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Document 62018CC0650

    Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 3 de dezembro de 2020.
    Hungria contra Parlamento Europeu.
    Recurso de anulação — Artigo 7.o, n.o 1, TUE — Resolução do Parlamento Europeu sobre uma proposta solicitando ao Conselho da União Europeia que verifique a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores em que a União se funda — Artigos 263.o e 269.o TFUE — Competência do Tribunal de Justiça — Admissibilidade do recurso — Ato impugnável — Artigo 354.o TFUE — Regras de cálculo dos votos no Parlamento — Regimento do Parlamento — Artigo 178.o, n.o 3 — Conceito de “votos expressos” — Abstenções — Princípios da segurança jurídica, da igualdade de tratamento, da democracia e da cooperação leal.
    Processo C-650/18.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:985

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MICHAL BOBEK

    apresentadas em 3 de dezembro de 2020 ( 1 )

    Processo C‑650/18

    Hungria

    contra

    Parlamento Europeu

    «Recurso de anulação — Artigo 7.o, n.o 1, TUE — Proposta fundamentada do Parlamento Europeu — Competência do Tribunal de Justiça — Artigo 263.o TFUE — Artigo 269.o TFUE — Resolução sobre uma proposta solicitando ao Conselho que verifique a existência de um risco manifesto de violação grave pela Hungria dos valores comuns da União — Regras de contagem dos votos nos termos do artigo 354.o TFUE e do artigo 178.o do Regimento do Parlamento — Conceito de «voto expresso» — Exclusão das abstenções»

    I. Introdução

    1.

    Em 12 de setembro de 2018, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre uma proposta solicitando ao Conselho que, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE, verifique a existência de um risco manifesto de violação grave pela Hungria dos valores em que a União se funda (a seguir «resolução controvertida») ( 2 ). Com o presente recurso, a Hungria pede a anulação desta resolução nos termos do artigo 263.o TFUE.

    2.

    O recurso suscita duas questões jurídicas essenciais. Em primeiro lugar, são as propostas fundamentadas adotadas nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE suscetíveis de fiscalização jurisdicional nos termos do artigo 263.o TFUE, em especial, à luz do artigo 269.o TFUE? Em segundo lugar, se for efetivamente esse o caso, como devem ser consideradas as abstenções no Parlamento para determinar se a maioria de dois terços dos votos expressos, conforme exigida pelo artigo 354.o TFUE, foi alcançada?

    II. Quadro jurídico

    A. Tratados da União

    3.

    O artigo 7.o TUE dispõe:

    «1.   Sob proposta fundamentada de um terço dos Estados‑Membros, do Parlamento Europeu ou da Comissão Europeia, o Conselho, deliberando por maioria qualificada de quatro quintos dos seus membros, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2.o por parte de um Estado‑Membro. Antes de proceder a essa constatação, o Conselho deve ouvir o Estado‑Membro em questão e pode dirigir‑lhe recomendações, deliberando segundo o mesmo processo.

    O Conselho verificará regularmente se continuam válidos os motivos que conduziram a essa constatação.

    2.   O Conselho Europeu, deliberando por unanimidade, sob proposta de um terço dos Estados‑Membros ou da Comissão Europeia, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de uma violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos valores referidos no artigo 2.o, após ter convidado esse Estado‑Membro a apresentar as suas observações sobre a questão.

    3.   Se tiver sido verificada a existência da violação a que se refere o n.o 2, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode decidir suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados ao Estado‑Membro em causa, incluindo o direito de voto do representante do Governo desse Estado‑Membro no Conselho. Ao fazê‑lo, o Conselho terá em conta as eventuais consequências dessa suspensão nos direitos e obrigações das pessoas singulares e coletivas.

    O Estado‑Membro em questão continuará, de qualquer modo, vinculado às obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados.

    4.   O Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode posteriormente decidir alterar ou revogar as medidas tomadas ao abrigo do n.o 3, se se alterar a situação que motivou a imposição dessas medidas.

    5.   As regras de votação aplicáveis, para efeitos do presente artigo, ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho são estabelecidas no artigo 354.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.»

    4.

    Em conformidade com o artigo 263.o TFUE, o Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos atos do Parlamento Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros.

    5.

    Além disso, nos termos do artigo 269.o TFUE:

    «O Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre a legalidade de um ato adotado pelo Conselho Europeu ou pelo Conselho nos termos do artigo 7.o do Tratado da União Europeia apenas a pedido do Estado‑Membro relativamente ao qual tenha havido uma constatação do Conselho Europeu ou do Conselho e apenas no que se refere à observância das disposições processuais previstas no referido artigo.

    Esse pedido deve ser formulado no prazo de um mês a contar da data da referida constatação. O Tribunal pronuncia‑se no prazo de um mês a contar da data do pedido.»

    6.

    A regra geral de votação no Parlamento Europeu, prevista no artigo 231.o TFUE, precisa que, salvo disposição em contrário dos Tratados, o Parlamento Europeu delibera por maioria dos votos expressos. O regimento fixará o quórum.

    7.

    Nos termos do artigo 354.o TFUE:

    «Para efeitos do artigo 7.o do Tratado da União Europeia, relativo à suspensão de certos direitos resultantes da qualidade de membro da União, o membro do Conselho Europeu ou do Conselho que represente o Estado‑Membro em causa não participa na votação, e o Estado‑Membro em causa não é tido em conta no cálculo do terço ou dos quatro quintos dos Estados‑Membros previsto nos n.os 1 e 2 daquele artigo. A abstenção dos membros presentes ou representados não impede a adoção das decisões a que se refere o n.o 2 daquele artigo.

    Para a adoção das decisões a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 7.o do Tratado da União Europeia, a maioria qualificada é definida nos termos da alínea b) do n.o 3 do artigo 238.o do presente Tratado.

    Quando, na sequência de uma decisão de suspensão do direito de voto adotada nos termos do n.o 3 do artigo 7.o do Tratado da União Europeia, o Conselho delibere, por maioria qualificada, com base numa disposição do Tratado, essa maioria qualificada é a definida em conformidade com a alínea b) do n.o 3 do artigo 238.o do presente Tratado ou, caso o Conselho delibere sob proposta da Comissão ou do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, é definida em conformidade com a alínea a) do n.o 3 do artigo 238.o

    Para efeitos do artigo 7.o do Tratado da União Europeia, o Parlamento Europeu delibera por maioria de dois terços dos votos expressos que representem a maioria dos membros que o compõem.»

    8.

    Nos termos do «Artigo único» do Protocolo n.o 24 relativo ao direito de asilo de nacionais dos Estados‑Membros da União Europeia:

    «Atendendo ao nível de proteção dos direitos e liberdades fundamentais por parte dos Estados‑Membros da União Europeia, cada Estado‑Membro será considerado pelos restantes como constituindo um país de origem seguro para todos os efeitos jurídicos e práticos em matéria de asilo. Assim sendo, um pedido de asilo apresentado por um nacional de um Estado‑Membro só pode ser tomado em consideração ou declarado admissível para instrução por outro Estado‑Membro nos seguintes casos:

    a)

    Se o Estado‑Membro de que o requerente for nacional, invocando as disposições do artigo 15.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, tomar, após a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, medidas que contrariem, no seu território, as obrigações que lhe incumbem por força dessa convenção;

    b)

    Se tiver sido desencadeado o processo previsto no n.o 1 do artigo 7.o do Tratado da União Europeia, e enquanto o Conselho, ou, se for caso disso, o Conselho Europeu, não tomar uma decisão sobre a questão relativamente ao Estado‑Membro de que o requerente é nacional;

    c)

    Se o Conselho tiver adotado uma decisão, nos termos do n.o 1 do artigo 7.o do Tratado da União Europeia, relativamente ao Estado‑Membro de que o requerente é nacional, ou se o Conselho Europeu tiver adotado uma decisão, nos termos do n.o 2 do 7.o do referido Tratado, relativamente ao Estado‑Membro de que o requerente é nacional;

    […]»

    B. Regimento do Parlamento Europeu

    9.

    Nos termos do artigo 83.o do Regimento do Parlamento Europeu (a seguir «Regimento») ( 3 ), intitulado «Violação dos princípios e dos valores fundamentais por um Estado‑Membro»:

    «1.   O Parlamento poderá, com base num relatório específico da sua comissão competente, elaborado nos termos dos artigos 45.o e 52.o:

    a)

    pôr à votação uma proposta fundamentada solicitando ao Conselho que adote as medidas previstas no n.o 1 do artigo 7.o do Tratado da União Europeia;

    b)

    pôr à votação uma proposta solicitando à Comissão ou aos Estados‑Membros que apresentem uma proposta nos termos do n.o 2 do artigo 7.o do Tratado da União Europeia;

    c)

    pôr à votação uma proposta solicitando ao Conselho que adote as medidas previstas no n.o 3 do artigo 7.o ou, subsequentemente, no n.o 4 do artigo 7.o do Tratado da União Europeia.

    2.   Qualquer pedido de aprovação apresentado pelo Conselho em relação a uma proposta apresentada nos termos do artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Tratado da União Europeia é anunciado no Parlamento, juntamente com as observações apresentadas pelo Estado‑Membro em causa, e enviado à comissão competente, nos termos do artigo 99.o O Parlamento decidirá, salvo em circunstâncias urgentes devidamente justificadas, sob proposta da comissão competente.

    3.   Em conformidade com o artigo 354.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, para as decisões tomadas nos termos dos n.os 1 e 2, é necessária maioria de dois terços dos votos expressos, que constituam a maioria dos membros que compõem o Parlamento.

    […]»

    10.

    Nos termos do artigo 178.o do Regimento, que era relativo às «Votações»:

    «1.   O Parlamento vota normalmente por braços erguidos.

    Contudo, o Presidente pode decidir em qualquer momento que as votações se realizem pelo sistema eletrónico.

    […]

    3.   Para a aprovação ou rejeição do texto, só serão considerados os votos “a favor” ou “contra” no cálculo dos votos expressos, salvo se for estabelecida uma maioria pelo Tratado.

    […]»

    11.

    O artigo 226.o, n.o 1, relativo à aplicação do Regimento, dispunha:

    «Em caso de dúvidas quanto à aplicação ou à interpretação do presente Regimento, o Presidente poderá decidir enviar a questão à comissão competente para apreciação.

    Os presidentes das comissões poderão agir do mesmo modo se surgirem dúvidas semelhantes durante os trabalhos em comissão, relacionadas com esses trabalhos.»

    III. Matéria de facto e processo no Tribunal de Justiça

    12.

    Em 17 de maio de 2017, o Parlamento Europeu (a seguir «recorrido») aprovou uma resolução em que encarregou a Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos (a seguir «Comissão LIBE») de elaborar um relatório especial com o objetivo de pôr à votação em sessão plenária uma proposta fundamentada solicitando ao Conselho que adote as medidas previstas no artigo 7.o, n.o 1, TUE em relação à Hungria (a seguir «recorrente») ( 4 ).

    13.

    Em 4 de julho de 2018, a Comissão LIBE aprovou o relatório ( 5 ), também conhecido pelo nome da sua relatora como relatório Sargentini.

    14.

    Em 7 de setembro de 2018, a pedido do presidente do Parlamento Europeu, o Serviço Jurídico do Parlamento submeteu‑lhe um parecer jurídico com vista a clarificar as regras de contagem dos votos aplicáveis ao processo previsto no artigo 7.o, n.o 1, TUE, em especial se as abstenções deviam ser contadas como votos expressos para determinar se a maioria exigida de dois terços dos votos expressos foi alcançada.

    15.

    Por carta de 10 de setembro de 2018, o representante permanente da Hungria junto da União Europeia notificou o secretário‑geral do Parlamento de que, segundo o Governo húngaro, as abstenções deviam ser consideradas na votação da resolução controvertida do Parlamento.

    16.

    No mesmo dia, o secretário‑geral adjunto do Parlamento informou os membros do Parlamento Europeu (a seguir «MPE»), por mensagem de correio eletrónico, de que só seriam considerados os votos expressos a favor ou contra a resolução controvertida.

    17.

    Em 12 de setembro de 2018, o Parlamento Europeu aprovou a resolução controvertida. Houve 448 votos expressos a favor da resolução e 197 contra. Houve 48 abstenções.

    18.

    Com o presente recurso, a recorrente pede que o Tribunal de Justiça se digne anular a resolução controvertida e condenar o recorrido nas despesas.

    19.

