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Document 61993TJ0500

Rozsudek Soudu prvního stupně (druhého senátu) ze dne 28. června 1996.
Y proti Soudnímu dvoru Evropských společenství.
Úředníci - Žaloba na neplatnost - Odůvodnění - Žaloba na náhradu škody.
Věc T-500/93.

ECLI identifier: ECLI:EU:T:1996:94

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

28 de Junho de 1996 ( *1 )

«Funcionários — Recurso de anulação — Processo disciplinar — Direitos de defesa — Prova testemunhal — ‘Legítima defesa’ — ‘Exceptio veritatis’ — Circunstâncias atenuantes — Fundamentação — Acção de indemnização — Danos morais»

No processo T-500/93,

Y

recorrente,

contra

Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, representado por Timothy Millet, conselheiro jurídico dos assuntos administrativos, e, inicialmente por Carlos Pinto Correia, administrador, na qualidade de agentes, e Isabel Jalles, advogada em Lisboa, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no gabinete de Timothy Millet, no Tribunal de Justiça, Kirchberg,

recorrido,

que tem por objecto a anulação da decisão do Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 1992, que aplicou ao recorrente a sanção disciplinar de suspensão de subida de escalão por dois anos e a indemnização do recorrente pelos danos morais que a decisão impugnada lhe teria causado,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: H. Kirschner, presidente, C. W. Bellamy e A. Kalogeropoulos, juízes

secretario: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiencia de 18 de Janeiro de 1996,

profere o presente

Acórdão

Factos e tramitação processual

1

O recorrente, funcionário do Tribunal de Justiça desde 1 de Julho de 1986, de grau LA 6, está colocado, na qualidade de jurista-linguista, numa das divisões linguísticas da Direcção de Tradução.

2

Por notas de 4 de Março, 15 de Abril e 8 de Maio de 1991, dirigidas ao presidente do Tribunal de Justiça, o director da tradução pediu a instauração de um processo disciplinar contra o recorrente na medida em que este seria responsável por:

a)

ter injuriado verbalmente e feito afirmações difamatorias contra o seu chefe de divisão, Sr. M., aquando de um incidente ocorrido entre ambos em 7 de Fevereiro de 1991, e,

b)

ter injuriado e feito afirmações difamatorias, por um lado, contra o seu chefe de divisão, Sr. M., nas observações que fez sobre a primeira notação, no relatório de classificação para o período de 1989/1990, e por outro lado, ter injuriado e feito afirmações difamatorias contra o director da tradução, nas observações sobre a segunda notação, no mesmo relatório de classificação.

3

Em relatório de 3 de Julho de 1991, elaborado nos termos do artigo 1.o do Anexo IX do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), o presidente do Tribunal de Justiça submeteu ao Conselho de Disciplina a abertura de um processo disciplinar contra o recorrente.

4

O Conselho de Disciplina verificou que o recorrente, por um lado, numa altercação em 7 de Fevereiro de 1991, acusara o seu chefe de divisão «publicamente e em voz alta de ter cometido vários crimes de fraude ou de corrupção», e que, por outro lado, «nas observações ao seu relatório de classificação relativo ao período de 1 de Janeiro de 1989 a 31 de Dezembro de 1990, reiterara e desenvolvera essas acusações, fazendo-as acompanhar de expressões ofensivas para com o seu chefe de divisão e para com o Sr. director da tradução». O Conselho de Disciplina considerou que o tom e os termos que o recorrente utilizara a respeito dos seus superiores hierárquicos, ao falar de «mentalidade estalinista, mentiras, má fé, manipulação sistemática, etc.» eram inaceitáveis e que as acusações contra eles proferidas, por fraude, corrupção, manipulação e outras ilegalidades eram «inadmissíveis na forma» e «na maior parte dos casos... formuladas sem provas».

5

O Conselho de Disciplina verificou também que o recorrente nunca contestara a materialidade dos factos de que era acusado.

