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Document 52018AE4143

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.° 1224/2009 do Conselho e que altera os Regulamentos (CE) n.° 768/2005, (CE) n.° 1967/2006, (CE) n.° 1005/2008 do Conselho e (UE) 2016/1139 do Parlamento Europeu e do Conselho, no que respeita ao controlo das pescas» [COM(2018) 368 final — 2018/0193 (COD)]

    EESC 2018/04143

    JO C 110 de 22.3.2019, p. 118–124 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    22.3.2019   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 110/118


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1224/2009 do Conselho e que altera os Regulamentos (CE) n.o 768/2005, (CE) n.o 1967/2006, (CE) n.o 1005/2008 do Conselho e (UE) 2016/1139 do Parlamento Europeu e do Conselho, no que respeita ao controlo das pescas»

    [COM(2018) 368 final — 2018/0193 (COD)]

    (2019/C 110/22)

    Relator:

    Emilio FATOVIC

    Consulta

    Parlamento, 10.9.2018

    Conselho, 5.7.2018

    Base jurídica

    Artigos 43.o, n.o 2, e 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

     

     

    Decisão da Plenária

    19/06/2018 e 18/09/2018

     

     

    Competência

    Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

    Adoção em secção

    27.11.2018

    Adoção em plenária

    12.12.2018

    Reunião plenária n.o

    539

    Resultado da votação

    (votos a favor/votos contra/abstenções)

    219/1/2

    1.   Conclusões e recomendações

    1.1.

    O Comité Económico e Social Europeu (CESE) concorda, no essencial, com a proposta legislativa da Comissão sobre o controlo das pescas. No entanto, alguns dos problemas já assinalados pelas partes interessadas do setor ficaram sem resposta ou solução clara.

    1.2.

    O CESE reitera o princípio de que o conceito de sustentabilidade deve abranger as vertentes económica, social e ambiental. Neste contexto, é de assinalar que a proposta da Comissão não se baseia numa avaliação clara do impacto económico e social que se impunha, tendo em conta a profunda crise que o setor atravessa em vários países europeus, com consequências profundas no emprego e na economia das comunidades costeiras.

    1.3.

    A proposta da Comissão não tem em consideração dois fenómenos graves e significativos: o Brexit e as alterações climáticas. Ainda que de forma diversa, tanto um como outro vão alterar as práticas e os locais de pesca, pelo que exigem uma análise mais aprofundada e medidas adequadas para evitar desequilíbrios no setor das pescas.

    1.4.

    Cumpre implementar de forma uniforme e homogénea em toda a UE o sistema de controlos e sanções, baseado no chamado «sistema de licença por pontos», por forma a garantir tanto a concorrência leal entre as partes como a qualidade e a rastreabilidade dos produtos da pesca, no interesse e em prol da saúde de todos os cidadãos europeus. Ao mesmo tempo, as sanções devem basear-se em critérios de gestão do risco e ser efetivamente proporcionadas e dissuasivas.

    1.5.

    O CESE considera que a digitalização é, sem dúvida, da maior importância para a eficácia e a eficiência dos controlos. Frisa, porém, que, relativamente à legislação anterior, não se verifica, ao contrário do que foi anunciado pela Comissão, uma diminuição significativa das obrigações para os pescadores (nomeadamente para a pequena pesca) nem estas foram suficientemente simplificadas. Recomenda-se a realização de mais estudos sobre a real aplicabilidade de certas normas, designadamente as que dizem respeito às embarcações de comprimento inferior a 10 metros.

    1.6.

    O CESE opõe-se à obrigação horizontal de instalar sistemas de televisão em circuito fechado (CCTV) nas embarcações, na medida em que tal é contrário às normas fundamentais do direito do trabalho, à legislação relativa à privacidade e ao sigilo de empresa. Por conseguinte, propõe que os Estados-Membros avaliem o risco em determinados segmentos da frota caracterizados por um grau elevado e a prática generalizada de infrações graves, e que as autoridades de controlo exijam a instalação de CCTV nesses navios em função do seu historial de incumprimento. A fim de verificar o cumprimento da obrigação de desembarque, o CESE propõe que se reforce a presença de observadores a bordo e recomenda a criação de um mecanismo voluntário de introdução de CCTV, prevendo incentivos para os armadores que decidam aderir. Pontualmente, recomenda impor a obrigação temporária de CCTV nos casos de embarcações que registem repetidas infrações graves.

