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Document 61975CJ0043

    Acórdão do Tribunal de 8 de Abril de 1976.
    Gabrielle Defrenne contra Société anonyme belge de navigation aérienne Sabena.
    Pedido de decisão prejudicial: Cour du travail de Bruxelles - Bélgica.
    Igualdade de remunerações entre trabalhadores do sexo feminino e trabalhadores do sexo masculino.
    Processo 43-75.

    Edição especial inglesa 1976 00193

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1976:56

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    8 de Abril de 1976 ( *1 )

    No processo 43/75,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE pela cour du travail de Bruxelas, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

    Gabrielle Defrenne, ex-hospedeira de bordo, residente em Bruxelas-Jette,

    e

    Société anonyme belge de navigation aérienne Sabena, com sede em Bruxelas,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 119 o do Tratado CEE,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: R. Lecourt, presidente, H. Kutscher e A. O'Keeffe, presidentes de secção, A. M. Donner, J. Mertens de Wilmars, P. Pescatore e M. Sørensen, juízes,

    advogado-geral: A. Trabucchi

    secretário: A. Van Houtte

    profere o presente

    Acórdão

    (A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

    Fundamentos da decisão

    1

    Por decisão de 23 de Abril de 1975, que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 2 de Maio seguinte, a cour du travail de Bruxelas suscitou, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, duas questões relativas ao efeito e aplicação do artigo 119.o do Tratado, que diz respeito ao princípio de igualdade de remuneração entre trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino, por trabalho igual.

    2

    Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe uma hospedeira de bordo à sua entidade empregadora, a SA Sabena, e que tem por objecto uma indemnização reclamada pela requerente no processo principal pelo facto de, entre 15 de Fevereiro de 1963 e 1 de Fevereiro de 1966, ter sido vítima, como trabalhadora do sexo feminino, de uma discriminação em matéria de remuneração relativamente aos seus colegas do sexo masculino que desenvolvem igual trabalho na qualidade de «comissários de bordo».

    3

    De acordo com o acórdão que determinou o reenvio, as partes estão de acordo quanto ao facto de o trabalho de hospedeira de bordo ser idêntico ao de comissário de bordo e de não ser contestada, nestas condições, a existência, durante o período referido, de uma discriminação em matéria de remuneração em detrimento da hospedeira de bordo.

    Quanto à primeira questão (efeito directo do artigo 119.o)

    4

    Pela primeira questão pretende-se saber se o artigo 119.o do Tratado «cria ele próprio directamente, no direito interno de cada Estado-membro, o princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino para o mesmo trabalho» e se «constitui imediatamente, independentemente de qualquer texto nacional, o direito de os trabalhadores intentarem uma acção judicial nos órgãos jurisdicionais nacionais para fazer respeitar esse princípio».

    5

    Em caso de resposta afirmativa é ainda perguntado a partir de que data este efeito deverá ser reconhecido.

    6

    A resposta a esta última parte da primeira questão será dada em conjunto com a resposta à segunda questão.

    7

    A questão do efeito directo do artigo 119.o deve ser apreciada em relação com a natureza do princípio de igualdade de remuneração, do objectivo prosseguido por aquela disposição e do lugar que ela ocupa no sistema do Tratado.

    8

    O artigo 119.o prossegue uma dupla finalidade.

    9

    Por um lado, tendo em conta a diferença do grau de evolução das legislações sociais nos diferentes Estados-membros, o artigo 119.o tem por função evitar que na competição intracomunitária as empresas estabelecidas nos Estados que realizaram efectivamente o princípio de igualdade de remuneração não sofram uma desvantagem concorrencial em relação a empresas situadas em Estados que ainda não eliminaram a discriminação salarial em detrimento da mão-de-obra feminina.

    10

    Por outro lado, esta disposição integra-se nos objectivos sociais da Comunidade, não se limitando esta a uma união económica mas devendo assegurar ao mesmo tempo, através de uma alteração comum, o progresso social e prosseguir uma melhoria constante das condições de vida e emprego dos povos europeus, tal como é salientado no preâmbulo do Tratado.

