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Document 61991CC0070

    Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 19 de Fevereiro de 1992.
    Conselho das Comunidades Europeias contra Anita Brems.
    Funcionários - Conceito de filho a cargo - Pessoas equiparáveis - Filho de funcionário - Ilegalidade das disposições gerais de execução.
    Processo C-70/91 P.

    Colectânea de Jurisprudência 1992 I-02973

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1992:77

    61991C0070

    Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 19 de Fevereiro de 1992. - CONSELHO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA ANITA BREMS. - FUNCIONARIO - NOCAO DE DESCENDENTE A CARGO - PESSOAS EQUIPARADAS - FILHO DE FUNCIONARIO - ILEGALIDADE DAS DISPOSICOES GERAIS DE EXECUCAO. - PROCESSO C-70/91 P.

    Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-02973


    Conclusões do Advogado-Geral


    ++++

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    1. Pode o filho de um funcionário ser "equiparado" a filho a cargo, na acepção do artigo 2. , n. 4, do anexo VII do Estatuto dos Funcionários? Tal é, no essencial, a questão suscitada no recurso interposto pelo Conselho das Comunidades Europeias do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 14 de Dezembro de 1990 (1).

    2. O artigo 2. , n. 1, do anexo VII do Estatuto institui um abono por filho a cargo.

    3. O n. 2 desse artigo define o conceito de filho a cargo da seguinte forma:

    "É considerado filho a cargo o filho legítimo, natural ou adoptivo do funcionário ou do seu cônjuge, desde que seja efectivamente sustentado pelo funcionário..."

    4. O n. 3 precisa as condições de concessão deste abono. É concedido:

    "...

    a) Oficiosamente, por filho que ainda não tiver atingido a idade de 18 anos.

    b) A pedido fundamentado do funcionário interessado, por filho de 18 a 26 anos de idade que esteja a adquirir formação escolar ou profissional".

    5. O n. 4, que está no cerne do processo Brems, acrescenta:

    "Pode, excepcionalmente, ser equiparado a filho a cargo, por decisão particular e fundamentada da entidade competente para proceder a nomeações, tomada com base em documentos comprovativos, qualquer pessoa relativamente à qual o funcionário tenha obrigação legal de alimentos e cujo sustento lhe imponha pesados encargos" (2).

    6. A. Brems, funcionária do Conselho, beneficiou, relativamente ao seu filho, nascido em 1967, de um abono por filho a cargo (3), até 1 de Julho de 1988. Nessa data, o abono foi cancelado, por o filho da recorrente ter abandonado os seus estudos superiores.

    7. Por nota de 27 de Outubro de 1988 (4), A. Brems solicitou o restabelecimento do pagamento do abono, por o seu filho poder, em sua opinião, ser "equiparado a filho a cargo", dado que, não tendo emprego, lhe impunha pesados encargos e que tinha obrigações legais para com ele.

    8. Em 29 de Novembro de 1988 (5), o Secretariado-Geral do Conselho indeferiu esse pedido com fundamento em que "a equiparação de uma pessoa a filho a cargo por decisão especial da AIPN... apenas pode ser concedida a qualquer outra pessoa que não os filhos a cargo".

    9. Por nova nota de 6 de Dezembro de 1988 (6), que qualifica de reclamação administrativa, na acepção do n. 2 do artigo 90. do Estatuto, A. Brems contestou a posição do Conselho:

    "... O meu filho, tendo mais de 18 anos e não estando a adquirir qualquer formação escolar ou profissional, deixou de ser considerado filho a cargo, na acepção do Estatuto. É por essa razão que deve ser considerado, do meu ponto de vista, como uma 'outra pessoa' que o Estatuto permite seja equiparada a filho a cargo".

    10. Em 19 de Dezembro de 1988, a autoridade investida do poder de nomeação (a seguir "AIPN") confirmou a sua decisão de 29 de Novembro de 1988 (7).

