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Document 62009CC0265

    Conclusões do advogado-geral Bot apresentadas em 6 de Maio de 2010.
    Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) contra BORCO-Marken-Import Matthiesen GmbH & Co. KG.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral - Marca comunitária - Pedido de registo do sinal figurativo ‘α’ - Motivos absolutos de recusa - Carácter distintivo - Marca constituída por uma única letra.
    Processo C-265/09 P.

    Colectânea de Jurisprudência 2010 I-08265

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:256

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    YVES BOT

    apresentadas em 6 de Maio de 2010 1(1)

    Processo C‑265/09 P

    Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI)

    contra

    BORCO‑Marken‑Import Matthiesen GmbH & KG

    «Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Marca comunitária – Sinal constituído por uma letra – Motivos absolutos de recusa de registo – Regulamento (CE) n.° 40/94 – Artigo 7.°, n.° 1, alínea b) – Carácter distintivo – Método de apreciação – Análise concreta por referência aos produtos ou serviços visados no pedido de registo»





    1.        O Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) pode excluir a priori, no quadro do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (2), o registo, como marca comunitária, de uma letra não estilizada sem violar o referido regulamento?

    2.        É essencialmente esta a questão suscitada pelo presente recurso, que o IHMI interpôs do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 29 de Abril de 2009, BORCO‑Marken‑Import Matthiesen/IHMI (α) (3).

    3.        No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância julgou procedente o recurso de anulação que a BORCO‑Marken‑Import Matthiesen GmbH & Co. KG (a seguir «BORCO») interpôs da decisão da Quarta Câmara de Recurso do IHMI de 30 de Novembro de 2006 (a seguir «decisão controvertida»), pela qual esta Câmara, com base no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, recusou o pedido de registo do sinal «α» por ser destituído de carácter distintivo. Efectivamente, o Tribunal de Primeira Instância considerou que o método utilizado pelo IHMI para apreciar o carácter distintivo deste sinal não respeita a referida disposição porquanto não procedeu ao exame concreto do carácter distintivo do sinal em causa relativamente aos produtos designados no pedido de registo. O Tribunal de Primeira Instância decidiu, assim, que o IHMI deveria reexaminar esse pedido.

    4.        No presente recurso, o IHMI considera que o acórdão recorrido padece de um erro de direito na interpretação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, na medida em que, ao contrário do que o Tribunal de Primeira Instância entende, não estava obrigado a proceder a esse exame no que diz respeito ao sinal controvertido.

    5.        Nas presentes conclusões, exporemos as razões pelas quais consideramos que as críticas do IHMI relativamente ao entendimento do Tribunal de Primeira Instância, são desprovidas de fundamento. Com efeito, explicaremos que, a partir do momento em que, nos termos do artigo 4.° do regulamento, as letras integram os sinais susceptíveis de registo, a apreciação do seu carácter distintivo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, deve efectuar‑se no contexto de cada caso, tendo em conta a natureza e as características específicas dos produtos visados no pedido de registo. Como o Tribunal de Primeira Instância, consideramos, assim, que, ao não ter procedido ao exame concreto do carácter distintivo do sinal em causa, o IHMI acabou por criar, no quadro do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, uma exclusão a priori de registo de letras não estilizadas, tendo, desse modo, violado o regulamento. Por conseguinte, proporemos ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente o presente recurso.

    I –    Quadro jurídico

    6.        Nos termos do artigo 4.° do regulamento, sob a epígrafe «Sinais susceptíveis de constituir uma marca comunitária»:

    «Podem constituir marcas comunitárias todos os sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, algarismos, e a forma do produto ou do seu acondicionamento, desde que esses sinais sejam adequados para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.»

    7.        O artigo 7.° do regulamento, relativo aos motivos absolutos de recusa, tem a seguinte redacção:

    «1.      Será recusado o registo:

    [...]

    b)      De marcas desprovidas de carácter distintivo,

    [...].»

