação dos esforços para uma união bancária poderia também, juntamente com instrumentos eficazes de recuperação e resolução de instituições de crédito a nível europeu e nacional (7), contribuir para a estabilização.

4.2   Finanças públicas

4.2.1

Uma consolidação orçamental sustentável deve não só considerar o equilíbrio entre os efeitos da oferta e da procura, mas deve também criar um equilíbrio entre a despesa e a receita. Em muitos países, os encargos que pesam sobre o fator trabalho são desproporcionais. Seria, por conseguinte, conveniente repensar globalmente não só a despesa, mas também todo o regime fiscal, focando questões como a distribuição equitativa entre as várias formas de rendimento e de património. Neste sentido, há igualmente que exigir um contributo adequado de todos aqueles que tiraram proveito considerável dos erros dos mercados financeiros e dos pacotes de resgate aos bancos financiados às custas do erário público.

4.2.2

Do lado da receita, há uma série de medidas que podem ser tomadas para alargar a matéria coletável, nomeadamente o imposto sobre as transações financeiras (reiteradamente defendido pelo Comité (8)), taxas energéticas e ambientais, o encerramento dos paraísos fiscais (9), o combate ativo à fraude fiscal, a tributação dos grandes patrimónios de imóveis e de heranças, a tributação do setor bancário para internalização dos custos externos (10), a harmonização das bases e dos regimes de tributação para evitar distorções da concorrência dentro da União, em vez de se continuar como até agora numa corrida de cortes que leva à erosão das receitas públicas. Normalmente, esquece-se que um quadro orçamental integrado («união orçamental») também diz respeito ao lado das receitas, não se cingindo apenas à despesa pública.

4.2.3

Em alguns Estados-Membros, é necessário também aumentar consideravelmente a eficiência do sistema de tributação.

4.2.4

A abordagem tradicional para consolidar as finanças consiste em reduzir a despesa pública. O dogma de que os cortes na despesa são mais promissores do que aumentar as receitas não está comprovado. A evidência empírica dos países em crise como a Grécia mostra que a esperança de ver os denominados «efeitos não-Keynesianos» foi em vão, pois os cortes na despesa não levam à atração [crowding-in] de investimento privado em virtude do aumento da confiança quando a procura interna em toda a união monetária é fraca devido a uma política de austeridade. Além disso, os cortes na despesa têm, regra geral, um impacto regressivo nos sistemas sociais ou de serviços públicos, agravando as desigualdades na redistribuição e reduzindo o consumo. Não obstante, existe certamente também uma margem para a redução de determinadas despesas não produtivas, como por exemplo no domínio do armamento.

4.2.5

A política devia aproveitar mais as grandes diferenças de multiplicadores de rendimento e de emprego das várias medidas orçamentais. Os multiplicadores de medidas fiscais são, em praticamente todos os estudos empíricos, inferiores aos multiplicadores de medidas do lado da despesa. Uma política direcionada para o aumento das receitas do Estado poderia assim libertar os recursos que são urgentemente necessários, por exemplo, para programas de emprego, sobretudo dos jovens.

4.2.6

Uma redistribuição deste tipo, neutra do ponto de vista orçamental, estimularia diretamente o emprego e a procura, sem aumentar a carga sobre as finanças públicas. Para além do impacto positivo nas economias nacionais, estas medidas criariam um ímpeto expansionista através do estímulo das importações em toda a união monetária, especialmente se forem tomadas por países com excedentes.

4.2.7

A coordenação a nível da UE destas medidas expansionistas seria consideravelmente mais eficaz, pois a taxa de importações da zona euro no seu todo (ou seja, em relação a países terceiros) é significativamente mais baixa do que cada economia nacional considerada individualmente.

4.3   Desequilíbrios económicos externos

4.3.1

É necessário acompanhar a evolução da balança corrente e das suas componentes, à luz das fragilidades de produtividade de um país e dos problemas de financiamento público e privado que daí decorrem, a fim de se poder (re)agir de forma atempada. Ao diminuir os desequilíbrios da balança comercial há que ter presente a sua simetria, ou seja, as exportações de um país correspondem às importações de outro. Consequentemente, pode produzir-se uma diminuição não só através de uma redução nos países em défice, mas também pressionando os países excedentários a estimular as importações através de um aumento da procura interna, diminuindo assim os seus «défices de importação».

