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Document 62021CJ0097

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 4 de maio de 2023.
    MV - 98 contra Nachalnik na otdel «Operativni deynosti» – Sofia v Glavna direktsia «Fiskalen kontrol» pri Tsentralno upravlenie na Natsionalna agentsia za prihodite.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad - Blagoevgrad.
    Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 273.o — Não emissão de um talão de caixa fiscal — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 50.o — Princípio ne bis in idem — Cúmulo de sanções administrativas de natureza penal pelo mesmo facto — Artigo 49.o, n.o 3 — Proporcionalidade das penas — Artigo 47.o — Direito a um recurso efetivo — Alcance da fiscalização jurisdicional relativa à execução provisória de uma sanção.
    Processo C-97/21.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:371

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    4 de maio de 2023 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 273.o — Não emissão de um talão de caixa fiscal — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 50.o — Princípio ne bis in idem — Cúmulo de sanções administrativas de natureza penal pelo mesmo facto — Artigo 49.o, n.o 3 — Proporcionalidade das penas — Artigo 47.o — Direito a um recurso efetivo — Alcance da fiscalização jurisdicional relativa à execução provisória de uma sanção»

    No processo C‑97/21,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad — Blagoevgrad (Tribunal Administrativo de Blagoevgrad, Bulgária), por Decisão de 12 de fevereiro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de fevereiro de 2021, no processo

    MV — 98

    contra

    Nachalnik na otdel «Operativni deynosti» — Sofia v Glavna direktsia «Fiskalen kontrol» pri Tsentralno upravlenie na Natsionalna agentsia za prihodite,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, P. G. Xuereb, T. von Danwitz (relator), A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

    advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Governo búlgaro, por M. Georgieva e L. Zaharieva, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por D. Drambozova, C. Giolito e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 273.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»), bem como do artigo 47.o, do artigo 49.o, n.o 3, e do artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a MV — 98 ao Nachalnik na otdel «Operativni deynosti» — Sofia v Glavna direktsia «Fiskalen kontrol» pri Tsentralno upravlenie na Natsionalna agentsia za prihodite (chefe da divisão «Atividades operacionais» — cidade de Sófia, da Direção‑Geral «Inspeção Fiscal» da Administração Central da Agência Nacional das Receitas Públicas, Bulgária), a respeito de uma medida de selagem de um estabelecimento comercial no qual a MV — 98 vendeu um maço de cigarros sem emitir um talão de caixa fiscal.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA, estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA) as entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

    4

    O artigo 273.a desta diretiva dispõe:

    «Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

    A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no capítulo 3.»

    Direito búlgaro

    Lei do IVA

    5

    O artigo 118.o, n.o 1, da Zakon za danak varhu dobavenata stoynost (Lei do Imposto sobre o Valor Acrescentado), de 21 de julho de 2006 (DV n.o 63, de 4 de agosto de 2006, p. 8), na versão aplicável aos factos em causa no processo principal (a seguir «Lei do IVA»), dispõe:

    «Qualquer pessoa registada ou não para efeitos da presente lei é obrigada a registar e a consignar por escrito as entregas e as vendas que realizou num estabelecimento comercial através da emissão de um talão de caixa fiscal produzido por um aparelho fiscal (recibo de caixa) ou de um talão de caixa produzido por um sistema automático integrado de gestão da atividade comercial (recibo de sistema), independentemente de ser ou não solicitado outro comprovativo fiscal. O destinatário deve receber o recibo de caixa ou o recibo de sistema e conservá‑lo até abandonar o estabelecimento.»

    6

    O artigo 185.o, n.os 1 e 2, desta lei prevê:

    «(1)   A não emissão de um dos comprovativos referidos no artigo 118.o, n.o 1, é punida, em relação às pessoas singulares que não sejam comerciantes, com uma coima de 100 a 500 levs búlgaros [BGN] e, em relação às pessoas coletivas e comerciantes individuais, com uma sanção pecuniária de 500 a 2000 BGN.

    (2)   Fora dos casos previstos no n.o 1, quem cometer ou permitir cometer uma das infrações previstas no artigo 118.o ou num ato normativo de aplicação deste artigo é punido com uma coima de 300 a 1000 BGN, em relação às pessoas singulares que não sejam comerciantes, ou com uma sanção pecuniária de 3000 a 10000 BGN, em relação às pessoas coletivas e comerciantes individuais.

    Se a infração não tiver por efeito a não indicação das receitas fiscais, são aplicadas as sanções previstas no n.o 1.»