    8.        Estas duas disposições retomam, em termos idênticos, o disposto nos artigos 2.° e 3.°, n.° 1, alínea b), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (4).

    II – Factos na origem do litígio

    9.        Os factos, como decorrem do acórdão recorrido, podem resumir‑se nos seguintes termos.

    10.      A 14 de Setembro de 2005, a BORCO apresentou ao IHMI um pedido de registo de marca comunitária ao abrigo do regulamento. A marca cujo registo foi pedido, como marca figurativa, é o sinal:

    Image not found

    11.      Os produtos para os quais o registo da marca foi pedido integram a classe 33 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Bebidas alcoólicas, com excepção das cervejas, vinhos, vinhos espumantes e bebidas contendo vinho».

    12.      Por decisão de 31 de Maio de 2006, o examinador rejeitou o pedido de registo por falta de carácter distintivo do sinal, com base no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento. O examinador entendeu que a marca cujo registo foi pedido constituía a reprodução fiel da letra minúscula grega «α», sem alteração gráfica, e que os compradores de língua grega não encontrariam nesse sinal a indicação da origem comercial dos produtos designados no pedido de registo.

    13.      Em 15 de Junho de 2006, a recorrente interpôs recurso dessa decisão no IHMI. A esse recurso foi negado provimento pela decisão, com o fundamento de que o sinal apresentado era desprovido do carácter distintivo exigido pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento.

    III – Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

    14.      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 5 de Fevereiro de 2007, a BORCO interpôs recurso de anulação da decisão controvertida. Aduziu três fundamentos, relativos à violação de três disposições do regulamento, ou seja, do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), bem como do artigo 12.°

    15.      No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão controvertida e decidiu que o IHMI deveria reexaminar o pedido de registo em causa à luz dos fundamentos do referido acórdão.

    IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

    16.      No presente recurso, interposto em 15 de Julho de 2009, o IHMI pede ao Tribunal de Justiça que se digne anular o acórdão recorrido. A título principal, pede ao Tribunal de Justiça que se digne negar provimento ao recurso interposto pela BORCO e, subsidiariamente, remeta o processo ao Tribunal de Primeira Instância. Em todo o caso, pede ao Tribunal de Justiça que se digne condenar a BORCO nas despesas do processo em ambas as instâncias.

    17.      A BORCO pede ao Tribunal de Justiça que se digne negar provimento ao recurso e condenar o IHMI nas despesas.

    V –    O presente recurso

    18.      O presente recurso constitui, para o Tribunal de Justiça, uma oportunidade para definir uma posição de princípio quanto ao método que o IHMI deve usar para apreciar o carácter distintivo de um sinal constituído por uma letra única, não estilizada, para fins do seu registo como marca comunitária. Essa posição deverá pôr termo ao desacordo existente entre o IHMI e o Tribunal de Primeira Instância a esse propósito.

    19.      Efectivamente, devido a uma prática decisória constante, o IHMI recusa o registo de letras únicas como marcas comunitárias pelo facto de serem, no seu entender, desprovidas de carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento. Esta prática consta expressamente do ponto 7.5.3. das orientações relativas aos processos no IHMI (parte B, intitulada «Exame») (5). Esse ponto dispõe o seguinte:

    «[...]

    [...] o IHMI continua a suscitar uma objecção fundada no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do [regulamento], relativamente às letras ou algarismos isolados. Isto justifica‑se, nomeadamente, devido ao número limitado de letras ou algarismos disponíveis para outros comerciantes. Por exemplo, o número «7» foi recusado como designação de veículos [...].

    Contudo, as letras ou os algarismos isolados são susceptíveis de registo se forem suficientemente estilizados, de forma que a impressão gráfica global prevaleça sobre a mera apresentação da letra ou do número. Desse modo, foi autorizado o registo das seguintes marcas:

    –        […] Image not found

    –        […]Image not found

    –        […] Image not found

    –        […] Image not found

    Por outras palavras, esses sinais são susceptíveis de registo se não se limitarem a reproduzir o algarismo ou a letra com outro tipo de carácter tipográfico.»