    1.7.

    O novo FEAMP 2021-2027 será fundamental para a adequação das embarcações europeias às novas disposições legislativas. É essencial que os fundos sejam facilmente acessíveis a nível nacional para todos os que os requeiram. Em especial, o Comité opõe-se à introdução de regras retroativas, que, em caso de infração grave, mesmo que isolada, obrigam o armador a restituir eventuais fundos anteriormente recebidos e devidamente comunicados.

    1.8.

    O CESE recorda que é nos países terceiros que se verifica grande parte dos casos de fraude e desrespeito pelas normas laborais e ambientais fundamentais. Todavia, o pescado fruto dessas práticas ilegais continua a chegar com relativa facilidade à mesa dos cidadãos europeus. É importante que os novos sistemas de rastreabilidade também resolvam estes problemas, monitorizando toda a cadeia de abastecimento. Ademais, salienta-se que, nos dias que correm, se registam ainda casos de exploração laboral em certas embarcações europeias. Recomenda-se, por conseguinte, que as autoridades de controlo consagrem especial atenção a este fenómeno e que se estabeleçam sanções pesadas para o erradicar definitivamente.

    1.9.

    O CESE observa que os modelos de sucesso proporcionados pelos planos plurianuais de pesca de uma única espécie são dificilmente adaptáveis à pescaria mista, tendo um grave impacto no ambiente e na economia. Por conseguinte, o Comité recomenda que o sistema de recolha de dados sobre as unidades populacionais seja mais aprofundado, a fim de elaborar estratégias específicas que possam melhor defender a biodiversidade sem prejudicar excessivamente o setor das pescas.

    1.10.

    O CESE entende que o regime de incentivos previsto para que os pescadores tragam para terra as redes deve ser alargado a todos os resíduos recolhidos no mar durante as atividades de pesca. Essa iniciativa seria fundamental para a limpeza dos mares, já que, até ao momento, são os pescadores a ter de pagar para retirar do mar lixo que não produziram. Na opinião do CESE, os pescadores poderiam, com formação adequada, acrescentar um valor significativo, contribuindo, por um lado, para limpar o mar e, por outro, para criar um círculo virtuoso de integração económica da atividade desenvolvida.

    2.   Introdução

    2.1.

    O êxito da política comum das pescas (PCP) depende sobretudo da aplicação de um regime de controlo e execução eficaz. Encontram-se previstas medidas nesse sentido em quatro atos jurídicos diferentes: 1) o Regulamento relativo ao controlo das pescas, 2) o Regulamento que estabelece uma Agência Europeia de Controlo das Pescas (AECP), 3) o Regulamento que estabelece um regime para combater a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (Regulamento INN), e 4) o Regulamento relativo à gestão sustentável das frotas de pesca externas.

    2.2.

    Com exceção do Regulamento relativo à gestão sustentável das frotas de pesca externas, que foi recentemente revisto, o atual regime de controlo das pescas foi concebido antes da reforma da PCP, pelo que não é totalmente coerente com a mesma. Além disso, as referidas medidas têm mais de 10 anos; assim sendo, não dão conta das necessidades, atuais e futuras, de controlo das frotas e dos dados sobre as pescas, nem estão adaptadas às novas práticas e técnicas de pesca nem às novas tecnologias de controlo e sistemas de intercâmbio de dados. Por fim, não refletem algumas iniciativas importantes aprovadas pela União, como as estratégias para os plásticos, para o mercado único digital e para a governação dos oceanos.

    2.3.

    Assim, embora o regime atual de controlo das pescas tenha melhorado a situação anterior, a avaliação REFIT da Comissão, um relatório especial do Tribunal de Contas Europeu e uma resolução do Parlamento Europeu confirmaram que o regime de controlo das pescas apresenta algumas lacunas. As partes interessadas confirmaram as limitações do sistema vigente. Daqui decorre a necessidade de rever o enquadramento legislativo em vigor, na sua totalidade.

