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Document 62011CJ0037

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 18 de outubro de 2012.
    Comissão Europeia contra República Checa.
    Incumprimento de Estado ― Admissibilidade ― Regulamento n.° 1234/2007 ― Artigo 115.° ― Anexo XV ― Ponto I, n.° 2 ― Apêndice ao Anexo XV ― Parte A ― Denominações de venda ‘manteiga’ e ‘creme lácteo para barrar’ ― Denominação de venda ‘pomazánkové máslo’ (manteiga para barrar) ― Lista de derrogações.
    Processo C‑37/11.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:640

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    18 de outubro de 2012 ( *1 )

    «Incumprimento de Estado — Admissibilidade — Regulamento n.o 1234/2007 — Artigo 115.o — Anexo XV — Ponto I, n.o 2 — Apêndice ao Anexo XV — Parte A — Denominações de venda ‘manteiga’ e ‘creme lácteo para barrar’ — Denominação de venda ‘pomazánkové máslo’ (manteiga para barrar) — Lista de derrogações»

    No processo C-37/11,

    que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, entrada em 25 de janeiro de 2011,

    Comissão Europeia, representada por Z. Malůšková e H. Tserepa-Lacombe, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    contra

    República Checa, representada por M. Smolek, T. Müller e J. Očková, na qualidade de agentes,

    demandada,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Tizzano, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, A. Borg Barthet, E. Levits (relator), J.-J. Kasel e M. Safjan, juízes,

    advogado-geral: P. Mengozzi,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com a sua petição, a Comissão Europeia pede que o Tribunal de Justiça declare que, ao definir no artigo 1.o, n.o 2, alínea q), do Decreto do Ministério da Agricultura n.o 77/2003, de 6 de março de 2003, a «pomazánkové máslo» como um produto lácteo fabricado a partir de nata acidificada enriquecida com leite em pó ou com leitelho em pó, de um teor em peso de matérias gordas lácteas igual ou superior a 31% e de um teor em peso de matérias secas igual ou superior a 42%, e ao autorizar a comercialização deste tipo de produto sob a denominação de venda «pomazánkové máslo», a República Checa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 115.o do Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho, de 22 de outubro de 2007, que estabelece uma organização comum dos mercados agrícolas e disposições específicas para certos produtos agrícolas (Regulamento «OCM única») (JO L 299, p. 1, e retificação no JO 2009, L 144, p. 27), lido em conjugação com o ponto I, n.o 2, primeiro e segundo parágrafos, do Anexo XV deste regulamento e a parte A, pontos 1 e 4, do apêndice a este anexo.

    Quadro jurídico

    Regulamentação da União

    2

    O Regulamento n.o 1234/2007 substituiu o Regulamento (CE) n.o 2991/94 do Conselho, de 5 de dezembro de 1994, que institui normas relativas às matérias gordas para barrar (JO L 316, p. 2), do qual retomou todas as disposições. O Regulamento n.o 1234/2007 estabelece as regras relativas à utilização da denominação de venda de manteiga e de outras matérias gordas para barrar.

    3

    O artigo 115.o deste regulamento sob a epígrafe «Normas de comercialização das matérias gordas», prevê:

    «[…] [A]s normas estabelecidas no Anexo XV aplicam-se aos seguintes produtos com teor de matérias gordas igual ou superior a 10% e inferior a 90%, em peso, destinados ao consumo humano:

    a)

    Matérias gordas lácteas dos códigos NC 0405 e ex 2106;

    […]»

    4

    O artigo 121.o, alínea c), do Regulamento n.o 1234/2007 dispõe:

    «A Comissão aprova as regras de execução do presente capítulo, que podem, designadamente, dizer respeito:

    […]

    c)

    No que respeita às normas relativas às matérias gordas para barrar referidas no artigo 115.o:

    i)

    à lista dos produtos a que se refere a alínea a) do terceiro parágrafo do ponto I.2 do Anexo XV, com base nas listas enviadas à Comissão pelos Estados-Membros;

    […]»

    5

    No que respeita às denominações de venda, o ponto I, n.o 2, primeiro e segundo parágrafos, do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 enuncia:

    «As denominações de venda [das matérias gordas lácteas para barrar] são as indicadas no apêndice, sem prejuízo do disposto no n.o 2 do ponto II ou nos n.os 2 e 3 do ponto III do presente anexo.

