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Document 62008CJ0007

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 2 de Julho de 2009.
    Har Vaessen Douane Service BV contra Staatssecretaris van Financiën.
    Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad der Nederlanden - Países Baixos.
    Franquia dos direitos de importação - Regulamento (CEE) n.º 918/83 - Artigo 27.º - Mercadorias de valor individual insignificante enviadas conjuntamente - Encomendas expedidas directamente de um Estado terceiro para um destinatário na Comunidade.
    Processo C-7/08.

    Colectânea de Jurisprudência 2009 I-05581

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2009:417

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    2 de Julho de 2009 ( *1 )

    «Franquia dos direitos de importação — Regulamento (CEE) n.o 918/83 — Artigo 27.o — Mercadorias de valor individual insignificante enviadas conjuntamente — Encomendas expedidas directamente de um Estado terceiro para um destinatário na Comunidade»

    No processo C-7/08,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 7 de Dezembro de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 9 de Janeiro de 2008, no processo

    Har Vaessen Douane Service BV

    contra

    Staatssecretaris van Financiën,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: P. Jann, presidente de secção, M. Ilešič, A. Tizzano, E. Levits (relator) e J.-J. Kasel, juízes,

    advogada-geral: J. Kokott,

    secretário: R. Şereş, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 5 de Março de 2009,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Har Vaessen Douane Service BV, por R. N. van der Paardt e C. Bouwmeester, advocaten,

    em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e M. de Mol, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por S. Schønberg e M. van Beek, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 23 de Abril de 2009,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 27.o do Regulamento (CEE) n.o 918/83 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (JO L 105, p. 1; EE 02 F9 p. 276), conforme alterado pelo Regulamento (CEE) n.o 3357/91, de 7 de Novembro de 1991 (JO L 318, p. 3, a seguir «Regulamento n.o 918/83, conforme alterado»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Har Vaessen Douane Service BV (a seguir «Har Vaessen»), sociedade de direito neerlandês estabelecida nos Países Baixos, ao Staatssecretaris van Financiën, a propósito da recusa deste último em conceder à Har Vaessen a franquia prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, relativamente à importação de discos compactos e de fitas magnéticas.

    Quadro jurídico

    3

    O capítulo I do Regulamento n.o 918/83, na sua versão inicial, sob a epígrafe «Franquia de direitos de importação», continha um artigo 27.o redigido nos seguintes termos:

    «Sem prejuízo do disposto no artigo 28.o, são admitidas com franquia de direitos de importação as encomendas enviadas ao destinatário como objectos de correspondência postal ou como encomenda postal que contenham mercadorias cujo valor global não exceda 10 [euros]».

    4

    Esta disposição foi alterada pelo Regulamento (CEE) n.o 2287/83 da Comissão, de 29 de Julho de 1983, que fixa as disposições de aplicação do artigo 127.o do Regulamento n.o 918/83 (JO L 220, p. 12; EE 02 F10 p. 47). O artigo 1.o do Regulamento n.o 2287/83 precisa:

    «A franquia referida no artigo 27.o do regulamento de base aplicar-se-á apenas às encomendas enviadas como objectos de correspondência ou como encomendas postais que sejam expedidas directamente de um país terceiro com destino a uma pessoa singular ou colectiva que se encontre na Comunidade.»

    5

    O motivo da alteração do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 resulta do terceiro considerando do Regulamento n.o 2287/83:

    «Considerando que convém evitar que empresas comerciais se aproveitem [da franquia prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83] criando actividades ad hoc ou deslocando artificialmente actividades existentes e provocando deste modo distorções de concorrência no âmbito do mercado comum; que, para evitar estas distorções, seria oportuno excluir da franquia dos direitos de importação as encomendas acima mencionadas que, anteriormente à sua introdução em livre prática, tenham sido colocadas sob um outro regime aduaneiro; que, por conseguinte, convirá aplicar a franquia apenas às encomendas em causa que sejam expedidas directamente de um país terceiro para uma pessoa singular ou colectiva que se encontre na Comunidade».

    6

    O artigo 1.o do Regulamento n.o 3357/91 suprime a limitação do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 às expedições por correio.

    7

    A este respeito, o primeiro considerando do Regulamento n.o 3357/91 justifica a alteração do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 nos seguintes termos:

    «Considerando que a medida de simplificação administrativa prevista no artigo 27.o do Regulamento (CEE) n.o 918/83 […], com a última redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n.o 4235/88 […], deve, para ser eficaz, ser aplicável a todas as importações de encomendas constituídas por mercadorias de valor insignificante».