    O recorrido pede que o Tribunal de Justiça se digne julgar o recurso manifestamente inadmissível ou, a título subsidiário, improcedente, e condenar a recorrente nas despesas.

    20.

    Por Despacho de 14 de maio de 2019, a pedido do Parlamento, o Tribunal de Justiça ordenou que o parecer do Serviço Jurídico do Parlamento, que figurava no anexo 5 da petição, fosse retirado dos autos. Indeferiu também o pedido da Hungria para que este documento fosse divulgado ( 6 ).

    21.

    Por Decisão do Tribunal de Justiça de 22 de maio de 2019, a Polónia (a seguir «interveniente») foi admitida a intervir em apoio da recorrente.

    22.

    A recorrente, o recorrido e a interveniente participaram na audiência de alegações que se realizou em 29 de junho de 2020.

    IV. Apreciação

    23.

    As presentes conclusões estão estruturadas da seguinte forma. Em primeiro lugar, examinarei a admissibilidade do presente recurso de anulação. Em suma, esta questão exige que se determine se propostas fundamentadas que desencadeiam o processo previsto no artigo 7.o TUE podem ser objeto de fiscalização, nos termos das disposições gerais do artigo 263.o TFUE, e se o artigo 269.o TFUE pode de alguma forma afetar essa premissa geral (A). Em seguida, debruçar‑me‑ei sobre o mérito da causa, concentrando‑me em especial no primeiro e terceiro fundamentos de recurso: de que forma devem ser consideradas as abstenções dos MPE para verificar se a resolução controvertida alcançou a maioria de dois terços dos votos expressos exigida pelo artigo 354.o TFUE? (B) Uma vez que, no contexto do presente processo, não identifico nenhum erro na interpretação das regras pertinentes nem na prática do Parlamento a este respeito, proponho que o recurso seja julgado improcedente.

    A. Quanto à admissibilidade

    1.   Argumentos das partes

    a)   Recorrente

    24.

    Segundo a recorrente, a resolução controvertida pode ser objeto de fiscalização nos termos do artigo 263.o TFUE, uma vez que produz efeitos jurídicos e políticos significativos sob três aspetos. Em primeiro lugar, a resolução controvertida não só é estigmatizante para o Estado‑Membro em causa mas também dá ao Conselho a possibilidade de proceder a uma constatação a respeito desse Estado‑Membro nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE. Em segundo lugar, esta resolução implica a perda automática do estatuto de país de origem seguro em processos de asilo. Em terceiro lugar, afeta a execução de instrumentos de cooperação entre Estados‑Membros, como os mandados de detenção europeus.

    25.

    Além disso, a recorrente é de opinião de que a resolução controvertida fixa a posição definitiva do Parlamento. O posterior envolvimento do Parlamento no decurso do processo previsto no artigo 7.o TUE, dando a sua aprovação para que o Conselho proceda a uma constatação, é diferente da sua proposta inicial. Diz respeito a outro ato, adotado por outra instituição, que tem um conteúdo e um objeto diferentes. O processo do artigo 7.o TUE não pode ser comparado a um processo legislativo. Por conseguinte, a resolução controvertida não é análoga às propostas legislativas da Comissão. O processo do artigo 7.o TUE é um processo sancionatório único no qual todos os atos produzem efeitos jurídicos, ainda que o ato seguinte não seja desencadeado. Não é certo que a ilegalidade constatada pela resolução controvertida possa ser sanada numa fase posterior, uma vez que nada garante que, in fine, o Conselho adote uma decisão a esse respeito.

    26.

    Na opinião da recorrente, o artigo 269.o TFUE não determina a inadmissibilidade do recurso de anulação da resolução controvertida. Esta disposição só se aplica aos atos jurídicos aí mencionados. Por conseguinte, não é aplicável à resolução controvertida. O artigo 269.o TFUE contém uma exceção às regras processuais gerais e deve, por conseguinte, ser interpretado de forma estrita. Esta disposição deve ser interpretada à luz das alterações constitucionais introduzidas pelo Tratado de Lisboa, que alargou a competência do Tribunal de Justiça a todos os domínios abrangidos pelo direito da União. Cada fase do processo previsto no artigo 7.o TUE deve respeitar todas as disposições pertinentes do direito da União. Assim, o artigo 269.o TFUE não pode ser interpretado no sentido de que isenta de fiscalização jurisdicional a resolução controvertida, especialmente no âmbito de um processo destinado a proteger o Estado de direito, pelo menos no que respeita às regras de competência e processuais.

    b)   Recorrido

    27.

    Segundo o recorrido, o recurso de anulação da resolução controvertida é inadmissível. Alega que o artigo 269.o TFUE, que é uma lex specialis relativamente ao artigo 263.o TFUE, o qual constitui uma lex generalis, é aplicável no caso em apreço. O artigo 269.o TFUE é uma de várias disposições adicionais que limitam a competência do Tribunal de Justiça em domínios especiais. Tal artigo exclui a fiscalização jurisdicional pelo Tribunal de Justiça da resolução controvertida. Os autores dos Tratados não pretenderam que os atos que integram o processo do artigo 7.o TUE fossem objeto de uma fiscalização jurisdicional alargada.

    28.

    O processo previsto no artigo 7.o TUE constitui uma garantia política extraordinária que, em grande medida, está excluída da competência do Tribunal de Justiça. Entre os diferentes atos que podem ser adotados nos termos do artigo 7.o TUE, apenas a constatação do Conselho Europeu ou do Conselho pode ser objeto de fiscalização jurisdicional, nos termos do artigo 269.o TFUE. Em especial, seria ilógico que os atos preparatórios fossem objeto de uma fiscalização jurisdicional completa nos termos do artigo 263.o TFUE, quando as constatações são objeto de fiscalização restrita, nos termos do artigo 269.o TFUE. Tal significaria que o debate político que deveria ter lugar no Conselho ocorreria, nesse caso, na sala de audiências. O Tribunal de Justiça pode examinar alegadas irregularidades processuais cometidas durante a adoção de um ato, como a resolução controvertida, mas numa fase posterior, por ocasião da fiscalização jurisdicional da constatação do Conselho ou do Conselho Europeu.

    29.

    Se o Tribunal de Justiça adotar uma abordagem diferente, o recorrido mantém a opinião de que a resolução controvertida não é impugnável devido à sua falta de efeitos jurídicos. Em primeiro lugar, a resolução não implica nenhuma alteração da situação jurídica da recorrente. O Conselho é inteiramente livre de seguir a proposta do Parlamento ou optar por não o fazer. Em segundo lugar, ainda que a resolução controvertida possa afetar a possibilidade de os nacionais húngaros apresentarem um pedido de asilo noutro Estado‑Membro, isso não determina o conteúdo da decisão final proferida por este Estado‑Membro a esse respeito. Em todo o caso, a resolução controvertida é uma medida intermédia que não é suscetível de impugnação jurisdicional. Não contém a posição final do Parlamento, uma vez que, nos termos do artigo 7.o TUE, este deve aprovar a constatação do Conselho numa fase posterior do processo. É comparável às propostas da Comissão no processo legislativo ordinário.

    c)   Interveniente

    30.

    A interveniente alega que o pedido de fiscalização jurisdicional da resolução controvertida é admissível nos termos do artigo 263.o TFUE. Não se trata de um ato preparatório da constatação do Conselho a que se refere o artigo 7.o, n.o 1, TUE. Assim, as irregularidades processuais que alegadamente viciem a aprovação da resolução controvertida não podem ser invocadas posteriormente em apoio da alegação segundo a qual o Conselho violou formalidades essenciais ao proceder a uma constatação nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE. A proposta fundamentada do Parlamento ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, TUE não pode ser equiparada às propostas da Comissão no processo legislativo. Neste último processo, as propostas da Comissão limitam o poder de apreciação do Conselho. Não é esse o caso das propostas fundamentadas do Parlamento ao abrigo do artigo 7.o TUE. A natureza autónoma das propostas fundamentadas é confirmada pelo facto de o Parlamento também participar numa fase posterior do processo.

    31.

    A possibilidade de a resolução controvertida ser objeto de fiscalização jurisdicional nos termos do artigo 263.o TFUE não é contrária a uma interpretação histórica nem a uma interpretação teleológica do artigo 269.o TFUE. Contrariamente ao antigo artigo 46.o TUE, o artigo 269.o TFUE não limita a competência do Tribunal de Justiça a uma lista taxativa de atos. O objetivo do artigo 269.o TFUE consiste em limitar a fiscalização jurisdicional, unicamente, dos atos politicamente significativos de natureza discricionária, como as constatações referidas no artigo 7.o, n.o 1, TUE. Por conseguinte, os outros atos adotados ao abrigo do artigo 7.o TUE podem ser objeto de fiscalização nos termos do artigo 263.o TFUE.

    32.

    No que diz respeito às propostas fundamentadas, não podem estar isentas de fiscalização jurisdicional, pelo menos no que se refere ao respeito das regras processuais, atendendo aos seus efeitos políticos e jurídicos significativos. A falta de limitação no tempo dos efeitos prejudiciais das propostas fundamentadas também justifica a existência de fiscalização jurisdicional. Caso as propostas fundamentadas estivessem excluídas da fiscalização jurisdicional prevista no artigo 263.o TFUE, outros atos, como as decisões do Conselho adotadas ao abrigo do artigo 7.o, n.o 3, TUE que suspendem os direitos de um Estado‑Membro, também não seriam suscetíveis de fiscalização. O objetivo do processo previsto no artigo 7.o TUE, que consiste em incitar os Estados‑Membros a respeitar os valores da União, ficaria inteiramente comprometido se as próprias medidas destinadas a alcançar esse objetivo pudessem ameaçar direitos individuais, incluindo os que decorrem da cidadania da União.

    2.   Análise

    a)   Ponto de partida: sistema completo de vias de recurso

    33.

    Resulta de jurisprudência constante que a União é uma união de direito cujas instituições estão sujeitas à fiscalização da conformidade dos seus atos, nomeadamente com os Tratados, com os princípios gerais do direito e com os direitos fundamentais ( 7 ). Para este efeito, o TFUE estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos atos da União, confiando‑a ao juiz da União ( 8 ).

    34.

    Naturalmente, esse sistema completo de vias de recurso está à disposição de qualquer recorrente, quer se trate de um particular, de uma instituição ou de um Estado‑Membro. Assim, os Estados‑Membros também podem invocar, em seu benefício, o princípio da proteção jurisdicional efetiva ( 9 ). Além disso, nos termos do artigo 263.o, segundo parágrafo, TFUE, enquanto recorrente privilegiado, um Estado‑Membro não tem de demonstrar que é direta e individualmente afetado. Para que o seu recurso nos termos do artigo 263.o TFUE seja admissível, basta, em princípio, que o Estado‑Membro demonstre que um ato, neste caso do Parlamento, se destinava a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. Assim, um Estado‑Membro pode impugnar um ato da União mesmo que esse ato não produza efeitos especificamente na sua própria esfera jurídica ( 10 ).

    35.

    A existência de um sistema completo de vias de recurso tem uma consequência importante. Desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Tribunal de Justiça é competente por defeito relativamente a todos os atos adotados pelas instituições da União, pelo menos quanto aos que se destinam a produzir efeitos jurídicos. Daqui resulta que o Tribunal de Justiça só não é competente quando os Tratados prevejam exclusões de forma expressa. Por exemplo, o artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE e o artigo 276.o TFUE preveem tais exclusões, a respeito, respetivamente, da política externa e de segurança comum e das operações de ordem pública efetuadas nos Estados‑Membros.

    36.

    Todavia, mesmo nessas hipóteses, o Tribunal de Justiça insistiu no facto de que o artigo 19.o TUE conferiu ao Tribunal de Justiça competência geral para garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados. Assim, qualquer derrogação a essa regra de competência geral deve ser interpretada restritivamente ( 11 ).

    37.

    Em resumo, ao abrigo do Tratado de Lisboa, a regra supletiva é intransigentemente simples: a menos que o Tratado o exclua clara e expressamente, o Tribunal de Justiça é competente para conhecer de todos os atos da União. Além disso, qualquer exclusão expressa desta natureza deve ser interpretada restritivamente.

    b)   Artigo 7.o TUE e atos adotados no âmbito deste artigo

    38.