    11

    Esta finalidade é acentuada pela inserção do artigo 119 o no conjunto do capítulo consagrado à política social, cuja disposição de abertura, a saber, o artigo 117.o, assinala «a necessidade de promover a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores permitindo a sua igualização no progresso».

    12

    Desta dupla finalidade, económica e social, resulta que o princípio de igualdade de remuneração faz parte dos fundamentos da Comunidade.

    13

    Esta consideração explica aliás a razão pela qual o Tratado previu a aplicação integral deste princípio a partir da primeira fase do período de transição.

    14

    Para interpretação desta disposição não poderão portanto extrair-se argumentos da lentidão e resistências que originaram um atraso na aplicação daquele princípio essencial em determinados Estados-membros.

    15

    Mais em especial, a ligação do artigo 119.o ao contexto da igualização das condições de trabalho no sentido do progresso permite afastar a objecção de que aquele artigo poderia ser respeitado por outra forma que por um aumento dos salários menos elevados.

    16

    Nos termos do artigo 119.o, n.o 1, os Estados-membros são obrigados a assegurar e manter «a aplicação do princípio da igualdade das remunerações entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos por trabalho igual».

    17

    Os n.os 2 e 3 do mesmo artigo acrescentam um certo número de precisões relativas aos conceitos de remuneração e de trabalho utilizados no n.o 1.

    18

    Para aplicação destas disposições deve-se estabelecer uma distinção, no âmbito da aplicação global do artigo 119.o, entre, por um lado, as discriminações directas e declaradas, susceptíveis de serem verificadas recorrendo apenas aos critérios de identidade do trabalho e igualdade de remuneração, referidos pelo artigo acima citado, e, por outro, as discriminações indirectas e encobertas que só podem ser identificadas com base em disposições de aplicação mais explícitas, de carácter comunitário ou nacional.

    19

    Não poderá ignorar-se, com efeito, que uma aplicação integral do objectivo prosseguido pelo artigo 119.o, pela eliminação de toda a discriminação entre trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino, directas ou indirectas, na perspectiva não só das empresas individuais mas também de ramos inteiros da indústria e mesmo da economia global, pode implicar em alguns casos a determinação de critérios cuja execução reclama a intervenção de medidas comunitárias e nacionais adequadas.

    20

    Este modo de ver impõe-se tanto mais que os actos comunitários incidentes sobre esta questão, que serão referidos na resposta à segunda questão, aplicam o artigo 119.o no sentido de um alargamento do critério estrito de «trabalho igual», de acordo, designadamente, com as disposições da Convenção n.o 100 sobre a igualdade de remuneração da Organização Internacional do Trabalho, 1951, cujo artigo 2.o determina a igualdade de remuneração para um trabalho de «valor igual».

    21

    Entre as discriminações directas, susceptíveis de serem verificadas recorrendo apenas a critérios fornecidos pelo artigo 119.o, é necessário considerar nomeadamente aquelas que têm a sua fonte em disposições de carácter legislativo ou em convenções colectivas de trabalho, sendo essas discriminações identificáveis com base numa análise puramente jurídica.

    22

    O mesmo se diga ainda do caso de uma remuneração desigual de trabalhadores do sexo masculino e feminino por trabalho igual, desenvolvido num mesmo estabelecimento ou serviço público ou privado.

    23

    Perante uma tal situação — tal como é demonstrado pelas próprias constatações do acórdão de reenvio — o juiz encontra-se habilitado para determinar todos os elementos de facto que lhe permitam apreciar se um trabalhador do sexo feminino recebe uma remuneração inferior à de um trabalhador do sexo masculino que desempenha tarefas idênticas.

    24

    Pelo menos nessas hipóteses, o artigo 119.o é susceptível de aplicação directa e pode portanto constituir, na esfera jurídica dos particulares, direitos que os órgãos jurisdicionais devem proteger.

    25

    Aliás, as medidas legislativas nacionais adoptadas para aplicação do princípio de igualdade de remuneração limitam-se, regra geral, a reproduzir fundamentalmente os termos do artigo 119 o no que respeita às discriminações directas, em caso de trabalho igual.