    As denominações de venda indicadas no apêndice são reservadas aos produtos nele definidos.»

    6

    A parte A do apêndice ao Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 descreve, por um lado, a manteiga como um «produto com um teor de matéria gorda láctea mínimo de 80% e máximo de 90% e teores máximos de água de 16%, e de matérias lácteas secas e não gordas de 2%», e, por outro lado, o creme lácteo para barrar a X% como um «produto com os seguintes teores de matéria gorda láctea», a saber «inferior a 39%», «superior a 41% e inferior a 60%» e «superior a 62% e inferior a 80%».

    7

    O terceiro parágrafo do n.o 2 do ponto I do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 prevê:

    «Todavia, o disposto no presente número não é aplicável:

    a)

    À designação de produtos cuja natureza exata seja claramente dedutível da utilização tradicional dos mesmos e/ou se as designações em causa forem claramente utilizadas para descrever uma qualidade característica dos produtos;

    […]»

    8

    O Regulamento (CE) n.o 445/2007 da Comissão, de 23 de abril de 2007, que estabelece determinadas regras de execução do Regulamento n.o 2991/94 e do Regulamento (CEE) n.o 1898/87 do Conselho relativo à proteção da denominação do leite e dos produtos lácteos aquando da sua comercialização (JO L 106, p. 24), substituiu o Regulamento (CE) n.o 577/97 da Comissão, de 1 de abril de 1997, que estabelece determinadas regras de execução do Regulamento n.o 2991/94 e do Regulamento n.o 1898/87 (JO L 87, p. 3), e contém, no seu Anexo I, a lista dos produtos que beneficiam da derrogação prevista no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007.

    Regulamentação checa

    9

    O Decreto n.o 77/2003 define as exigências aplicáveis ao leite e aos produtos lácteos, aos gelados e às gorduras e aos óleos comestíveis.

    10

    Por força do artigo 1.o, n.o 2, deste decreto:

    «Para efeitos do presente decreto, entende-se por:

    […]

    q)

    ‘manteiga para barrar’, o produto lácteo fabricado a partir de nata acidificada enriquecida com leite em pó ou com leitelho em pó, de um teor em peso de matérias gordas lácteas igual ou superior a 31% e de um teor em peso de matérias secas igual ou superior a 42%».

    Antecedentes do litígio e procedimento pré-contencioso

    11

    A «pomazánkové máslo» (manteiga para barrar) é um produto semelhante à manteiga, que é utilizado como pasta de barrar, mas também na confeção de natas, de pastas de barrar e de pastas.

    12

    A «pomazánkové máslo» tem um teor em peso de matérias gordas lácteas igual ou superior a 31%, um teor em peso de matérias secas igual ou superior a 42% e um teor de água que pode atingir os 58%.

    13

    Tendo em conta as suas características, a «pomazánkové máslo» não cumpre as exigências enunciadas no Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 para ser comercializada sob a denominação de venda «manteiga».

    14

    Após o indeferimento de um primeiro pedido de aplicação da derrogação prevista no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 à «pomazánkové máslo», a República Checa informou a Comissão de que renunciava à inscrição desse produto no anexo do Regulamento n.o 577/97. Todavia, em 14 de março de 2007, esse Estado-Membro reiterou o seu pedido. A «pomazánkové máslo» não foi, contudo, incluída na lista constante do anexo deste regulamento.

    15

    Uma vez que a República Checa não alterou a sua legislação, a Comissão enviou-lhe uma notificação para cumprir em 6 de junho de 2008, na qual recordou que, na medida em que a «pomazánkové máslo» apenas contém 31% de matérias gordas lácteas, não pode ser comercializada sob a designação «máslo» (manteiga), devendo ter a denominação «mléčná pomazánka X%» (creme lácteo para barrar a X%), nos termos do apêndice ao Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007.