    11. A decisão do Conselho de 15 de Março de 1976 que adopta as disposições gerais de execução do artigo 2. , n. 4, do anexo VII do Estatuto dos Funcionários (8) (a seguir "disposições gerais de execução"), tomada nos termos do artigo 110. do Estatuto, estabelece, no artigo 3. , que

    "a pessoa cuja equiparação é pedida deve:

    - ter mais de 60 anos de idade se for homem e mais de 55 anos de idade se for mulher, ou

    - ter menos de 18 anos de idade, sendo este limite aumentado para 26 anos se a pessoa estiver a adquirir formação escolar ou profissional, ou

    - sofrer de doença ou de enfermidade que a impeça de prover à satisfação das suas necessidades",

    e, no artigo 7. , que

    "a equiparação pode ser concedida quando:

    a) por um lado, estiverem preenchidas as condições estabelecidas nos artigos 2. a 4. ,

    b) por outro, o montante dos encargos com o sustento tomado em consideração... for superior a 20% do montante tributável..." (9).

    12. O filho da recorrente não preenchia tais condições, o que explica a decisão de o Conselho denegar a equiparação a filho a cargo e que a recorrente beneficiasse do n. 4 do artigo 2.

    13. O Tribunal de Primeira Instância, para o qual A. Brems recorreu, anulou a decisão de 29 de Novembro de 1988, pelo acórdão de 14 de Dezembro de 1990, já referido, que o Conselho vem agora impugnar.

    14. Ao analisar o artigo 2. do anexo VII, o Tribunal de Primeira Instância salienta (10) que, tratando-se dos filhos a que se referem os n.os 3 e 5, a AIPN está obrigada a conceder o abono por filho a cargo sempre que o filho seja efectivamente sustentado pelo funcionário: a AIPN encontra-se numa situação de competência vinculada.

    15. Pelo contrário, ainda de acordo com o Tribunal de Primeira Instância, no caso do n. 4, a AIPN dispõe de um poder discricionário "para decidir da equiparação a filho a cargo de qualquer pessoa em relação à qual o funcionário tenha uma obrigação legal de alimentos e cujo sustento lhe imponha pesados encargos" (11).

    16. Procurando a ratio legis desta disposição, o Tribunal de Primeira Instância refere que "a razão de ser desta última disposição é a de permitir à AIPN, em caso excepcionais, fornecer assistência a funcionários que suportem pesados encargos que lhes sejam impostos por uma obrigação legal" (12).

    17. O Tribunal de Primeira Instância salienta o argumento literal: os termos gerais da expressão "qualquer pessoa" não permitem excluir do âmbito de aplicação do n. 4 o filho do funcionário que não satisfaça as condições definidas nos n.os 3 e 5 (13).

    18. Ademais, excluir os filhos dos funcionários do benefício dessa norma geral não seria conforme ao princípio da igualdade de tratamento (14), que "proíbe as discriminações fundadas apenas no critério da qualidade de uma pessoa".

    19. O Tribunal de Primeira Instância sublinha, em seguida, o paradoxo que resultaria de tal exclusão: "Tal exclusão seria tanto menos justificada quanto o laço familiar que une o funcionário ao seu filho é mais forte que aquele que o une a outras pessoas - como os pais..." (15).

    20. O acórdão impugnado prossegue refutando o argumento de desvio de procedimento. Com efeito, só existiria desvio de procedimento se o n. 4 permitisse equiparar a filhos a cargo os filhos que satisfazem as condições previstas nos n.os 3 e 5 (limites de idade, filho enfermo) e são efectivamente sustentados por um funcionário, sem, contudo, terem a qualidade de filho legítimo, natural ou adoptivo desse funcionário ou do seu cônjuge. O Tribunal de Primeira Instância recorda que a jurisprudência do Tribunal de Justiça admitiu que diversas categorias de pessoas podem beneficiar de uma decisão de equiparação. O sistema do Estatuto não permite impedir que um funcionário peça a equiparação do seu próprio filho a um filho a cargo (16).