    7

    O artigo 186.o da referida lei enuncia:

    «(1)   A medida administrativa coerciva de selagem de instalações comerciais por um período máximo de 30 dias, independentemente das coimas ou sanções pecuniárias previstas, aplica‑se à pessoa que:

    1. não cumpra o procedimento de

    a) emissão de um comprovativo correspondente de venda, em conformidade com o procedimento estabelecido para a entrega/venda.

    […]

    (3)   A medida administrativa coerciva prevista no n.o 1 é aplicada mediante injunção fundamentada do serviço de receitas ou por um funcionário autorizado por esse serviço.

    (4)   A injunção referida no n.o 3 é suscetível de recurso em conformidade com o procedimento previsto no Código de Procedimento Administrativo.»

    8

    O artigo 187.o, n.os 1 e 4, desta mesma lei tem a seguinte redação:

    «(1)   Em caso de aplicação da medida administrativa coerciva prevista no artigo 186.o, n.o 1, é igualmente proibido o acesso ao local ou às instalações da pessoa e os bens presentes nessas instalações e nos armazéns contíguos são retirados pela pessoa ou pelo seu mandatário. A medida é aplicável ao local ou às instalações onde foram detetadas as infrações, incluindo em caso de gestão do local ou das instalações por terceiros no momento da selagem, se o terceiro souber que o local será selado. A Agência Nacional das Receitas Públicas publica na sua página Internet as listas de instalações comerciais que devem ser seladas e sua localização. Considera‑se que a pessoa tem conhecimento da selagem do local em caso de aposição permanente de um aviso de selagem no local, ou em caso de publicação na página Internet da administração das receitas da informação sobre o estabelecimento comercial que deve ser selado e sobre a localização deste último.

    […]

    (4)   A pedido do infrator e desde que este prove o pagamento da totalidade da coima ou da sanção pecuniária, a autoridade põe termo à medida administrativa coerciva que aplicou. O levantamento dos selos está sujeito a uma obrigação de cooperação por parte do infrator. Em caso de reincidência, o levantamento dos selos apostos no estabelecimento não é autorizado antes do termo do prazo de um mês após a aposição dos selos.»

    9

    Nos termos do artigo 188.o da Lei do IVA:

    «A medida administrativa coerciva referida no artigo 186.o, n.o 1, está sujeita a execução provisória nas condições previstas no Código de Procedimento Administrativo.»

    10

    O artigo 193.o desta lei enuncia:

    «(1)   A Lei das Infrações e Sanções Administrativas regula a verificação das infrações à presente lei e aos atos normativos de aplicação da mesma, a adoção e a execução das decisões que aplicam sanções administrativas, bem como os recursos de que estas decisões podem ser objeto.

    (2)   A verificação de infrações é estabelecida pelos serviços de receitas e as decisões que aplicam sanções administrativas são adotadas pelo diretor executivo da Agência Nacional das Receitas Públicas ou pelo funcionário que estiver autorizado para o efeito.»

    Código de Procedimento Administrativo

    11

    Nos termos do artigo 6.o, n.o 5, da Administrativnoprotsetsualen kodeks (Código de Procedimento Administrativo) (DV n.o 30, de 11 de abril de 2006), na versão aplicável aos factos em causa no processo principal, as autoridades administrativas devem abster‑se de adotar atos e comportamentos suscetíveis de causar danos manifestamente desproporcionados ao objetivo prosseguido.

    12

    O artigo 60.o deste código dispõe:

    «(1)   O ato administrativo contém um despacho relativo à sua execução provisória quando a vida ou a saúde dos cidadãos assim o exija, para proteger interesses particularmente importantes do Estado ou do público, quando a execução da decisão possa ser frustrada ou consideravelmente obstaculada, ou se a mora na execução puder provocar danos graves ou dificilmente reparáveis, ou ainda a pedido de uma das partes, para proteger um interesse particularmente importante dessa parte. Nesta última hipótese, a autoridade administrativa exige a correspondente garantia.

    (2)   O despacho de execução provisória deve ser fundamentado.

    […]

    (5)   O despacho que autoriza ou recusa a execução provisória pode ser objeto de recurso judicial por intermédio da autoridade administrativa no prazo de três dias a contar da notificação do despacho, quer o ato administrativo tenha ou não sido objeto de recurso.

    (6)   O recurso deve ser apreciado o mais rapidamente possível em conferência, sem notificação de cópias do recurso às partes. O recurso não suspende a execução provisória, mas o tribunal pode suspender a execução provisória até se pronunciar definitivamente sobre o recurso.

    (7)   Em caso de anulação do despacho recorrido, o tribunal decide do mérito da causa. Se a execução provisória for anulada, a autoridade administrativa repõe a situação que existia anteriormente à execução.

    (8)   O despacho do tribunal pode ser objeto de recurso.»