    8

    O artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, passa a ter a seguinte redacção:

    «Sem prejuízo do disposto no artigo 28.o, são importadas com franquia de direitos de importação as encomendas constituídas por mercadorias de valor insignificante enviadas directamente de um país terceiro a um destinatário que se encontre na Comunidade.

    Entende-se por ‘mercadorias de valor insignificante’ as mercadorias cujo valor intrínseco global não exceda 22 [euros] por remessa».

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    9

    A Har Vaessen é uma sociedade de transporte que, por conta da ECS Media BV (a seguir «ECS»), uma empresa estabelecida nos Países Baixos, apresentou declarações de introdução em livre prática para discos compactos e fitas magnéticas durante o período compreendido entre 12 de Novembro de 1998 e 28 de Outubro de 1999.

    10

    Estas mercadorias, com um valor individual inferior a 22 euros, tinham sido previamente encomendadas por clientes individuais à ECI voor Boeken en Platen BV (a seguir «ECI»), sociedade-mãe da ECS, igualmente estabelecida nos Países Baixos. Nos termos de um acordo entre a ECS e a ECI, esta última transmite as encomendas à ECS que, em seguida, prepara as mercadorias para serem enviadas a partir de um centro de distribuição situado na Suíça. As mercadorias são então apresentadas sob a forma de uma encomenda conjunta à Har Vaessen para serem transportadas, acompanhadas de um documento T, para um centro de distribuição situado nos Países Baixos, a partir do qual são entregues individualmente aos clientes da ECI pela PTT Post BV (a seguir «PTT»), uma empresa neerlandesa.

    11

    Cada encomenda individual inclui o nome do cliente destinatário da mercadoria e um formulário de transferência bancária com vista ao seu pagamento.

    12

    Quando da declaração de introdução em livre prática das mercadorias em causa no processo principal, a Har Vaessen pediu para beneficiar da franquia prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, o que lhe foi negado. Assim, foi intimada a pagar, por um aviso de liquidação de 29 de Dezembro de 1999, designadamente, direitos aduaneiros no montante de 436907,60 NLG, ou seja, cerca de 198260,02 euros.

    13

    Tendo o Staatssecretaris van Financiën mantido esta liquidação, após uma reclamação infrutífera da Har Vaessen, esta sociedade recorreu dessa decisão para a Tariefcommissie (Comissão Aduaneira), que foi substituída, no decurso da instância, pelo Gerechtshof te Amsterdam.

    14

    Esse órgão jurisdicional julgou improcedente o pedido da Har Vaessen, por entender que a ECI, e não os clientes que tinham feito as encomendas individualmente, devia ser considerada a destinatária das mercadorias em causa no processo principal, na acepção do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado. Com efeito, esses clientes não estavam envolvidos no procedimento de declaração aduaneira, pois não eram nem sujeitos passivos da dívida aduaneira nem proprietários da mercadoria expedida. Nestas condições, o referido órgão jurisdicional concluiu que as mercadorias em causa no processo principal não eram enviadas directamente aos clientes individuais na qualidade de destinatários, na acepção do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado.

    15

    A Har Vaessen interpôs recurso de anulação desse acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio.

    16

    O Hoge Raad der Nederlanden duvida que o benefício da franquia possa ser reconhecido a uma encomenda conjunta como a que está em causa no processo principal por duas razões.

    17

    Por um lado, embora a encomenda conjunta compreenda diferentes mercadorias de valor individual insignificante e cujo destino final é diferente para cada uma delas, o objectivo de simplificação administrativa que justifica a aplicação da franquia prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, não é relevante neste caso, dado que as despesas de cobrança dos direitos aduaneiros não são superiores ao total dos direitos aduaneiros a cobrar.

    18

    Por outro lado, para prevenir a utilização abusiva da franquia prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, o conceito de «expedição directa» poderia ser limitado ao caso em que a contraparte do destinatário da mercadoria está estabelecida num Estado terceiro. Ora, no processo principal, trata-se de uma encomenda constituída por diferentes mercadorias cujos destinatários, residentes nos Países Baixos, são os clientes de uma sociedade também estabelecida nos Países Baixos.