    21. Por último, o acórdão acolhe a excepção de ilegalidade dos artigos 3. e 7. da decisão do Conselho, de 15 de Março de 1976, que adopta as disposições gerais de execução do artigo 2. , n. 4, do anexo VII, pelas seguintes razões:

    - as disposições gerais de execução não podem restringir o âmbito de aplicação do Estatuto;

    - a expressão "qualquer pessoa" é clara;

    - ao imporem limites de idade mínimos e máximos, as "disposições gerais de execução excluíram do âmbito de aplicação do n. 4 do artigo 2. todas as pessoas que se encontram entre os limites de idade impostos, privando assim a AIPN da possibilidade de exercer o seu poder de apreciação em cada caso concreto" (17).

    22. O Tribunal de Primeira Instância conclui do conjunto destas considerações que,

    "ao recusar à recorrente a equiparação do seu filho a um filho a cargo com o único fundamento em que este está excluído do âmbito de aplicação do n. 4 do artigo 2. do anexo",

    o Conselho cometeu um erro de direito que vicia a legalidade da decisão impugnada, que, por conseguinte, deve ser anulada (18).

    23. No seu recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, o Conselho invoca três fundamentos (19).

    24. Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância interpretou de forma errada o artigo 2. , n. 4, do anexo VII do Estatuto.

    25. Em segundo lugar, procedeu a uma aplicação errada do princípio da não discriminação.

    26. Por último, declarou erradamente ilegais os artigos 3. e 7. da decisão do Conselho.

    27. Examinemos sucessivamente estes três fundamentos.

    28. Em apoio do primeiro, o Conselho sustenta que o Tribunal de Primeira Instância apreciou erradamente a economia geral e a finalidade do artigo 2. e não tomou em consideração a natureza excepcional da equiparação de uma pessoa a filho a cargo.

    29. Antes de mais, situemos o n. 4 do artigo 2. no seu contexto.

    30. O anexo VII do Estatuto explana as "regras relativas à remuneração e ao reembolso de despesas". Nele se prevê que os funcionários das Comunidades Europeias sujeitos a situações especiais podem beneficiar de diversos abonos ou subsídios: prestações familiares, subsídio de expatriação, etc.

    31. Nos termos do artigo 2. desse anexo, os funcionários beneficiam de abonos por filho a cargo.

    32. Depois de definir no n. 2 o conceito de "filho a cargo", este artigo sujeita a concessão do abono a determinadas condições, atinentes designadamente à idade do filho.

    33. O filho com idade inferior a 18 anos, o filho com menos de 26 anos que prossegue os seus estudos (a que o n. 5 acrescenta o filho que sofra de doença grave ou de enfermidade que o impeça de prover à satisfação das suas necessidades) não estão, necessária e manifestamente, pela mera condição de filho menor, estudante ou enfermo, em condições de prover à satisfação das suas necessidades. É por essa razão que o Estatuto presume estarem a cargo dos seus pais, prevendo, no que lhes diz respeito, desde que tenham a qualidade de filho a cargo na acepção do n. 2, ser automática a concessão do abono por filho a cargo, que não pode ser recusada pela AIPN (20), que, como justamente salientou o Tribunal de Primeira Instância, se encontra numa situação de competência vinculada (21).

    34. Os n.os 3 e 5 enumeram, pois, os casos em que a AIPN está obrigada a conceder o abono por filho a cargo, sem que disponha de qualquer poder de apreciação.

    35. Outros casos existem em que o funcionário se vê obrigado a suportar o efectivo sustento de uma pessoa que não é seu filho menor, nem seu filho maior que esteja a adquirir formação, nem seu filho enfermo, mas que lhe impõe encargos idênticos.