    O artigo 7.o TUE, inicialmente denominado artigo F.1 TUE, entrou em vigor em 1997 por força do Tratado de Amesterdão. O artigo 7.o, n.o 1, TUE constitui a fase inicial do processo em caso de risco manifesto de violação grave, por parte de um Estado‑Membro, dos valores comuns consagrados no artigo 2.o TUE. O artigo 7.o, n.o 2, TUE regula a fase seguinte, na qual pode ser verificada a existência de uma violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos valores previstos no artigo 2.o TUE. O artigo 7.o, n.o 3, TUE prevê, por último, a aplicação de sanções ao Estado‑Membro em causa.

    39.

    Para cada uma dessas fases, o artigo 7.o TUE prevê a adoção de uma série de atos jurídicos pela instituição ou pelas instituições pertinentes. Em primeiro lugar, o artigo 7.o, n.o 1, TUE é acionado por uma proposta fundamentada, proveniente de um terço dos Estados‑Membros, do Parlamento Europeu ou da Comissão, que convida o Conselho a agir. Em segundo lugar, o Conselho pode, nessa ocasião, dirigir recomendações ao Estado‑Membro em causa. Em terceiro lugar, o Conselho pode proceder à constatação da existência de um risco manifesto de violação grave dos valores do artigo 2.o por parte de um Estado‑Membro, sob reserva de aprovação pelo Parlamento.

    40.

    O artigo 7.o, n.o 2, TUE segue, em grande medida, o mesmo padrão (embora com algumas pequenas diferenças), mas leva à constatação de que já existe uma violação. Na sequência de uma proposta de um terço dos Estados‑Membros ou da Comissão Europeia, o Conselho Europeu pode verificar a existência de uma violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos valores referidos no artigo 2.o O Parlamento deve dar a sua aprovação e o Estado‑Membro em causa é convidado a apresentar observações.

    41.

    Por último, pode considerar‑se que o artigo 7.o, n.o 3, TUE é a culminação das duas fases anteriores, permitindo, em última análise, a adoção de uma decisão com vista a suspender alguns dos direitos do Estado‑Membro em causa, incluindo o seu direito de voto. O artigo 7.o, n.o 4, TUE completa esta disposição, ao permitir que seja posteriormente adotada uma decisão com vista a alterar ou revogar as medidas de suspensão, caso a situação se altere.

    42.

    Daqui resulta que, a par das propostas fundamentadas ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, TUE, as instituições podem adotar um vasto leque de atos jurídicos ao abrigo do processo previsto no artigo 7.o TUE, antes que este culmine com a eventual adoção de medidas sancionatórias pelo Conselho ao abrigo do artigo 7.o, n.o 3, TUE. À primeira vista, é relativamente claro que o processo previsto no artigo 7.o TUE provavelmente não será um exercício rápido nem simples, mas a estrutura desta disposição encerra uma certa lógica. Em especial, as sequências de decisões individualmente consideradas obedecem a um determinado padrão que também se reflete na terminologia escolhida.

    c)   Artigo 269.o TFUE: uma cláusula de exclusão de competência?

    43.

    De que forma é que o artigo 269.o TFUE, que, em conjunto com o artigo 263.o TFUE, constitui o cerne do presente recurso de anulação, se enquadra no sistema completo de vias de recurso da União no contexto do processo específico do artigo 7.o TUE acima descrito? Trata‑se, como alegado pelo recorrido, de uma lex specialis que se aplica à totalidade do processo do artigo 7.o TUE e que exclui a fiscalização jurisdicional de qualquer ato adotado no âmbito desse processo, com exceção dos atos expressamente previstos no artigo 269.o TFUE? Ou, como sustentam a recorrente e a interveniente, constitui ao invés uma exceção às regras processuais gerais que apenas impõe um tipo específico de fiscalização desta última categoria de atos, sem excluir a fiscalização de outros atos adotados ao abrigo do artigo 7.o TUE?

    44.

    O texto (1), o contexto histórico (2) e, sobretudo, o sistema e a lógica (3) do artigo 269.o TFUE levam‑me a concluir que, na realidade, esta disposição não constitui uma cláusula de exclusão de competência. No sistema e na lógica da legitimidade ao abrigo do artigo 263.o TFUE, em especial, atendendo à exclusão de atos preparatórios da fiscalização jurisdicional, o efeito do artigo 269.o TFUE é antes o oposto: confirmar expressamente e, portanto, atribuir ao Tribunal de Justiça (embora de forma limitada) competência relativamente a determinados tipos de atos (constatações do Conselho Europeu ou do Conselho) que, se fossem aplicáveis as regras gerais, poderiam estar excluídos dessa competência. Consequentemente, o artigo 269.o TFUE não regula — nem exclui, por conseguinte — a interposição de recursos de anulação de outros atos ao abrigo do artigo 7.o TUE, ou seja, os que não estão previstos no artigo 269.o TFUE, incluindo a proposta fundamentada do Parlamento Europeu ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, TUE. Relativamente a esses atos, são aplicáveis as regras gerais do artigo 263.o TFUE.

    1) Texto

    45.

    A redação do artigo 269.o TFUE menciona a fiscalização jurisdicional de «um ato adotado pelo Conselho Europeu ou pelo Conselho nos termos do artigo 7.o [TUE]». Além desta limitação institucional do seu âmbito de aplicação, a referida fiscalização é restringida ainda de duas outras formas: em primeiro lugar, quanto ao potencial recorrente (os pedidos de fiscalização jurisdicional só podem ser apresentados pelo Estado‑Membro em causa) e, em segundo lugar, quanto ao alcance dessa fiscalização (limitado às questões processuais, na medida em que apenas é exigido ao Tribunal de Justiça que examine a observância das disposições processuais previstas no artigo 7.o TUE).

    46.

    No que respeita à definição exata do âmbito de aplicação positivo do artigo 269.o TFUE, os tipos de atos visados por esta disposição abrangem, à primeira vista, uma variedade relativamente ampla: «um ato adotado pelo Conselho Europeu ou pelo Conselho nos termos do artigo 7.o [TUE]». Assim, o artigo 269.o TFUE poderia, com base no primeiro período desta disposição, incluir qualquer ato adotado por uma destas instituições ao abrigo do processo previsto no artigo 7.o TUE: não apenas constatações (ao abrigo do artigo 7.o, n.os 1 e 2, TUE) e recomendações (ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, TUE) mas também atos não expressamente mencionados no artigo 7.o TUE suscetíveis de ser adotados tanto pelo Conselho Europeu como pelo Conselho.

    47.

    No entanto, da leitura conjugada da primeira e segunda frases do artigo 269.o TFUE resulta claramente que o artigo 269.o TFUE só se aplica às constatações do Conselho Europeu ou do Conselho. Com efeito, esta disposição exige ainda que um pedido de fiscalização jurisdicional seja apresentado pelo «Estado‑Membro relativamente ao qual tenha havido uma constatação […] no prazo de um mês a contar da data da referida constatação

    48.

    Em contrapartida, no que respeita à definição do âmbito de aplicação negativo do artigo 269.o TFUE, é certo que, tendo em conta a sua redação, outros atos suscetíveis de ser adotados nos termos do artigo 7.o TUE diferentes das constatações, por instituições diferentes do Conselho Europeu ou do Conselho, não estão abrangidos pelo artigo 269.o TFUE. Assim, o artigo 269.o TFUE nada diz a respeitos dos atos do Parlamento ou da Comissão que podem ser adotados ao abrigo do artigo 7.o TUE.

    2) Contexto histórico

    49.

    A redação do atual artigo 269.o TFUE reflete em grande medida o artigo III‑371.o original do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. Afigura‑se, no entanto, não existir nenhuma discussão específica sobre esta disposição em concreto nos trabalhos preparatórios da Convenção ( 12 ).

    50.

    As partes debateram outro paralelismo histórico, que foi invocado, em especial, pelo recorrido, para suscitar o argumento segundo o qual o atual artigo 269.o TFUE visa excluir da fiscalização jurisdicional a totalidade do processo do artigo 7.o TUE. Diz respeito ao antigo artigo 46.o, alínea e), TUE, o antecessor do artigo 269.o TFUE.

    51.

    Nos termos do Tratado de Nice, o antigo artigo 46.o, alínea e), TUE dispunha o seguinte: «As disposições [dos Tratados] relativas à competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e ao exercício dessa competência apenas serão aplicáveis às […] [d]isposições processuais previstas no artigo 7.o [TUE], pronunciando‑se o Tribunal de Justiça a pedido do Estado‑Membro em questão no prazo de um mês a contar da data da constatação do Conselho a que se refere esse artigo.»

    52.

    É certo que a redação deste artigo apresenta uma certa semelhança com a do artigo 269.o TFUE. Ambas as disposições limitam a fiscalização jurisdicional às estipulações processuais constantes do artigo 7.o TUE. Ambas as disposições exigem que essa fiscalização ocorra, a pedido do Estado‑Membro em questão, no prazo de um mês a contar da data da constatação. No entanto, as semelhanças ficam‑se por aí.

    53.

    Em primeiro lugar, a nível textual, a única característica evidente que decorre do teor do antigo artigo 46.o, alínea e), TUE é que, no âmbito do artigo 7.o TUE, o Tribunal de Justiça só podia exercer a sua competência (ou seja, nomeadamente, a sua competência de fiscalização jurisdicional e de anulação ao abrigo do antecessor do artigo 263.o TFUE) no que respeita às disposições processuais previstas no artigo 7.o TUE. Assim, o âmbito de aplicação material do antigo artigo 46.o, alínea e), TUE não era perfeitamente claro, uma vez que não especificava exatamente a que atos é que este se aplicava nem se outros atos além das constatações estavam abrangidos por esta disposição (e eram objeto do tipo de fiscalização nela previsto). Em contrapartida, como acima referido ( 13 ), o âmbito de aplicação do artigo 269.o TFUE é não apenas mais restrito como também mais claro do que o do antigo artigo 46.o, alínea e), TUE. Contrariamente a este último, o artigo 269.o TFUE nada diz a respeito da eventual fiscalização (ou não fiscalização), com base noutro critério de competência como o previsto no artigo 263.o TFUE, de outros tipos de atos adotados no âmbito do artigo 7.o TUE.

    54.

    Em segundo lugar, a ratio legis do antigo artigo 46.o TUE no seu todo, o qual foi inicialmente introduzido no Tratado de Maastricht com a criação da União Europeia ( 14 ), desapareceu no Tratado de Lisboa. Este artigo estava estreitamente associado à «estrutura em pilares»: estabeleceu a competência do Tribunal de Justiça e limitou‑a no que respeita às matérias intergovernamentais anteriormente reguladas pelo Tratado da União Europeia, prevendo assim várias exceções à competência do Tribunal de Justiça ( 15 ). À época, a natureza específica da União Europeia, por oposição à Comunidade Europeia, exigia uma competência limitada do Tribunal de Justiça em matérias, como o processo previsto no artigo 7.o, que não estavam abrangidas pelo pilar comunitário.

    55.

    A entrada em vigor do Tratado de Lisboa levou a uma mudança de paradigma, o que torna inútil qualquer debate sobre as possíveis semelhanças textuais entre o atual artigo 269.o TFUE e o antigo artigo 46.o, alínea e), TUE. O artigo 269.o TFUE não pode ser simplesmente considerado um mero sucessor do antigo artigo 46.o, alínea e), TUE, que, como tal, assumiu eventualmente o seu alcance, a sua finalidade e o seu espírito, uma vez que todos os pressupostos em que o antigo artigo 46.o TUE assentava desapareceram. Assim, já não existe uma disposição geral que enumere os diferentes domínios em que o Tribunal de Justiça não é competente tendo em conta a estrutura em pilares. Em vez disso, o Tratado de Lisboa introduziu uma regra de competência geral que apenas está sujeita a exclusões específicas taxativamente enumeradas ( 16 ).

    56.

    Em resumo, o argumento assente no antigo artigo 46.o TUE e no que, anteriormente, era o alcance de uma exclusão paralela dificilmente tem algum peso. Na realidade, quando muito, poderia tratar‑se de um argumento por antítese, nunca por analogia.

    3) Sistema

    57.

    Existem argumentos sistemáticos que explicam a razão pela qual o artigo 269.o TFUE não pode ser interpretado no sentido de prever qualquer exclusão à competência do Tribunal de Justiça. Pelo contrário, esta disposição atribui competência de maneira positiva, através da inclusão expressa de algo.

    58.