    20.      O IHMI recusou, assim, o registo das letras maiúsculas «I» e «E», decisões que foram ambas anuladas pelo Tribunal de Primeira Instância, nos seus acórdãos de 13 de Junho de 2007, IVG Immobilien/IHMI (I) (6), e de 9 de Julho de 2008, Hartmann/IHMI (E) (7).

    21.      No acórdão recorrido, tal como naqueles acórdãos, o Tribunal de Primeira Instância critica severamente o método utilizado pelo IHMI para apreciar o carácter distintivo de um sinal constituído por uma única letra não estilizada.

    22.      As críticas do Tribunal têm por objecto, em primeiro lugar, os n.os 17 a 20 da decisão controvertida, nos quais a Câmara de Recurso considerou que uma única letra, como a em apreço, deve ser considerada desprovida de carácter distintivo sempre que não exista qualquer elemento de apresentação gráfica.

    23.      No n.° 42 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que, com essa análise, o IHMI considerou implícita mas necessariamente, em violação do artigo 4.° do regulamento, que a letra em causa não apresentava, por si só, o nível mínimo de carácter distintivo exigido pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento. No n.° 43 do acórdão recorrido, o Tribunal recordou, nomeadamente, que, por força de jurisprudência constante, o registo de um sinal como marca não está dependente da verificação de um determinado nível de criatividade do requerente, mas unicamente da aptidão do sinal para individualizar os produtos do requerente da marca relativamente aos oferecidos pelos seus concorrentes.

    24.      Ora, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que a Câmara de Recurso não procedeu a qualquer exame concreto desse aspecto. Considerou, em particular, que a referida Câmara deveria ter averiguado, através de um exame concreto das capacidades potenciais do sinal apresentado a registo, se era de excluír que esse sinal podia ser apto a distinguir, aos olhos dos consumidores médios de língua grega, os produtos da BORCO dos de outra proveniência.

    25.      Esta crítica culmina no n.° 45 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal salienta que a «recusa de princípio de reconhecer às letras únicas qualquer carácter distintivo, assim enunciada sem reservas e sem recurso ?a esse? exame concreto ?…?, infringe os próprios termos do artigo 4.° do ?regulamento?, que inclui as letras no número dos sinais susceptíveis de representação gráfica que podem constituir marcas, na medida em que sejam aptas a distinguir os produtos e os serviços de uma empresa dos oferecidos por outras empresas».

    26.      É sobretudo nos n.os 53 a 56 do acórdão recorrido que o Tribunal analisa a forma como o IHMI apreciou e fundamentou a falta de carácter distintivo do sinal em causa na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento. Esses números estão redigidos nos seguintes termos:

    «53      Em quarto lugar, a Câmara de Recurso considerou, no n.° 25 da decisão impugnada, que o público de referência apreenderá ‘talvez’ a letra ‘α’ como uma referência à qualidade (qualidade ‘A’), como uma indicação do tamanho ou como a designação de um tipo ou de uma espécie de bebidas alcoólicas, tais como as designadas no pedido de marca.

    54      O IHMI não pode afirmar que, tendo-se assim pronunciado, a Câmara de Recurso procedeu a um exame concreto do carácter distintivo do sinal em causa. Com efeito, para além de apresentar um carácter dubitativo que lhe retira qualquer valor, este fundamento não se refere a qualquer facto concreto susceptível de justificar a conclusão de que a marca pedida será percebida pelo público relevante como uma referência à qualidade, uma indicação do tamanho ou uma designação do tipo ou da espécie a respeito dos produtos visados pelo pedido de marca (v., neste sentido, acórdão E, já referido, n.° 44). Daqui resulta que a Câmara de Recurso não demonstrou a falta de carácter distintivo da marca pedida.

    ?…?