    36. É por esta razão que o n. 4 prevê que qualquer pessoa pode, excepcionalmente, ser equiparada a filho a cargo desde que estejam preenchidas duas condições: que o funcionário tenha uma obrigação legal de alimentos relativamente a essa pessoa e que o respectivo sustento lhe imponha pesados encargos.

    37. Neste caso, deixa de funcionar a presunção de a pessoa não estar em condições de prover à satisfação das suas necessidades: compete ao funcionário fazer perante a AIPN, que conserva um poder de apreciação total (22), a dupla prova exigida pelo n. 4.

    38. O Tribunal de Justiça decidiu já, no seu acórdão Brandau/Conselho (23), que:

    "... Os próprios termos do artigo 2. , n. 4, do anexo VII demonstram claramente que os autores do Estatuto pretenderam deixar à administração uma determinada liberdade de apreciação dos factos e circunstâncias invocados, em cada caso, em apoio de um pedido de equiparação.

    ... Tal margem de apreciação justifica-se por razões de equidade, em que a administração se deve basear no exercício do poder excepcional previsto na referida disposição e pela consequente necessidade de avaliar os factos que caracterizam cada caso específico" (24).

    39. Foi assim que a AIPN reconheceu esse estatuto à mãe do funcionário (25).

    40. A expressão "qualquer pessoa" demonstra efectivamente que o conceito de "pessoa equiparada a filho a cargo" é uma categoria genérica que abrange situações extremamente diversas. Só uma formulação tão ampla permite abranger todos os casos de pessoas que estão a cargo de um funcionário, sem estarem no entanto abrangidas pelos n.os 3 e 5 do artigo 2.

    41. Recorde-se que os três casos abrangidos por estes dois números se referem a situações em que o abono por filho a cargo é automaticamente concedido (26), porque, em tais casos, se justifica notoriamente: essas disposições não exigem nem "documento probatório" nem prova de "pesados encargos".

    42. Ora, essas três hipóteses não esgotam todos os casos em que, de facto, um filho está a cargo de seus pais. Um filho pode, entre os 18 e os 26 anos, abandonar os seus estudos ou a sua formação profissional e ficar a cargo de seus pais: não estará abrangido pela alínea b) do n. 2. Impõe, contudo, a seus pais os mesmos encargos que o filho da mesma idade que prossegue os seus estudos. De forma idêntica, um filho com mais de 26 anos pode estar a cargo de seus pais e não ter condições para prover à satisfação das suas necessidades.

    43. Contudo, é óbvio que em tais casos a concessão de abono por filho a cargo não pode ter natureza automática, pressupondo 1) a reunião, pelo funcionário que a solicita, das provas exigidas pelo n. 4 e 2) o exercício pela AIPN do seu poder de apreciação. Neste caso, a necessidade do abono não é patente, devendo ser provada precisamente porque é excepcional.

    44. De forma clara, os n.os 3 e 5 não abrangem os três únicos casos em que o filho do funcionário dá direito ao abono por filho a cargo. Abrangem os três únicos casos em que esse abono é automaticamente pago. Daqui não resulta que o filho do funcionário não dê direito ao abono por filho a cargo noutras situações. A necessidade desse abono deve, então, ser provada.

    45. O que distingue fundamentalmente os n.os 3 e 5, por um lado, e o n. 4, por outro, não é o respectivo âmbito de aplicação "ratione personae" (os primeiros dizem respeito aos filhos dos funcionários, o último a todas as demais pessoas), mas sim o seu regime de prova.

    46. Os n.os 3 e 5 dizem respeito aos casos - definidos - em que a necessidade de abono é certa: este é então devido; o n. 4 diz respeito aos casos - a definir - em que a necessidade do abono é incerta: terá então de ser provada.

    47. Conclui-se que o filho de funcionário deve poder ser integrado na categoria "qualquer pessoa", desde que não esteja abrangido pelos n.os 3 e 5. O filho "equiparado a filho a cargo" é aquele que não satisfaz as condições previstas nestes números, mas dá direito ao abono por se ter provado que o seu sustento impõe pesados encargos ao seu progenitor (27).

