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Document 61991CC0165

    Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 14 de Janeiro de 1993.
    Simon J. M. van Munster contra Rijksdienst voor Pensioenen.
    Pedido de decisão prejudicial: Arbeidshof Antwerpen - Bélgica.
    Segurança social - Livre circulação de trabalhadores - Igualdade entre homens e mulheres - Pensão de reforma - Acréscimo por cônjuge a cargo.
    Processo C-165/91.

    Colectânea de Jurisprudência 1994 I-04661

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1993:9

    61991C0165

    Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 14 de Janeiro de 1993. - SIMON J. M. VAN MUNSTER CONTRA RIJKSDIENST VOOR PENSIOENEN. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: ARBEIDSHOF ANTWERPEN - BELGICA. - SEGURANCA SOCIAL - LIVRE CIRCULACAO DOS TRABALHADORES - IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES - PENSAO DE REFORMA - ACRESCIMO POR CONJUGE A CARGO. - PROCESSO C-165/91.

    Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-04661


    Conclusões do Advogado-Geral


    ++++

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. O presente processo tem a sua origem nas dificuldades com que deparam os nacionais comunitários que exerceram uma actividade assalariada em parte na Bélgica e em parte nos Países Baixos, no que se refere aos direitos à pensão a que têm direito a título do cônjuge não trabalhador, após as alterações legislativas introduzidas por este último Estado-membro na matéria, a partir de 1 de Abril de 1985.

    2. Este é um problema que o Tribunal bem conhece. Surgiu por ocasião do processo Bakker e o Tribunal não teve que se pronunciar no acórdão que proferiu (1) ° pois essa não tinha sido a questão colocada ° sobre as questões que lhe são ora colocadas e que conduzem, em substância, a determinar se as consequências que resultam da modificação legislativa neerlandesa no que toca à aplicação da regulamentação belga implicam que se ponha em causa a compatibilidade desta última com o direito comunitário.

    3. Não vamos fazer uma exposição ° remetendo para esse efeito para o relatório para audiência (2) ° sobre as regulamentações nacionais em presença, ou seja, por um lado, o Decreto Real n. 50 de 24 de Outubro de 1967, alterado pela lei de 15 de Maio de 1984, relativo à pensão de reforma e de sobrevivência dos trabalhadores assalariados e, por outro, a Algemene Ouderdomswet, Lei geral sobre o seguro de velhice (a seguir "AOW"), após as alterações introduzidas em 1985. Das suas características, limitar-nos-emos a recordar as que importam para a compreensão do processo.

    4. A regulamentação belga atribui ao trabalhador assalariado reformado uma pensão ou à "taxa de agregado familiar" de 75%, se o seu cônjuge cessou completamente a sua actividade profissional e se não beneficia de uma pensão de reforma ou de sobrevivência ou de um qualquer benefício que as substitua, ou à "taxa de pessoa só" de 60%, nos outros casos.

    5. Até 1985, a AOW também concedia ao trabalhador assalariado reformado um acréscimo de pensão a título do cônjuge não trabalhador a cargo.

    6. Em consequência, até essa data, daí não resultava qualquer dificuldade para o trabalhador migrante. O suplemento de pensão que recebia nos Países Baixos não afectava o seu direito de receber uma pensão belga à taxa de agregado familiar.

    7. Isto deixou de ser assim após a modificação da AOW pela lei de 28 de Março de 1985, adoptada para dar cumprimento à Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (3) (a seguir "directiva").

    8. Tal como o Governo neerlandês recorda, a AOW criou um sistema de segurança popular baseado não, como noutros países entre os quais a Bélgica (4), no exercício de uma actividade profissional, mas no tempo durante o qual o beneficiário residiu nos Países Baixos no período compreendido entre os seus quinze e os seus sessenta e cinco anos.

    9. A circunstância de até 1985 se tomar em consideração a situação do chefe de família levou a que a AOW apenas concedesse ao homem casado, em caso de seguro integral, um direito à pensão de 100% do salário mínimo, só podendo o homem ou mulher não casados beneficiar de uma taxa de 70% e não tendo a mulher casada qualquer direito pessoal à prestação.