    56      Resulta do exposto que, deduzindo a falta de carácter distintivo do sinal apresentado unicamente da ausência de alterações ou de ornamentações gráficas relativamente ao tipo de caracteres ‘Times New Roman’, sem proceder a um exame concreto da sua aptidão para distinguir, no espírito do público de referência, os produtos em causa dos provenientes dos concorrentes da BORCO, a Câmara de Recurso aplicou erradamente o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do ?regulamento?.»

    27.      Em defesa do seu recurso, o IHMI invoca um único fundamento, relativo a uma interpretação incorrecta, pelo Tribunal de Primeira Instância, do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento. Em particular, o IHMI contesta o entendimento do Tribunal constante dos n.os 54 e 54 do acórdão recorrido, acima referidos.

    28.      Este fundamento divide‑se em três partes.

    29.      Em primeiro lugar, o IHMI defende que, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, nem sempre está obrigado a proceder a um exame concreto dos diferentes produtos e serviços tidos em vista no pedido de registo quando aprecia o carácter distintivo do sinal em causa. Em segundo lugar, o IHMI critica o Tribunal de Primeira Instância por ter ignorado a natureza da apreciação que está obrigado a efectuar por força dessa disposição. Com efeito, na medida em que se trata de uma apreciação a priori, esta possui necessariamente carácter dubitativo. Em terceiro lugar, o IHMI considera que o Tribunal desrespeitou o ónus da prova quanto à demonstração do carácter distintivo do sinal em causa.

    30.      O exame deste fundamento único convida o Tribunal de Justiça, no essencial, a pronunciar‑se sobre o método de apreciação que o IHMI deve aplicar por força do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento para apreciar o carácter distintivo do sinal cujo registo foi solicitado.

    A –    Quanto à primeira parte, relativa à não tomada em consideração, pelo Tribunal de Primeira Instância, do método de apreciação do carácter distintivo do sinal em causa, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento

    31.      Em apoio da primeira parte do seu fundamento, o IHMI alega que, por força de jurisprudência constante, nem sempre é obrigado, quando aprecia o carácter distintivo do sinal em causa ao abrigo do disposto no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, a proceder a um exame concreto dos diferentes produtos e serviços tidos em vista no pedido de registo. O IHMI defende que, no contexto dessa apreciação, pode basear‑se em afirmações de carácter geral sobre a percepção do consumidor.

    32.      Pensamos que esta primeira parte não procede.

    33.      Com efeito, a crítica que o IHMI tece ao Tribunal de Primeira Instância resulta de uma confusão entre a letra e o espírito do artigo 4.° do regulamento e os do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do mesmo diploma.

    34.      Segundo jurisprudência constante, a função essencial da marca é garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto ou serviço objecto da marca, permitindo‑lhe distinguir, sem confusão possível, aquele produto de outros que tenham proveniência diversa (8).

    35.      O artigo 4.° do regulamento dispõe, desse modo, que podem constituir marcas comunitárias todos os sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, desenhos, letras, algarismos ou ainda a forma do produto ou do seu acondicionamento, desde que esses sinais sejam adequados para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.

    36.      Esta disposição presume de forma clara que uma letra pode constituir um sinal susceptível de registo como marca comunitária, ou seja, é apta, enquanto tal, a ter carácter distintivo. Embora a questão se pudesse legitimamente colocar relativamente à aptidão de uma cor, um som ou um odor para constituir «sinal susceptível de registo», não se coloca, no entanto, no que diz respeito a uma letra.

    37.      Todavia, isso não basta para garantir o registo de uma letra como marca comunitária. É ainda necessário que o IHMI verifique se não existem motivos absolutos de recusa de registo. Em particular, deve proceder ao exame previsto no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, que exige uma apreciação in concreto em cada caso específico do carácter distintivo do sinal em causa relativamente à categoria de produtos em questão, ou seja, da capacidade desse sinal para constituir uma indicação de origem dos produtos ou dos serviços para os quais é pedido o registo.