    48. Aliás, será possível admitir que o filho de um funcionário - que o legislador comunitário pretendeu favorecer ao instituir um abono especial em seu favor - não pode beneficiar da equiparação a filho a cargo, quando os pais, os avós ou o ex-cônjuge dela podem beneficiar - paradoxo este claramente sublinhado pelo Tribunal de Primeira Instância no n. 26 do seu acórdão?

    49. Recorde-se, por último, que, no acórdão Brandau/Conselho (28), o Tribunal de Justiça convidou a AIPN a tomar em consideração a equidade na aplicação do n. 4. Esta presta-se mal a uma interpretação restritiva da expressão "qualquer pessoa".

    50. Para sustentar que aquele número não permite a equiparação a filho a cargo do próprio filho de um funcionário, o Conselho baseia-se fundamentalmente no acórdão de 21 de Novembro de 1974, Muolijn/Comissão (29). Nesse processo, o recorrente pedia a anulação da decisão da Comissão que recusou a equiparação a filho a cargo da sua esposa divorciada, com fundamento em que não consagrava ao respectivo sustento uma soma igual, no mínimo, a 20% do montante tributável do seu vencimento. A Comissão baseava-se nas disposições gerais de execução que adoptara, nos termos do artigo 110. do Estatuto, relativas à aplicação do n. 4 do artigo 2. , que estabelecia o seguinte: "Para que outra pessoa possa ser equiparada a filho a cargo, é necessário estarem reunidas as seguintes condições:... 4) O funcionário deve provar que consagra ao sustento dessa pessoa uma soma igual, no mínimo, a 20% do montante tributável do seu vencimento...".

    51. O Tribunal de Justiça respondeu que:

    "... cabe verificar que a equiparação a filho a cargo tem natureza excepcional, sublinhada pela própria redacção do artigo 2. , n. 4, do anexo VII do Estatuto, que dispõe que a equiparação apenas tem lugar 'excepcionalmente' e 'por decisão particular e fundamentada' ;

    ... as condições estabelecidas para que outra pessoa possa ser equiparada a filho a cargo devem, em consequência, ser interpretadas restritivamente" (30).

    52. O Tribunal de Justiça retoma aqui a expressão "outra pessoa" constante das disposições gerais de execução adoptadas pela Comissão (31).

    53. Essa expressão deve ser entendida como "outra pessoa que não as referidas no n. 3" (32). Daqui não se pode concluir que a mesma exclui do benefício da equiparação os filhos de funcionário que estejam em situações diversas das referidas no n. 3.

    54. Finalmente, não é de estranhar que as disposições do artigo 2. , n. 7, do anexo VII - que garante, no caso de o filho não estar à guarda do funcionário que tem direito ao abono, o pagamento directo desta ao cônjuge ou a um terceiro que assuma a efectiva guarda do filho - apenas se refiram ao filho a cargo, na acepção dos n.os 3 e 5 do artigo 2.

    55. Com efeito, esta hipótese é diversa da do n. 4, que pressupõe que o funcionário assume efectiva e directamente o sustento da pessoa equiparada a filho a cargo.

    56. Conclui-se que, ao declarar que "o legislador comunitário não entendeu excluir do âmbito de aplicação do n. 4 do artigo 2. , devido apenas à sua qualidade de filho legítimo, natural ou adoptivo do funcionário ou do seu cônjuge, na acepção do n. 2 do artigo 2. , o filho que não satisfaz as condições de concessão do abono por filho a cargo definidas nos n.os 3 e 5" (33), o Tribunal de Primeira Instância interpretou correctamente o Estatuto.