    3.   Síntese da proposta da Comissão

    3.1.

    A proposta da Comissão consiste em alterar cinco regulamentos e visa: 1) colmatar as lacunas em relação à PCP e a outras políticas da UE, 2) simplificar o quadro legislativo e reduzir encargos administrativos desnecessários, 3) melhorar a disponibilidade, a fiabilidade e a exaustividade das informações e dos dados relativos às pescas, nomeadamente dos dados sobre as capturas, e permitir o intercâmbio e a partilha de informações, e 4) eliminar os obstáculos que impedem o desenvolvimento de uma cultura de cumprimento e o tratamento equitativo dos operadores ao nível da UE e nos Estados-Membros.

    3.2.   Alterações ao Regulamento (CE) n.o 1224/2009 do Conselho (1) que institui um regime comunitário de controlo a fim de assegurar o cumprimento das regras da Política Comum das Pescas

    3.2.1.

    Inspeção e vigilância. São tornados mais claros o processo de inspeção e as obrigações dos inspetores, dos capitães e dos operadores. Os relatórios das inspeções serão digitalizados, permitindo uma melhor utilização e um melhor intercâmbio dos dados entre as autoridades competentes e os Estados-Membros.

    3.2.2.

    Sanções. É introduzida uma lista de critérios comuns para estabelecer a tipologia de infrações graves. São fixadas sanções administrativas obrigatórias e níveis mínimos de coimas para infrações graves, a fim de tornar o sistema sancionatório mais dissuasivo e eficaz em todos os Estados-Membros e assegurar condições de concorrência equitativas. É, ainda, reforçado e tornado mais claro o «sistema de pontos» para os navios titulares de licenças.

    3.2.3.

    Dados. São introduzidos sistemas digitalizados obrigatórios de localização e declaração das capturas aplicáveis a todos os navios de pesca da UE, incluindo os de comprimento inferior a 12 metros de fora a fora. Para a pequena pesca está previsto um sistema simplificado através da utilização de telemóveis. Também a pesca recreativa ficará sujeita a um controlo mais rigoroso. Pretende-se, com o recurso às tecnologias digitais, garantir a cabal rastreabilidade da cadeia de abastecimento, inclusive para os produtos importados de países terceiros, e acompanhar sistematicamente as atividades desenvolvidas nas embarcações, nomeadamente mediante sistemas de televisão em circuito fechado (CCTV), para cumprir o controlo da obrigação de desembarque.

    3.2.4.

    Alinhamento com outras políticas da UE. A comunicação sobre as artes de pesca perdidas é facilitada, através do preenchimento mais rigoroso de diários de pesca (eletrónicos). A obrigação de transportar a bordo o equipamento necessário para a recuperação de artes perdidas passa a aplicar-se também aos navios de pesca com comprimento inferior a 12 metros. São estabelecidas disposições relativas à marcação e ao controlo das artes de pesca para a pesca recreativa.

    3.3.   Alterações ao Regulamento (CE) n.o 768/2005 do Conselho (2) que estabelece uma Agência Europeia de Controlo das Pescas

    3.3.1.

    A proposta alarga o âmbito geográfico das competências de inspeção da Agência Europeia de Controlo das Pescas, que deixa de estar limitado a águas internacionais. São introduzidas alterações que simplificam a gestão e o intercâmbio de dados, assim como normas que simplificam os processos de financiamento da agência.

    3.3.2.

    Em julho de 2018, a Comissão Europeia incorporou estas medidas ao apresentar a proposta COM(2018) 499, que visa codificar o Regulamento (CE) n.o 768/2005 que estabelece uma Agência Europeia de Controlo das Pescas, substituindo e integrando os diversos regulamentos nele compilados. O CESE pronunciou-se já a favor desta proposta num parecer especificamente consagrado ao tema (3).