    38.      Para isso é necessário um exame preciso, no contexto do qual o IHMI está sujeito a obrigações particulares, e cujo teor foi amplamente precisado pelo Tribunal de Justiça.

    39.      Um exame da jurisprudência do Tribunal de Justiça permite‑nos, assim, sem grande dificuldade, aderir ao entendimento do Tribunal de Primeira Instância, constante dos n.os 54 e 56 do acórdão recorrido, e rejeitar o argumento do IHMI em defesa da primeira parte.

    40.      Com efeito, no que diz respeito ao artigo 3.° da directiva, cujos termos são idênticos aos do artigo 7.° do regulamento, o Tribunal de Justiça tem incessantemente recordado que o exame efectuado no quadro de um pedido de registo não deve ser minimalista, que a análise dos motivos de recusa enunciados no artigo 3.° da directiva deve ser rigorosa, aprofundada e completa e que a autoridade competente não pode proceder a uma análise in abstracto (9).

    41.      Segundo o Tribunal de Justiça, estas exigências justificam‑se atenta a natureza do controlo, que é antes de mais um controlo a priori, e o extenso leque de vias de recurso de que os requerentes dispõem quando o IHMI recusa o registo de uma marca. Trata‑se de evitar, por razões de segurança jurídica e de boa administração, o registo indevido de marcas. O Tribunal de Justiça tem também em conta o número e o carácter pormenorizado dos obstáculos ao registo previstos nos artigos 2.° e 3.° da directiva (por analogia, nos artigos 4.° e 7.° do regulamento). A este respeito, recorda que basta que um dos motivos absolutos de recusa seja aplicável para que o sinal em causa não possa ser registado como marca comunitária. Da mesma forma, como o Tribunal de Primeira Instância salientou no n.° 39 do acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça também recorda que basta que o sinal possua um mínimo de carácter distintivo para obstar à aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento.

    42.      Por conseguinte, uma vez que o registo de uma marca é sempre requerido relativamente a produtos ou serviços específicos, o Tribunal de Justiça entende que a existência de um motivo absoluto de recusa, como o relativo à falta de carácter distintivo, deve ser apreciada in concreto relativamente a cada um dos produtos ou serviços para os quais é pedido o registo (10). Embora este exercício se possa revelar difícil relativamente a certas marcas, o Tribunal de Justiça recusa, todavia, que as autoridades competentes invoquem essa dificuldade como pretexto para presumirem que essas marcas são a priori desprovidas de carácter distintivo (11).

    43.      Da mesma forma, o Tribunal de Justiça insiste no respeito da obrigação de fundamentação que incumbe a cada autoridade competente. Tal como recordou recentemente, essa obrigação deve permitir garantir uma protecção jurisdicional efectiva dos direitos reconhecidos aos requerentes (12). Em especial, a jurisprudência do Tribunal de Justiça exige que a decisão da autoridade competente seja fundamentada relativamente a cada um dos produtos ou serviços sempre que recuse o registo de uma marca (13).

    44.      Neste ponto, a questão que poderíamos eventualmente colocar é a de saber se o exame do carácter distintivo de uma letra única, não estilizada, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, justifica, assim, um exame mais ligeiro do que o exigido pelo Tribunal de Justiça.

    45.      Não é de todo esse o caso. Como o Tribunal de Primeira Instância correctamente salientou no n.° 46 do acórdão recorrido, essa disposição não faz qualquer distinção entre os sinais de natureza diferente do ponto de vista da apreciação do seu carácter distintivo. Como acertadamente concluiu, os critérios de apreciação do carácter distintivo de marcas constituídas por uma letra única são, por isso, os aplicáveis às outras categorias de marcas.

    46.      Por conseguinte, importa concluir que o argumento do IHMI, segundo o qual nem sempre é obrigado, quando aprecia o carácter distintivo do sinal em causa ao abrigo do disposto no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, a proceder a um exame concreto dos diferentes produtos e serviços tidos em vista no pedido de registo, não colhe qualquer apoio na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    47.      A partir do momento em que, nos termos do artigo 4.° do regulamento, as letras constituem sinais susceptíveis de registo, a apreciação do seu carácter distintivo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b) do regulamento, deve efectuar‑se no contexto de cada caso concreto, tendo em conta a natureza e as características particulares dos produtos tidos em vista no pedido de registo.