    57. Quanto ao segundo fundamento, baseado na aplicação errada do princípio da não discriminação, o Conselho sustenta não ter havido violação desse princípio, na medida em que as categorias de pessoas às quais o Tribunal de Justiça ou as disposições gerais de execução reconheceram o estatuto de pessoa equiparada a filho a cargo, na acepção do n. 4 do artigo 2. , satisfaziam os mesmos limites de idade máxima que os impostos aos filhos a cargo pelo n. 3 do mesmo artigo.

    58. Tendo esses limites sido instituídos pelo artigo 3. das disposições gerais de execução, verificar se houve ou não discriminação no caso concreto significa, em consequência, apreciar, neste caso, a legalidade dos artigos 3. e 7. da decisão de 15 de Março de 1976, em que o Conselho se baseou para adoptar a decisão impugnada, o que é, precisamente, o objecto do terceiro fundamento.

    59. Recorde-se que o artigo 110. do Estatuto prevê - sem qualquer outra precisão quanto ao seu objecto - que "as disposições gerais de execução... são adoptadas por cada instituição, após consulta do seu Comité do Pessoal e parecer do Comité do Estatuto previsto no artigo 10. ".

    60. O Tribunal de Justiça precisou, nos acórdãos Prakash/Comissão da CEEA (34) e Rauch/Comissão (35), que as disposições gerais de execução serão adoptadas pelas instituições, por um lado, quando os artigos do Estatuto lhes confiarem a tarefa de regulamentar pontos precisos (36), por outro, quando o Estatuto não for suficientemente explícito. Por exemplo, foram adoptadas disposições gerais de execução relativamente ao processo de promoção do pessoal (37).

    61. No que se refere, especificamente, ao artigo 2. , n. 4, do anexo VII do Estatuto, o alcance do poder regulamentar de que as instituições dispõem com base no artigo 110. do Estatuto ficou definido no acórdão Brandau/Conselho, de 7 de Junho de 1972 (38).

    62. Brandau, funcionário do Secretariado-Geral do Conselho, formulou um pedido de equiparação a filho a cargo de sua mãe, com base no n. 4, argumentando que assumia o encargo resultante do seu internamento num lar de idosos. O Conselho recusou essa equiparação com fundamento, designadamente, em que Brandau não fizera prova da natureza necessária das prestações efectuadas a favor de sua mãe.

    63. Uma decisão do Conselho, de 2 de Abril de 1964, que adoptou as disposições gerais de execução do artigo 2. , n. 4, do anexo VII, estabeleceu um determinado número de exigências para que uma pessoa pudesse ser equiparada a filho a cargo, atinentes, designadamente, ao montante das despesas de sustento suportadas pelo funcionário.

    64. O recorrente sustentou que, estando reunidas as condições exigidas pelo n. 4 do artigo 2. e pelas disposições gerais de execução, a instituição era obrigada a conceder a equiparação, sob pena de violar o princípio geral da igualdade de tratamento entre funcionários.

    65. O Tribunal de Justiça respondeu da seguinte forma:

    "considerando que, embora cada instituição da Comunidade tenha a faculdade de, para efeitos de execução do artigo 2. , n. 4, do anexo VII do Estatuto, determinar, previamente e de forma geral, os critérios objectivos a que deve atender, tal enunciação apenas pode ser considerada como a expressão de exigências mínimas, válidas para todos os casos, sem que possa afectar o exercício, em cada caso individual, do poder de apreciação atribuído à administração pelo próprio Estatuto;

    que esse poder da administração, necessário para que possa atender às múltiplas e imprevisíveis circunstâncias que caracterizam cada caso, não é incompatível com o princípio geral, invocado pelo recorrente, da igualdade de tratamento entre funcionários;

    que este princípio geral não implica que, na execução da disposição considerada, a administração se deve limitar à mera aplicação mecânica de normas e critérios preestabelecidos;

    que tal concepção seria contrária à necessidade de apreciar situações de facto, por vezes complexas, que caracterizam cada caso particular" (39).

    66. O Tribunal de Justiça recordava e sublinhava assim que o poder de apreciação da AIPN se mantém mesmo quando estejam preenchidos critérios objectivos definidos pelas disposições gerais de execução.