6

Além disso, o Conselho de Disciplina indeferiu o pedido formulado pelo recorrente nas suas observações escritas de 9 de Dezembro de 1991 e reiterado aquando de uma entrevista no dia 9 de Junho de 1992 com vista a que fossem ouvidas certas testemunhas para demonstrar a existência de circunstâncias atenuantes a seu favor. O Conselho de Disciplina, no parecer acima referido, fundamentou esse indeferimento nos seguintes termos:

«‘Y’ requereu a audição de um determinado número de testemunhas sobre determinados aspectos... Em conformidade com o poder de apreciação que lhe é reconhecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça..., o Conselho de Disciplina, após votação, decidiu não ouvir essas testemunhas. Efectivamente, as perguntas sugeridas por ‘Y’ (v. pp. 12 a 15 das suas observações escritas acima referidas, de 9 de Dezembro de 1991), são na maior parte irrelevantes; quanto às outras, foram consideradas supérfluas, tendo o Conselho de Disciplina considerado que o processo de que dispunha continha elementos suficientes — tanto sobre os factos de que o interessado é acusado como em apoio dos seus argumentos de defesa — para lhe permitir emitir um parecer fundamentado. Ainda que lhe fornecesse informações complementares sobre determinados factos alegados por ‘Y’, o Conselho de Disciplina tem a convicção de que a audição das testemunhas nada podia trazer de decisivo para a apreciação global do comportamento de que o funcionário é acusado» (parecer do Conselho de Disciplina, ponto I, p. 2).

7

Sobre esta questão, o Conselho de Disciplina formulou ainda as seguintes observações: «O incidente teve início no gabinete do Sr. M.; as versões contraditórias dadas pelas únicas duas pessoas presentes tornam impossível a reconstituição da sequência exacta dos factos nesse momento; é certo que essas versões concordam num ponto: no fim do incidente, no corredor, ‘Y’ efectivamente acusou o Sr. M. ‘publicamente e em voz alta de ter cometido vários crimes de fraude ou de corrupção’ (relatório de ‘Y’ dirigido ao Comité Administrativo em 14 de Maio de 1991); nestas condições e dada a natureza das acusações que resultam do resto do processo, o Conselho de Disciplina não considerou necessário examinar a questão de saber se ‘Y’ também tinha proferido a acusação de incompetência» (parecer, supracitado, ponto II A, p. 3).

8

O Conselho de Disciplina também indeferiu implicitamente um segundo pedido do recorrente formulado nas observações acima referidas, com vista a que fosse realizada uma acareação com o chefe de divisão, porque considerou, como acaba de ser exposto que, «as versões contraditórias dadas pelas únicas duas pessoas presentes tornam impossível a reconstituição da sequência exacta dos factos ‘nesse momento’».

9

Assim, o Conselho de Disciplina entendeu com base nos elementos do processo, que os comportamentos de que o recorrente é acusado constituíam «uma falta grave, deliberada e reiterada aos deveres que o Estatuto lhe impõe, e designadamente aos de observar uma certa reserva na expressão das suas opiniões e de assumir uma atitude respeitosa para com os seus superiores hierárquicos».

10

O Conselho de Disciplina considerou no entanto que a responsabilidade do recorrente era «fortemente atenuada» atendendo, por um lado, ao facto que este demonstrara que «algumas das suas acusações não eram totalmente desprovidas de fundamento» e, por outro lado, que tinha sido «em grande medida vítima de uma atitude provocatória por parte dos seus superiores».

11

Com efeito, tratando-se do princípio da «exceptio veritatis», cuja aplicação o recorrente pedira em apoio da sua defesa, o Conselho de Disciplina verificou que «se determinadas alegações de ‘Y’ foram formuladas sem provas é forçoso verificar que algumas delas assentam, pelo contrário, sobre factos tangíveis».

12

No que se refere à atitude provocatória por parte dos superiores hierárquicos do recorrente, em especial no contexto do incidente de 7 de Fevereiro de 1991, o Conselho de Disciplina considerou que um memorando àquele dirigido pelo chefe de divisão, Sr. M., na véspera do incidente em causa «para lhe pedir em termos bastante vagos, que não escrevesse considerações impertinentes em documentos de serviço», que interviera, «após um longo período de acalmia nas suas relações mútuas» e que não era acompanhado de nenhuma prova escrita, só podia ter tido o objectivo de «dramatizar a situação e preparar uma acareação» (parecer do Conselho de Disciplina, ponto III A, pp. 5 e 6).