    10. Para pôr essa legislação em conformidade com a directiva, os Países Baixos consideraram que qualquer pessoa, homem ou mulher, que estivesse segura nos termo da AOW devia, a partir dos sessenta e cinco anos, beneficiar de um direito pessoal à prestação.

    11. É este o caso do casal van Munster. Nascido em 1920, Simon van Munster exerceu uma actividade assalariada na Bélgica de 1974 a 1981 e durante cerca de quarenta e um anos nos Países Baixos.

    12. Em 1985, tendo atingido a idade de sessenta e cinco anos e tendo a sua mulher não trabalhadora a cargo, solicitou ao organismo belga competente ° o Rijksdienst voor Pensioenen (a seguir "RVP"), demandado no processo principal ° uma pensão de velhice, que lhe foi concedida à taxa de agregado familiar.

    13. A outra pensão de velhice que Simon Van Munster recebia nos Países -Baixos e que comportava, portanto, um complemento a título do cônjuge não trabalhador a cargo foi, quando a Sr.a van Munster atingiu a idade de sessenta e cinco anos, "fraccionada" em duas pensões, próprias a cada um dos cônjuges.

    14. Ainda que o montante global das duas pensões neerlandesas não tenha excedido o da prestação que Simon van Munster recebia anteriormente, a transformação do complemento anteriormente pago a título da mulher em pensão pessoal desta conduziu a que, na Bélgica, deixasse de poder beneficiar da taxa de agregado familiar para passar a beneficiar da taxa de pessoa só. Daqui resultou uma redução de 15% no montante da pensão belga que Simon van Munster recebia.

    15. O interessado aceitou mal ° o que se compreende ° esta diminuição dos seus rendimentos. Impugnou judicialmente a decisão que o RPV tomou a seu respeito e foi no quadro do recurso interposto da decisão proferida em primeira instância pelo Arbeidsrechtbank te Antwerpen que o Arbeidshof te Antwerpen colocou as duas questões prejudiciais que se encontram reproduzidas no relatório para audiência (5).

    16. Essas questões têm fundamentalmente por objeto permitir

    ° apreciar a compatibilidade com o Tratado CEE e, especialmente, com os princípios da livre circulação de trabalhadores e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, de uma disposição do ordenamento jurídico nacional que atribui efeitos diferentes ao pagamento de uma prestação em benefício do cônjuge não trabalhador, consoante for efectuado sob a forma de aumento da pensão do cônjuge trabalhador ou de pensão pessoal atribuída ao outro cônjuge,

    ° determinar se existe, na perspectiva do direito comunitário, razões que permitam tratar a pensão concedida ao cônjuge não trabalhador, como na AOW desde 1985, de uma forma diferente da atribuída sob a forma de aumento de pensão por cônjuge a cargo.

    17. Afastemos de imediato a questão da compatibilidade na perspectiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres.

    18. Com efeito, embora o juiz a quo vise sobretudo o artigo 4. , n. 1, da directiva que estabelece que

    "o princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente por referência, nomeadamente, ao estado civil ou familiar especialmente no que respeita:

    ...

    ° ao cálculo das prestações, incluindo os acréscimos devidos na qualidade de cônjuge e por pessoa a cargo e as condições de duração e de manutenção do direito às prestações",

    o artigo 7. , n. 1, como justamente observa a Comissão, permite aos Estados-membros excluir do âmbito de aplicação da directiva

    "...

    c) a concessão de direitos a prestações de velhice ou de invalidez a título dos direitos derivados do cônjuge-mulher".

    19. Afinal, os memorandos das partes no processo principal e dos intervenientes, bem como as suas observações na audiência, incidiram sobre a eventual violação do princípio da livre circulação de trabalhadores.