    67. Neste processo, não foi suscitada nem discutida a legalidade das disposições gerais de execução atinentes ao montante mínimo das despesas de sustento suportadas pelo funcionário. Indistintamente aplicável, seja qual for a pessoa a cargo do funcionário, tal critério não implicava qualquer discriminação, justificando-se pela natureza excepcional da aplicação do artigo 2. , n. 4, do anexo VII.

    68. A situação é totalmente diversa no processo Brems.

    69. Recorde-se que o artigo 3. das disposições gerais de execução adoptadas pelo Conselho em 15 de Março de 1976 estabelecia que

    "a pessoa cuja equiparação é pedida deve:

    - ter mais de 60 anos de idade se for homem e mais de 55 anos de idade, se for mulher, ou

    - ter menos de 18 anos de idade, sendo este limite aumentado para 26 anos, se a pessoa estiver a adquirir formação escolar ou profissional, ou

    - sofrer de doença ou de enfermidade que a impeça de prover à satisfação das suas necessidades".

    70. Verifica-se, de imediato, que o filho de funcionário que não preencha as condições dos n.os 3 e 5 do artigo 2. não pode ser integrado na categoria de pessoas equiparadas a filho a cargo.

    71. Enquanto o n. 4 do mesmo artigo atribui à AIPN um poder de apreciação em cada caso concreto, o Conselho exclui do benefício desse artigo (com excepção da pessoa que sofra de doença grave ou de enfermidade, já abrangida pelo n. 5), apesar de serem credores relativamente ao funcionário de uma obrigação legal de alimentos e de o seu sustento lhe impor pesados encargos,

    - o seu filho, na acepção do n. 2, com idade igual ou superior a 18 anos que, não estando já a adquirir formação, se encontre, contudo, na impossibilidade de prover ele próprio à satisfação das suas necessidades financeiras;

    - qualquer outro membro da família com idade entre 18 anos (ou 26), se estiver a adquirir formação) e 55 anos, se for mulher, ou 60 anos, se for homem.

    72. O Conselho pretendia, assim, submeter a concessão do abono por filho a cargo no âmbito do n. 4 às mesmas condições que as previstas no n. 3 (40).

    73. É assim que o sobrinho ou o neto (41) do funcionário só podiam ser equiparados a filho a cargo se satisfizessem as mesmas condições de idade que as exigidas relativamente ao filho abrangido pelo n. 3.

    74. Assim, em nossa opinião, o Conselho estava a seguir em sentido contrário ao objectivo do artigo 2. do anexo VII e a este anexo em geral, que visa responder, de forma genérica, às situações em que o funcionário está sujeito a encargos suplementares, perdendo de vista que essas situações podem dizer respeito ao próprio filho do funcionário, quando não possa invocar o benefício dos n.os 3 ou 5 do referido artigo.

    75. Ao restringir o âmbito de aplicação ratione personae do n. 4, pela exclusão de categorias completas de pessoas, as disposições gerais de execução fizeram uma discriminação, violando o princípio da igualdade de tratamento;

    76. Como o advogado-geral Roemer recordou nas conclusões que apresentou no processo Brandau, "a administração deve... apreciar situações excepcionais e ... tomar ... medidas relativamente às quais é impossível enumerar de forma exaustiva todos os pressupostos, mas cuja respectiva adopção exige, pelo contrário, que sejam tomadas em consideração todas as espécies de razões individuais e sociais" (42).

    77. Ao presumir, na decisão de 15 de Março de 1976, que quem não preenchesse os limites de idade fixados estava em condições de prover à satisfação das suas necessidades, o Conselho privou a AIPN do poder de apreciação de que esta dispõe nos termos do artigo 2. , n. 4, do anexo VII.

    78. Foi, pois, acertadamente que o Tribunal de Primeira Instância decidiu que os artigos 3. e 7. da decisão do Conselho de 15 de Março de 1976 padeciam de ilegalidade.