    3.4.   Alteração do Regulamento (CE) n.o 1005/2008 do Conselho (4) que estabelece um regime comunitário para prevenir, impedir e eliminar a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada

    3.4.1.

    As alterações ao regime de certificação das capturas da UE preveem a criação de uma base de dados para a gestão de certificados de captura (CATCH), que permitirá proceder a controlos baseados no risco, reduzirá o risco de importações fraudulentas e diminuirá a carga administrativa dos Estados-Membros. As funções operacionais do CATCH serão desenvolvidas em fases diferentes. São conferidos à Comissão poderes delegados e competências de execução relacionados com o funcionamento e desenvolvimento futuro do CATCH. As inspeções e sanções são alinhadas pelo novo enquadramento regulamentar.

    4.   Observações na generalidade

    4.1.

    A iniciativa legislativa da Comissão, em linha com as posições expressas pelos Estados-Membros, os órgãos de poder regional e local e as partes interessadas, é, em termos gerais, bem aceite. Visa tornar mais claro o quadro regulamentar relativo aos controlos, simplificando-o, modernizando-o e alinhando-o pelos progressos políticos e regulamentares, garantindo a segurança jurídica e permitindo a sua aplicação uniforme e efetiva em toda a União Europeia.

    4.2.

    Infere-se, de uma análise minuciosa, que apesar do amplo processo de consulta levado a cabo pela Comissão, alguns problemas apresentados pelas partes interessadas do setor das pescas (por exemplo, obrigação de desembarque, excesso de burocracia, proporcionalidade do sistema sancionatório) ficaram sem resposta adequada e/ou solução clara na nova proposta legislativa (5).

    4.3.

    O CESE reitera o princípio de que o conceito de sustentabilidade deve abranger as vertentes económica, social e ambiental. Desta perspetiva, a pesca sustentável continua a ser o objetivo principal, mas convém que sejam dadas ao setor condições para o atingir. Por conseguinte, as medidas ambientais não podem ser dissociadas da necessidade de melhorar outros aspetos fundamentais, como as condições e a segurança no trabalho, a renovação das gerações, a rentabilidade da empresa, a formação dos profissionais e a vitalidade das comunidades costeiras.

    4.4.

    É de notar que as propostas de regulamento não têm em consideração dois fenómenos graves e significativos: o Brexit e as alterações climáticas. Por um lado, o Brexit exige uma revisão completa do mecanismo de estabilidade relativa, bem como uma redução das possibilidades de pesca nas águas atualmente europeias. Por outro lado, as alterações climáticas estão a causar mudanças significativas no comportamento e nos habitats dos peixes, cujas migrações são cada vez mais frequentes e significativas.

    4.5.

    O CESE constata que a proposta da Comissão não se baseia numa avaliação clara do impacto dos efeitos de caráter económico e social. Acresce que, em algumas regiões da UE, o setor das pescas se encontra em crise há mais de 20 anos, não tendo as medidas até agora estabelecidas pela Comissão em matéria de sustentabilidade e aquicultura contribuído para inverter essa tendência (6). Assim, o Comité apela para a pronta intervenção da DG Emprego no sentido de lançar um vasto debate no âmbito do diálogo social setorial (7) que permita identificar as medidas mais adequadas para avaliar e, se necessário, compensar o impacto económico e social das propostas (8).

    4.6.

    Segundo as críticas recentemente formuladas pelo Tribunal de Contas Europeu cumpre dar prioridade a uma aplicação uniforme e homogénea em toda a UE do sistema de controlos e sanções, baseado no chamado «sistema de licença por pontos», por forma a garantir tanto a concorrência leal entre as partes como a qualidade e a rastreabilidade dos produtos da pesca, no interesse e em prol da saúde de todos os cidadãos europeus.

    4.7.

    O CESE considera que a digitalização é, sem dúvida, da maior importância para a eficácia e a eficiência dos controlos. Considera positivo, bem assim, que estejam previstos controlos digitais simplificados para as embarcações de comprimento inferior a 12 metros de fora a fora (por exemplo, uma aplicação de geolocalização no telemóvel, embora em mar alto haja vastas áreas sem cobertura, o que impossibilita a monitorização das embarcações). Frisa, porém, que, relativamente à legislação anterior, não se verifica, ao contrário do que foi anunciado pela Comissão, uma diminuição significativa das obrigações para os pescadores (nomeadamente para a pequena pesca) nem estas foram suficientemente simplificadas.