    19

    Neste contexto, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O artigo 27.o do Regulamento [n.o 918/83, conforme alterado], deve ser interpretado no sentido de que a franquia referida neste artigo pode ser invocada relativamente às encomendas de mercadorias que, consideradas separadamente, têm de facto um valor insignificante, mas que são apresentadas como uma [encomenda conjunta] com um valor global intrínseco das mercadorias assim enviadas que ultrapassa o valor-limite [previsto no referido] artigo 27.o?

    2)

    Para efeitos de aplicação do artigo 27.o do Regulamento [n.o 918/83, conforme alterado], deve admitir-se que no ‘[envio] directamente de um país terceiro a um destinatário que se encontre na Comunidade’ também se inclui a situação em que, de facto, antes do início do envio a esse destinatário a mercadoria se encontra num país terceiro, mas a contraparte do destinatário está estabelecida na Comunidade?»

    Quanto às questões prejudiciais

    20

    Com as suas duas questões prejudiciais, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o facto de, por um lado, as mercadorias em causa no processo principal, com um valor individual inferior a 22 euros, serem apresentadas na alfândega como uma encomenda conjunta de um valor que ultrapassa o previsto no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, e, por outro, de a contraparte dos clientes que encomendaram as mercadorias, a ECI, estar estabelecida na Comunidade se opõe à aplicação às referidas mercadorias da franquia prevista nessa norma.

    21

    A título liminar, importa recordar que as normas que concedem franquias de direitos aduaneiros devem ser interpretadas literalmente (v., por analogia, acórdão de 12 de Dezembro de 1996, Olasagasti e o., C-47/95 a C-50/95, C-60/95, C-81/95, C-92/95 e C-148/95, Colect., p. I-6579, n.o 20).

    22

    No caso em apreço, o artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, estabelece que são importadas com franquia de direitos de importação as encomendas constituídas por mercadorias de valor insignificante, isto é, inferior a 22 euros, enviadas directamente de um país terceiro para um destinatário que se encontre na Comunidade.

    23

    Por conseguinte, de acordo com esta disposição, uma das condições da admissão com franquia é que o valor das mercadorias enviadas seja inferior a 22 euros.

    24

    Resulta da decisão de reenvio que as encomendas em causa no processo principal, para as quais a admissão com franquia foi recusada pelas autoridades neerlandesas por terem um valor global superior a 22 euros, eram constituídas por encomendas de valor individual inferior a 22 euros, apresentadas em conjunto para serem introduzidas em livre prática na Comunidade. Estas encomendas, expedidas inicialmente sob esta forma conjunta para um centro de distribuição da PTT, deviam ser, a seguir, distribuídas individualmente, por esta última, aos clientes da ECI.

    25

    Como foi sublinhado pelo órgão jurisdicional de reenvio, nessas circunstâncias, é em função da identidade do destinatário das mercadorias, isto é, dos clientes da ECI ou da PTT, que, para efeitos da aplicação do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, o valor das encomendas, como as apresentadas no processo principal, deve ser considerado.

    26

    No caso vertente, é pacífico que em cada encomenda é indicado, desde a sua recepção pela Har Vaessen, o endereço do cliente da ECI.

    27

    Contudo, o Governo neerlandês sublinha que o formulário de declaração aduaneira em causa no processo principal menciona, na quadrícula 8, a PTT como destinatária das encomendas.

    28

    Este argumento não é, por si só, relevante. Com efeito, além de se poder tratar de um erro, resulta dos autos, como referiu a advogada-geral no n.o 34 das suas conclusões, que a lista dos clientes da ECI aos quais se destinavam as encomendas individuais tinha sido junta ao formulário de declaração em causa no processo principal.

    29

    Além disso, a mercadoria contida numa encomenda destina-se a ser utilizada in fine pelo cliente da ECI, que é o destinatário individual. Com efeito, as mercadorias foram encomendadas individualmente à ECI por clientes que podem, por isso, ser considerados os utilizadores, ao invés da Har Vaessen e da PTT que, como transportadoras, constituem apenas um elo na cadeia de expedição que liga a ECI aos seus clientes, destinatários finais da mercadoria.

    30

    Consequentemente, as encomendas em causa no processo principal devem ser vistas como um agrupamento de diferentes encomendas, com um valor respectivo inferior a 22 euros, cujos destinatários são os clientes da ECI e, portanto, ser consideradas susceptíveis de admissão com franquia, ao abrigo do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado.