    79. Propomos, em consequência, que o Tribunal de Justiça rejeite também os segundo e terceiro fundamentos.

    80. Concluímos, assim, no sentido de que seja negado provimento ao recurso, devendo o Conselho suportar as despesas, por força do disposto nos primeiro e segundo parágrafos do artigo 122. e do n. 2, primeiro parágrafo, do artigo 69. do Regulamento de Processo.

    (*) Língua original: francês.

    (1) - Acórdão Brems/Conselho (T-75/89, Colect., p. II-889).

    (2) - O sublinhado é nosso.

    (3) - Nos termos do artigo 2. , n. 3, alínea b): filho de menos de 26 anos de idade em formação escolar.

    (4) - Anexo III da contestação no Tribunal de Primeira Instância.

    (5) - Ibidem, anexo IV.

    (6) - Ibidem, anexo V.

    (7) - Ibidem, anexo VI.

    (8) - Ibidem, anexo IX.

    (9) - Deduzidas determinadas quantias.

    (10) - N. 23 do acórdão impugnado.

    (11) - Ibidem, n. 24.

    (12) - Ibidem.

    (13) - Ibidem, n. 25.

    (14) - Ibidem, n. 26.

    (15) - Ibidem.

    (16) - Ibidem, n. 27.

    (17) - Ibidem, n.os 29 e 30.

    (18) - Ibidem, n. 31.

    (19) - N. 4 da petição.

    (20) - V. a redacção do n. 3: O abono é concedido: a) oficiosamente... b) a pedido fundamentado... , e do n. 5: O abono continua a ser pago... ; v. também as observações da contestação no Tribunal de Primeira Instância, p. 9.

    (21) - N. 23 do acórdão impugnado. Esta expressão tinha já sido utilizada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 19 de Janeiro de 1984, Erdini/Conselho (65/83, Recueil, p. 211), a respeito do artigo 1. , n. 2, alínea c), do anexo VII, que estabelece as condições de concessão do abono de lar.

    (22) - V. também a redacção da disposição: Pode, excepcionalmente, ser equiparado a filho a cargo, por decisão particular e fundamentada da entidade competente para proceder a nomeações... .

    (23) - Acórdão de 7 de Junho de 1972 (46/71, Recueil, p. 373).

    (24) - N.os 8 e 9, o sublinhado é nosso.

    (25) - V. acórdão de 8 de Março de 1988, Brunotti (339/85, Colect., p. 1379, 1394).

    (26) - Desde que o filho esteja efectivamente a cargo.

    (27) - E que é credor de uma obrigação legal de alimentos a cargo do funcionário.

    (28) - Já referido, n. 9.

    (29) - 6/74, Recueil, p. 1287.

    (30) - N.os 12 e 13, o sublinhado é nosso.

    (31) - Ver n. 4 do referido acórdão.

    (32) - Ou seja, outra pessoa que não o filho menor ou o filho de menos de 26 anos que esteja a adquirir formação.

    (33) - Acórdão impugnado, n. 25.

    (34) - Acórdão de 8 de Julho de 1965 (19/63 e 65/63, Recueil, p. 678).

    (35) - Acórdão de 31 de Março de 1965 (16/64, Recueil, p. 179).

    (36) - Por exemplo, o primeiro parágrafo do artigo 2. do Estatuto: Cada instituição fixa...

    (37) - V. acórdão de 12 de Janeiro de 1978, Ditterich/Comissão (86/77, Recueil, p. 1862).

    (38) - Já referido.

    (39) - Acórdão referido, n.os 11 a 14, o sublinhado é nosso.

    (40) - Pelo menos no que se refere às pessoas com 26 anos, no máximo.

    (41) - Na medida em que o funcionário tenha em relação a eles uma obrigação legal de alimentos .

    (42) - Acórdão referido (Recueil, p. 385-386).

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