    13

    Nos termos do artigo 128.o, n.o 1, ponto 1, do referido código, os tribunais administrativos são competentes para conhecer dos processos destinados a obter, nomeadamente, a reforma ou a anulação de atos administrativos.

    14

    O artigo 166.o do mesmo código, sob a epígrafe «Suspensão da execução do ato administrativo», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

    «(1)   O recurso suspende a execução do ato administrativo.

    (2)   Em cada fase processual, até à transição em julgado da sentença, o tribunal pode, a pedido do requerente, suspender a execução provisória, autorizada por despacho definitivo da autoridade de que emana o ato referido no artigo 60.o, n.o 1, se a execução provisória for suscetível de causar ao requerente danos graves ou dificilmente reparáveis. […]»

    Lei das Infrações e Sanções Administrativas

    15

    Nos termos do artigo 22.o da Zakon za administrativnite narushenia i nakazania (Lei das Infrações e Sanções Administrativas) (DV n.o 92, de 28 de novembro de 1969), na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Lei das Infrações e Sanções Administrativas»), podem ser aplicadas medidas administrativas coercivas para evitar e fazer cessar as infrações administrativas e para evitar e eliminar as suas consequências prejudiciais.

    16

    O artigo 27.o, n.os 1, 4 e 5, desta lei prevê:

    «(1)   A sanção administrativa é fixada em conformidade com as disposições da presente lei dentro dos limites previstos para a infração cometida.

    (2)   Na determinação da sanção, deve ser tida em conta a gravidade da infração, os motivos da sua prática e outras circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como a situação patrimonial do infrator.

    […]

    (4)   Salvo nos casos previstos no artigo 15.o, n.o 2, as sanções aplicáveis às infrações não podem ser substituídas por sanções de natureza menos severa.

    (5)   Também não é autorizada a fixação da sanção abaixo da sanção mínima prevista, quer se trate de uma coima ou da privação temporária do direito de exercer uma determinada profissão ou atividade.»

    17

    Em conformidade com o artigo 59.o da referida lei, a decisão administrativa sancionatória pode ser objeto de recurso para o Rayonen sad (Tribunal de Comarca) no prazo de uma semana a contar da sua notificação.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    18

    A MV — 98, cuja atividade principal é a compra e a revenda de bens como cigarros, explora, para o efeito, um estabelecimento comercial em Gotse Delchev (Bulgária).

    19

    Em 9 de outubro de 2019, por ocasião de uma inspeção efetuada nesse estabelecimento comercial, a Administração Fiscal búlgara constatou que a MV‑98 não tinha registado a venda de um maço de cigarros, no valor de 5,20 BGN (cerca de 2,60 euros), nem emitido o talão de caixa fiscal relativo a essa venda. A este título, foi lavrado um auto de verificação de uma infração administrativa ao artigo 118.o, n.o 1, da Lei do IVA.

    20

    A Administração Fiscal, por um lado, em conformidade com o artigo 185.o da Lei do IVA, aplicou uma sanção pecuniária à MV — 98 e, por outro, em aplicação do artigo 186.o da mesma lei, adotou uma medida administrativa coerciva de selagem do estabelecimento em causa por um período de 14 dias. Esta última medida foi acompanhada de uma autorização de execução provisória decretada por despacho ao abrigo do artigo 60.o do Código de Procedimento Administrativo, por a referida Administração considerar que a execução provisória era indispensável à proteção dos interesses do Estado e, em especial, dos interesses da Fazenda Pública.

    21

    A MV — 98 interpôs recurso da medida de selagem no órgão jurisdicional de reenvio, alegando que essa medida era desproporcionada, tendo em conta o reduzido valor da venda controvertida e o facto de ser primário relativamente à infração ao artigo 118.o, n.o 1, da Lei do IVA.

    22

    Após ter constatado que a Lei do IVA transpõe as disposições da Diretiva IVA e constitui uma aplicação do direito da União, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a conformidade com o artigo 50.o da Carta do regime instituído pelos artigos 185.o e 186.o da referida lei.

    23

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, em caso de infração ao artigo 118.o, n.o 1, da Lei do IVA, esta prevê não só, no seu artigo 185.o, a aplicação de uma sanção pecuniária mas também, no seu artigo 186.o, a obrigação de decretar, pelos mesmos factos, uma medida coerciva de selagem do estabelecimento em causa. Esse órgão jurisdicional acrescenta que tanto a sanção pecuniária como a selagem revestem caráter penal, na aceção do artigo 50.o da Carta e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente do Acórdão de 5 de junho de 2012, Bonda (C‑489/10, EU:C:2012:319). De resto, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária) reconheceu igualmente caráter repressivo à selagem.