4.3.2

De um ponto de vista europeu, o setor da energia, em particular, é uma exceção, com praticamente todos os Estados-Membros a revelarem enormes défices na balança comercial (11). Uma reconversão ecológica do mercado interno europeu deveria reduzir a dependência das importações de energias fósseis através da utilização intraeuropeia dos seus próprios recursos energéticos alternativos. Além disso, os países periféricos do sul já têm uma possibilidade no domínio da energia solar de melhorar as balanças comerciais intraeuropeias.

4.3.3

A importância da competitividade dos preços para combater os défices do comércio externo é muitas vezes exagerada. Colocar a tónica apenas na competitividade dos preços seria arriscado: aplicar o «modelo alemão» (contenção salarial para promover as exportações e reduzir as importações) como receita uniforme para todos os países só pode conduzir, atendendo à proporção elevada do comércio interno na zona euro, a uma espiral descendente (race to the bottom).

4.3.4

Na maior parte dos casos, as diferenças na evolução do custo unitário do trabalho são encaradas como uma das principais causas da crise e usadas como argumento para a redução desses custos. Para além do impacto dos efeitos redistributivos de uma redução do nível salarial, que diminuiria a procura, esta lógica ignora outros fatores de custo a ter em conta, como os da energia, dos materiais e do financiamento (12).

4.3.5

Por exemplo, antes da crise os custos unitários reais do trabalho diminuíram em Portugal, na Espanha e na Grécia entre 2000 e 2007 (13). Torna-se evidente que o aumento desproporcional dos lucros nominais contribuiu tanto para aumentar os preços como o aumento dos salários nominais.

4.3.6

Cerca de 90 % da procura total ao nível da UE continua a dever-se a outros Estados-Membros. No que diz respeito à evolução salarial, o CESE reitera, por isso, o ponto de vista que expressou no seu parecer sobre a Análise Anual do Crescimento de 2011: «Políticas salariais adequadas são um elemento central no combate à crise. Numa perspetiva económica global, a indexação dos salários em função do crescimento da produtividade e orientada para a economia nacional no seu todo garante o equilíbrio adequado entre o necessário aumento da procura e a preservação da competitividade dos preços. Os parceiros sociais devem, por conseguinte, esforçar-se por evitar ajustes salariais efetuados com base em políticas protecionistas e cambiais com intuitos de enfraquecimento económico dos outros países (beggar-thy-neighbour) e adaptar a política salarial à evolução da produtividade» (14).

4.3.7

Acresce que na maior parte dos casos há uma tendência para subestimar a importância para a competitividade dos fatores não relacionados com os preços (15). A esse respeito, recorde-se a definição que a Comissão Europeia dá de «competitividade», a saber, «a capacidade de a economia proporcionar à sua população um nível de vida cada vez melhor e uma taxa de emprego elevada, numa base sustentável» (16).

4.3.8

O balanço dos rendimentos tornou-se mais importante nos países em crise, principalmente pela subida acentuada das taxas de juro nacionais. Por conseguinte, a análise dos desequilíbrios não se pode limitar à evolução da balança comercial.

4.4   Modelo social europeu e diálogo social

4.4.1

O modelo social europeu constitui uma vantagem comparativa para a Europa face à concorrência mundial, uma vez que o Estado-providência também contribui para o progresso económico, se os resultados da economia, por um lado, e a igualdade social, por outro, não forem considerados contraditórios, mas forem vistos como fatores que se reforçam mutuamente.

4.4.2

Os estabilizadores automáticos dos sistemas de segurança social na Europa facilitaram a gestão da crise, estimularam a procura e permitiram evitar uma depressão como a dos anos 30. Os sistemas de proteção social também têm um importante papel psicológico, uma vez que limitam o risco de uma tendência para poupar ditada pelo medo, estabilizando assim o consumo.