    31

    Esta interpretação é confirmada pelo teor do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, que não efectua nenhuma distinção entre os métodos de transporte das mercadorias para a sua admissão com franquia, de modo que não é possível considerar, no processo principal, que os clientes da ECI não são os destinatários das mercadorias quando estas saem do Estado terceiro nem que as referidas mercadorias não podem ser admitidas com franquia.

    32

    Com efeito, embora a redacção inicial do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 limitasse a franquia às encomendas de mercadorias com valor inferior a 10 euros enviadas por correio, o artigo 1.o do Regulamento n.o 3357/91 eliminou a condição relativa ao modo de envio, pelo que outros modos de transporte podem dar lugar à aplicação da franquia prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado. Assim, o transporte das mercadorias por um expedidor, como a Har Vaessen, que, por razões logísticas, agrupa as encomendas individuais antes de as apresentar na alfândega não pode ter por consequência negar a essas mercadorias a admissão com franquia, mesmo quando não são enviadas por via postal, mas preenchem as condições exigidas pelo artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado.

    33

    Esta interpretação corresponde ainda ao objectivo do referido artigo 27.o, como enunciado no primeiro considerando do Regulamento n.o 3357/91, ou seja, à simplificação administrativa dos procedimentos aduaneiros visada pela franquia prevista nesta disposição.

    34

    A este respeito, há que recordar que, quando adopta normas que concedem a franquia de direitos aduaneiros, o Conselho da União Europeia deve ter em conta, designadamente, as dificuldades a que devem fazer face as administrações aduaneiras nacionais (v., por analogia, acórdão de 3 de Dezembro de 1998, Schoonbroodt, C-247/97, Colect., p. I-8095, n.o 23).

    35

    Se tal objectivo de simplificação administrativa pode abranger, como indica o Governo neerlandês nas suas observações, os casos em que as despesas de cobrança de direitos aduaneiros são superiores aos próprios direitos, este objectivo é susceptível de abranger também outras situações.

    36

    Assim, a recusa do benefício da franquia prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, relativamente às encomendas como as que estão em causa no processo principal, mesmo quando as encomendas consideradas individualmente têm um valor inferior a 22 euros, pode levar a que o expedidor apresente na alfândega cada encomenda individualmente para poder beneficiar da referida franquia. Ora, uma tal multiplicação dos procedimentos não corresponde ao objectivo da simplificação administrativa que se pretende alcançar.

    37

    De modo semelhante, não sendo aplicada a franquia às encomendas em causa no processo principal, compete às autoridades aduaneiras nacionais determinar o valor aduaneiro global de uma remessa constituída por um número importante de mercadorias. Tal situação também não seria compatível com o objectivo de simplificação administrativa prosseguido pelo legislador comunitário.

    38

    Logo, o facto de as encomendas em causa no processo principal, de valor individual inferior a 22 euros, serem apresentadas na alfândega conjuntamente para a sua expedição na Comunidade não se opõe à sua admissão com franquia, dado que, desde que saíram do Estado terceiro de expedição, está identificado o destinatário de cada uma dessas encomendas.

    39

    No entanto, resulta do terceiro considerando do Regulamento n.o 2287/83 que essa admissão deve ser recusada quando constitui um abuso de direito.

    40

    Isso é, no essencial, o que é aduzido pelo órgão jurisdicional de reenvio através da sua segunda questão prejudicial, ao sublinhar que, no litígio que lhe é submetido, a contraparte dos destinatários das mercadorias introduzidas em livre circulação, ou seja, a ECI, está estabelecida na Comunidade e não no Estado terceiro de expedição.

    41

    Em primeiro lugar, é forçoso observar que a própria redacção do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, não impõe, relativamente à contraparte dos destinatários das mercadorias, o estabelecimento fora Comunidade como condição da admissão com franquia das referidas mercadorias.

    42

    Em segundo lugar, importa recordar que, nos termos do terceiro considerando do Regulamento n.o 2287/83, para evitar qualquer utilização abusiva da franquia aduaneira e as distorções de concorrência que daí derivam, devem ser excluídas da franquia de direitos de importação as encomendas de mercadorias que, anteriormente à sua introdução em livre prática, tenham sido colocadas sob um outro regime aduaneiro. Por conseguinte, a franquia deve ser aplicada apenas às encomendas que sejam expedidas directamente de um Estado terceiro para uma pessoa singular ou colectiva que se encontre na Comunidade.