    26

    A este respeito, a legislação belga é particularmente exemplificativa, uma vez que o artigo 14.o do Decreto Real n.o 40, sobre o trabalho das mulheres, de 24 de Outubro de 1967, limita-se a afirmar o direito de qualquer trabalhador do sexo feminino intentar, junto do órgão jurisdicional competente, uma acção destinada a fazer aplicar O princípio de igualdade de remuneração do artigo 119.o, para que pura e simplesmente remete.

    27

    Nao poderá invocar-se contra esta conclusão os termos utilizados pelo artigo 119.o

    28

    Antes de mais, não poderão extrair-se argumentos contra o efeito directo da utilização por aquele artigo do termo «princípio», uma vez que na terminologia do Tratado esta expressão é precisamente utilizada para assinalar o carácter fundamental de algumas disposições, tal como se verifica por exemplo no título dado à primeira parte do Tratado, consagrado dos «Princípios», e no artigo 113.o, segundo o qual a política comercial da Comunidade assenta em «princípios uniformes».

    29

    Diminuindo este conceito a ponto de o reduzir a uma simples indicação vaga, atingir-se-iam assim indirectamente os próprios fundamentos da Comunidade e a coerência das suas relações externas.

    30

    Também não é possível argumentar com o facto de o artigo 119.o se referir explicitamente apenas aos «Estados-membros».

    31

    Com efeito, tal como o Tribunal já declarou, embora noutros contextos o facto de certas disposições do Tratado serem formalmente dirigidos aos Estados-membros não exclui que possam ao mesmo tempo ser atribuídos direitos a qualquer particular interessado no cumprimento das obrigações assim definidas.

    32

    Resulta do próprio texto do artigo 119.o que este impõe aos Estados uma obrigação de resultado que devia ser imperativamente cumprida dentro de um determinado prazo.

    33

    A eficácia desta disposição não poderá ser afectada pela circunstância de a obrigação imposta pelo Tratado não ter sido cumprida por alguns Estados-membros e as instituições comunitárias terem reagido insuficientemente contra esse incumprimento.

    34

    Admitir o contrário seria erigir a violação do direito em norma de interpretação, posição que o Tribunal não poderá adoptar sem entrar em contradição com a missão que lhe é imposta pelo artigo 164.o do Tratado.

    35

    Por fim, ao fazer referência aos «Estados-membros», o artigo 119 o refere-se aos Estados no exercício de todas aquelas funções que podem concorrer utilmente para a execução do princípio de igualdade de remuneração.

    36

    Contrariamente ao que foi exposto no decurso do processo, esta disposição está longe de se esgotar na remissão para a competência dos poderes legislativos nacionais.

    37

    A alusão do artigo 119.o aos «Estados-membros» não poderá portanto ser interpretada como sendo exclusiva da intervenção de autoridade judicial para aplicação directa do Tratado.

    38

    Também não poderá sustentar-se a objecção extraída do facto de a aplicação pelos órgãos jurisdicionais internos do princípio de igualdade de remuneração poder ter por efeito modificar aquilo que as partes acordaram em actos resultantes da autonomia privada ou profissional, como contratos individuais ou convenções colectivas de trabalho.

    39

    Com efeito, apresentando o artigo 119.o um carácter imperativo, a proibição de discriminações entre trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino impõe-se não só à actuação das autoridades públicas mas também a todas as convenções destinadas a regulamentar de modo colectivo o trabalho assalariado, bem como aos contratos entre particulares.

    40

    Deve portanto responder-se à primeira questão que o principio da igualdade de remuneração do artigo 119 o é susceptível de ser invocado perante os órgãos jurisdicionais nacionais e estes têm o dever de assegurar a protecção dos direitos que aquela disposição atribui aos particulares, designadamente em caso de discriminações que tenham a sua fonte imediata em disposições legislativas ou convenções colectivas de trabalho, bem como no caso de uma remuneração desigual de trabalhadores do sexo masculino e feminino por trabalho igual, quando este é prestado num mesmo estabelecimento ou serviço, público ou privado.