    20. O juiz a quo refere-se a este respeito aos artigos 3. , alínea c), 48. , n.os 1 e seguintes, e 51. do Tratado.

    21. Relativamente aos interesses em causa no presente processo, importa salientar que essas normas estabelecem:

    ° o artigo 3. , alínea c): a abolição, entre os Estados-membros, dos obstáculos à livre circulação de pessoas,

    ° o artigo 48. : a livre circulação de trabalhadores no interior da Comunidade (n. 1), a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho (n. 2), o direito de se deslocar livremente no território dos Estados-membros para responder a ofertas de emprego efectivamente feitas e de aí residir para nele exercer uma actividade laboral (n. 3, alíneas a), b) e c),

    ° o artigo 51. : a adopção, no domínio da segurança social, das medidas necessárias ao estabelecimento da livre circulação de trabalhadores, instituindo, designadamente, um sistema que assegure aos trabalhadores migrantes e às pessoas que deles dependam a totalidade de todos os períodos tomados em consideração pelas diversas legislações nacionais, tanto para fins de aquisição e manutenção do direito às prestações, como para o cálculo destas.

    22. Em resumo, a questão que aqui se coloca ao juiz a quo é a de saber se a disposição controvertida da legislação social belga constitui um obstáculo à livre circulação de trabalhadores. Em caso de resposta afirmativa, incumbe-lhe determinar, face aos esclarecimentos prestados por este Tribunal, se esse obstáculo se justifica à luz do direito comunitário.

    23. É sobejamente conhecido que as legislações sociais dos Estados-membros apresentam diferenças consideráveis, e que o legislador comunitário ainda não procedeu à sua harmonização, antes se tendo limitado, nesta fase, a aprovar regras de simples coordenação (6).

    24. O Tribunal aceitou esta diversidade, tendo no entanto sublinhado que esta só podia existir no respeito da protecção da livre circulação de trabalhadores na Comunidade.

    25. Este respeito impõe-se, antes de mais, ao legislador comunitário.

    26. Foi assim que o Tribunal de Justiça, no acórdão Pinna I (7), declarou a invalidade do artigo 73. , n. 2, do Regulamento n. 1408/71, na medida em que excluía a atribuição das prestações familiares francesas aos trabalhadores sujeitos à legislação francesa, relativamente aos membros da sua família que residam no território de outro Estado-membro.

    27. Dois pontos desse acórdão devem ser aqui referidos.

    28. O Tribunal de Justiça assinalou, antes do mais, que ao prever

    "uma coordenação das legislações dos Estados-membros e não uma harmonização",

    o artigo 51.

    "deixa, portanto, subsistir as diferenças entre os regimes de segurança social dos Estados-membros e, por consequência, dos direitos das pessoas que neles trabalham. As diferenças de fundo e de forma entre os regimes de segurança social de cada Estado-membro e, por conseguinte, dos direitos das pessoas que neles trabalham não são atingidas pelo artigo 51. do Tratado" (8).

    29. No entanto, o Tribunal atenuou esta apreciação ao afirmar que

    "o objectivo de assegurar aos trabalhadores a livre circulação na Comunidade... ficará... comprometido, e a sua realização tornar-se-á mais difícil, se forem introduzidas pelo direito comunitário diferenças evitáveis nas normas de segurança social" (9).

    E o Tribunal concluiu:

    "Daqui resulta que a regulamentação comunitária em matéria de segurança social, adoptada em virtude do artigo 51. do Tratado, se deve abster de acrescentar disparidades suplementares àquelas que já decorrem da falta de harmonização das legislações nacionais" (10).

    30. Foi porque "acrescentava" disparidades às que já resultavam das legislações nacionais e que, portanto, dificultava a livre circulação de trabalhadores que o artigo 73. , n. 2, do Regulamento n. 1408/71 foi declarado inválido por este Tribunal.

    31. A jurisprudência do Tribunal de Justiça é, a este respeito, de uma grande limpidez. O Tribunal qualifica a livre circulação dos trabalhadores migrantes como um "princípio que se inscreve nos fundamentos da Comunidade" (11) e afirma que

    "o escopo dos artigos 48. a 51. não seria atingido se, através do exercício do seu direito de livre circulação, os trabalhadores perdessem as vantagens de segurança social que lhes assegura a legislação de um Estado-membro" (12).

    32. Poderá um regime de segurança social, para esse efeito, ter de tomar em consideração uma situação que ocorreu noutro Estado-membro?