    24

    Ora, a sanção pecuniária e a selagem são aplicadas no termo de procedimentos distintos e autónomos. Além disso, sendo suscetíveis de recurso, estas duas medidas são da competência de tribunais diferentes, a saber, o tribunal de comarca para a sanção pecuniária e o tribunal administrativo para a selagem. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que as regras processuais búlgaras não preveem a possibilidade de suspensão de um procedimento até ao encerramento do outro, pelo que não existe um mecanismo de coordenação que permita garantir o cumprimento da exigência de proporcionalidade em relação à gravidade da infração cometida. Assim, o regime instituído nos artigos 185.o e 186.o da lei do IVA não preenche os critérios enunciados na jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial no Acórdão de 20 de março de 2018, Menci (C‑524/15, EU:C:2018:197).

    25

    Por último, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a fiscalização jurisdicional de que pode ser objeto o despacho de execução provisória de uma medida de selagem cumpre as exigências do artigo 47.o da Carta. A este respeito, explica que o juiz a quem tenha sido submetido um recurso de tal despacho não pode reapreciar os factos, uma vez que se consideram provados por constarem do auto lavrado pela Administração Fiscal relativo à fiscalização realizada no estabelecimento comercial. Assim, o juiz chamado a pronunciar‑se só pode proceder à ponderação entre a proteção dos interesses do Estado e o risco de danos graves ou dificilmente reparáveis para a pessoa em causa.

    26

    Nestas condições, o Administrativen sad — Blagoevgrad (Tribunal Administrativo de Blagoevgrad) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Devem o artigo 273.o da [Diretiva IVA] e o artigo 50.o da [Carta] ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual podem ser cumulados contra a mesma pessoa um procedimento administrativo para a aplicação de uma medida administrativa coerciva e um procedimento penal administrativo para a aplicação de uma sanção pecuniária, instaurados devido à falta de registo e de contabilização da venda de bens mediante a emissão de um recibo de venda?

    Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, devem então o artigo 273.o da [Diretiva IVA] e o artigo 52.o, n.o 1, da [Carta] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual um procedimento administrativo para a aplicação de uma medida administrativa coerciva e um procedimento penal administrativo para a aplicação de uma sanção pecuniária instaurados devido à falta de registo e de contabilização da venda de bens mediante a emissão de um recibo de venda podem ser cumulados contra a mesma pessoa, tendo em conta que essa regulamentação não impõe simultaneamente às autoridades responsáveis pela condução de ambos os procedimentos e aos órgãos jurisdicionais a obrigação de assegurarem a aplicação efetiva do princípio da proporcionalidade atendendo à gravidade global de todas as medidas cumuladas em relação à gravidade da infração concreta?

    2)

    Se a aplicabilidade [do artigo] 50.o e [do artigo] 52.o, n.o 1, da Carta não for confirmada no presente caso, devem então o artigo 273.o da [Diretiva IVA] e o artigo 49.o, n.o 3, da [Carta] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional como o artigo 186.o, n.o 1, da [Lei do IVA] que, pela infração que consiste na falta de registo e de contabilização da venda de bens mediante a emissão de um recibo de venda, prevê, além da aplicação de uma sanção pecuniária por força do artigo 185.o, n.o 2, [desta lei], a aplicação, à mesma pessoa, da medida administrativa coerciva de “selagem de instalações comerciais” por um período máximo de 30 dias?

    3)

    Deve o artigo 47.o, n.o 1, da [Carta] ser interpretado no sentido de que não se opõe às medidas introduzidas pelo legislador nacional para salvaguardar o interesse protegido pelo artigo 273.o da [Diretiva IVA], como a execução provisória da medida administrativa coerciva de «selagem de instalações comerciais» por um período máximo de 30 dias, com vista à proteção de um presumível interesse público, quando a proteção jurisdicional face a estas medidas se limita à apreciação de um interesse privado comparável oposto?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    27

    Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 273.o da Diretiva IVA e o artigo 50.o da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual pode ser aplicada a um contribuinte, pela mesma infração a uma obrigação fiscal e no termo de procedimentos distintos e autónomos, uma medida de sanção pecuniária e uma medida de selagem de um estabelecimento comercial, sendo as referidas medidas suscetíveis de recurso para tribunais diferentes.

    Quanto à admissibilidade

    28

    A Comissão alega que a primeira questão é inadmissível pelo facto de o pedido de decisão prejudicial não respeitar as exigências previstas no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, na medida em que, no que respeita à sanção pecuniária aplicada à recorrente no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio não estabelece o quadro jurídico e factual do litígio no processo principal de modo suficientemente preciso.