    16

    Na sua resposta de 6 de agosto de 2008 a essa notificação para cumprir, a República Checa indicou que, apesar de a «pomazánkové máslo» não cumprir o critério de um teor de matérias gordas lácteas igual ou superior a 80%, considerava, por um lado, que o consumidor distinguia claramente esse produto da manteiga e, por outro, que o referido produto beneficiava, de forma automática, da derrogação prevista no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007, sem que a Comissão tivesse de adotar uma disposição de execução nesse sentido.

    17

    Por ofício de 3 de novembro de 2009, a Comissão enviou um parecer fundamentado a esse Estado-Membro, rejeitando os argumentos por este último invocados e pedindo-lhe que desse cumprimento ao referido parecer fundamentado num prazo de dois meses a contar da receção do mesmo.

    18

    No dito parecer fundamentado, a Comissão invocou, nomeadamente, o facto de o Regulamento n.o 445/2007 constituir uma forma imperativa de execução da derrogação visada no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007, não devendo ser feita uma aplicação implícita desta disposição. Além disso, essa instituição sublinhou que a República Checa nunca contestou, nos prazos de recurso previstos para o efeito, o indeferimento do seu pedido de inscrição da «pomazánkové máslo» na lista constante do Anexo I do Regulamento n.o 445/2007. Por conseguinte, já não era possível uma reapreciação desta decisão.

    19

    Na sua resposta de 22 de dezembro de 2009, a República Checa alegou que o ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 é uma disposição diretamente aplicável que permite que qualquer produto que cumpra os critérios previstos beneficie da derrogação referida nesta disposição, sem que uma intervenção da Comissão seja necessária. A este respeito, esse Estado-Membro considerou que a «pomazánkové máslo» preenchia o conjunto desses critérios.

    20

    Não tendo ficado satisfeita com essa resposta, a Comissão intentou a presente ação.

    Quanto à ação

    Argumentos das partes

    21

    A título principal, a Comissão acusa a República Checa de uma violação do ponto I, n.o 2, do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007, lido em conjugação com a parte A, pontos 1 e 4, do apêndice ao referido anexo.

    22

    Na medida em que a «pomazánkové máslo» não tem um teor em matérias gordas lácteas superior ou igual a 80% e um teor máximo de água de 16%, não pode ser comercializada sob uma denominação de venda que contenha a palavra «manteiga», ou seja, «máslo» na língua checa.

    23

    Ora, ao permitir o uso da denominação «manteiga» para a pasta para barrar em causa, a legislação checa compromete os objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 1234/2007, o qual visa proteger o consumidor de qualquer risco de confusão em relação ao produto que compra e garantir uma concorrência leal.

    24

    O produto em causa deve imperativamente ser comercializado sob a denominação de venda «creme para barrar a X%», nos termos do ponto I, n.o 2, primeiro parágrafo, do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007, lido em conjugação com a parte A, ponto 4, do apêndice ao referido anexo.

    25

    Além disso, a Comissão sublinha que, para que um produto que não cumpra os critérios previstos no ponto I, n.o 2, do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007, lido em conjugação com a parte A, ponto 1, do apêndice ao referido anexo, seja comercializado sob a denominação «manteiga», deve ser inscrito no Anexo I do Regulamento n.o 445/2007. Ora, este não foi o caso da «pomazánkové máslo».

    26

    Um pedido neste sentido apresentado pela República Checa foi indeferido nos ofícios de 23 de setembro de 2005 e 27 de agosto de 2007, sem que este indeferimento tenha sido contestado. Nestas condições, esse Estado-Membro já não pode invocar a ilegalidade do dito indeferimento para se defender no âmbito da presente ação por incumprimento.

    27

    A título subsidiário, a Comissão recorda que a inscrição de um produto na lista em anexo ao Regulamento n.o 445/2007 é imperativa para efeitos da execução, no que respeita a esse produto, da derrogação prevista no Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007. Tal inscrição requer necessariamente a intervenção da Comissão, como resulta do artigo 121.o, alínea c), i), do referido regulamento.

    28

    Para este efeito, a Comissão recebe os pedidos de inscrição dos Estados-Membros e decide inscrever ou não o produto em causa na lista prevista no Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007. Um produto nunca pode beneficiar desta derrogação apenas por preencher objetivamente as exigências fixadas no ponto I, n.o 2, do referido anexo.