    Quanto à segunda questão (aplicação do artigo 119.o e competências respectivas da Comunidade e dos Estados-membros)

    41

    Com a segunda questão pretende-se saber se o artigo 119.o se tornou «aplicável no direito interno dos Estados-membros em função de actos adoptados pelas autoridades da Comunidade» ou se deve «nesta matéria, reconhecer-se a competência exclusiva do legislador nacional».

    42

    De acordo com a que acima foi dito, convém relacionar esta questão com o aspecto de saber a partir de que data deve ser reconhecido efeito directo ao artigo 119.o

    43

    Perante a totalidade destes problemas convém, em primeiro lugar, estabelecer a cronologia dos actos adoptados no âmbito comunitário para assegurar a aplicação da disposição cuja interpretação está em causa.

    44

    Nos termos do próprio artigo 119.o, a aplicação do princípio de igualdade de remuneração deveria ser uniformemente assegurada o mais tardar no final da primeira fase do período de transição.

    45

    Resulta das afirmações transmitidas pela Comissão que a aplicação deste princípio revela todavia divergências e datas de aplicação diferentes nos vários Estados-membros.

    46

    Sé bem que nalguns Estados-membros o princípio se encontrasse já realizado, quanto aos aspectos essenciais, antes da entrada em vigor do Tratado, por força quer de disposições constitucionais e legislativas expressas quer de práticas sociais consagradas em convenções colectivas de trabalho, em outros Estados-membros a sua plena realização sofreu atrasos consideráveis.

    47

    Perante esta situação, os Estados-membros adoptaram em 30 de Dezembro de 1961, na véspera da expiração do prazo prescrito no artigo 119.o, uma resolução relativa à igualização dos salários dos trabalhadores do sexo masculino e feminino, com o objectivo de esclarecer em determinados aspectos o conteúdo material do princípio de igualdade de remuneração, tendo em vista a sua aplicação de acordo com um plano escalonado no tempo.

    48

    Nos termos desta resolução, todas as discriminações directas e indirectas deveriam ter sido eliminadas em 31 de Dezembro de 1964.

    49

    Resulta das informações prestadas pela Comissão que muitos dos antigos Estados-membros não respeitaram no entanto os termos desta resolução e que, por esta razão, a Comissão foi levada, no âmbito das funções que lhe são confiadas pelo artigo 155.o do Tratado, a reunir os representantes dos governos e dos parceiros sociais com o objectivo de estudar a situação e concertar as medidas destinadas a favorecer o progresso para a plena realização do objectivo fixado pelo artigo 119.o

    50

    Estes trabalhos culminaram com a elaboração de relatórios sucessivos sobre a situação dos Estados-membros originários, de que o mais recente, que recapitula a totalidade dos dados, é de 18 de Julho de 1973.

    51

    Como conclusão desse relatório a Comissão anunciou a sua intenção de levantar, com base no artigo 169.o do Tratado, processos dè infracção contra os Estados-membros que não tinham naquela data executado as obrigações impostas pelo artigo 119.o, sem que todavia este aviso tenha acarretado consequências.

    52

    Em sequência de negociações idênticas empreendidas com as autoridades competentes dos novos Estados-membros, à Comissão, no seu relatório de 17 de Julho de 1974, declarou que desde 1 de Janeiro de 1973 o artigo 119.o é plenamente aplicável no que respeita a estes Estados e que, deste modo, a partir daquela data eles se encontram na mesma situação que os Estados-membros originários.

    53

    Por sua parte, o Conselho, com o objectivo de apressar a integral execução do artigo 119.o, aprovou, em 10 de Fevereiro de 1975, a Directiva n.o 75 /117, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros relativa à aplicação do princípio de igualdade de remuneração entre trabalhadores do sexo masculino e feminino (JO L 45, p. 19).

    54

    Esta directiva esclarece em certos aspectos o alcance material do artigo 119.o e prevê, além disso, diversas disposições destinadas fundamentalmente a melhorar a protecção judicial dos trabalhadores eventualmente prejudicados pela não aplicação do princípio de igualdade de remuneração estabelecido pelo artigo 119.o

    55

    O artigo 8.o desta directiva concede aos Estados-membros o prazo de um ano para adoptarem as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias.