    29

    Nos termos do artigo 94.o, alíneas a) e b), do Regulamento de Processo, um pedido de decisão prejudicial deve conter «uma exposição sumária do objeto do litígio bem como dos factos pertinentes, conforme apurados pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou, no mínimo, uma exposição dos dados factuais em que as questões assentam», bem como «o teor das disposições nacionais suscetíveis de se aplicar ao caso concreto e, se for caso disso, a jurisprudência nacional pertinente».

    30

    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as informações contidas nas decisões de reenvio servem não só para permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis mas também para dar aos governos dos Estados‑Membros, bem como aos outros interessados, a possibilidade de apresentarem observações em conformidade com o artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Importa garantir que essa possibilidade seja salvaguardada, tendo em conta que, por força deste artigo, só as decisões de reenvio são notificadas às partes interessadas (v., neste sentido, Acórdão de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 20 e jurisprudência referida).

    31

    No caso em apreço, o pedido de decisão prejudicial contém uma exposição do objeto do litígio no processo principal e dos factos pertinentes, e apresenta as disposições nacionais pertinentes, incluindo, em caso de violação do artigo 118.o, n.o 1, da Lei do IVA, as relativas à sanção pecuniária aplicável.

    32

    Além disso, resulta das observações apresentadas pelos governos dos Estados‑Membros que participaram no processo prejudicial e pela Comissão que as informações contidas no pedido de decisão prejudicial lhes permitiram tomar utilmente posição sobre a questão submetida.

    33

    Nestas condições, a primeira questão é admissível.

    Quanto ao mérito

    34

    A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, as sanções administrativas aplicadas pelas Administrações Fiscais nacionais em matéria de IVA constituem uma aplicação dos artigos 2.o e 273.o da Diretiva IVA e, portanto, do direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. Por conseguinte, devem respeitar o direito fundamental garantido no artigo 50.o desta última (v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 2022, BV, C‑570/20, EU:C:2022:348, n.o 26 e jurisprudência referida).

    35

    A este respeito, o artigo 50.o da Carta dispõe que «[n]inguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei». Assim, o princípio ne bis in idem proíbe o cúmulo tanto de procedimentos como de sanções que tenham natureza penal na aceção deste artigo pelos mesmos factos e contra a mesma pessoa (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 24 e jurisprudência referida).

    36

    No caso em apreço, é pacífico que as medidas em causa no processo principal foram aplicadas à mesma empresa, a saber, a recorrente no processo principal, e pelo mesmo facto, a saber, uma venda de cigarros que não foi registada e consignada pela emissão de um talão de caixa fiscal. Além disso, resulta das indicações fornecidas tanto pelo órgão jurisdicional de reenvio como pelo Governo búlgaro que essas medidas foram impostas no termo de procedimentos distintos e autónomos.

    37

    Neste contexto, para determinar a aplicabilidade do artigo 50.o da Carta, importa ainda examinar se as medidas em causa, ou seja, a sanção pecuniária, aplicada nos termos do artigo 185.o da Lei do IVA, e a selagem do estabelecimento comercial da recorrente no processo principal, aplicada ao abrigo do artigo 186.o desta mesma lei, podem ser qualificadas de «sanções que têm natureza penal».

    – Quanto à natureza penal das medidas em causa no processo principal

    38

    Quanto à apreciação da natureza penal dos procedimentos e das sanções em causa, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, são pertinentes três critérios. O primeiro é a qualificação jurídica da infração no direito interno; o segundo, a própria natureza da infração; e, o terceiro, o grau de severidade da sanção suscetível de ser aplicada ao interessado (v., neste sentido, Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 25 e jurisprudência referida).

    39

    Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz destes critérios, se os procedimentos e as sanções administrativas em causa têm natureza penal na aceção do artigo 50.o da Carta, o Tribunal de Justiça pode, contudo, quando se pronuncia sobre um reenvio prejudicial, dar precisões destinadas a guiar esse órgão na sua interpretação (v., neste sentido, Acórdão de 20 de março de 2018, Menci, C‑524/15, EU:C:2018:197, n.o 27 e jurisprudência referida).

    40

    No caso em apreço, no que respeita ao primeiro critério, resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio que os procedimentos e as medidas em causa no processo principal são qualificados de administrativos no direito interno.

    41

    Não obstante, a aplicação do artigo 50.o da Carta não se limita aos procedimentos e sanções qualificados de «penais» pelo direito nacional, mas estende‑se — independentemente dessa qualificação no direito interno — aos procedimentos e às sanções que devem ser considerados de natureza penal com base nos outros dois critérios indicados no n.o 38 do presente acórdão. Com efeito, tal caráter pode decorrer da própria natureza da infração em questão e do grau de severidade das sanções que esta pode implicar [v., neste sentido, Acórdãos de 20 de março de 2018, Menci, C‑524/15, EU:C:2018:197, n.o 30, e de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 88].