    4.8.

    Os dispositivos de controlo digital devem permitir uma real poupança, económica e de tempo. O alargamento do conjunto das obrigações à pequena pesca será possível se os Estados-Membros dispuserem de um período transitório de dois anos, o que permitirá ter em conta as especificidades locais, mas poderá prejudicar as embarcações de comprimento inferior a 10 metros de fora a fora, que amiúde não dispõem de cabina de comando e são tripuladas apenas por uma pessoa. Para este caso, recomenda-se a realização de mais estudos que permitam avaliar a sua verdadeira exequibilidade, de modo a atingir um equilíbrio entre a necessidade de controlo e a capacidade efetiva dos pescadores de cumprir todas as práticas.

    4.9.

    O CESE observa, a propósito, que as medidas apresentadas com o objetivo de tornar mais claro o sistema de sanções se poderão revelar úteis ao setor, desde que sejam efetivamente baseadas em critérios de gestão do risco, proporcionadas e dissuasivas e aplicadas de forma homogénea nos diversos Estados-Membros. A análise da proposta revela, em particular, alguns aspetos contraditórios, como o de associar o montante pecuniário das sanções ao valor comercial dos produtos da pesca (entre o dobro e o quíntuplo do valor dos produtos da pesca), que varia significativamente consoante a área geográfica, o período do ano e a abundância ou não da espécie em causa, podendo mesmo gerar um efeito de incentivo a infringir a lei.

    4.10.

    O FEAMP constitui um instrumento crucial e indispensável para realizar a transição para o novo sistema de controlo previsto pela Comissão. O Comité manifesta a sua oposição ao princípio, já existente no sistema de controlos em vigor e no atual FEAMP, segundo o qual uma infração grave implica a restituição imediata de eventuais fundos europeus recebidos durante os cinco anos anteriores. Esta medida retroativa rígida constitui uma das causas principais do atraso do FEAMP na consecução dos seus objetivos, uma vez que levou muitos pescadores a não se candidatarem aos fundos europeus, com receio de terem de os restituir em caso de infrações consideradas graves que, por vezes, são sujeitas a uma sanção pecuniária muito reduzida. Cumpre, portanto, garantir maior proporcionalidade das sanções, de modo a não passarem de dissuasivas a desmotivantes.

    4.11.

    O CESE opõe-se firmemente à obrigação de instalar sistemas de televisão em circuito fechado (CCTV) nos navios de pesca para verificar o cumprimento da obrigação de desembarque. Este tipo de medidas é contrário às normas fundamentais do direito do trabalho, à legislação relativa à privacidade e ao sigilo de empresa, sobretudo porque é fixado de forma horizontal e não se fundamenta em eventuais riscos decorrentes de infrações anteriores repetidas da legislação. Por conseguinte, propõe que os Estados-Membros avaliem o risco em determinados segmentos da frota caracterizados por um grau elevado e a prática generalizada de infrações graves, e que as autoridades de controlo exijam a instalação de CCTV nesses navios em função do seu historial de incumprimento. O Comité entende que não é com uma monitorização e um controlo das atividades da pesca ao estilo do Big Brother que se atingirão os objetivos de sustentabilidade ambiental e revitalização do setor, mas antes com normas e sanções claras, fiáveis e transparentes aplicadas com eficácia e uniformemente em toda a UE.

    4.12.

    Em especial, o CESE propõe valorizar e reforçar a presença de observadores a bordo. Recomenda, além disso, a criação de um mecanismo voluntário de instalação de CCTV a bordo incentivado, por exemplo, com a possibilidade de aumentar a quota de capturas do navio de espécies que se encontram dentro dos níveis de RMS (rendimento máximo sustentável), recorrendo à reserva de quotas do Estado-Membro, se disponível, ou com mecanismos prioritários e simplificados de controlo e desembarque. Pontualmente, recomenda a obrigação temporária de CCTV nos casos de embarcações que registem repetidas infrações graves.