    29

    De qualquer forma, esse não é o caso da «pomazánkové máslo», na medida em que não dispõe, em particular, de uma natureza suficientemente distinta da do produto protegido, a saber, a manteiga.

    30

    A título principal, a República Checa alega que a presente ação por incumprimento deve ser declarada inadmissível.

    31

    Segundo esse Estado-Membro, a Comissão não consultou o comité de gestão previsto no artigo 4.o da Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO L 184, p. 23), antes de indeferir o seu pedido de inscrição da «pomazánkové máslo» na lista em anexo ao Regulamento n.o 445/2007. Ora, a Comissão tinha a obrigação de iniciar o processo de consulta deste comité, uma vez que tinha recebido um pedido de um Estado-Membro e, em particular, não lhe era favorável.

    32

    Nestas condições, através da presente ação, a Comissão opõe o seu próprio incumprimento à República Checa, na medida em que a conformidade da legislação nacional em causa deve ser apreciada relativamente a um ato do direito da União que resulta de um comportamento ilegal dessa instituição.

    33

    Quanto a este ponto, a Comissão responde que o respeito dos requisitos de admissibilidade da sua ação apenas deve ser apreciado à luz do artigo 258.o TFUE. Além disso, o objeto da ação limita-se à verificação da conformidade da legislação nacional com o direito da União, a saber, com o ponto I, n.o 2, do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007, lido em conjugação com a parte A, ponto 1, do apêndice ao referido anexo.

    34

    A título subsidiário, quanto à procedência da dita ação por incumprimento, a República Checa sublinha, em primeiro lugar, que nem o grafismo da inscrição da «pomazánkové máslo» nem as questões relativas a distorções de concorrência são pertinentes, contrariamente ao que a Comissão alega.

    35

    Em segundo lugar, esse Estado-Membro nunca teve a ocasião de contestar qualquer decisão da Comissão relativa à não inscrição da «pomazánkové máslo» na lista em anexo ao Regulamento n.o 445/2007.

    36

    Por um lado, os ofícios da Comissão de 23 de setembro de 2005 e 27 de agosto de 2007 não podem ser qualificados de «atos» na aceção do artigo 263.o TFUE. Por outro lado, tendo em conta os vícios processuais que caracterizavam a adoção desses atos, os mesmos são necessariamente inexistentes.

    37

    Em terceiro lugar, a derrogação em matéria da denominação tradicional, prevista no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007, permite o uso da denominação «manteiga» de forma implícita, sem autorização prévia, uma vez que o produto em causa preenche o critério previsto nesta disposição, a saber, a utilização tradicional da denominação em causa. Por conseguinte, a lista em anexo ao Regulamento n.o 445/2007 não tem um caráter imperativo.

    38

    Em quarto lugar, a República Checa contesta os critérios de execução da derrogação prevista no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007, como apresentados pela Comissão.

    39

    Segundo a Comissão, antes de mais, os ofícios de 23 de setembro de 2005 e 27 de agosto de 2007 indicavam claramente que o pedido de inscrição da «pomazánkové máslo» na lista em anexo ao Regulamento n.o 445/2007 tinha sido indeferido, constituindo, portanto, atos suscetíveis de recurso, na aceção do artigo 263.o TFUE.

    40

    Em seguida, essa instituição alega que não era obrigada a dar início ao procedimento de gestão previsto nos artigos 4.° e 7.° da Decisão 1999/468, uma vez que tinha adotado a decisão de não inscrever a «pomazánkové máslo» na referida lista.

    41

    Por último, recorda que a derrogação prevista no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 não pode abranger os produtos suscetíveis de substituírem os produtos cuja denominação está protegida pelo dito regulamento.

    Apreciação do Tribunal

    Quanto à admissibilidade

    42

    A título liminar, há que recordar que, antes de a Comissão ter intentado o presente processo por incumprimento, a República Checa tinha por diversas vezes apresentado pedidos que visavam a inscrição da «pomazánkové máslo» na lista constante do Anexo I do Regulamento n.o 445/2007, os quais foram indeferidos.