    42

    No que se refere ao segundo critério, o critério relativo à própria natureza da infração, este implica verificar se a sanção em causa prossegue, nomeadamente, uma finalidade repressiva, sem que a mera circunstância de prosseguir simultaneamente uma finalidade preventiva lhe possa retirar a sua qualificação de sanção penal. Com efeito, é próprio das sanções penais destinarem‑se tanto à repressão como à prevenção de condutas ilícitas. Em contrapartida, uma medida que se limita a reparar o prejuízo causado pela infração em causa não tem natureza penal [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização), C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 89 e jurisprudência referida].

    43

    No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que ambas as medidas em causa no processo principal prosseguem objetivos de dissuasão e de repressão das infrações em matéria de IVA.

    44

    Embora, nas suas observações escritas, os Governos búlgaro e polaco tenham sustentado que a finalidade da medida de selagem era cautelar e não repressiva, importa, todavia, salientar que, segundo as informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta medida não visa permitir a cobrança de dívidas fiscais ou a recolha de provas, nem impedir a dissimulação destas últimas. Como demonstra o artigo 22.o da Lei das infrações e Sanções administrativas, a referida medida visa fazer cessar as infrações administrativas cometidas e prevenir a ocorrência de novas infrações impedindo o comerciante em causa de explorar o seu estabelecimento comercial. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a medida de selagem prossegue uma finalidade simultaneamente preventiva e repressiva, na medida em que também visa dissuadir as pessoas em causa de violarem a obrigação prevista no artigo 118.o, n.o 1, da Lei do IVA.

    45

    Quanto ao terceiro critério, a saber, o grau de severidade das medidas em causa no processo principal, há que constatar, como a Comissão salientou nas suas observações escritas, que as referidas medidas parecem ter, cada uma delas, um elevado grau de severidade.

    46

    A este respeito, importa precisar que o grau de severidade é apreciado em função da pena máxima prevista nas disposições pertinentes (v., neste sentido, Acórdão do TEDH de 9 de outubro de 2003, Ezeh e Connors c. Reino Unido, CE:ECHR:2003:1009JUD003966598, § 120).

    47

    Ora, a selagem durante um período de tempo que pode estender‑se a 30 dias pode, em especial no caso de um comerciante individual que disponha de um só estabelecimento comercial, ser qualificada de severa, nomeadamente porque o impede de exercer a sua atividade, privando‑o assim dos seus rendimentos.

    48

    Quanto à sanção pecuniária, o facto de o seu montante, no caso de uma primeira infração, não poder ser inferior a 500 BGN (cerca de 250 euros) e poder ir até 2000 BGN (cerca de 1000 euros), tal como a relação entre o IVA eludido sobre a venda do maço de cigarros em causa no processo principal, a saber, um montante inferior a 1 BGN (cerca de 0,50 euros), e a sanção aplicada, que, segundo as indicações do Governo búlgaro, ascende a 500 BGN (cerca de 250 euros), demonstram a severidade da referida sanção.

    49

    Neste contexto, caso, como resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio, as medidas em causa no processo principal devam ser qualificadas de sanções de caráter penal, há que considerar que o cúmulo dessas sanções cria uma restrição ao direito fundamental garantido no artigo 50.o da Carta.

    – Quanto à eventual justificação da restrição ao direito fundamental garantido no artigo 50.o da Carta

    50

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição ao direito fundamental garantido no artigo 50.o da Carta pode ser justificada com base no seu artigo 52.o, n.o 1 (Acórdão de 22 de março de 2022, bpost, C‑117/20, EU:C:2022:202, n.o 40 e jurisprudência referida).

    51

    Em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, primeiro período, da Carta, qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos por esta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e dessas liberdades. De acordo com o segundo período do mesmo número, na observância do princípio da proporcionalidade, só podem ser introduzidas restrições aos referidos direitos e às referidas liberdades se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.

    52

    No caso em apreço, no que respeita, em primeiro lugar, à condição segundo a qual qualquer restrição ao exercício dos direitos e das liberdades reconhecidos pela Carta deve ser prevista por lei, a referida condição está preenchida, uma vez que a Lei do IVA prevê expressamente, em caso de infração ao artigo 118.o, n.o 1, da mesma, a aplicação cumulativa de uma sanção pecuniária e da selagem do estabelecimento comercial em causa.

    53

    No que respeita, em segundo lugar, ao respeito pelo conteúdo essencial do direito fundamental garantido no artigo 50.o da Carta, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que tal cúmulo deve, em princípio, estar sujeito a condições limitativamente fixadas, assegurando assim que o direito garantido neste artigo 50.o não seja posto em causa enquanto tal (v., neste sentido, Acórdão de 20 de março de 2018, Menci, C‑524/15, EU:C:2018:197, n.o 43).