    4.13.

    O CESE entende que o novo FEAMP 2021-2027 será fundamental para a adequação das embarcações europeias às novas disposições legislativas. É essencial, sobretudo, que os fundos sejam facilmente acessíveis a nível nacional para todos os que os requeiram.

    4.14.

    Como já referiu noutros pareceres (9), o CESE considera importante definir a capacidade de pesca em função de parâmetros mais adequados relativos à arqueação e à potência do motor, que são fatores essenciais para garantir a segurança da tripulação a bordo e para atingir níveis de emissão de CO2 mais sustentáveis.

    5.   Observações na especialidade

    5.1.

    A sobrepesca é certamente uma das principais causas do declínio dos recursos haliêuticos no mar. No entanto, o Comité considera que esta atividade deve ser considerada em conjugação com outros fenómenos igualmente prejudiciais para as espécies marinhas, como a poluição, as alterações climáticas, os transportes marítimos ou as perfurações subaquáticas (poluição sonora). É fundamental uma abordagem mais abrangente para elaborar estratégias eficazes de proteção dos habitats marinhos.

    5.2.

    Para ser verdadeiramente dissuasivo e eficaz, um regime de sanções deve ser claro e de fácil aplicação. O Comité observa que o sistema de licença por pontos pode, em alguns casos, prejudicar toda a tripulação ainda que sejam as escolhas e atitudes do capitão do navio a ser efetivamente sancionadas, nomeadamente quando são aplicadas medidas pesadas como a suspensão da licença de pesca. Durante o período de suspensão da licença de pesca (10) convém criar mecanismos de defesa dos trabalhadores dos navios de pesca que, tendo celebrado contratos «ao quinhão», correm o risco de ficar sem rendimento se não encontrarem outro navio para trabalhar, ou de terem de mudar de atividade. Num setor já em dificuldade, esta perda contínua de recursos humanos, competências e conhecimentos poderá prejudicar ainda mais as perspetivas de recuperação.

    5.3.

    O CESE concorda com a proposta de alargar o sistema de controlos à pesca recreativa, em que foram, recentemente, detetados numerosos casos de contorno da legislação em vigor para a pesca «clássica». Propõe-se, em particular, dedicar especial atenção à pesca recreativa enquanto fonte de rendimento, distinguindo-a da pesca recreativa para uso e consumo pessoal. Trata-se de uma medida fundamental para defender os pescadores que trabalham respeitando a lei e combater práticas de concorrência desleal ou, nos casos mais graves, de pesca ilegal.

    5.4.

    Embora reconhecendo que é da maior importância garantir a rastreabilidade dos produtos capturados, a escolha de eliminar a derrogação da obrigação de comunicar nos diários de pesca as capturas presentes a bordo estimadas como sendo inferiores a 50 kg poderá criar dificuldades, sobretudo aos pescadores de pequena escala. Na realidade, para dar cumprimento a todas as práticas burocráticas, que podem ser especialmente morosas em mares com várias espécies como o Mediterrâneo, estes pescadores poderão perder tempo excessivo antes do desembarque, o que os impedirá de vender o pescado ao melhor preço. Por conseguinte, recomenda que se mantenha o limiar atual, que deverá ser acompanhado de perto, velando por que não dê azo a qualquer efeito indesejável.

    5.5.

    O CESE apoia o novo mecanismo de rastreabilidade proposto pela Comissão, nomeadamente no que se refere aos produtos importados. É, de facto, nos países terceiros que se verifica grande parte dos casos de fraude e desrespeito pelas normas laborais (Convenção da OIT) e ambientais fundamentais; apesar disso, o pescado fruto dessas práticas ilegais continua a chegar com relativa facilidade à mesa dos cidadãos europeus. No entanto, importa notar que se verificam ainda hoje práticas de exploração laboral em algumas embarcações europeias (11) que requerem atenção específica por parte das autoridades de controlo e sanções pesadas para erradicar definitivamente este fenómeno.