    43

    A este respeito, o referido Estado-Membro alegou, em primeiro lugar, que a decisão de indeferimento do seu pedido de inscrição da «pomazánkové máslo» na referida lista padece de um vício processual, estando a Comissão, com a sua ação por incumprimento, a tentar opor-lhe um comportamento ilegal. Em segundo lugar, julgar a presente ação por incumprimento admissível viola a integridade do sistema de vias de recurso instituído pelo Tratado FUE.

    44

    Importa desde já recordar que a Comissão baseia a sua ação na violação das disposições do Regulamento n.o 1234/2007 por parte da República Checa.

    45

    Por conseguinte, a República Checa alega erradamente que, através da sua ação, a Comissão pretende opor-lhe o seu próprio incumprimento. Com efeito, esse Estado-Membro não contesta que a «pomazánkové máslo» não cumpre as exigências da parte A do apêndice ao Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 para ser comercializada sob a denominação de venda «manteiga». De igual modo, é pacífico que a lista constante do Anexo I do Regulamento n.o 445/2007 não inclui o produto denominado «pomazánkové máslo».

    46

    De qualquer forma, há que recordar que o sistema das vias de recurso criado pelo Tratado distingue as ações previstas nos artigos 258.° TFUE e 259.° TFUE, que se destinam a obter a declaração de que um Estado-Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem, e os recursos previstos nos artigos 263.° TFUE e 265.° TFUE, que se destinam a controlar a legalidade dos atos ou omissões das instituições da União. Essas vias de recurso têm em vista objetivos distintos e estão sujeitas a regras diferentes. Um Estado-Membro não pode, por isso, utilmente, não existindo uma disposição do Tratado que aí expressamente o autorize, invocar a ilegalidade de uma decisão de que é destinatário como fundamento de defesa contra uma ação por incumprimento fundada no desrespeito dessa decisão. Só assim não seria se o ato em causa estivesse afetado por vícios particularmente graves e evidentes, a ponto de poder ser qualificado de ato inexistente (v. acórdãos de 1 de junho de 2006, Comissão/Itália, C-207/05, n.os 40 a 43, e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Espanha, C-177/06, Colet., p. I-7689, n.os 30 e 31).

    47

    Por conseguinte, por um lado, a República Checa não pode utilmente invocar argumentos, no âmbito da presente ação por incumprimento, que coloquem em causa a legalidade da decisão da Comissão de não inscrever o produto em causa na lista constante do Anexo I do Regulamento n.o 445/2007.

    48

    Com efeito, competia a esse Estado-Membro contestar a legalidade da mesma decisão através do recurso previsto no artigo 263.o TFUE, no prazo estabelecido por essa disposição, e invocar, unicamente nesse contexto, os argumentos que visavam pôr em causa a legalidade dessa decisão.

    49

    Por outro lado, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, a gravidade das consequências associadas à declaração de inexistência de um ato das instituições da União exige, por razões de segurança jurídica, que tal declaração seja reservada a hipóteses extremas (v. acórdão de 5 de outubro de 2004, Comissão/Grécia, C-475/01, Colet., p. I-8923, n.o 20).

    50

    No presente processo, mesmo que se considere que a Comissão não respeitou o procedimento previsto no Regulamento n.o 1234/2007 para a adoção da decisão de indeferimento da inscrição da «pomazánkové máslo» na lista constante do Anexo I do Regulamento n.o 445/2007, tal vício processual não pode pôr em causa a própria existência dessa decisão.

    51

    De qualquer forma, há que sublinhar que a alegada inexistência da decisão de indeferimento de inscrição adotada pela Comissão não pode ter qualquer influência na situação de incumprimento da República Checa, uma vez que uma declaração de inexistência não pode, em princípio, nas circunstâncias recordadas no n.o 45 do presente acórdão, substituir a decisão da Comissão de inscrever a «pomazánkové máslo» na referida lista.

    52

    Por conseguinte, há que julgar a ação da Comissão admissível.

    Quanto ao mérito

    53

    A título liminar, importa recordar que a República Checa reconhece que a «pomazánkové máslo» não cumpre as características previstas no ponto I, n.o 2, do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007, lido em conjugação com a parte A, ponto 1, do apêndice ao referido anexo, para ser comercializada sob a denominação «manteiga». De igual modo, é pacífico que esse produto não está inscrito na lista constante do Anexo I do Regulamento n.o 445/2007, que faz o repertório dos produtos que não estão sujeitos a restrições em matéria de denominações reservadas pelo facto de a sua natureza exata decorrer claramente da sua utilização tradicional e/ou pelo facto de a sua denominação ser manifestamente utilizada para descrever uma das suas qualidades caracterizadoras.