    33. Um primeiro elemento de resposta pode ser encontrado no acórdão Paraschi de 4 de Outubro de 1991 (13).

    34. Elissavet Paraschi, de nacionalidade grega, exerceu de 1965 a 1979, na Alemanha, uma actividade sujeita à segurança social obrigatória. Tendo adoecido em 1977, regressou ao seu país de origem em 1979, onde não pôde nem retomar uma actividade assalariada em virtude do seu estado de saúde, nem beneficiar de uma pensão de invalidez em virtude da legislação helénica. Tendo solicitado a concessão de uma pensão de invalidez na Alemanha, esta foi-lhe recusada por já não preencher, em virtude de uma alteração legislativa ocorrida em 1984, a condição de duração mínima de seguro obrigatório a que estava sujeita a concessão dessa pensão. A título transitório, a nova lei permitia aos interessados manterem os seus direitos à pensão de invalidez desde que pagassem cotizações voluntárias pelo menos uma vez por mês durante o ano de 1984.

    35. A alteração deste regime tinha causado algumas dificuldades a certos trabalhadores migrantes, e Elissavet Paraschi ° que não tinha podido beneficiar das disposições transitórias ° sustentou que estas disposições eram susceptíveis de dar origem a discriminações relativamente aos trabalhadores migrantes que regressem ao seu país de origem, devido às diferenças de estrutura existentes em determinados sistemas nacionais de segurança social.

    36. O Tribunal afirmou que incumbe à

    "legislação de cada Estado-membro determinar as condições do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social, desde que não se faça a esse respeito discriminação entre nacionais e cidadãos de outros Estados-membros" (14)

    e que,

    "por conseguinte, o direito comunitário não se opõe a que o legislador nacional altere as condições de concessão de uma pensão de invalidez, mesmo que as torne mais rigorosas, desde que as condições adoptadas não acarretem qualquer discriminação ostensiva ou dissimulada entre trabalhadores comunitários" (15).

    37. O Tribunal recordou que

    "embora, de acordo com a jurisprudência do Tribunal, o artigo 51. deixe subsistir diferenças entre os regimes de segurança social de cada Estado-membro e, por conseguinte, nos direitos das pessoas que neles trabalham... a finalidade dos artigos 48. a 51. do Tratado não seria atingida se, na sequência do exercício do seu direito de livre circulação, os trabalhadores migrantes tivessem de perder benefícios de segurança social que a legislação de um Estado-membro lhe assegura; essa consequência poderia dissuadir o trabalhador comunitário de exercer o seu direito à livre circulação e constituiria, por isso, um entrave a essa liberdade" (16).

    38. E o Tribunal considerou que uma legislação como a em causa,

    "ainda que, do ponto de vista formal, se aplique a qualquer trabalhador comunitário, que pode assim beneficiar da prorrogação do período de referência, todavia, na medida em que a mesma não prevê possibilidades de prorrogação quando os factos ou circunstâncias que correspondem àqueles que permitem a prorrogação ocorrem noutro Estado-membro... é susceptível de causar prejuízo de forma muito mais importante aos trabalhadores migrantes, porque são principalmente estes últimos que, designadamente em caso de doença ou de desemprego, têm tendência para regressar ao seu país de origem" (17)

    e que,

    "por consequência, essa legislação tem por efeito dissuadir os trabalhadores migrantes de exercerem o seu direito de livre circulação" (18).

    39. O Tribunal concluiu que os artigos 48. , n. 2, e 51. do Tratado

    "não se opõem a que uma legislação nacional torne mais rigorosas as condições de concessão de uma pensão de invalidez... mas opõem-se a que essa legislação, que permite, em certas condições, a prorrogação do período de referência, não preveja a possibilidade de prorrogação quando os factos ou circunstâncias correspondentes àqueles que permitem a prorrogação ocorram noutro Estado-membro" (19).

    40. Deste modo, portanto, um regime nacional de segurança social, cujas diferenças, em termos substanciais e em sede de processo, com os regimes correspondentes dos outros Estados-membros "não relevam do artigo 51. do Tratado", cujas condições de concessão das prestações podem mesmo tornar-se mais rigorosas, não estaria em conformidade com o direito comunitário se, em lugar de tomar em consideração certos factos ou circunstâncias ocorridos noutros Estados-membros, discriminasse, ainda que indirectamente, os trabalhadores migrantes ou, de um modo mais geral, se dificultasse a sua livre circulação, princípio fundamental do direito comunitário que tem a sua origem nos artigos 48. a 51. do Tratado.