13

Quanto às observações do recorrente sobre as suas primeira e segunda notações, o Conselho de Disciplina admitiu, antes de mais, a favor do recorrente que «as suas críticas [estavam] contidas num documento de trabalho que em princípio não é divulgado» e que era necessario «deixar aos funcionários a maior liberdade de expressão nesse tipo de documento». Em segundo lugar, o Conselho de Disciplina salientou que, em memorando de 3 de Junho de 1991 dirigido ao Comité Administrativo, no quadro do processo disciplinar instaurado contra o recorrente, este tinha «reconhecido e lamentado ter feito afirmações tão excessivas na sua forma». Em terceiro lugar, o Conselho de Disciplina verificou, na sua notação do recorrente, que relativamente ao período de 1989/1990, o Sr. M. «não considerou útil realçar, como devia fazê-lo, as qualidades mais salientes do notado, designadamente os esforços apreciáveis que desenvolveu para completar a sua formação profissional... e de precisar quais as línguas traduzidas por ‘Y’ ou pelos seus colegas» e que, ao actuar deste modo, o Sr. M. «omitiu aí uma vez mais realçar um ponto que favorecia o interessado». Em quarto lugar, o Conselho de Disciplina referiu «a dificuldade em acreditar que as traduções de ‘Y’ a partir da língua francesa devam ainda ser revistas, traduções essas que seriam contudo de qualidade muito boa (ver os comentários do Sr. M. na p. 7a do relatório de classificação controvertido) sendo certo que ‘Y’, no começo da sua carreira, traduziu autonomamente e reviu textos e que traduz actualmente textos em língua alemã». Em quinto lugar, o Conselho de Disciplina realçou que o rendimento bruto das traduções efectuadas por «Y»«desde 1988 não cessou de aumentar contrariamente às afirmações dos Srs. M. e F.». De acordo com o Conselho de Disciplina, decorria do conjunto destas considerações que «‘Y’ pôde com razão considerar que o relatório de classificação é injusto a seu respeito e que esse sentimento de injustiça explica e desculpa em certa medida a violência das suas reacções mas não a justifica.»

14

Foi com base nestas conclusões e qualificações dos factos de que o recorrente é acusado e em função destas considerações que, em 15 de Setembro de 1992, o Conselho de Disciplina, após ter ouvido o recorrente em 25 de Novembro de 1991 e ter recolhido as suas observações escritas em 9 de Dezembro de 1991, decidindo por três votos contra dois, propôs que lhe fosse aplicada a sanção disciplinar de repreensão, dois dos seus membros tendo-se pronunciado pela pura e simples absolvição do recorrente.

15

Após ter recebido o parecer do Conselho de Disciplina, o Comité Administrativo do Tribunal de Justiça, na sua qualidade de AIPN, teve por sua vez em conta as seguintes acusações contra o recorrente: a) que, em Fevereiro de 1991, por ocasião de uma altercação cora o seu chefe de divisão, o recorrente proferira publicamente, para com este último, afirmações injuriosas e difamatorias, acusando-o de ter cometido «vários crimes de fraude e de corrupção», b) que, nas observações sobre a sua primeira notação relativamente ao período de 1989/1990, elaborada pelo chefe de divisão, o recorrente fizera de novo graves acusações a este último em termos veementes, acusando-o de «mentiras descaradas» de «crime de fraude», de «abusos, ilegalidades, fraudes», de «pressões brutais» bem como de manipulações sistemáticas dos «concursos e das classificações»; c) que, nas observações relativamente à segunda notação, feita pelo director da tradução, Sr. F., o recorrente reiterara as suas acusações contra o chefe de divisão, Sr. M., acusando-o além do mais, de «traficâncias inconfessáveis, fraudes, abusos» de ter feito «manipulações de concursos» e de ter revelado a um dos candidatos antes de um concurso o texto de uma das provas e que, por outro lado, acusara o director da tradução, Sr. F., de pretender «dar cobertura a todos os abusos, fraudes, e desvios de poder do Sr. M.» e de optar «pela via da mentira e da má fé».