    5.6.

    O Comité observa que a intensa rede de controlos da rastreabilidade existente não pode ser interrompida na primeira venda, pois é necessário controlar toda a cadeia de abastecimento, «do mar até à mesa». Também neste caso se recomenda a participação ativa de todas as partes interessadas, dos grossistas aos vendedores a retalho, passando pelo setor da transformação.

    5.7.

    A Declaração de Malta MedFish4Ever, de 2017, é uma pedra angular da ação da União Europeia. No entanto, o CESE pensa que seria conveniente adotar medidas técnicas e de conservação das unidades populacionais adequadas às diversas técnicas de pesca e às características biológicas do mar. O CESE observou, em particular, que os modelos de sucesso proporcionados pelos planos plurianuais de pesca de uma única espécie são dificilmente adaptáveis à pescaria mista, tendo um grave impacto no ambiente e na economia (12). Por conseguinte, o Comité recomenda que o sistema de recolha de dados sobre as unidades populacionais seja mais aprofundado, a fim de elaborar estratégias específicas que possam melhor defender a biodiversidade sem prejudicar excessivamente o setor das pescas (13).

    5.8.

    Tal como já assinalado em pareceres anteriores (14), o CESE considera que a combinação de um sistema de quotas rígido com a nova obrigação de desembarque constitui um dos principais problemas do setor. Os elevados custos da transição para uma pesca mais sustentável (por exemplo, redes seletivas) devem ser inteiramente suportados com financiamento do FEAMP. O CESE preconiza um sistema de controlo simplificado, baseado em análises de risco e pragmático, concebendo a realização de uma vasta ação a nível nacional, com o apoio das partes interessadas, para secundar a transição de um número alargado de embarcações.

    5.9.

    A Comissão propõe que todos os produtos da pesca sejam pesados por operadores registados no momento do desembarque, antes de serem armazenados, transportados ou vendidos. O CESE entende que é importante manter a atual possibilidade de realizar controlos por amostragem. Além disso, recomenda que, caso os produtos da pesca sejam transportados antes de serem colocados no mercado ou a primeira venda seja efetuada num país terceiro, se mantenha o atual limite de transmissão da devida documentação às autoridades competentes no prazo de 48 horas após o desembarque, a fim de evitar atrasos e a consequente perda de qualidade.

    5.10.

    O CESE apoia a proposta da Comissão sobre os plásticos de utilização única (15), em particular, as medidas de incentivo previstas para a receção em terra das artes de pesca rasgadas ou danificadas de modo a facilitar a respetiva reciclagem (16). Esta medida, em combinação com a nova medida a aplicar nos portos (17), abre novas perspetivas e oportunidades para a pesca sustentável e a economia circular. O CESE entende que o regime de incentivos previsto para que os pescadores tragam para terra as redes deve ser alargado a todos os tipos de resíduos recolhidos no mar durante as atividades de pesca. É igualmente importante assegurar que a introdução do mecanismo de responsabilidade alargada do produtor não comporta um agravamento dos custos de aquisição das redes para as empresas do setor das pescas. O FEAMP será, porventura, o instrumento financeiro mais adequado para apoiar esse processo.

    5.11.

    Uma iniciativa deste género seria fundamental para a limpeza dos mares, já que, até ao momento, são os pescadores a ter de pagar para descarregar em terra os resíduos recolhidos durante a pesca. Os resíduos correspondem a 90 % de todos os produtos recolhidos nas redes e os pescadores são ainda obrigados a separar os resíduos; quando não é possível identificá-los, devem catalogá-los como «resíduos especiais», o que exige formas de tratamento específicas. A legislação em vigor implica que, na prática, os pescadores paguem para retirar do mar lixo que não produziram. Na opinião do CESE, os pescadores poderiam, com formação adequada, acrescentar um valor significativo, contribuindo, por um lado, para limpar o mar e, por outro, para criar um círculo virtuoso de integração económica da atividade desenvolvida (18).

    Bruxelas, 12 de dezembro de 2018.