    48.      Ora, como o Tribunal de Primeira Instância referiu nos n.os 53 a 56 do acórdão recorrido, é evidente que, tendo em conta que o «público de referência apreenderá ‘talvez’ a letra ‘α’ como uma referência à qualidade (qualidade ‘A’), como uma indicação do tamanho ou como a designação de um tipo ou de uma espécie de bebidas alcoólicas, tais como as designadas no pedido de marca», que o IHMI não procedeu, obviamente, ao um exame conforme às exigências estabelecidas pela jurisprudência do Tribunal de justiça. Trata‑se de um exame minimalista no quadro do qual a referência a uma indicação de tamanho nos parece pouco relevante no que diz respeito à categoria de produtos tidos em vista no presente pedido de registo.

    49.      Todavia, isto não significa que a letra «α» deva, no caso em apreço, ser registada para designar bebidas alcoólicas. Apenas significa que, em primeiro lugar, o IHMI deveria ter procedido a um exame in concreto do carácter distintivo do sinal em causa relativamente aos produtos referidos no pedido de registo e fundamentado, a este respeito, a sua decisão de rejeição e que, em segundo lugar, não podia, sem violar o regulamento, reintroduzir, no quadro do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, uma exclusão a priori do registo de uma letra não estilizada.

    50.      Por conseguinte, pensamos que o Tribunal de Primeira Instância podia legitimamente entender que o IHMI aplicou erradamente o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento.

    51.      À luz destes elementos, propomos, assim, ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente a primeira parte do fundamento único invocado pelo IHMI, relativo à não tomada em consideração, pelo Tribunal de Primeira Instância, do método de apreciação do carácter distintivo do sinal em causa, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento.

    B –    Quanto à segunda parte, relativa ao facto de o Tribunal de Primeira Instância ter ignorado a natureza da apreciação do carácter distintivo do sinal em causa na perspectiva do artigo 7.°, n.° 1, alínea b) do regulamento

    52.      Em defesa da segunda parte do seu fundamento, o IHMI considera que o Tribunal de Primeira Instância ignorou a natureza do exame do carácter distintivo exigido pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento. Com efeito, o IHMI recorda que se trata de um exame a priori e que, por conseguinte, a sua decisão apresenta sempre um carácter dubitativo.

    53.      Pensamos que esta segunda parte pode também ser julgada improcedente à luz das considerações que precedem.

    54.      Com efeito, o IHMI invoca o carácter a priori do controlo que deve efectuar por força do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento para justificar o exame minimalista a que procedeu e para justificar o cariz dubitativo da sua fundamentação. Ora, é por esta razão e para evitar situações de registo indevido de marcas ou de errado indeferimento que o Tribunal de Justiça exigiu que o IHMI proceda a uma exame rigoroso, aprofundado e completo dos motivos de recusa previstos no artigo 7.° do regulamento.

    55.      Por conseguinte, a critica que o IHMI tece a respeito da análise do Tribunal de Primeira Instância não pode ser acolhida e propomos ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente a segunda parte do fundamento único.

    C –    Quanto à terceira parte, relativa ao desrespeito das regras em matéria de ónus da prova

    56.      Em defesa da terceira parte do seu fundamento, o IHMI baseia‑se no acórdão de 25 de Outubro de 2007, Develey/IHMI (14), para argumentar que o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 54 do acórdão recorrido, desrespeitou o ónus da prova quanto à demonstração do carácter distintivo da marca na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento. O Tribunal de Primeira Instância terá, assim, entendido erradamente que o IHMI deve sempre provar a falta de carácter distintivo da marca cujo registo foi requerido por referência a factos concretos.