    Em primeiro lugar, o artigo 269.o TFUE não figura entre as exceções à competência do Tribunal de Justiça na parte VI, título I, capítulo 1, secção 5, TFUE, ao lado dos artigos 274.o, 275.o e 276.o TFUE. O artigo 269.o TFUE figura entre as disposições que atribuem competência ao Tribunal de Justiça: surge depois do artigo 268.o TFUE (que confere competência ao Tribunal de Justiça em matéria de responsabilidade extracontratual da União) e antes do artigo 270.o TFUE (que atribui competência ao Tribunal de Justiça em matéria de litígios entre a União e os seus agentes).

    59.

    Em segundo lugar, os termos utilizados também confirmam esta inserção sistemática. Contrariamente à redação utilizada em verdadeiras exclusões («[o] Tribunal […] não dispõe de competência», no artigo 275.o TFUE, ou «o Tribunal […] não é competente», no artigo 276.o TFUE), o artigo 269.o TFUE é uma disposição que atribui competência de maneira positiva («[o] Tribunal […] é competente») ( 17 ).

    60.

    Em terceiro lugar e sobretudo, isto suscita a seguinte questão: nesse caso, por que razão foi necessário atribuir de maneira positiva ou, melhor, confirmar a competência relativamente às constatações do Conselho ou do Conselho Europeu nos termos do artigo 7.o, n.os 1 ou 2, TUE, limitando ao mesmo tempo o alcance dessa competência?

    61.

    Na minha opinião, esta confirmação expressa impunha‑se precisamente devido à jurisprudência mais tradicional em matéria de legitimidade e de acesso à fiscalização jurisdicional nos termos do artigo 263.o TFUE. Segundo essa jurisprudência ( 18 ), as constatações nos termos do artigo 7.o, n.os 1 e 2, TUE podiam ser consideradas medidas preparatórias da decisão final de suspensão nos termos do artigo 7.o, n.o 3, TUE. A esse título, podia considerar‑se que se encontram excluídas de fiscalização jurisdicional. Assim, a fim de dissipar essa incerteza, a fortiori num domínio político sensível em que, por defeito, o Tribunal de Justiça provavelmente manifestaria uma certa reticência em exercer a sua fiscalização ( 19 ), era razoável prever claramente uma fiscalização restrita dos atos considerados como devendo, em todo o caso, ser objeto de fiscalização jurisdicional.

    62.

    Assim, sob este ponto de vista sistemático, o artigo 269.o TFUE é de facto um tipo de lex specialis, embora muito diferente da sugerida pelo recorrido. Não é, nem pode logicamente ser, uma simples exclusão da fiscalização jurisdicional de todos os atos que, não estando expressamente mencionados nesse artigo, foram, contudo, adotados nos termos do artigo 7.o TUE. Trata‑se de uma confirmação ou atribuição de competência especial relativamente a determinados tipos de ato aí enumerados e que corriam o risco de ser excluídos. Todavia, isto também significa que os atos que não estão expressamente mencionados nessa disposição não são regulados pela mesma, estando abrangidos pelas regras gerais do artigo 263.o TFUE.

    4) Lógica geral

    63.

    Existe um argumento sistemático suplementar que merece ser evocado. Diz respeito às consequências (i)lógicas a que conduziria a interpretação proposta pelo recorrido.

    64.

    Admitindo que o recorrido esteja certo e que o conteúdo do artigo 269.o TFUE deva ser interpretado, à luz da sua redação, do seu contexto e da sua lógica sistemática, no sentido de que prevê, em substância, que «o Tribunal de Justiça não dispõe de competência para fiscalizar nenhum ato adotado nos termos do artigo 7.o TUE, com exceção das constatações do Conselho Europeu ou do Conselho», a questão que logicamente se coloca em seguida é a da fiscalização jurisdicional de eventuais decisões de suspensão adotadas pelo Conselho nos termos do artigo 7.o, n.o 3, TUE.

    65.

    Na audiência de alegações, o recorrido confirmou que, na sua opinião, quaisquer atos adotados nos termos do artigo 7.o TUE diferentes das constatações estão isentos de fiscalização jurisdicional, incluindo as decisões sobre sanções tomadas pelo Conselho nos termos do artigo 7.o, n.o 3, TUE. O recorrido sustentou, em substância, que, se for permitido ao Estado‑Membro em causa, ao abrigo do artigo 269.o TFUE, impugnar constatações, incluindo uma constatação adotada pelo Conselho Europeu nos termos do artigo 7.o, n.o 2, TUE, qualquer eventual ilegalidade deve ser declarada nessa fase. Se uma constatação nos termos do artigo 7.o, n.o 2, TUE for anulada pelo Tribunal de Justiça, não poderá ser tomada uma decisão de suspensão nos termos do artigo 7.o, n.o 3, TUE. Se a constatação não for anulada, constituirá uma base jurídica sólida para uma decisão de suspensão nos termos do artigo 7.o, n.o 3, TUE, sendo esta última, em essência, uma simples decisão política que não é suscetível de impugnação.

    66.

    Na minha opinião, esta interpretação não pode ser acolhida.

    67.

    Em primeiro lugar, importa recordar novamente que a União Europeia é uma união «de direito, na medida em que nem os seus Estados‑Membros nem as suas instituições estão isentos da fiscalização da conformidade dos seus atos com a carta constitucional de base que é o Tratado» ( 20 ).O artigo 7.o TUE instituiu um processo especificamente destinado a assegurar o cumprimento do Estado de direito pelos Estados‑Membros. A proteção jurisdicional é um dos principais princípios do Estado de direito. Conforme recentemente recordado pelo Tribunal de Justiça com base no artigo 2.o TUE, a própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o cumprimento das disposições do direito da União é inerente à existência de um Estado de direito ( 21 ). Este argumento estrutural é particularmente importante no contexto do artigo 7.o, n.o 3, TUE.

    68.

    Em segundo lugar, seria ilógico submeter a uma fiscalização jurisdicional restrita, em conformidade com a interpretação do artigo 269.o TFUE proposta pelo recorrido, constatações, que podem ser consideradas atos preparatórios de uma suspensão de direitos, mas isentar o ato final (por exemplo, a própria decisão de suspensão) de qualquer fiscalização. Além disso, contrariamente às fases anteriores do processo previsto no artigo 7.o TUE, o poder (político) discricionário do Conselho nesta fase específica é, com efeito, expressamente limitado pelo Tratado: ao adotar a sua decisão de suspensão (e ao escolher em concreto quais os direitos decorrentes da aplicação dos Tratados diferentes do direito de voto no Conselho que são suspensos), «o Conselho terá em conta as eventuais consequências dessa suspensão nos direitos e obrigações das pessoas singulares e coletivas».

    69.

    Assim, nas fases em que o Conselho dispõe, à primeira vista, de um poder político discricionário ilimitado, as suas decisões poderiam ser fiscalizadas. Quando, pelo contrário, o poder discricionário do Conselho é limitado e começa a ter um verdadeiro impacto, não haveria fiscalização. Tal inverteria completamente a lógica da fiscalização jurisdicional (normalmente aplicável): com efeito, seria possível fiscalizar atos preparatórios (essencialmente políticos, sob a forma de constatações), mas não a decisão ou as decisões finais (possivelmente mais jurídicas, no que ao seu conteúdo diz respeito) que, com efeito, são suscetíveis de «afetar» claramente terceiros e que, além de considerações políticas, estão sujeitas a determinados critérios materiais.

    70.

    Em terceiro lugar, é manifesto que as decisões do artigo 7.o, n.o 3, TUE são, por seu turno, atos jurídicos finais que podem produzir efeitos jurídicos não apenas em relação ao Estado‑Membro em causa mas também em relação a terceiros, particulares, expressamente referidos nesta disposição. O artigo 7.o, n.o 3, TUE deixa uma ampla margem de apreciação ao Conselho para decidir quais os direitos dos Estados‑Membros que devem ser suspensos, como fazê‑lo e em que medida. De igual modo, sem apreciar de que forma, e em que medida, semelhante fiscalização iniciada a título individual poderia ser exercida, seria de facto pouco habitual se, por exemplo, o congelamento de ativos e outras medidas restritivas tomadas contra uma pessoa fossem objeto de fiscalização nos termos do artigo 275.o, segundo parágrafo, TFUE, mas as decisões tomadas nos termos do artigo 7.o, n.o 3, TUE, que, em última análise, podem dar origem a efeitos jurídicos tão ou mais prejudiciais, não fossem suscetíveis de fiscalização.

    71.

    Não há dúvida que concordo com o facto de que, como sustentado pelo recorrido na audiência de alegações, o presente processo não diz respeito à admissibilidade da fiscalização jurisdicional de uma decisão de suspensão tomada nos termos do artigo 7.o, n.o 3, TUE. Todavia, este ponto ajuda a evidenciar que a posição global do recorrido quanto à interpretação por si proposta do artigo 269.o TFUE carece de fundamento. A este respeito, o destino dos atos visados no artigo 7.o, n.o 1, TUE adotados antes de uma constatação ao abrigo desta disposição e de quaisquer outros atos adotados depois de uma constatação ao abrigo do artigo 7.o, n.o 2, TUE, bem como a lógica geral do artigo 7.o TUE, devem, pelo menos, preservar um certo grau de coerência geral.

    72.

    Por esta razão, há que aplicar a mesma lógica à relação entre o artigo 269.o e o artigo 263.o TFUE, a qual deve então também ser aplicada ao artigo 7.o TUE, considerado no seu todo. Para chegar a esta conclusão, e ao contrário do que resulta do Acórdão Os Verdes/Parlamento ( 22 ) reiteradamente invocado pela recorrente e pela interveniente, não é necessário tomar medidas audaciosas no sentido de estabelecer novas vias de recurso. No caso em apreço, basta simplesmente não sucumbir à lógica de compartimentalização do acesso à fiscalização alegada pelo recorrido, a qual equivaleria, na prática, a dividir o artigo 7.o TUE em regimes desconexos de acesso à fiscalização jurisdicional, sujeitos a diversas regras ou, mais precisamente, a nenhuma regra em particular.

    5) Conclusão provisória: o artigo 269.o TFUE enquanto cláusula de atribuição de (um tipo específico de) competência

    73.

    Na sequência de uma interpretação textual, histórica, sistemática e lógica, considero que o artigo 269.o TFUE apenas clarifica e regula a competência do Tribunal de Justiça no que respeita à fiscalização jurisdicional de constatações. Qualquer outro ato adotado nos termos do artigo 7.o TUE e ao qual não seja feita referência expressa no artigo 269.o TFUE está abrangido pelo regime geral da fiscalização jurisdicional, a saber, o artigo 263.o TFUE, devendo ser examinado em conformidade com esta disposição.

    74.

    Antes de proceder a esse exame no contexto específico da proposta fundamentada do artigo 7.o, n.o 1, TUE em causa no presente processo, gostaria de terminar com vários elementos de ordem geral sobre o motivo pelo qual considero improvável que essa conclusão conduza a que o Tribunal de Justiça fique subitamente submerso por processos de natureza essencialmente política, com a consequente paralisação dos processos nos termos do artigo 7.o TUE.

    75.

    Em primeiro lugar, por força do artigo 263.o TFUE, é provável que vários «outros atos» que não são referidos no artigo 269.o TFUE sejam considerados atos preparatórios na aceção da jurisprudência clássica relativa ao artigo 263.o TFUE. Por conseguinte, esses atos ficarão totalmente excluídos da fiscalização jurisdicional.

    76.

    Em segundo lugar, a fim de poder impugnar esses atos, os recorrentes não privilegiados nos termos do artigo 263.o TFUE têm de demonstrar que são individual e diretamente afetados por eles, salvo se se tratarem de simples atos preparatórios. É relativamente difícil imaginar que recorrentes individuais possam preencher estes critérios, especialmente o da afetação direta, em relação a outros atos diferentes da eventual decisão final de suspensão nos termos do artigo 7.o, n.o 3, TUE.

    77.

    Em terceiro lugar, a fiscalização jurisdicional não implica necessariamente uma fiscalização aprofundada. Isto é assim não apenas atendendo aos quatro fundamentos enumerados no artigo 263.o, segundo parágrafo, TFUE, que delimitam o eventual alcance de um recurso mas também atendendo à natureza específica e política do artigo 7.o TUE. Com efeito, resulta de jurisprudência constante que deve ser reconhecido às instituições da União um amplo poder de apreciação quando adotam medidas em domínios que implicam escolhas da sua parte, designadamente de natureza política, e a realização de apreciações complexas ( 23 ).

    78.