16

A AIPN considerou que, embora algumas das acusações formuladas pelo recorrente tivessem sido feitas em documentos não públicos, as suas afirmações constituíam «pela forma, natureza e carácter reiterado uma falta grave aos deveres que o Estatuto lhe impõe, e especialmente ao dever de respeito e de lealdade que incumbe a todos os funcionários para com os superiores hierárquicos e à proibição feita ao funcionário de praticar quaisquer actos que possam atentar contra a dignidade do seu caigo». A AIPN considerou, além disso, que o facto de as afirmações proferidas pelo recorrente poderem ser verdadeiras, como este o sustentava, não constitui uma circunstância atenuante, uma vez que o recorrente dispunha das vias jurídicas previstas no Estatuto para denunciar as irregularidades de que fora testemunha. Por fim, a AIPN entendeu que, mesmo admitindo que o recorrente tivesse sido objecto de uma atitude provocatória por parte dos seus superiores hierárquicos, «de qualquer modo isso só poderia atenuar parcialmente a sua responsabilidade, uma vez que, também quanto a esse ponto, podia ter utilizado as vias jurídicas previstas no Estatuto».

17

Foi com base nos factos assim verificados e qualificados e em função destas considerações que a AIPN entendeu que, atendendo à gravidade das faltas cometidas, a sanção de repreensão proposta pelo Conselho de Disciplina não era adequada, e, por decisão de 28 de Setembro de 1992, aplicou ao recorrente a sanção de suspensão de subida de escalão por dois anos.

18

Em 11 de Janeiro de 1993, o recorrente apresentou contra esta decisão uma reclamação, argumentando, além do mais, que os seus direitos de defesa tinham sido violados e sustentando que as ofensas à sua honra e à sua dignidade profissional poderiam ter sido completa e facilmente provadas se as audições e a acareação com o chefe de divisão que ele solicitara tivessem sido realizadas. Esta reclamação foi indeferida por decisão de 14 de Maio de 1993.

19

Foi nestas circunstâncias que, por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 17 de Agosto de 1993, o recorrente interpôs o presente recurso.

20

No decurso do processo escrito o recorrido apresentou, por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal em 1 de Março de 1994, ao abrigo do artigo 114.o do Regulamento de Processo, um pedido incidental para que fosse ordenada a supressão de várias passagens da réplica apresentada pelo recorrente e para que fossem desentranhados dos autos determinados documentos anexos à réplica.

21

Em memorando entrado na Secretaria do Tribunal em 11 de Março de 1994, o recorrente apresentou as suas observações sobre o incidente processual deduzido pelo recorrido.

22

Por despacho de 8 de Julho de 1994, o Tribunal (Primeira Secção) acolheu o pedido do recorrido e convidou o recorrente a apresentar uma nova versão da réplica, expurgada de determinadas passagens, e a retirar determinados documentos juntos.

23

Por decisão do Tribunal de 19 de Setembro de 1995, o juiz-relator foi afectado à Segunda Secção, à qual, por conseguinte, foi atribuído o processo.

24

Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Segunda Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. No quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.o do Regulamento de Processo, o Tribunal convidou, no entanto, o recorrido a apresentar certos documentos do processo disciplinar instaurado contra o recorrente. Na audiencia de 18 de Janeiro de 1996, as partes apresentaram as suas alegações e responderam às perguntas feitas pelo Tribunal.

Pedidos das partes

25

O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar o recurso admissível;

anular a decisão da AIPN de 28 de Setembro de 1992, que lhe aplicou a sanção de suspensão de subida de escalão por dois anos;

condenar o recorrido a pagar-lhe a importância de 1000000 BFR a título de indemnização dos danos morais resultantes da decisão impugnada;

condenar o recorrido nas despesas.