    41. Mas não será necessário passar dos factos ao direito e tentar determinar se, para além dos "factos e circunstâncias", um regime nacional de segurança social não deve igualmente, em determinados casos, para não pôr em causa a livre circulação de trabalhadores migrantes, ter em atenção as regras correspondentes de outro Estado-membro?

    42. O exemplo seguinte, ao mesmo tempo que alarga o âmbito do caso vertente, ilustra a importância desta questão.

    43. Um nacional comunitário que exerça uma actividade assalariada num Estado-membro A e que tenha a cargo o seu cônjuge, a título do qual deverá normalmente receber, quando cessar a sua actividade, um acréscimo dos seus direitos à pensão, será dissuadido de aceitar um emprego num Estado-membro B se souber que irá perder o direito ao acréscimo no Estado A devido à especificidade do regime de pensão do Estado B? Do mesmo modo, se, durante alguns anos, trabalhou como assalariado no Estado-membro B, esse mesmo trabalhador não hesitará em aceitar um outro emprego no Estado-membro A, sabendo que a pensão pessoal concedida pelo Estado B ao seu cônjuge não trabalhador o privará da reforma à "taxa de agregado familiar" de que beneficia o seu homólogo que sempre trabalhou no Estado A?

    44. A resposta a esta questão é, obviamente, afirmativa. Existe aí um obstáculo que, de forma não menos evidente, embora não existindo uma disposição formal, afecta os trabalhadores migrantes relativamente aos sedentários, ou seja, os nacionais de outros Estados-membros por referência aos nacionais desse Estado (20).

    45. Na verdade, pode-se ser tentado a sustentar que, no caso em apreço, a dificuldade tem a sua origem na nova legislação neerlandesa. Foi o que o Governo belga fez, chegando mesmo a sustentar que o sistema assim instaurado "não é coerente quando se trata de o aplicar... aos trabalhadores migrantes" (21) e que é incompatível com o princípio da livre circulação.

    46. Este argumento não convence. Sem ter de apreciar os méritos respectivos dos regimes belgas e neerlandês, considerados isoladamente, nem o carácter necessário ou facultativo da modificação da AOW, sistema de seguro popular e não de trabalhador assalariado, na perspectiva da Directiva 79/7, forçoso é observar que a redução da pensão belga de Simon van Munster não resulta da AOW, que não a regula, mas dos efeitos que a legislação belga tem sobre a modificação da legislação neerlandesa.

    47. E eis-nos chegados ao âmago do problema! Uma legislação nacional, originariamente não discriminatória, não impediente, pode tornar-se discriminatória e impediente por deixar de preservar a livre circulação dos trabalhadores, na sequência da modificação da legislação correspondente de outro Estado-membro?

    48. Em nosso entender, esta questão deve ser respondida pela afirmativa.

    49. Na fase actual do direito comunitário, a autonomia dos Estados-membros quanto ao estabelecimento dos seus regimes sociais não se discute; mas também não se divide. A autonomia do Estado-membro A não é exclusiva relativamente à do Estado-membro B. Mais importante, o primeiro não pode ignorar completamente a legislação do segundo, e vice-versa.

    50. Com efeito, a situação de um trabalhador migrante, na perspectiva dos seus direitos à pensão, regula-se, necessariamente, por tantos sistemas nacionais quantos os Estados de emprego sucessivos.

    51. Quando esses sistemas são da mesma natureza, a sua articulação faz-se, em princípio, sem interferência do princípio da livre circulação, sendo a sua conformidade com o direito comunitário apreciada separadamente.

    52. Mas quando, como no caso em apreço, se verifica uma interferência em virtude das suas diferenças de natureza, é a situação global na perspectiva dos direitos à pensão que deve ser apreciada, e se revelar a existência de obstáculos à livre circulação de trabalhadores migrantes, é a regulamentação nacional que afecta o exercício dessa liberdade que deve ser apreciada para efeitos da sua conformidade com o direito comunitário.