    Em resumo, as considerações precedentes levam‑me a concluir que é muito pouco provável que, devido à interpretação da relação entre os artigos 263.o e 269.o TFUE aqui proposta, se venha a concretizar o alegado perigo de transferência de um debate essencialmente político do Conselho para o Tribunal de Justiça, com a consequente afetação da boa tramitação e da eficácia da totalidade do processo previsto no artigo 7.o TUE.

    d)   Quanto à fiscalização jurisdicional de propostas fundamentadas na aceção do artigo 7.o, n.o 1, TUE, com base no artigo 263.o TFUE

    79.

    A resolução controvertida é uma proposta fundamentada na aceção do artigo 7.o, n.o 1, TUE, que foi aprovada pelo recorrido em 12 de setembro de 2018. Com esta proposta foi desencadeada a fase inicial do artigo 7.o TUE, permitindo assim ao Conselho proceder a uma eventual constatação, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE, com vista a reconhecer a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores da União. Todavia, à data da interposição do presente recurso de anulação, e, tanto quanto é do meu conhecimento, à data da apresentação das presentes conclusões, o Conselho ainda não tinha deliberado num ou noutro sentido quanto a essa proposta fundamentada.

    80.

    A proposta fundamentada do artigo 7.o, n.o 1, TUE enquadra‑se na fase inicial do processo previsto no artigo 7.o TUE. São vários os atos que a separam da adoção de uma decisão de suspensão nos termos do artigo 7.o, n.o 3, TUE, ou mesmo, antes disso, de uma constatação nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE. Por conseguinte, deve a proposta fundamentada prevista no artigo 7.o, n.o 1, TUE ser considerada um simples ato interlocutório, que não é suscetível de fiscalização jurisdicional nos termos do artigo 263.o TFUE?

    81.

    Na minha opinião, não é esse o caso. Uma proposta fundamentada nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE não é um simples ato preparatório nem um ato desprovido de efeitos jurídicos (próprios e autónomos). Com efeito, não só fixa definitivamente a posição do Parlamento [ponto 1), infra] mas também os eventuais erros processuais de que enferme não podem ser sanados numa fase posterior [ponto 2), infra]. Sobretudo, não só a proposta fundamentada se destina a produzir efeitos jurídicos, mas, de facto, produz claramente efeitos jurídicos (autónomos em relação a terceiros), na aceção do artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE [ponto 3), infra].

    1) Fixação definitiva da posição do Parlamento

    82.

    Resulta de jurisprudência constante que, no caso de atos ou de decisões cuja elaboração se efetua em várias fases, um ato só pode ser objeto de fiscalização se fixar definitivamente a posição da instituição que o adotou ( 24 ). Ao passo que a recorrente e a interveniente consideram ser esse o caso, o recorrido defende a posição oposta. Na sua opinião, a resolução controvertida é comparável a uma proposta legislativa da Comissão.

    83.

    Não concordo com o recorrido.

    84.

    Antes de mais, há que sublinhar que a referida jurisprudência foi estabelecida principalmente em processos que tinham por objeto procedimentos administrativos complexos, designadamente de natureza económica, que implicavam apreciações de ordem técnica, nomeadamente por parte da Comissão. Por conseguinte, não se afigura evidente que se apliquem as mesmas regras aos processos legislativos — e, a fortiori, aos processos constitucionais. Todavia, uma vez que esta linha jurisprudencial foi invocada e debatida na audiência de alegações, talvez se possa considerar como ponto de partida e como regra geral aplicável a qualquer tipo de processo que um ato só pode ser objeto de fiscalização jurisdicional quando fixe a posição final da instituição que o adotou ( 25 ).

    85.

    No plano formal, a resolução controvertida pode fazer pensar nas propostas legislativas da Comissão, que, pelo menos segundo o Tribunal Geral, não são suscetíveis de fiscalização jurisdicional ( 26 ). Com efeito, o anexo da resolução controvertida contém um projeto de «Proposta de decisão do Conselho relativa à verificação, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, do Tratado da União Europeia, da existência de um risco manifesto de violação grave, pela Hungria, dos valores em que a União se funda.»

    86.

    Todavia, termina aqui a analogia com as propostas legislativas da Comissão. Em primeiro lugar, as propostas fundamentadas não têm necessariamente de assumir a mesma forma que a resolução controvertida, que contém em anexo um projeto finalizado de constatação do Conselho. Podem simplesmente assumir a forma de uma resolução sem um projeto em anexo, mas com uma simples exposição de motivos ( 27 ), uma vez que o texto do artigo 7.o, n.o 1, TUE não exige necessariamente um projeto de constatação, mas sim uma proposta fundamentada.

    87.

    Em segundo lugar, a um nível mais estrutural, a resolução controvertida não é comparável a um projeto de proposta legislativa da Comissão. Com efeito, o artigo 7.o TUE institui um processo sancionatório de natureza constitucional dirigido contra um Estado‑Membro em particular, o que é muito diferente de um processo legislativo geral destinado a conformar políticas ( 28 ). Ainda mais importante, é evidente que as propostas legislativas da Comissão não fixam a sua posição definitiva. Pelo contrário, essas propostas são apenas o ponto de partida de todo o debate legislativo que deve ter lugar entre várias instituições, incluindo a Comissão.

    88.

    Uma proposta fundamentada nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE é algo muito diferente. Não se trata de um convite para negociar, para deliberar coletivamente sobre um texto e sobre cada uma das suas disposições, que caracteriza o típico vaivém de um processo legislativo. Uma proposta fundamentada nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE reflete a posição final do seu autor: uma instituição transmite a outra instituição o testemunho metafórico no processo por fases previsto no artigo 7.o TUE. Trata‑se da posição final (e, portanto, irrevogável) de um dos participantes nesta corrida de estafetas. Desencadeia o processo (e não apenas de forma provisória).

    89.

    Todavia, contrariamente a uma proposta fundamentada da Comissão nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE, em que a Comissão não participa, pelo menos expressamente, nas fases seguintes do processo, ao Parlamento é pedido, por seu turno, que dê a sua aprovação em relação a eventuais constatações, tanto nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE como do artigo 7.o, n.o 2, TUE.

    90.

    Na minha opinião, essa exigência de aprovação subsequente em nada altera a natureza definitiva da proposta fundamentada inicial do Parlamento. Com efeito, com essas aprovações, não se pede ao Parlamento que reconsidere a sua proposta fundamentada, isto se a tiver efetivamente emitido. Os objetos desses dois atos são diferentes: enquanto a proposta fundamentada diz respeito ao desencadeamento do processo do artigo 7.o, n.o 1, TUE, a aprovação exigida diz respeito ao conteúdo da constatação do Conselho e à verificação por este, daí decorrente, da existência de um risco manifesto de violação grave dos valores da União por parte de um Estado‑Membro ou, em alternativa, da existência de uma violação grave dos valores da União por parte de um Estado‑Membro.

    91.

    Além disso, o Parlamento é apenas um dos três agentes referidos no artigo 7.o, n.o 1, TUE que podem, através da adoção de uma proposta fundamentada, desencadear o processo do artigo 7.o TUE. Por conseguinte, é razoável considerar que uma proposta fundamentada nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE deve ter sempre o mesmo valor, independentemente do órgão que a adotou. O facto de um desses três agentes suscetíveis de desencadear o processo desempenhar um papel a posteriori, ao conceder a sua aprovação, deve ser irrelevante. Seria um tanto ilógico que se tomasse em consideração o facto algo circunstancial de, no caso em apreço, ter sido o Parlamento e não a Comissão ou um terço dos Estados‑Membros a desencadear o processo, combinando‑o com a aparente vontade dos autores do Tratado de atribuir ao Parlamento uma posição especial em todo o processo, para, em última análise, chegar a um resultado completamente oposto do pretendido, a saber, minorar o papel do Parlamento no processo, em vez de o reforçar. Ora, seria esse o resultado se se considerasse que a proposta fundamentada do Parlamento tem de alguma forma «menos valor» ou é «menos final» do que a da Comissão ou do que a de um terço dos Estados‑Membros, podendo ser indiretamente posta em causa, ou mesmo anulada, através da aprovação do Parlamento exigida a respeito de uma proposta diferente apresentada numa fase posterior desse processo.

    92.

    De resto, esta última situação é pouco verosímil: suponhamos, a título puramente hipotético, que o Parlamento emite uma proposta fundamentada nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE, solicitando ao Conselho que verifique a existência de um risco manifesto de violação grave por parte de um Estado‑Membro. Todavia, sendo‑lhe posteriormente pedida a sua aprovação nos termos da mesma disposição, o Parlamento recusa‑se a dá‑la por uma qualquer razão: pode não concordar com o texto da constatação que é proposta; ou, após obter informações adicionais ou, eventualmente, após o Estado‑Membro ter sido ouvido pelo Conselho, pode já não estar convencido da efetiva existência de um risco; ou a maioria do Parlamento pode considerar que, por enquanto, o conjunto de recomendações proposto pelo Conselho é suficiente para sanar a situação. Em cada um destes casos, e eventualmente noutros, a recusa em conceder autorização repercute‑se na natureza definitiva da proposta fundamentada anteriormente emitida? Será que essa recusa torna a anterior posição do Parlamento «menos final»? Penso que não.

    93.

    Daqui resulta que, ao adotar uma proposta fundamentada na aceção do artigo 7.o, n.o 1, TUE, o Parlamento fixa a sua posição final em relação ao desencadeamento do processo previsto no artigo 7.o TUE.

    2) Podem os vícios ser sanados numa fase posterior?

    94.

    Resulta igualmente de jurisprudência constante que um ato intermédio não é suscetível de recurso se estiver demonstrado que a ilegalidade associada a esse ato poderá ser invocada como fundamento de um recurso da decisão final de que este constitui um ato de elaboração. Em tais condições, o recurso interposto contra a decisão que põe termo ao processo assegurará uma proteção jurisdicional suficiente. Todavia, se esta última condição não for satisfeita, considerar‑se‑á que o ato intermédio — independentemente da questão de saber se exprime ou não uma opinião provisória da instituição em causa — produz efeitos jurídicos autónomos e, portanto, deve poder ser objeto de recurso de anulação ( 29 ).

    95.

    Esta linha jurisprudencial, que foi retomada em relação aos procedimentos administrativos (económicos), constitui uma exceção interna à situação descrita na anterior subsecção das presentes conclusões. Cria possibilidades de fiscalização jurisdicional de atos que, embora não fixem uma posição definitiva, produzem efeitos jurídicos autónomos. Uma vez que sugeri, no número anterior, que a resolução controvertida fixa a posição final do Parlamento e não é, por conseguinte, um simples ato preparatório, abordo esta questão apenas a título exaustivo, pelo facto de ter sido suscitada e debatida pelas partes.

    96.

    No âmbito de um processo constitucional por fases como o do artigo 7.o TUE, pode de facto parecer razoável, sobretudo de um ponto de vista geral e abstrato, aguardar pela adoção de uma decisão que ponha termo ao processo para impugnar qualquer irregularidade prévia cometida durante o referido processo.

    97.

    Todavia, à luz de uma análise mais aprofundada, esta tese não pode ser acolhida no caso em apreço.

    98.

    Em primeiro lugar, é difícil imaginar como seria possível imputar ilegalidades a todos os atores constitucionais, in casu acusando o Conselho Europeu ou o Conselho de uma irregularidade processual alegadamente cometida pelo Parlamento ao adotar a sua proposta fundamentada nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE e, em seguida, pedir, por exemplo, a anulação de uma decisão de suspensão adotada pelo Conselho nos termos do artigo 7.o, n.o 3, TUE devido a essa irregularidade prévia do Parlamento. Isto mais não faz do que sublinhar o facto de que a abordagem «holística» à fiscalização jurisdicional apenas se adapta corretamente aos processos complexos numa única e mesma instituição, ou no mesmo tipo de instituições, como por exemplo quando diferentes decisões individuais da Administração Pública se combinam com vista a uma decisão final e integrada. Esta lógica não pode, contudo, ser aplicada no caso de uma série de decisões distintas, autónomas e de natureza diferente, adotadas por atores constitucionais diversos.

    99.