    O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

    Luca JAHIER


    (1)  JO L 343 de 22.12.2009, p. 1.

    (2)  JO L 128 de 21.5.2005, p. 1.

    (3)  Parecer do CESE (NAT/756) sobre a «Agência Europeia de Controlo das Pescas» (codificação) (JO C 62 de 15.2.2019, p. 310).

    (4)  JO L 286 de 29.10.2008, p. 1.

    (5)  O Conselho Consultivo para o Mar Mediterrâneo (MEDAC), o Conselho Consultivo para a Frota de Longa Distância (LDAC) e a Associação das Organizações Nacionais das Empresas de Pesca da UE (Europeche) apresentaram por diversas vezes pedidos e propostas específicas para ultrapassar os problemas atuais do setor que não encontram resposta no pacote legislativo proposto pela Comissão.

    (6)  Em Itália, em 8 000 km de costa, o número de navios de pesca diminuiu cerca de 33 % nos últimos 30 anos. Os navios de pesca têm, em média, 34 anos de idade e precisam de melhorias urgentes ou de serem substituídos por navios novos. Neste período, perderam-se 18 000 postos de trabalho (o setor das pescas em Itália emprega 27 000 trabalhadores). Dados: Ministério das Políticas Agrícolas, Alimentares e Florestais de Itália, 2016.

    (7)  No âmbito do Comité do Diálogo Setorial da UE para a Pesca Marítima (EUSSDC).

    (8)  Parecer do CESE (NAT/749) sobre o «Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP)» (ver página 104 do presente Jornal Oficial).

    (9)  Parecer do CESE (NAT/749) sobre o «Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP)» (ver nota de rodapé 8).

    (10)  A suspensão da licença de pesca, com base num critério de reincidência da infração, pode ir de um mínimo de 4 meses a um máximo de 1 ano, até à retirada definitiva da licença.

    (11)  Ver artigo do The Guardian, «We thought slavery had gone away»: African men exploited on Irish boats («Pensávamos que a escravatura era coisa do passado»: africanos explorados em barcos irlandeses).

    (12)  Comissão Geral das Pescas do Mediterrâneo (CGPM), The State of Mediterranean and Black Sea Fisheries (O estado da pesca no mar Mediterrâneo e no mar Negro), 2016, p. 26. Tal como sublinhado pela CGPM da FAO, em mares com uma única espécie é mais fácil levar a cabo uma pesca específica, uma vez que coexistem poucos tipos de peixe, sendo, por isso, mais fácil impor limitações das capturas. Em contrapartida, em mares com várias espécies encontram-se muitas espécies de peixes na mesma zona.

    (13)  Parecer do CESE sobre o «Plano plurianual relativo às pescarias de pequenos pelágicos no mar Adriático» (JO C 288 de 31.8.2017, p. 68. Parecer do CESE (NAT/749) sobre o «Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP)» (ver nota de rodapé 8).

    (14)  Parecer do CESE sobre a «Obrigação de desembarque» (JO C 311 de 12.9.2014, p. 68). Ponto 1.2: «[A] proposta da Comissão é demasiado complexa e […] a obrigação de desembarque dará origem a uma carga de trabalho adicional excessiva e desproporcionada para os pescadores. Por essa razão, tem para si que se deveria apostar numa legislação mais pragmática, clara, simples e flexível, que permita efetivamente aos pescadores adaptarem-se ao longo de um período transitório, sem que sejam severamente sancionados.»

    (15)  Parecer do CESE (NAT/742) sobre «Plásticos de utilização única» (JO C 62 de 15.2.2019, p. 207).

    (16)  COM(2018) 340 final.

    (17)  COM(2018) 33 final.

    (18)  Parecer do CESE sobre a «Estratégia para os Plásticos na Economia Circular (incluindo medidas sobre o lixo marinho) (JO C 283 de 10.8.2018, p. 61).

    Parecer do CESE (NAT/742) sobre «Plásticos de utilização única» (ver nota de rodapé 15).

    Parecer do CESE (NAT/749) sobre o «Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP)» (ver nota de rodape 8).


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