    54

    A este respeito, há que constatar que não se pode considerar que o cúmulo automático, que não esteja sujeito a condições limitativamente fixadas, respeita o conteúdo essencial desse direito.

    55

    No caso em apreço, resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio e do Governo búlgaro que o cúmulo das duas medidas previstas no artigo 185.o e no artigo 186.o da Lei do IVA, respetivamente, parece ter caráter automático, estando a Administração Fiscal obrigada, na hipótese de ter sido cometida uma mesma infração ao artigo 118.o, n.o 1, desta lei, a aplicar sistematicamente uma e outra dessas medidas. Tal cúmulo não parece, portanto, estar sujeito a condições limitativamente fixadas, na aceção da jurisprudência referida no n.o 53 do presente acórdão, pelo que a regulamentação nacional em causa no processo principal não parece comportar o necessário enquadramento para garantir o respeito pelo conteúdo essencial do direito previsto no artigo 50.o da Carta.

    56

    No que respeita, em terceiro lugar, à observância do princípio da proporcionalidade, importa recordar que este exige que o cúmulo de procedimentos e de sanções previsto numa regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, não exceda os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos por essa regulamentação, entendendo‑se que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados por esta não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (Acórdão de 5 de maio de 2022, BV, C‑570/20, EU:C:2022:348, n.o 34 e jurisprudência referida).

    57

    A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que tal regulamentação nacional deve prever regras claras e precisas que, antes de mais, permitam ao litigante prever quais os atos e omissões suscetíveis de ser objeto desse cúmulo de procedimentos e de sanções; em seguida, assegurem uma coordenação dos procedimentos para reduzir ao estritamente necessário o encargo adicional que implica um cúmulo de procedimentos de natureza penal que são conduzidos de maneira independente; e, por último, permitam garantir que a severidade do conjunto das sanções aplicadas corresponde à gravidade da infração em causa (Acórdão de 5 de maio de 2022, BV, C‑570/20, EU:C:2022:348, n.o 36 e jurisprudência referida).

    58

    No caso em apreço, embora seja pacífico que as medidas como as que estão em causa no processo principal visam assegurar a cobrança exata do IVA e a evitar a fraude, que são objetivos de interesse geral referidos no artigo 273.o da Diretiva IVA, e que as disposições em causa da Lei do IVA são aptas a alcançar esses objetivos e são simultaneamente suficientemente claras e precisas, caberá, porém, ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se as referidas disposições asseguram uma coordenação dos procedimentos que permita simultaneamente reduzir ao estritamente necessário o encargo adicional que implica o cúmulo das medidas aplicadas e garantir que a severidade do conjunto dessas medidas corresponde à gravidade da infração em causa.

    59

    Com efeito, tratando‑se da coordenação dos procedimentos, importa salientar que, embora a Administração Fiscal esteja obrigada, por força, respetivamente, do artigo 6.o, n.o 5, do Código de Procedimento Administrativo e do artigo 27.o, n.o 2, da Lei das infrações e Sanções Administrativas, a observar o princípio da proporcionalidade quando aplica as sanções previstas nos artigos 185.o e 186.o da Lei do IVA, a regulamentação nacional em causa no processo principal não a autoriza, porém, a subtrair‑se à obrigação de aplicar uma e outra dessas sanções, tendo em conta o caráter automático do cúmulo evocado no n.o 55 do presente acórdão, nem a suspender um dos procedimentos até ao encerramento do outro. Resulta das informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que esta regulamentação também não permite que essa Administração proceda a uma apreciação global da proporcionalidade das sanções cumuladas.

    60

    Além disso, se é certo que o artigo 187.o, n.o 4, da Lei do IVA permite que o infrator ponha antecipadamente termo à medida de selagem pagando voluntariamente o montante exigido a título da sanção pecuniária, nada obriga a Administração Fiscal a aplicá‑la enquanto a selagem estiver a ser executada. No caso em apreço, no processo principal, a sanção pecuniária só foi aplicada vários meses após a execução da selagem, que pôde assim, no entretanto, esgotar todos os seus efeitos.

    61

    Por último, embora as medidas referidas no artigo 185.o no artigo 186.o da Lei do IVA, respetivamente, possam ser objeto de recurso, estes devem ser interpostos em tribunais diferentes, a saber, o tribunal de comarca, em relação à sanção pecuniária, e o tribunal administrativo, em relação à selagem. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio refere, em substância, que a regulamentação nacional em causa no processo principal não prevê um procedimento que assegure a necessária coordenação entre esses recursos ou entre esses tribunais, e que estes últimos devem proceder, cada um deles, a uma apreciação autónoma da proporcionalidade das medidas que lhes são submetidas.