    Em segundo lugar, não é óbvio em que é que consiste efetivamente a «decisão que põe termo ao processo», no contexto do artigo 7.o TUE. Por um lado, considerando o artigo 7.o TUE no seu todo, a decisão que põe termo ao processo desencadeado através de uma proposta fundamentada pode ser a constatação nos termos do artigo 7.o, n.o 1 ou n.o 2, TUE, conforme sugerido pelo recorrido (ciclo interno). Por outro lado, talvez com maior probabilidade, também pode ser a decisão final de impor sanções com base no artigo 7.o, n.o 3, TUE (ciclo externo) ( 30 ). Além disso, a intensidade da fiscalização jurisdicional é suscetível de variar em função da decisão identificada como pondo termo ao processo. Com efeito, se a «decisão» pertinente for a constatação nos termos do artigo 7.o, n.o 1 ou n.o 2, TUE, é aplicável o artigo 269.o TFUE, e é desencadeada a fiscalização prevista nesta disposição. Em contrapartida, se for a decisão adotada com base no artigo 7.o, n.o 3, TUE, é exercida uma fiscalização normal nos termos do artigo 263.o TFUE.

    100.

    Em terceiro lugar, e talvez o mais importante, é possível que nunca chegue a existir uma «decisão que põe termo ao processo», independentemente da disposição pertinente. O artigo 7.o, n.o 1 e n.o 2, TUE, não exige, pelo menos no que diz respeito ao seu texto, que o Conselho delibere na sequência de uma proposta fundamentada. Também não prevê a extinção dos efeitos da proposta fundamentada se nada ocorrer após o decurso de um prazo razoável. Todavia, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a exigência de segurança jurídica impõe que as instituições da União exerçam os seus poderes num prazo razoável ( 31 ). Não irei certamente entrar no terreno minado do debate relativo à questão de saber se o Conselho está eventualmente obrigado a proceder a uma constatação num prazo razoável (ou a recusar expressamente fazê‑lo), e se essa obrigação pode decorrer do princípio da cooperação leal ( 32 ).

    101.

    Para efeitos das presentes conclusões, basta observar simplesmente que seria absolutamente kafkiano fazer depender o acesso à fiscalização jurisdicional da eventual adoção de uma decisão final de natureza desconhecida e que, entretanto, os efeitos da proposta fundamentada perdurassem por tempo indeterminado. Esta hipótese não corresponde de modo algum a uma união de direito em que «a própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o cumprimento das disposições do direito da União é inerente à existência de um Estado de direito» ( 33 ).

    102.

    Assim, tenho que concluir que a proteção jurisdicional efetiva exige que as propostas fundamentadas possam ser objeto de fiscalização nos termos do artigo 263.o TFUE, desde que produzam efeitos jurídicos (autónomos), questão sobre a qual me irei, por último, debruçar.

    3) Efeitos jurídicos (autónomos)

    103.

    Na minha opinião, a proposta fundamentada em causa no presente processo desencadeou o processo do artigo 7.o TUE e, desse ponto de vista, já produziu ou é certo que se destinava a produzir alguns efeitos jurídicos. Todavia, no que diz respeito à exigência do artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE, a resolução controvertida produz efetivamente pelo menos mais dois tipos de efeitos jurídicos na sua qualidade de proposta fundamentada na aceção do artigo 7.o, n.o 1, TUE.

    104.

    Em primeiro lugar, nos termos do «Artigo único», ponto b), do Protocolo n.o 24 relativo ao direito de asilo de nacionais dos Estados‑Membros da União Europeia, introduzido pelo Tratado de Amesterdão, uma vez desencadeado o processo previsto no artigo 7.o, n.o 1, TUE, e enquanto o Conselho não tomar uma decisão sobre a questão relativamente ao Estado‑Membro de que o requerente é nacional, esse Estado‑Membro já não pode ser considerado pelos restantes Estados‑Membros como um país de origem seguro para todos os efeitos jurídicos e práticos em matéria de asilo. Assim sendo, um pedido de asilo apresentado por um nacional desse Estado‑Membro passa a poder ser tomado em consideração quanto ao mérito por outro Estado‑Membro.

    105.

    Não há dúvida de que essa consequência constitui um efeito jurídico (vinculativo) das propostas fundamentadas não só para o Estado‑Membro em causa, mas também para todos os outros Estados‑Membros, as instituições da União e os nacionais desse Estado. Se o Protocolo n.o 24 for aplicado, um Estado‑Membro perde efetivamente o estatuto de país seguro em relação aos outros Estados‑Membros (e, eventualmente, em relação a países terceiros). O facto de o próprio Conselho poder tomar posição em relação à proposta fundamentada em nada afeta esse efeito.

    106.

    É certo que nos podemos questionar sobre se é adequado que uma proposta fundamentada que ativa o artigo 7.o, n.o 1, TUE, implique um efeito tão importante. Poder‑se‑ia até tentar minimizar a importância do Protocolo dito «Aznar», sugerindo que este foi adotado noutros tempos e para outros fins.

    107.

    Na minha opinião, seria desadequado que um órgão jurisdicional desse o seu apoio a essa posição, dado que a letra da lei é muito clara. A vontade dos autores desse protocolo, que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados ( 34 ), é clara. Essa disposição e a sua aplicação foram validamente acionadas pela adoção da proposta fundamentada do Parlamento.

    108.

    Além disso, considero desprovida de pertinência a argumentação do recorrido que equivale a sugerir, em substância, que a ativação do Protocolo n.o 24 não pode conferir aos particulares nenhum direito diretamente aplicável, ou que as autoridades públicas dos outros Estados‑Membros ainda dispõem de uma margem de apreciação quanto à questão de saber se, em última análise, concederão ou não proteção internacional aos requerentes provenientes da Hungria.

    109.

    Na minha opinião, essa argumentação confunde a legitimidade ativa dos particulares (designadamente, o requisito de afetação direta) com os interesses de um Estado‑Membro. Em primeiro lugar, um Estado‑Membro é um recorrente privilegiado. Não está obrigado a demonstrar que é diretamente afetado. Por outro lado, mesmo que assim fosse, quod non, isso afetaria esse Estado, não os seus cidadãos nem as autoridades administrativas de outros Estados. No caso em apreço, não há dúvida de que a Hungria é afetada pelo facto de ser privada do estatuto de país seguro, dado que, claramente, isso implica que os pedidos de proteção internacional apresentados pelos seus cidadãos noutros Estados‑Membros podem ser apreciados quanto ao mérito. A questão de saber se, em última análise, o pedido é deferido é completamente diferente. Com efeito, para utilizar uma analogia do domínio das obrigações soberanas, seria como alterar a notação de um país da AAA para B de um dia para o outro, sugerindo em seguida que esse país não é afetado por essa descida porque muitos dos seus cidadãos ainda dispõem de algum dinheiro. Embora essa sugestão possa ser tecnicamente correta, também é desprovida de pertinência à luz do objeto do litígio.

    110.

    Em segundo lugar, existe um tipo diferente de efeito jurídico associado às propostas fundamentadas nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Embora a existência de uma proposta fundamentada possa, com efeito, ter impacto na confiança e no reconhecimento mútuos no espaço de liberdade, segurança e justiça, nomeadamente no âmbito da execução dos mandados de detenção europeus, é certo que esse impacto não se limita a este domínio do direito.

    111.

    No seu Acórdão LM ( 35 ), o Tribunal de Justiça declarou que, nos casos em que exista um risco real de violação do direito fundamental a um processo equitativo em razão de falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judicial do Estado‑Membro de emissão, a autoridade de execução pode, na sequência de uma apreciação casuística, recusar a entrega de uma pessoa se existirem motivos sérios e comprovados para acreditar que a referida pessoa correrá esse risco em caso de entrega a esse Estado. A autoridade de execução pode chegar a esta conclusão se dispuser «de elementos como os que figuram numa proposta fundamentada da Comissão, adotada em aplicação do artigo 7.o, n.o 1, TUE, que parecem demonstrar a existência de um risco real de violação do direito fundamental a um processo equitativo» ( 36 ).

    112.

    É certo que a decisão de recusa de execução de um mandado de detenção europeu não será automática. A proposta fundamentada é apenas um dos documentos que um órgão jurisdicional nacional pode ter em conta para efeitos da sua própria apreciação ( 37 ). No entanto, o Tribunal de Justiça sublinhou, no n.o 61 do Acórdão LM, que uma proposta fundamentada nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE constitui um documento particularmente pertinente ( 38 ). É certo que esse acórdão fazia referência a uma proposta fundamentada adotada pela Comissão. Todavia, na minha opinião, essa afirmação foi simplesmente formulada à luz do quadro factual desse acórdão. Não a interpreto, certamente, como uma indicação da intenção de destacar a proposta fundamentada da Comissão em detrimento das propostas fundamentadas que podem ser adotadas pelos outros dois atores previstos no artigo 7.o, n.o 1, TUE ( 39 ).

    113.

    Assim, não há nenhuma consequência automaticamente associada à existência neste domínio de uma proposta fundamentada. No entanto, é difícil sustentar que um elemento que, conforme prolação com força vinculativa do Tribunal de Justiça, pode servir de fundamento a uma recusa de confiança mútua e à suspensão do reconhecimento mútuo não tem efeitos jurídicos. Um documento indubitavelmente jurídico, não um simples facto, que pode ser legalmente utilizado para afastar várias obrigações essenciais de direito primário e de direito derivado que incumbem aos Estados‑Membros por força do direito da União, é desprovido de efeitos jurídicos?

    114.

    Considero que esta sugestão não pode ser acolhida. Com efeito, de um ponto de vista prático, dificilmente se poderá subestimar a importância de tais declarações com força vinculativa provenientes de um nível europeu. É improvável que um órgão jurisdicional penal de um Estado‑Membro, tipicamente um órgão jurisdicional penal de primeira instância competente para conhecer dos pedidos de entrega, tenha capacidade ou se considere competente para exercer uma fiscalização completa da qualidade do Estado de direito noutro Estado‑Membro. Por conseguinte, se esses atores são expressamente convidados a basear‑se em afirmações das instituições europeias, então, quando se trata de defender essas afirmações e aceitar as respetivas consequências a nível europeu, que incluem uma possibilidade de acesso razoável a um tribunal ( 40 ), o poder que foi previamente exercido e que começou a produzir efeitos jurídicos não pode subitamente desaparecer por entre uma «névoa de negação total de conhecimento», para recordar aqui uma das célebres frases dos «X‑Files».

    115.

    Por conseguinte, a Hungria tem um interesse claro em agir contra a resolução controvertida. Esta resolução não se limita a desencadear o artigo 7.o, n.o 1, TUE, habilitando assim o Conselho a verificar um risco manifesto de violação grave dos valores da União por um Estado‑Membro. Comporta, igualmente, consequências jurídicas autónomas para esse Estado‑Membro.

    116.

    Por conseguinte, o recurso de anulação da resolução controvertida interposto pela recorrente nos termos do artigo 263.o TFUE é admissível.

    B. Quanto ao mérito

    117.

    A recorrente invocou quatro fundamentos de recurso da resolução controvertida relativos ao mérito. Em primeiro lugar, abordarei (em conjunto) os dois fundamentos que sugerem, em substância, que, na contagem dos votos expressos, o recorrido deveria ter considerado as abstenções para determinar se a maioria exigida tinha sido alcançada. Em seguida, debruçar‑me‑ei brevemente sobre os outros dois fundamentos.

    1.   Quanto ao primeiro e terceiro fundamentos

    a)   Argumentos das partes

    118.

    Com o seu primeiro fundamento, a recorrente sustenta que a resolução controvertida não teria sido aprovada se as abstenções tivessem sido corretamente consideradas. O artigo 178.o, n.o 3, do Regimento prevê que só são considerados no cálculo dos votos expressos os votos «a favor» ou «contra», com uma exceção, introduzida em 2016: «salvo se for estabelecida uma maioria pelo Tratado». O artigo 354.o TFUE, que se aplica aos atos adotados pelo Parlamento nos termos do artigo 7.o TUE, prevê essa maioria sob a forma de dois terços dos votos expressos que representem a maioria dos MPE. A interpretação do artigo 178.o, n.o 3, do Regimento em conformidade com o artigo 354.o TFUE impõe que o sistema de contagem tenha em consideração as abstenções.

    119.

    Segundo o recorrido, o facto de as abstenções não serem consideradas não constitui uma violação do artigo 354.o TFUE nem do artigo 178.o, n.o 3, do Regimento. No mundo inteiro, as assembleias têm regras variáveis no que respeita à tomada em consideração das abstenções. Nos termos do artigo 232.o TFUE, o Parlamento decide da sua organização e funcionamento. Uma vez que o artigo 354.o TFUE não especifica a forma como devem ser tratadas as abstenções, cabe ao Parlamento tomar uma decisão sobre esta matéria. A este respeito, o Parlamento sempre seguiu uma prática coerente que consiste em não considerar as abstenções no cálculo dos votos expressos. A revisão de 2016 do Regimento não teve por objetivo consagrar uma exceção à regra geral por força da qual as abstenções não são consideradas.