    53. Noutros termos, se a pensão que inclui um complemento por cônjuge não trabalhador pago ao trabalhador no Estado-membro B vier a ser fraccionada em duas prestações pessoais pagas, respectivamente, a cada cônjuge, o Estado-membro A não pode reduzir, por esse motivo, a pensão de reforma que paga a esse trabalhador sem, por isso mesmo, violar o princípio da livre circulação dos trabalhadores migrantes. O que o Estado A aqui deve tomar em consideração é que no Estado B, por um lado, o cônjuge do trabalhador manteve-se sem trabalhar e, por outro, o montante global recebido pelo casal a título da reforma continuou inalterado.

    54. Resta, a este respeito, examinar o problema, levantado na segunda questão do juiz a quo, da determinação das razões que, na perspectiva do direito comunitário, justificam uma eventual restrição à livre circulação de trabalhadores.

    55. Como justamente recordou o Governo dos Países Baixos (22), essas razões só podem ser, na matéria, de ordem, saúde e segurança públicas. Observa-se que nenhuma destas três razões foi invocada pelo Governo belga ou pelo RPV.

    56. Concluímos, portanto, propondo que o Tribunal declare o seguinte:

    "1) O artigo 4. , n. 1, da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva da igualdade entre homens e mulheres em matéria de segurança social, conjugado com o disposto no artigo 7. , n. 1, alínea c), da mesma directiva, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma norma nacional atribua consequências diferentes à concessão de uma pensão a título do cônjuge não trabalhador, conforme essa prestação seja concedida sob a forma de um aumento de pensão do cônjuge trabalhador, ou sob a forma de pensão concedida directamente ao cônjuge não trabalhador.

    2) Os artigos 3. , alínea c), 48. e 51. do Tratado devem ser interpretados no sentido de que proíbem uma norma desse tipo, uma vez que, não sendo justificada por razões de ordem, segurança ou saúde públicas, seria susceptível ° na sequência de uma mudança de emprego que implicasse a transferência para outro Estado-membro do trabalhador assalariado ° de reduzir os rendimentos recebidos a título das pensões por este último e pelo seu cônjuge que se manteve sem trbalhar, e, portanto, de entravar o exercício pelos trabalhadores migrantes da sua liberdade de circulação no interior da Comunidade."

    (*) Língua original: francês.

    (1) - Acórdão de 20 de Abril de 1988 (151/87, Colect., p. 2009).

    (2) - I, 1.

    (3) - JO L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174.

    (4) - Um estudo sumário das disposições sociais em vigor permite identificar três tipos de regimes: os que não tomam em consideração a situação do cônjuge não trabalhador, mas apenas a dos trabalhadores assalariados que pagaram cotizações; os ° que são a maioria ° que prevêem um aumento da pensão do cônjuge trabalhador; e, por último, os ° de que os Países Baixos são os únicos representantes ° que concedem directamente uma pensão ao cônjuge não trabalhador.

    (5) - I, 2.

    (6) - V. segundo e quarto considerandos do Regulamento (CEE) n. 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98).

    (7) - Acórdão de 15 de Janeiro de 1986 (41/84, Colect., p. 1).

    (8) - N. 20.

    (9) - N. 21.

    (10) - Ibidem.

    (11) - Acórdão de 25 de Fevereiro de 1986, De Jong, n. 14 (254/84, Colect., p. 671).

    (12) - Ibidem, n. 15.

    (13) - Acórdão C-349/87, Colect., p. I-4501.

    (14) - N. 15.

    (15) - N. 16.

    (16) - N. 22.

    (17) - N. 24, sublinhado nosso.

    (18) - N. 25.

    (19) - N. 27.

    (20) - A dissuasão de exercer um direito reconhecido pelo Tratado, nomeadamente pelo artigo 48. , é considerada, na jurisprudência do Tribunal de Justiça, como um entrave possível à livre circulação de trabalhadores (v., designadamente, a este propósito o acórdão de 7 de Março de 1991, Masgio, n. 18, (C-10/90, Colect., p. I-1119), n. 22 do acórdão Paraschi, já referido, e o acórdão de 22 de Fevereiro de 1990, Bronzino, n. 12 (C-228/88, Colect., p. I-531).

    (21) - Observações do Governo belga, p. 5 da tradução francesa.

    (22) - N. 20 das suas observações.

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