    43

    Ora, a mera circunstância de a ECI estar estabelecida na Comunidade não permite, por si só, considerar que as mercadorias em causa no processo principal foram colocadas, anteriormente à sua introdução em livre prática na Comunidade, sob um outro regime aduaneiro. De qualquer modo, e sem prejuízo das verificações a efectuar pelo órgão jurisdicional de reenvio nesse sentido, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que seja esse o caso das referidas encomendas.

    44

    Contudo, o Governo neerlandês sustenta que, nas circunstâncias do processo principal, o abuso de direito consiste não tanto na obtenção da franquia dos direitos aduaneiros como na tentativa da ECI de obter a isenção do imposto sobre o volume de negócios. Com efeito, como o artigo 101.o do Código Aduaneiro neerlandês estabelece que as mercadorias que beneficiam da franquia prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, estão igualmente isentas do imposto sobre o volume de negócios, a ECI recorreu a um centro de distribuição situado fora da Comunidade para beneficiar, numa primeira fase, da franquia dos direitos aduaneiros, e, depois, numa segunda fase, da isenção do imposto sobre o volume de negócios, com ela relacionada. Na opinião do Governo neerlandês, esta empresa obtém, assim, uma vantagem financeira que implica uma distorção da concorrência relativamente às empresas que operam no mesmo sector e expedem as suas mercadorias para os seus clientes a partir do território da Comunidade.

    45

    A este respeito, cumpre sublinhar que a interpretação do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, defendida pelo Governo neerlandês visa prevenir a obtenção abusiva da isenção do imposto sobre o volume de negócios e não da franquia prevista nesta disposição.

    46

    Ora, por um lado, como recorda a advogada-geral nos n.os 56 a 60 das suas conclusões, o próprio Reino dos Países Baixos optou por um sistema de isenção do imposto sobre o volume de negócios ligado à concessão da franquia prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado. Por outro lado, a jurisprudência comunitária referida pelo Governo neerlandês nas suas observações oferece um quadro que permite aos Estados-Membros recusar a concessão de um benefício fiscal no domínio do imposto sobre o valor acrescentado quando a sua obtenção é abusiva. Portanto, a luta contra a obtenção abusiva da isenção do imposto sobre o volume de negócios não pode ser invocada em apoio da interpretação do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado.

    47

    Além disso, no respeitante às distorções da concorrência de que, alegadamente, a ECI beneficia no processo principal, importa observar que a escolha efectuada por esta empresa de enviar as suas mercadorias a partir de um Estado terceiro envolve necessariamente custos resultantes do transporte de mercadorias, bem como dos procedimentos aduaneiros de importação, os quais não são forçosamente suportados por empresas que operam nesse mesmo sector e que expedem as suas mercadorias a partir do território aduaneiro da Comunidade.

    48

    Por conseguinte, e sem prejuízo das verificações que compete ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar, o benefício da franquia prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, não pode ser recusado, nas circunstâncias do processo principal, apenas por a ECI estar estabelecida na Comunidade.

    49

    Resulta de todas estas considerações que cabe interpretar o artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, conforme alterado, no sentido de que não se opõe a que encomendas conjuntas de mercadorias, cujo valor intrínseco global exceda o limite previsto no referido artigo 27.o, mas que, consideradas separadamente, têm um valor insignificante, sejam admitidas com franquia de direitos de importação, na condição de que cada encomenda desse conjunto seja dirigida individualmente a um destinatário que se encontra na Comunidade. A este respeito, o facto de a própria contraparte desses destinatários estar estabelecida na Comunidade não é relevante se as mercadorias são enviadas directamente de um Estado terceiro para os referidos destinatários.

    Quanto às despesas

    50

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    O artigo 27.o do Regulamento (CEE) n.o 918/83 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras, conforme alterado pelo Regulamento (CEE) n.o 3357/91, de 7 de Novembro de 1991, não se opõe a que encomendas conjuntas de mercadorias, cujo valor intrínseco global exceda o limite previsto no referido artigo 27.o, mas que, consideradas separadamente, têm um valor insignificante, sejam admitidas com franquia de direitos de importação, na condição de que cada encomenda desse conjunto seja dirigida individualmente a um destinatário que se encontra na Comunidade Europeia. A este respeito, o facto de a própria contraparte desses destinatários estar estabelecida na Comunidade Europeia não é relevante se as mercadorias são enviadas directamente de um Estado terceiro para os referidos destinatários.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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