    120.

    Segundo a interveniente, o artigo 354.o, quarto parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que impõe a obrigação de considerar as abstenções, à luz do disposto no artigo 354.o, primeiro parágrafo, TFUE. Uma vez que este último parágrafo prevê expressamente que as abstenções no Conselho ou no Conselho Europeu não impedem a adoção de uma decisão, a inexistência de idêntica exceção no artigo 354.o, quarto parágrafo, TFUE sugere que as abstenções devem ser tidas em consideração.

    121.

    Com o seu terceiro fundamento, a recorrente alega que, ao não terem sido consideradas as abstenções, não foi dada aos MPE a possibilidade de exercerem as suas funções de representantes dos cidadãos, o que constitui uma violação dos princípios da democracia e da igualdade de tratamento entre os MPE. Estes devem poder exprimir as suas opiniões políticas de diversas formas. Além disso, os MPE não foram corretamente informados das modalidades de votação, uma vez que essa informação só lhes foi comunicada, por correio eletrónico, um dia e meio antes da votação.

    122.

    Segundo o recorrido, este terceiro fundamento deve ser julgado manifestamente improcedente. O facto de as abstenções não serem consideradas não constitui uma desigualdade de tratamento entre os MPE. Todos os MPE dispõem do mesmo direito de voto e são livres de votar de acordo com as suas opiniões políticas e com pleno conhecimento do impacto que o seu voto terá no resultado final. Além disso, no caso em apreço, os MPE puderam fazer uma escolha esclarecida, dado que tomaram conhecimento, antes da votação, do modo exato como os votos seriam tidos em consideração.

    b)   Análise

    123.

    Enquanto o primeiro fundamento da recorrente é relativo à violação, pela resolução controvertida, do artigo 354.o TFUE e do artigo 178.o, n.o 3, do Regimento, o terceiro fundamento tem por objeto a violação dos princípios da democracia e da igualdade previstos, respetivamente, no artigo 2.o TUE e no artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). No entanto, os dois fundamentos resumem‑se, em substância, à mesma questão, a saber, se o facto de as abstenções não serem consideradas na contagem dos votos é compatível com diversas disposições do direito da União. Consequentemente, é preferível apreciá‑los em conjunto.

    124.

    Nos termos do artigo 231.o TFUE, «[s]alvo disposição em contrário dos Tratados, o Parlamento Europeu delibera por maioria dos votos expressos». O artigo 7.o TUE contém uma exceção a esta regra. Nos termos do artigo 7.o, n.o 5, TUE, «[a]s regras de votação aplicáveis, para efeitos do presente artigo, ao Parlamento Europeu […] são estabelecidas no artigo 354.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

    125.

    O artigo 354.o, quarto parágrafo, TFUE, dispõe que, «[p]ara efeitos do artigo 7.o do Tratado da União Europeia, o Parlamento Europeu delibera por maioria de dois terços dos votos expressos que representem a maioria dos membros que o compõem». Daqui resulta que o artigo 354.o TFUE exige dois tipos de maioria para efeitos da adoção de propostas fundamentadas instando o Conselho que delibere nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE: uma maioria de dois terços dos votos expressos e a maioria dos membros que o compõem ( 41 ).

    126.

    Apenas está aqui em causa o primeiro tipo de maioria. A divergência entre as partes no processo reside na definição de «votos expressos». Ao passo que a recorrente e a interveniente consideram que os «votos expressos» incluem as abstenções, o recorrido alega que este conceito apenas se refere aos votos expressos a favor ou contra a proposta.

    127.

    Na minha opinião, o recorrente tem razão quanto a este ponto.

    128.

    Em primeiro lugar, na linguagem comum, a palavra «abstenção» provém da palavra latina abstinere, que significa manter‑se à distância ou afastar‑se, conter‑se ou não participar, ou abster‑se/inibir‑se. Na mesma linha, o Oxford English Dictionary define «abstenção» da seguinte forma: «formally decline to vote either for or against a proposal or motion» (recusa formal de votar a favor ou contra uma proposta ou uma moção). Assim, uma pessoa que se abstém não deseja que o seu voto seja tido em conta a favor nem contra uma proposta. Apenas deseja não estar presente (ou se comporta como se não o estivesse). Recusa‑se a exprimir o seu voto e deseja que se considere que não votou.

    129.

    Por seu turno, a aceção natural de «voto expresso» implica que a pessoa tenha expressado ativamente a sua opinião através do voto, escolhendo uma de várias possibilidades. Nesse caso, a escolha pode assumir a forma de um voto a favor ou contra algo ou alguém, quer se trate de uma resolução, de uma lei ou de um relatório.

    130.

    Resulta da aceção conjugada dos termos «abstenções» e «voto expresso» que, em princípio, estes se excluem mutuamente. Esta conclusão lógica não é posta em causa por regras específicas estabelecidas para outros fins, nos termos das quais os MPE possam ser chamados a exprimir ativamente a sua abstenção ( 42 ). É evidente que essas regras têm um objeto muito diferente. Qualquer raciocínio «por analogia» com essas regras específicas para interpretar regras gerais em matéria de votação é simplesmente impossível.

    131.

    Em segundo lugar, na sua versão em vigor no momento da aprovação da resolução controvertida, o artigo 178.o, n.o 3, do Regimento, que é uma disposição geral em matéria de votações, precisava que, para a aprovação ou rejeição do texto, só serão considerados os votos a favor ou contra no cálculo dos votos expressos, salvo se for estabelecida uma maioria pelo Tratado. Por princípio, esta disposição exclui claramente as abstenções. Ao fazê‑lo, o Parlamento exerceu o seu poder de decisão relativo à organização e funcionamento próprios, conforme permitido pelo artigo 232.o TFUE.

    132.

    O facto de a revisão de 2016 do Regimento ter acrescentado ao seu artigo 178.o, n.o 3, a exceção «salvo se for estabelecida uma maioria pelo Tratado» não altera nada a este respeito. A redação utilizada nesta disposição é aberta, contendo apenas uma abertura legislativa e uma remissão para outras disposições.

    133.

    Todavia, nenhuma das disposições do direito primário invocadas pela recorrente permite concluir que, à luz dessas disposições, o artigo 178.o, n.o 3, do Regimento deve ser interpretado no sentido de que obriga o Parlamento a considerar as abstenções enquanto votos expressos para efeitos do cálculo da maioria de dois terços dos votos expressos que é necessária à adoção de uma proposta fundamentada, como a resolução controvertida, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE.

    134.

    Questionada a respeito deste ponto preciso na audiência, a recorrente apenas referiu o artigo 354.o TFUE. Com efeito, esta disposição prevê uma maioria específica (maioria de dois terços dos votos expressos que representem a maioria dos MPE que o compõem), mas não prevê regras derrogatórias específicas quanto à forma como os «votos expressos» devem ser tidos em consideração. Nesta fase, o raciocínio da recorrente torna‑se algo circular, preso em remissões cruzadas entre as mesmas disposições e sem que efetivamente essas remissões apontem noutro sentido. Em suma, o artigo 178.o, n.o 3, do Regimento limitou‑se a abrir uma possibilidade que nunca se concretizou.

    135.

    Em terceiro lugar, contrariamente ao que sustenta a recorrente, é dificilmente concebível que, ao escolherem livremente e soberanamente abster‑se, os MPE ficam impossibilitados de exercer as suas funções de representantes dos cidadãos. Com efeito, a decisão de se absterem foi uma escolha (política) deles. Além disso, as abstenções dos MPE são, por si só, uma forma de exprimir uma opinião política. Embora não sejam tidas em consideração como votos expressos, têm em geral um impacto direto no cálculo do número de votos necessário para alcançar a maioria exigida ( 43 ). São igualmente importantes em termos de legitimidade política. Geralmente, quanto mais elevada é a taxa de abstenção, menos legítima é a decisão política, independentemente de, em última análise, esta ser adotada.

    136.

    Em quarto e último lugar, no que respeita especificamente ao terceiro fundamento da recorrente, é certo que se pode considerar que o princípio da democracia consagra uma obrigação jurídica de previsibilidade das regras de votação. Ao votarem, os MPE devem ter conhecimento das regras aplicáveis ao processo de votação. Por exemplo, é certo que devem saber antes da votação quais são as suas modalidades.

    137.

    Todavia, no caso em apreço, não vejo de que forma se pode considerar que essas exigências não foram respeitadas. É pacífico que os MPE foram informados um dia e meio antes da votação que as abstenções não seriam tidas em consideração como votos expressos. Sem pretender entrar no debate do que constitui um prazo suficiente em política, esta informação relativa à organização de uma votação em concreto foi certamente comunicada em tempo útil. Também não vejo por que motivo a escolha de comunicar essa informação através do envio de um correio eletrónico aos membros não é completamente adequada à luz da natureza e da função dessa informação no século XXI.

    138.

    Por conseguinte, considero o primeiro e terceiro fundamentos improcedentes.

    2.   Quanto ao segundo fundamento

    139.

    A recorrente alega que o facto de o presidente do Parlamento Europeu não ter pedido parecer à Comissão dos Assuntos Constitucionais do Parlamento (a seguir «Comissão AFCO») sobre a forma de interpretar o Regimento constituiu uma violação da segurança jurídica, uma vez que, antes e depois da votação, a interpretação deste Regimento era incerta. Ao não consultar a Comissão AFCO sobre o método de votação, o presidente do Parlamento não cumpriu a obrigação de dissipar a incerteza. Consequentemente, a possibilidade de os MPE exercerem os seus direitos em matéria de voto na qualidade de representantes dos cidadãos foi seriamente comprometida.

    140.

    Na opinião do recorrido, o segundo fundamento deve ser julgado manifestamente improcedente. A recorrente não invoca uma violação da segurança jurídica. Não é certo se o segundo fundamento suscita a questão da invalidade do artigo 178.o, n.o 3, do Regimento à luz da segurança jurídica, da decisão do presidente de consultar o serviço jurídico, mas não a Comissão AFCO, ou da violação de formalidades essenciais na aprovação da resolução. Em todo o caso, o presidente não tem de consultar a Comissão AFCO sobre a interpretação do artigo 178.o, n.o 3, do Regimento.

    141.

    O segundo fundamento é manifestamente improcedente.

    142.

    Em circunstâncias como as do caso em apreço, o Regimento do Parlamento não prevê nenhuma obrigação de consultar a Comissão AFCO para efeitos de interpretação das regras de votação. Com efeito, o artigo 226.o, n.o 1, do Regimento prevê que, «em caso de dúvida quanto à aplicação ou à interpretação do presente Regimento, o Presidente pode decidir enviar a questão à comissão competente para apreciação» ( 44 ). Consequentemente, a votação da resolução controvertida pode ter lugar sem uma participação prévia da Comissão AFCO para efeitos de interpretação do Regimento.

    143.

    Assim, nada obriga o presidente do Parlamento a proceder da forma indicada pela recorrente. Fazer referência, neste contexto, ao princípio da segurança jurídica em nada altera esta conclusão. Além disso, com vista a garantir a segurança jurídica, não só o presidente pediu conselho ao Serviço Jurídico do Parlamento ( 45 ), apesar de não estar obrigado a fazê‑lo, como, antes da votação, todos os MPE foram informados da forma como os votos seriam tidos em consideração ( 46 ).

    3.   Quanto ao quarto fundamento

    144.

    Segundo a recorrente, a resolução controvertida violou os princípios da cooperação leal, da boa‑fé, da segurança jurídica e da confiança legítima. Ao elaborar a sua proposta de resolução, o recorrido não deveria ter invocado processos por incumprimento iniciados contra a recorrente que se encontram pendentes ou que foram encerrados pela Comissão. Uma vez que a Comissão, enquanto guardiã dos Tratados, considerou que não se justificava desencadear um processo nos termos do artigo 7.o TUE, outra instituição da União não pode basear‑se em processos de incumprimento encerrados para desencadear o processo do artigo 7.o TUE.

    145.

    Por seu turno, o recorrido considera que este fundamento deve ser julgado manifestamente improcedente. Não existe nenhuma base jurídica que permita concluir que os processos por incumprimento pendentes ou encerrados impedem o desencadeamento do processo do artigo 7.o TUE. Em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, TUE, o Parlamento dispõe de um poder discricionário para determinar os factos em que se baseia a sua posição.