    56

    Resulta dos termos expressos do artigo 119.o que a aplicação do princípio de igualdade de remunerações entre trabalhadores do sexo masculino e feminino devia ser completamente assegurada e irreversível após o termo da primeira fase do período de transição, isto é, no dia 1 de Janeiro de 1962.

    57

    A resolução dos Estados-membros de 30 de Dezembro de 1961, sem prejuízo dos efeitos que possa ter tido no sentido de favorecer e acelerar a execução integral do artigo 119.o, não pode validamente modificar o prazo fixado pelo Tratado.

    58

    Com efeito, uma modificação do Tratado só pode resultar — sem prejuízo de disposições especiais — de uma revisão efectuada de acordo com o artigo 236.o

    59

    Além disso, resulta do que precede que, na falta de disposições transitórias, o princípio do artigo 119.o projecta todos os seus efeitos em relação aos novos Estados-membros a partir da entrada em vigor do tratado de adesão, ou seja, no dia 1 de Janeiro de 1973.

    60

    Esta situação jurídica não pode ter sido modificada pela Directiva n.o 75/117, que, adoptada no âmbito do artigo 100.o, relativo à harmonização da legislação, tem por objectivo favorecer, através de um conjunto de medidas a adoptar no plano nacional, a boa aplicação do artigo 119.o, especialmente com o objectivo de eliminar as discriminações indirectas, não pode contudo atenuar a eficácia daquele artigo ou modificar o seu efeito no tempo.

    61

    Se o artigo 119.o se dirige expressamente aos Estados-membros impondo-lhes o dever de garantir, num prazo determinado, e manter em seguida a aplicação do princípio de igualdade de remuneração, esta obrigação assumida pelos Estados não exclui a competência da Comunidade na matéria.

    62

    Pelo contrário, a existência de uma competência da Comunidade resulta do facto de o artigo 119.o fazer parte dos objectivos do Tratado no âmbito da «Política social», objecto do título III, inscrevendo-se este por seu turno na parte III, consagrada à «Política da Comunidade».

    63

    Na falta de qualquer referência expressa do artigo 119.o quanto às funções a exercer eventualmente pela Comunidade com o objectivo de executar a política social, convém recorrer ao sistema geral do Tratado e aos meios que ele instituiu, tal como os previstos nos artigos 100.o, 155.o e, eventualmente, 235.o

    64

    No entanto, nenhuma disposição de aplicação, quer adoptada pelas instituições da Comunidade quer pelas autoridades nacionais, poderá prejudicar o efeito directo do artigo 119.o, como foi invocado em resposta à primeira questão.

    65

    Convém, portanto, responder à segunda questão que a aplicação do artigo 119.o devia ser plenamente assegurada pelos antigos Estados-membros a partir do dia 1 de Janeiro de 1962, início da segunda fase do período de transição, e pelos novos Estados-membros a partir do dia 1 de Janeiro de 1973, data da entrada em vigor do tratado de adesão.

    66

    O primeiro destes prazos não foi modificado pela resolução dos Estados-membros de 30 de Dezembro de 1961.

    67

    A Directiva n.o 75/117 do Conselho não prejudica o efeito directo do artigo 119.o, tal como já dito em resposta à primeira questão, e o prazo fixado por esta directiva não produz efeitos relativamente dos prazos determinados, respectivamente, pelo artigo 119.o do Tratado CEE e pelo tratado de adesão.

    68

    Mesmo nos domínios em que o artigo 119.o não tenha efeito directo não poderá interpretar-se aquela disposição no sentido de reservar uma competência exclusiva ao legislador nacional para a execução do princípio de igualdade de remuneração, podendo essa execução resultar, sempre que necessário, do concurso de disposições comunitárias e nacionais.

    Quanto ao efeito do presente acórdão no tempo

    69

    Os governos da Irlanda e do Reino Unido chamaram a atenção para as consequências de carácter económico que poderiam resultar do reconhecimento pelo Tribunal do efeito directo das disposições do artigo 119.o, em virtude de uma tal tomada de posição poder desencadear, em numerosos sectores da vida económica, reivindicações que remontariam à data a partir da qual aquele efeito se teria produzido.