26

O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso, por improcedente;

condenar o recorrente nas despesas.

Quanto ao pedido de anulação

27

O recorrente apresenta oito fundamentos em apoio do seu pedido de anulação baseados, respectivamente

na violação dos direitos de defesa por o Conselho de Disciplina ter recusado a audição das testemunhas por ele indicadas e proceder a uma acareação com o seu superior hierárquico;

na violação do artigo 6.o do Anexo II do Estatuto, na medida em que o Conselho de Disciplina sendo composto, na sua maior parte, por funcionários do quadro LA, pertencentes ao mesmo serviço que o recorrente, os seus membros estiveram sujeitos a pressões e sob o controlo dos acusadores do recorrente de modo que, as condições de independência e de separação de funções entre quem acusa e quem instrui não foram respeitadas;

em erro de direito, na medida em que o exercício do direito estatutário de poder apresentar observações sobre o relatório de classificação nos termos do artigo 43.o do Estatuto, para obter a revisão deste relatório e para obter a intervenção do comité consultivo competente, foi erradamente qualificado como falta disciplinar;

na violação do direito de legítima defesa, por a AIPN não ter tido em conta todas as circunstâncias em que as pretensas faltas disciplinares teriam sido cometidas, sendo certo que estas respeitam ao exercício da legítima defesa, que exclui desde logo, a natureza culposa do comportamento do recorrente;

em erro manifesto de apreciação, por a AIPN ter considerado que os actos e comportamento do recorrente atentaram contra a dignidade das suas funções;

na violação do princípio da «exceptio veritatis», na medida em que a AIPN não aceitou que a justificação das afirmações proferidas pelo recorrente contra o chefe de divisão excluía a natureza culposa do seu comportamento;

na violação do princípio da proporcionalidade, por a AIPN não ter instaurado um processo disciplinar contra o chefe de divisão do recorrente pelas infracções e faltas disciplinares que este último teria cometido e na insuficiência de fundamentação por a AIPN não ter fundamentado a agravação da sanção aplicada ao recorrente, e, por último,

em desvio de poder, na medida em que o objectivo do processo disciplinar instaurado pela AIPN contra o recorrente não foi o de investigar as infracções pretensamente cometidas, e puni-las mas sim o de punir um funcionário competente e íntegro que pretendeu denunciar certas práticas irregulares da administração.

28

O recorrente pede, além disso, ao Tribunal que ordene certas medidas de organização do processo e de instrução, com o objectivo, por um lado, de convidar o recorrido a comunicar todos os documentos do processo disciplinar e, por outro lado, de convocar o presidente e os membros do Conselho de Disciplina para testemunharem sobre as irregularidades que teriam apurado durante a instrução do processo disciplinar, incluindo as pressões externas a que teriam estado sujeitos.

29

O Tribunal entende que se devem examinar antes de mais os fundamentos que contestam a legalidade externa da decisão impugnada e, designadamente, o fundamento que consiste na violação dos direitos de defesa.

Quanto ao fundamento que consiste na violação dos direitos de defesa

Fundamentos e argumentos das partes

30

O recorrente sustenta que os seus direitos de defesa foram violados dado que, não obstante os pedidos que nesse sentido fizera, as testemunhas por ele indicadas ao Conselho de Disciplina não foram ouvidas e não foi realizada qualquer acareação com o seu chefe de divisão, sendo certo que, essas medidas teriam esclarecido os factos relativos à altercação de 7 de Fevereiro de 1991, em que se baseia a decisão impugnada.

31

Em primeiro lugar, quanto à omissão do Conselho de Disciplina de ouvir as testemunhas indicadas pelo recorrente, este ultimo alega que o respeito dos direitos de defesa impõe sempre a audição das testemunhas indicadas pelo arguido, como previsto no artigo 4.o, segundo parágrafo, do Anexo IX do Estatuto, que dispõe que o funcionário pode apresentar observações escritas ou verbais , citar testemunhas e fazer-se assistir por um defensor da sua escolha. No caso vertente, a audição das testemunhas indicadas teria aliás, sido necessária, na medida em que, por um lado, teria permitido esclarecer as condições em que o recorrente considera ter exercido o seu direito de legítima defesa e, por outro, teria podido justificar a aplicação, a seu favor, do princípio da «exceptio veritatis», permitindo afastar a ilicitude dos factos de que era acusado ou, pelo menos, atenuar-lhes a natureza culposa.