    146.

    O quarto fundamento também é manifestamente improcedente.

    147.

    O artigo 7.o, n.o 1, TUE não limita as razões pelas quais pode ser adotada uma proposta fundamentada. Também não se pode seriamente alegar que existe outra disposição do direito da União, designadamente o dever de cooperação leal, que de algum modo limite a lista das fontes em que se pode basear uma proposta fundamentada nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE. Uma vez que esta proposta deve ser fundamentada, o Parlamento tem de se basear em elementos objetivos que sugiram a existência do risco em causa. A constatação anterior de um ou de vários incumprimentos pode indubitavelmente constituir um desses elementos, contribuindo assim para iniciar um processo contra o Estado‑Membro em causa nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE, desde que esses incumprimentos configurem uma violação dos valores da União. Assim, ao basear‑se em processos por incumprimento, estejam eles encerrados ou pendentes, a resolução controvertida não violou nenhum dos princípios invocados pela recorrente no âmbito do seu quarto fundamento.

    V. Despesas

    148.

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a recorrente sido vencida e tendo o recorrido pedido a sua condenação, há que condenar a recorrente nas despesas. Nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a interveniente deve suportar as suas próprias despesas.

    VI. Conclusão

    149.

    Proponho ao Tribunal de Justiça que:

    negue provimento ao recurso;

    condene a Hungria nas despesas; e

    condene a Polónia a suportar as suas próprias despesas.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) Resolução P8_TA‑PROV(2018)0340 (2017/2131(INL)).

    ( 3 ) Na sua versão aplicável à legislatura de 2014 a 2019, conforme alterada pela Decisão do Parlamento Europeu, de 13 de dezembro de 2016, sobre a revisão geral do Regimento do Parlamento.

    ( 4 ) P8_TA(2017)0216.

    ( 5 ) Relatório A8‑0250/2018 sobre uma proposta solicitando ao Conselho que, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, do Tratado da União Europeia, verifique a existência de um risco manifesto de violação grave pela Hungria dos valores em que a União assenta [2017/2131(INL)].

    ( 6 ) Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento (C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438).

    ( 7 ) V., por exemplo, Acórdãos de 26 de junho de 2012, Polónia/Comissão (C‑336/09 P, EU:C:2012:386, n.o 36 e jurisprudência referida); de 6 de outubro de 2015, Schrems (C‑362/14, EU:C:2015:650, n.o 60); e de 29 de maio de 2018, Liga van Moskeeën en Islamitische Organisaties Provincie Antwerpen e o. (C‑426/16, EU:C:2018:335, n.o 38).

    ( 8 ) V., por exemplo, Acórdãos de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.os 91 e 92); de 13 de março de 2018, Industrias Químicas del Vallés/Comissão (C‑244/16 P, EU:C:2018:177, n.o 102); e de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o. (C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923, n.o 54).

    ( 9 ) V., neste sentido, por exemplo, Acórdãos de 5 de dezembro de 2017, Alemanha/Conselho (C‑600/14, EU:C:2017:935, n.o 108), e de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão (C‑575/18 P, EU:C:2020:530, n.o 52).

    ( 10 ) V, por exemplo, Despacho de 27 de novembro de 2001, Portugal/Comissão (C‑208/99, EU:C:2001:638, n.o 23).

    ( 11 ) V., por exemplo, no que respeita ao artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE, Acórdãos de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 70); de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 40); e de 25 de junho de 2020, SATCEN/KF (C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 66). Para um exame pormenorizado do alcance da competência do Tribunal de Justiça em matéria de política externa e de segurança comum, v. as minhas Conclusões no processo SATCEN/KF (C‑14/19 P, EU:C:2020:220, n.os 51 a 89).

    ( 12 ) Em especial, o Círculo de Discussão sobre o Tribunal de Justiça só abordou a exclusão da fiscalização jurisdicional em matéria de política externa e de segurança comum (CONV 689/1/03 REV 1).

    ( 13 ) V. n.os 45 a 48 das presentes conclusões.

    ( 14 ) Antigo artigo L TUE.

    ( 15 ) Não só quanto ao processo do artigo 7.o TUE mas também e sobretudo quanto ao segundo e terceiro pilares não comunitários (política externa e de segurança comum e cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos).

    ( 16 ) V., supra, n.o 37 das presentes conclusões.

    ( 17 ) O artigo 269.o TFUE está redigido como uma disposição de atribuição de competência na maior parte das versões linguísticas, por exemplo nas versões checa, alemã, espanhola, inglesa ou italiana. Embora redigida em termos negativos («la Cour de justice n’est compétente […] que […]»), a versão em língua francesa não sugere de modo algum que o Tribunal de Justiça não seja competente no que respeita a atos que não tenham sido adotados pelo Conselho Europeu ou pelo Conselho. A sua redação apenas esclarece que a fiscalização jurisdicional destes atos é exercida segundo modalidades específicas e limitadas estabelecidas no artigo 269.o TFUE.

    ( 18 ) Discutida, precisamente neste contexto, nos n.os 82 a 102 das presentes conclusões.

    ( 19 ) Quanto à intensidade da fiscalização jurisdicional exercida pelo Tribunal de Justiça em função do domínio em causa, v. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão (C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.os 87 a 97). V., também, por exemplo, em relação a outro tipo de ato político do Parlamento Europeu, Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento (C‑261/13 P, EU:C:2014:2423, n.o 24), no qual o Tribunal de Justiça concluiu que o Parlamento dispunha de um amplo poder de apreciação de natureza política quanto ao seguimento a dar a uma petição. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que uma decisão tomada a este respeito não era suscetível de fiscalização jurisdicional.

    ( 20 ) V., por exemplo, Acórdãos de 23 de abril de 1986, Os Verdes/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166, n.o 23), e de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 281). O sublinhado é meu.

    ( 21 ) V., por exemplo, Acórdãos de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 41), e de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.os 72 e 73), nos quais o Tribunal de Justiça confirmou a sua competência apesar do artigo 275.o, primeiro parágrafo, TFUE.

    ( 22 ) Acórdão de 23 de abril de 1986, Os Verdes/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166).

    ( 23 ) V., por exemplo, Acórdãos de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho (C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.os 123, 124 e jurisprudência referida), e de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão (C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.o 95).

    ( 24 ) V., por exemplo, Acórdãos de 22 de junho de 2000, Países Baixos/Comissão (C‑147/96, EU:C:2000:335, n.o 26), e de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão (C‑521/06 P, EU:C:2008:422, n.o 42).

    ( 25 ) V., neste sentido, por exemplo, no que respeita ao processo orçamental, Acórdão de 27 de setembro de 1988, Parlamento/Conselho (302/87, EU:C:1988:461, n.os 23 e 24).

    ( 26 ) V., no que diz respeito à proposta de regulamento apresentada pela Comissão ao Conselho, Despacho de 15 de maio de 1997, Berthu/Comissão (T‑175/96, EU:T:1997:72, n.o 21).

    ( 27 ) Por exemplo, a proposta fundamentada da Comissão relativa ao Estado de direito na Polónia continha uma exposição de motivos muito longa, seguida de um projeto de proposta muito curto [COM(2017) 835 final)].

    ( 28 ) Sendo, a fortiori, diferente de um procedimento administrativo. Consequentemente, e a título de exemplo, considero a jurisprudência relativa aos auxílios de Estado (por exemplo, Acórdão de 9 de outubro de 2001, Itália/Comissão (C‑400/99, EU:C:2001:528, n.os 62 e 63) pouco pertinente a este respeito.

    ( 29 ) V., por exemplo, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão (C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.os 53 e 54).

    ( 30 ) V. designação dada a esse processo pelo artigo 354.o, primeiro parágrafo, TFUE: «artigo 7.o do Tratado da União Europeia, relativo à suspensão de certos direitos resultantes da qualidade de membro da União». Esta redação sugere claramente que as medidas sancionatórias constituem o «auge» do artigo 7.o TUE.

    ( 31 ) V., por exemplo, Acórdãos de 13 de novembro de 2014, Nencini/Parlamento (C‑447/13 P, EU:C:2014:2372, n.o 48), e de 14 de junho de 2016, Marchiani/Parlamento (C‑566/14 P, EU:C:2016:437, n.o 96).

    ( 32 ) V., por exemplo, por analogia, Acórdãos de 12 de fevereiro de 2015, Parlamento/Conselho (C‑48/14, EU:C:2015:91, n.os 57 e 58), e de 21 de junho de 2018, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑5/16, EU:C:2018:483, n.o 90). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Comissão/Países Baixos (C‑523/04, EU:C:2006:717, n.os 52 a 126), relativamente ao alegado pelos Países Baixos, em matéria de cooperação leal, sobre a natureza tardia da decisão da Comissão de iniciar um processo por incumprimento contra este Estado‑Membro.

    ( 33 ) V., por exemplo, Acórdãos de 19 de julho de 2016, H/Conselho e o. (C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 41); e de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.os 72 e 73).

    ( 34 ) V., por exemplo, Parecer 2/13 (Adesão da União Europeia à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.o 161), e Acórdão de 10 de maio de 2017, de Lobkowicz (C‑690/15, EU:C:2017:355, n.o 40).

    ( 35 ) Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586).

    ( 36 ) Ibidem, n.o 79. O sublinhado é meu.

    ( 37 ) O cenário evocado pelo Tribunal de Justiça já não é, contudo, uma simples hipótese. V., por exemplo, Decisão de 17 de fevereiro de 2020 do Oberlandesgericht Karlsruhe (Tribunal Regional Superior de Karlsruhe, Alemanha) (301 AR 156/19), e pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos) em 3 de setembro de 2020, que é objeto do processo C‑412/20 PPU.

    ( 38 ) «As informações que figuram numa proposta fundamentada recentemente dirigida pela Comissão ao Conselho com fundamento no artigo 7.o, n.o 1, TUE constituem elementos particularmente pertinentes para efeitos dessa avaliação» (n.o 61 do acórdão). O sublinhado é meu.

    ( 39 ) Na mesma linha do referido supra, no n.o 91 das presentes conclusões. Na lógica do artigo 7.o, n.o 1, TUE, uma proposta fundamentada é uma proposta fundamentada, independentemente do ator que a adotou, de entre os três nele referidos.

    ( 40 ) Na mesma linha, sobre a necessária correlação entre, por um lado, a ação da União e, por outro, o necessário acesso aos tribunais para impugnar essa ação, v. minhas Conclusões no processo Région de Bruxelles‑Capitale/Comissão (C‑352/19 P, EU:C:2020:588, n.os 80 e 126 a 136).

    ( 41 ) V., igualmente, artigo 83.o, n.o 3, do Regimento do Parlamento Europeu, referido supra no n.o 9 das presentes conclusões.

    ( 42 ) Como o artigo 180.o, n.o 3, que regula a votação nominal em caso de falha do sistema de votação eletrónica, o qual prevê, logicamente, três opções suscetíveis de serem expressas («sim», «não» ou «abstenção»); ou eventuais regras especiais relativas à remuneração dos MPE, que estão obrigados a demonstrar a sua presença física no Parlamento, as quais são cumpridas ainda que os seus votos não sejam registados como «sim» nem «não» por ocasião dos votos individuais.

    ( 43 ) Geralmente, as abstenções reduzem o número de votos a favor necessários em caso de votação por maioria simples dos membros presentes. É também por esta razão que, para determinados tipos de votação, são estabelecidas maiorias específicas, que exigem não apenas a presença de um determinado número de membros que exprimam o seu voto mas também que se alcance um determinado limiar da totalidade dos membros que constituem a assembleia legislativa.

    ( 44 ) O sublinhado é meu. Mais genericamente, o artigo 83.o, n.o 1, do Regimento, que prevê o procedimento a seguir pelo Parlamento para efeitos de aprovação de uma proposta fundamentada nos termos do artigo 7.o, n.o 1, TUE, impõe unicamente a elaboração de um relatório específico pela comissão competente (a saber, a Comissão LIBE e não a Comissão AFCO) antes da votação. A participação formal da comissão competente só está prevista mais tarde, na fase da aprovação pelo Parlamento de uma determinação do Conselho e no âmbito das medidas de acompanhamento tomadas com base na sua aprovação (v. artigo 83.o, n.os 2, 4 e 5, do Regimento).

    ( 45 ) V., supra, n.o 14 das presentes conclusões.

    ( 46 ) V., supra, n.os 16 e 137 das presentes conclusões.

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