    62

    Quanto à questão de saber se as disposições em causa no processo principal permitem garantir que a severidade do conjunto das medidas aplicadas corresponde à gravidade da infração em causa, há que recordar que, no caso em apreço, cada uma das medidas aplicadas à recorrente no processo principal parece ter intrinsecamente um elevado grau de severidade, como resulta dos n.os 47 e 48 do presente acórdão. Por conseguinte, parece que o efeito cumulado dessas medidas pode exceder a gravidade da infração cometida pela recorrente no processo principal e violar as exigências do princípio da proporcionalidade, conforme recordadas nos n.os 56 e 57 do presente acórdão, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    63

    Assim, há que responder à primeira questão que o artigo 273.o da Diretiva IVA e o artigo 50.o da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual pode ser aplicada a um contribuinte, pela mesma infração a uma obrigação fiscal e no termo de procedimentos distintos e autónomos, uma medida de sanção pecuniária e uma medida de selagem de um estabelecimento comercial, sendo as referidas medidas suscetíveis de recurso para tribunais diferentes, na medida em que a referida regulamentação não assegure uma coordenação dos procedimentos que permita reduzir ao estritamente necessário o encargo adicional que implica o cúmulo das referidas medidas e não permita garantir que a severidade do conjunto das sanções aplicadas corresponde à gravidade da infração em causa.

    Quanto à segunda questão

    64

    Atendendo à resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

    Quanto à terceira questão

    65

    Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 47.o, n.o 1, da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso de uma autorização de execução provisória de uma medida de selagem de um estabelecimento comercial, que aplica o artigo 273.o da Diretiva IVA, apenas está autorizado a apreciar a existência de um eventual risco de danos graves ou dificilmente reparáveis para o contribuinte em causa, sem poder reapreciar os elementos de facto apurados pela Administração Fiscal e que justificam a adoção dessa medida.

    66

    Para garantir que um pedido de decisão prejudicial supra a necessidade inerente à resolução efetiva de um litígio que tem por objeto o direito da União, o conteúdo desse pedido deve cumprir as exigências que figuram expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo, exigências que o órgão jurisdicional de reenvio deve, no quadro da cooperação instituída pelo artigo 267.o TFUE, conhecer e respeitar escrupulosamente (v., neste sentido, Despacho de 22 de junho de 2021, Mitliv Exim, C‑81/20, não publicado, EU:C:2021:510, n.os 29 e 30 e jurisprudência referida).

    67

    No caso em apreço, a Comissão tem dúvidas quanto ao facto de o órgão jurisdicional de reenvio ser chamado a conhecer de um recurso interposto da autorização de execução provisória da selagem em causa no processo principal.

    68

    A este respeito, resulta do artigo 60.o, n.o 5, do Código de Procedimento Administrativo que o despacho que autoriza a execução provisória de uma medida de selagem deve ser objeto de um recurso distinto do interposto dessa medida.

    69

    Ora, o pedido de decisão prejudicial não menciona que esse recurso distinto tenha sido submetido ao órgão jurisdicional de reenvio nem os argumentos que poderiam ter sido invocados pelas partes no processo principal nesse contexto, em especial sobre a pretensa necessidade de proceder à ponderação entre, por um lado, os interesses do Estado e, por outro, o risco de danos graves ou dificilmente reparáveis para a recorrente no processo principal. O litígio no processo principal parece, assim, incidir apenas sobre a legalidade da selagem, não sobre a autorização de execução provisória da mesma.

    70

    Por conseguinte, a terceira questão não cumpre as exigências do artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo, na medida em que, na fundamentação que aí figura, o órgão jurisdicional de reenvio não explicita o nexo que pretende estabelecer entre, por um lado, o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta e, por outro, o objeto do litígio no processo principal.

    71

    Nestas circunstâncias, a terceira questão é inadmissível.

    Quanto às despesas

    72

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    O artigo 273.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e o artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia devem ser devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual pode ser aplicada a um contribuinte, pela mesma infração a uma obrigação fiscal e no termo de procedimentos distintos e autónomos, uma medida de sanção pecuniária e uma medida de selagem de um estabelecimento comercial, sendo as referidas medidas suscetíveis de recurso para tribunais diferentes, na medida em que a referida regulamentação não assegure uma coordenação dos procedimentos que permita reduzir ao estritamente necessário o encargo adicional que implica o cúmulo das referidas medidas e não permita garantir que a severidade do conjunto das sanções aplicadas corresponde à gravidade da infração em causa.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: búlgaro.

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