32

A este respeito, o recorrente entende que embora o Tribunal de Justiça tenha decidido, no acórdão de 11 de Julho de 1985, R./Comissão (255/83 e 256/83, Recueil, p. 2473), que o Conselho de Disciplina e a AIPN dispõem de um poder de apreciação quanto à necessidade ou utilidade de certas diligências de instrução complementares quando os factos se encontrem já suficientemente provados com base nos documentos em seu poder, um tal poder de apreciação só diria respeito a diligências de instrução que não sejam a audição do arguido e a das testemunhas por ele indicadas. Como resultaria do acórdão R./Comissão, já referido, a audição do arguido e das testemunhas por ele indicadas constituiria uma das medidas de organização obrigatórias do processo disciplinar e, por conseguinte, a sua violação contrariamente à violação das simples medidas de organização complementares determinaria, ipso facto, a nulidade da decisão tomada no termo deste processo. Quanto ao acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1968, Van Eick/Comissão (35/67, Colect. 1965-1968, p. 857), que parece admitir que, em casos excepcionais, o Conselho de Disciplina dispõe de uma certa margem para apreciar a pertinência da audição das testemunhas indicadas pelo próprio arguido, o recorrente considera que é contrário às disposições constitucionais dos Estados-Membros e aos direitos fundamentais, a cujo respeito o Tribunal de Justiça se considerou repetidas vezes vinculado.

33

Em apoio dos seus argumentos, o recorrente invoca, por um lado, uma jurisprudência nacional segundo a qual a inquirição das testemunhas constitui uma vertente do direito de audiência do interessado, cuja violação implica a nulidade de uma sanção disciplinar, e, por outro lado, o artigo 6.o, n.o 3, alínea d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a seguir «CEDH»), que consagraria o direito de interrogar ou de fazer interrogar as testemunhas de acusação e de obter a convocação e o interrogatòrio das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação. O recorrente salienta que, embora o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não seja, em princípio, competente para conhecer de casos de violação do artigo 6.o, n.o 3, alínea d), da CEDH em matéria disciplinar, não é menos certo que, quando os processos disciplinares envolvam contestações sobre direitos e obrigações de carácter civil ou penal, a sua competência não é contestada (processo Engels e outros, Publications de la CEDH, série A, vol. 22, p. 33).

34

Em segundo lugar, quanto à recusa do Conselho de Disciplina de acolher o seu pedido de acareação com o chefe de divisão, o recorrente considera que, embora a referida disposição do artigo 4.o do Anexo IX do Estatuto não preveja esta formalidade, isso explica-se pelo carácter sumário da regulamentação do Estatuto e pelo facto da acareação não constituir um meio de prova autónomo, mas uma forma particular de prova testemunhal.

35

O recorrido salienta que o recorrente nunca contestou a materialidade dos factos de que é acusado, ou seja, por um lado os insultos e as afirmações difamatorias feitas contra o superior hierárquico no incidente de 7 de Fevereiro de 1991 e, por outro lado, as observações do mesmo teor que fez, contra o superior hierárquico e contra o director da tradução, no relatório de classificação relativo ao período de 1989/1990.

36

Quanto à alegada violação dos direitos de defesa do recorrente, o recorrido salienta que, nos termos do artigo 4.o do Anexo IX do Estatuto, o Conselho de Disciplina tem apenas a possibilidade, mas não a obrigação, de decidir que se proceda a instrução contraditória, se não se julgar suficientemente esclarecido sobre os factos de que o interessado é acusado. O recorrido salienta que, embora de acordo com a jurisprudência nesta matéria, o Conselho de Disciplina não possa indeferir um pedido de audição de testemunhas, quando esse pedido indique com precisão os factos sobre que deve incidir a audição e as razões que a justificam, não é menos certo que lhe compete apreciar tanto a pertinência do pedido em relação ao objecto do litígio como a necessidade de proceder à audição das testemunhas indicadas (acórdãos Van Eick/Comissão, supracitado e R./Comissão, supracitado, n.o 24).