    57.      Na nossa opinião, esta terceira parte deve também ser julgada improcedente.

    58.      Por um lado, o IHMI faz uma leitura errada do n.° 54 do acórdão recorrido. Com efeito, no referido número, o Tribunal apenas concluiu não ter ocorrido qualquer exame concreto do carácter distintivo do sinal em causa relativamente aos produtos tidos em vista no pedido de registo, tendo daí inferido que a Câmara de Recurso não demonstrou a falta de carácter distintivo da marca cujo registo foi requerido. Com este entendimento, o Tribunal de Primeira Instância de forma alguma desrespeitou as regras relativas ao ónus da prova, antes tendo aplicado, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as regras relativas à avaliação do carácter distintivo dos sinais exigido pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento.

    59.      Por outro lado, embora seja verdade que, de acordo com o acórdão Develey/IHMI, já referido, compete ao recorrente fornecer indicações concretas e fundadas que, não obstante o exame da Câmara de Recurso, demonstrem que a marca cujo registo foi pedido é de facto dotada de carácter distintivo, é necessário ainda que o IHMI cumpra a sua missão, examinando e fundamentando suficientemente a falta de carácter distintivo do sinal em causa. Parece‑nos, assim, extremamente difícil admitir que o IHMI se possa basear nessa jurisprudência para se eximir às obrigações que lhe incumbem por força, nomeadamente, do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento.

    60.      Por conseguinte, somos da opinião de que a terceira parte do fundamento único invocado pelo IHMI não procede.

    61.      À luz de todos os elementos que precedem, propomos ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente o fundamento único invocado pelo IHMI, relativo a uma interpretação incorrecta, pelo Tribunal de Primeira Instância, do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, negando, assim, provimento ao recurso interposto pelo referido Instituto.

    VI – Conclusão

    62.      À luz das considerações que precedem, propomos ao Tribunal de Justiça que decida nos seguintes termos:

    «1)      É negado provimento ao recurso;

    2)      O Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) é condenado nas despesas.»


    1 – Língua original: francês.


    2 – JO 1994, L 11, p. 1, regulamento conforme alterado (a seguir «regulamento»). Este regulamento foi revogado pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009 (JO L 78, p. 1), que entrou em vigor em 13 de Abril de 2009 e que, por conseguinte, não é aplicável ao presente litígio.


    3 – T‑23/07, ainda não publicado na Colectânea, a seguir «acórdão recorrido».


    4 – JO 1989, L 40, p. 1, a seguir «directiva».


    5 – Disponível no sítio Internet do IHMI, no endereço seguinte: http://oami.europa.eu/ows/rw/resource/documents/CTM/guidelines/examination_fr.pdf.


    6 – T‑441/05, Colect., p. II‑1937.


    7 – T‑302/06.


    8 – Acórdão de 29 de Setembro de 1998, Canon (C‑39/97, Colect., p. I‑5507, n.° 28).


    9 – V. acórdãos de 12 de Fevereiro de 2004, Koninklijke KPN Nederland (C‑363/99, Colect., p. I‑1619, n.° 31), e de 15 de Fevereiro de 2007, BVBA Management, Training en Consultancy, C‑239/05, Colect., p. I‑1455, n.° 30 e jurisprudência aí indicada).


    10 – Acórdão BVBA Management, Training en Consultancy, já referido (n.° 31 e jurisprudência aí indicada).


    11 – V., relativamente ao artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, nomeadamente, o acórdão de 29 de Abril de 2004, Procter & Gamble/IHMI (C‑468/01 P a C‑472/01 P, Colect., p. I‑5141, n.° 36).


    12 – Despacho de 18 de Março de 2010, CFCMCEE/IHMI (C‑282/09 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 39 e jurisprudência aí indicada).


    13
                                                                          Ibidem
    (n.° 37 e jurisprudência aí indicada).


    14 – C‑238/06 P, Colect., p. I‑9375, n.° 50.

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