4.4.3

Em alguns países onde o diálogo social funciona (p. ex., a Áustria, a Alemanha e a Suécia), os parceiros sociais contribuíram consideravelmente para atenuar a ameaça do aumento do desemprego na sequência da diminuição da produção. Tal foi possível uma vez que, para além do apoio através de medidas da política económica e social, os acordos entre os parceiros sociais ao nível da empresa e ao nível setorial deram um contributo fundamental para a manutenção dos níveis de emprego existentes (nomeadamente através do desemprego parcial, da supressão das horas extraordinárias, da utilização dos períodos de férias e de licenças para formação, etc.). Estas experiências devem ser tidas em conta na reformulação das orientações e na elaboração dos relatórios anuais nacionais.

4.4.4

Os governos europeus devem reforçar o papel dos parceiros sociais a nível europeu e a nível nacional, e estes devem ser ajudados a intensificar os esforços de uma coordenação pan-europeia da política salarial. Para tal, há que promover igualmente o diálogo macroeconómico, que deve ser instituído também para a zona euro.

4.4.5

Contudo, a autonomia dos parceiros sociais deve ser preservada, mesmo durante a crise: a política salarial deve ser definida tendo em conta a autonomia das organizações representativas dos trabalhadores e dos empregadores envolvidas na negociação coletiva. É inaceitável e rejeita-se que o Estado fixe objetivos ou interfira nesta autonomia, por exemplo, impondo cortes salariais (17).

4.4.6

Para além dos parceiros sociais, há que valorizar o importante papel desempenhado pelas restantes organizações representativas da sociedade civil, nomeadamente, dos consumidores. Especialmente em tempo de crise, estas são imprescindíveis enquanto porta-vozes dos cidadãos e parceiros no diálogo social.

4.4.7

As alterações e reformas necessárias só poderão ter êxito se se estabelecer uma relação equilibrada entre os objetivos económicos e sociais e se a repartição dos encargos for considerada justa (entre países, entre níveis de rendimento, entre os fatores capital e trabalho, entre setores, entre grupos populacionais, etc.). A justiça e o equilíbrio social são condições imprescindíveis para a aceitação das medidas de consolidação, sem as quais a coesão social ficará comprometida e se assistirá a um crescimento perigoso do populismo e do euroceticismo. O Comité reitera a esse propósito a sua recomendação urgente de que os parceiros sociais e outras organizações representativas da sociedade civil sejam o mais possível associados à formulação das políticas.

Bruxelas, 13 de fevereiro de 2013

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Para mais informações sobre as causas da crise económica e financeira também são descritas de modo detalhado e diferenciado ver JO C 182 de 4.8.2009, p. 71, ponto 2, .

(2)  Cf. a previsão do outono de 2012 da Comissão Europeia.

(3)  COM(2012) 750 final.

(4)  Nas suas previsões de 9 de outubro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) afirma que os multiplicadores orçamentais em período de crise se movem entre 0,9 e 1,7, enquanto inicialmente se tinha partido de uma estimativa que rondava os 0,5 (FMI, 2012, http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2012/02/pdf/text.pdf).

(5)  JO C 11 de 15.1.2013, p. 34.

(6)  Para mais informação sobre as obrigações de estabilidade, as euro-obrigações, as obrigações para o financiamento de projetos, ver,, JO C 299 de 4.10.2012, p. 60, bem como o JO C 143 de 22.5.2012, p. 10.

(7)  Ver JO C 44 de 15.2.2013, p. 68.

(8)  Mais recentemente no JO C 181 de 21.6.2012, p. 55.

(9)  JO C 229 de 31.7.2012, p. 7.

(10)  Isto é, garantir que futuros custos de crises no setor bancário não têm de ser financiadas pelos contribuintes.

(11)  UE-27: 2,5 % do PIB em 2010.

(12)  Assim, por exemplo, os custos salariais representam apenas 13 % dos custos totais no setor das exportações em Espanha. Fonte: Carlos Gutiérrez Calderón/ Fernando Luengo Escalonilla, Competitividad y costes laborales en España [Competitividade e custos laborais em Espanha], Estudios de la Fundación 49 (2011, http://www.1mayo.ccoo.es/nova/files/1018/Estudio49.pdf).

(13)  Cf. anexo estatístico da publicação «European Economy», outono de 2012.

(14)  JO C 132 de 3.5.2011, p. 26, ponto 2.3.

(15)  JO C 132 de 3.5.2011, p. 26, ponto 2.2.

(16)  COM(2002) 714 final.

(17)  JO C 132 de 3.5.2011, p. 26, ponto 2.4.


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