    54

    A República Checa considera, todavia, que a derrogação prevista no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 deve ser aplicada sem autorização prévia, uma vez que o produto em causa tem as características que aí estão prescritas.

    55

    Esta interpretação não pode, contudo, ser acolhida.

    56

    Com efeito, em primeiro lugar, resulta do considerando 51 do Regulamento n.o 1234/2007 que o Regulamento n.o 2991/94 definiu normas de comercialização dos produtos lácteos, com uma classificação clara e distinta, acompanhada de regras relativas à denominação que convém manter, nos termos dos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 1234/2007.

    57

    Neste contexto, há que recordar que, nos termos do considerando 7 do Regulamento n.o 2991/94, este último visa estabelecer uma classificação uniforme das matérias gordas para barrar, no âmbito da qual a derrogação prevista no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 é necessariamente uma exceção.

    58

    Em segundo lugar, o artigo 121.o, alínea c), i), do Regulamento n.o 1234/2007 habilita expressamente a Comissão a aprovar as regras de execução das derrogações às regras prescritas por este regulamento e, em particular, a estabelecer a lista dos produtos que, com base nas listas enviadas pelos Estados-Membros, beneficiam da referida derrogação.

    59

    A este respeito, nos termos do considerando 4 do Regulamento n.o 445/2007, é indicado, para definir de forma precisa o âmbito das derrogações previstas pelo Regulamento n.o 2991/94, estabelecer uma lista exaustiva das denominações em causa, acompanhada de uma descrição dos produtos a que se referem.

    60

    Por conseguinte, resulta do conjunto destes elementos que a República Checa não pode alegar que os produtos que cumprem as exigências previstas no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 podem beneficiar da derrogação prevista por esta disposição sem uma decisão prévia da Comissão que declare que essas exigências foram cumpridas.

    61

    Com efeito, se a argumentação desse Estado-Membro fosse acolhida, colocaria em causa, por um lado, a competência da Comissão, como lhe foi delegada pelo Conselho da União Europeia nos termos do artigo 121.o, alínea c), i), do Regulamento n.o 1234/2007, para adotar as regras de execução deste regulamento, bem como, por outro, o efeito útil do referido regulamento, na medida em que este último visa uniformizar o uso das denominações comerciais, tendo em vista preservar a concorrência e proteger os consumidores.

    62

    Consequentemente, resulta do conjunto destas considerações que a ação da Comissão deve ser julgada procedente.

    63

    Por conseguinte, há que concluir que, ao autorizar a venda de «pomazánkové máslo» (manteiga para barrar) sob a denominação «máslo» (manteiga), apesar de este produto ter um teor em matérias gordas lácteas inferior a 80% e teores de água e matérias secas não gordas, respetivamente, superiores a 16% e 2%, a República Checa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 115.o do Regulamento n.o 1234/2007, lido em conjugação com o ponto I, n.o 2, primeiro e segundo parágrafos, do Anexo XV do referido regulamento e a parte A, pontos 1 e 4, do apêndice a este anexo.

    Quanto às despesas

    64

    Nos termos do artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Checa e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

     

    1)

    Ao autorizar a venda de «pomazánkové máslo» (manteiga para barrar) sob a denominação «máslo» (manteiga), apesar de este produto ter um teor em matérias gordas lácteas inferior a 80% e teores de água e matérias secas não gordas, respetivamente, superiores a 16% e 2%, a República Checa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 115.o do Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho, de 22 de outubro de 2007, que estabelece uma organização comum dos mercados agrícolas e disposições específicas para certos produtos agrícolas (Regulamento «OCM única»), lido em conjugação com o ponto I, n.o 2, primeiro e segundo parágrafos, do Anexo XV do referido regulamento e a parte A, pontos 1 e 4, do apêndice a este anexo.

     

    2)

    A República Checa é condenada nas despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: checo.

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