    70

    Tendo em conta o elevado número de pessoas interessadas, essas reivindicações, imprevisíveis para as empresas, poderiam acarretar efeitos muito graves para a situação financeira dessas empresas, a ponto de levar algumas à falência.

    71

    Se as consequências práticas de qualquer decisão judicial devem ser ponderadas cuidadosamente, não poderá todavia levar-se este princípio ao ponto de inflectir a objectividade do direito e comprometer a sua aplicação futura em razão das repercussões que uma decisão judicial pode acarretar para o passado.

    72

    No entanto, perante o comportamento de muitos dos Estados-membros e das atitudes adoptadas pela Comissão e levadas repetidamente ao conhecimento dos meios em causa, convém excepcionalmente tomar em consideração que as partes interessadas foram levadas, durante um período prolongado, a manter práticas contrárias ao artigo 119.o, embora ainda não proibidas pelo direito nacional.

    73

    O facto de a Comissão não ter intentado contra os Estados-membros em causa acções de incumprimento com base no artigo 169 o, apesar das ameaças proferidas, afigura-se de molde a consolidar uma impressão errada quanto aos efeitos do artigo 119.o

    74

    Nestas circunstâncias, convém verificar que, na ignorância do nível global em que as remunerações deveriam ter sido estabelecidas, existem considerações imperiosas de segurança jurídica respeitantes ao conjunto dos interesses em jogo, quer públicos quer privados, que impedem, em princípio, pôr em causa as remunerações relativas a períodos pretéritos.

    75

    Por conseguinte, o efeito directo do artigo 119.o não pode ser invocado em apoio de reivindicações relativas a períodos de remuneração anteriores à data do presente acórdão, excepto no que diz respeito a trabalhadores que anteriormente tenham introduzido um recurso judicial ou deduzido reclamação equivalente.

    Quanto às despesas

    76

    As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal não são reembolsáveis.

    77

    Revestindo o presente processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela cour du travail de Bruxelas, por decisão de 23 de Abril de 1975, declara:

     

    1)

    O princípio de igualdade de remunerações entre trabalhadores do sexo masculino e feminino estabelecido no artigo 119.o é susceptível de ser invocado perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Estes devem assegurar a protecção dos direitos que aquela disposição confere aos particulares, designadamente no caso de discriminações que encontram directamente a sua origem em disposições legislativas ou convenções colectivas de trabalho, bem como em caso de remuneração desigual de trabalhadores do sexo masculino e feminino por trabalho igual, quando este é desenvolvido no mesmo estabelecimento ou serviço, público ou privado.

     

    2)

    A aplicação do artigo 119.o devia ser totalmente assegurada pelos antigos Estados-membros a partir de 1 de Janeiro de 1962, início da segunda fase do período de transição, e pelos novos Estados-membros a partir de 1 de Janeiro de 1973, data da entrada em vigor do tratado de adesão. A primeira daquelas datas não foi modificada pela resolução dos Estados-membros de 30 de Dezembro de 1961.

     

    3)

    A Directiva n.o 75/117 do Conselho não prejudica o efeito directo do artigo 119.o e o prazo fixado por aquela directiva não produz qualquer efeito quanto às datas determinadas, respectivamente, no artigo 119.o do Tratado CEE e no tratado de adesão.

     

    4)

    Mesmo nos domínios em que o artigo 119.o não tenha efeito directo, não poderá interpretar-se esta disposição no sentido de reservar uma competência exclusiva ao legislador nacional para a execução do princípio de igualdade de remuneração, podendo essa execução resultar, sempre que necessário, do concurso de disposições comunitárias e nacionais.

     

    5)

    Excepto no que respeita aos trabalhadores que anteriormente tenham interposto recurso judicial ou deduzido reclamação equivalente, o efeito directo do artigo 119.o não poderá ser invocado em apoio de reivindicações relativas a períodos de remuneração anteriores à data do presente acórdão.

     

    Lecourt

    Kutscher

    O'Keeffe

    Donner

    Mertens de Wilmars

    Pescatore

    Sørensen

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de Abril de 1976.

    O secretário

    A. van Houtte

    O presidente

    R. Lecourt


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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