37

Além disso, o recorrido recorda que, tanto segundo a jurisprudência da Comissão Europeia dos Direitos do Homem como segundo a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância, o artigo 6.o, alínea d), da CEDH não se aplica a processos de natureza meramente disciplinar (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Outubro de 1991, De Compte/Parlamento, T-26/89, Colect., p. II-781, n.o 94).

38

Com base nestas considerações, o recorrido salienta no que respeita aos factos em causa que o pedido de audição de testemunhas contido nas observações escritas apresentadas pelo recorrente ao Conselho de Disciplina, em 9 de Dezembro de 1991, apenas dizia respeito a factos que não estavam em discussão ou seja, às pretensas irregularidades de um concurso realizado três anos antes. A única questão relacionada directamente com a matéria de facto em causa contida no mencionado pedido do recorrente, envolvia, segundo o recorrido, o testemunho de uma pessoa que ocupava o gabinete contíguo ao do chefe de divisão do recorrente, onde ocorreu o incidente de 7 de Fevereiro de 1991, e que não teria, assim, podido testemunhar directamente os factos controvertidos.

39

Quanto ao pedido de acareação do recorrente com o chefe de divisão, o recorrido sublinha que o processo disciplinar previsto pelo Anexo IX do Estatuto não prevê uma tal diligência de instrução e que, à luz dos elementos do processo, esta seria, de qualquer modo, inútil no caso vertente.

Apreciação do Tribunal

40

O Tribunal verifica, liminarmente, que o recorrente não contestou em nenhuma fase do processo disciplinar a materialidade dos factos de que era acusado na medida em que consistem, por um lado, em observações feitas sobre as suas primeira e segunda notações contidas no relatório de classificação relativo ao período de 1989/1990 (quarto considerando da decisão impugnada) e, por outro, na circunstancia que o recorrente, na altercação de 7 de Fevereiro de 1991, com o chefe de divisão, «proferiu, publicamente contra este último, afirmações injuriosas e difamatorias, acusando-o de ter cometido varios crimes de fraude e de corrupção» (primeiro considerando da decisão impugnada).

41

A este respeito, o Tribunal acrescenta que, na medida em que os factos tidos em conta contra o recorrente, relativos às observações comidas no relatório de classificação relativo ao período de 1989/1990, decorrem da própria leitura desse documento o recorrente não poderia contestar a sua materialidade. Quanto aos factos relativos ao incidente de 7 de Fevereiro de 1991, o Tribunal refere-se ao texto do parecer do Conselho de Disciplina onde consta que «com excepção da discussão que se teria desenrolado... no dia 7 de Fevereiro de 1991 e da qual apresenta uma versão bastante diferente, ‘Y’ nunca contestou a materialidade dos factos de que é acusado» (ponto II, p. 2, do parecer do Conselho de Disciplina). Além disso, o Tribunal refere-se ao memorando de 14 de Maio de 1991, dirigido aos membros do Comité Administrativo, na sua qualidade de AIPN, no qual o recorrente referindo uma atitude provocatória por parte do chefe de divisão aquando da altercação de 7 de Fevereiro de 1991, admite «tê-lo acusado publicamente e em voz alta de ter cometido vários crimes de fraude ou de corrupção» (p. 3 do memorando supracitado).

42

A materialidade dos factos tidos em conta contra o recorrente não sendo pois contestada, deve examinar-se se, como este sustenta, a recusa do Conselho de Disciplina de acolher o pedido de audição das testemunhas por ele indicadas constituiu uma violação dos direitos de defesa, na medida em que esta audição teria permitido a prova de circunstâncias de natureza a afastar, face ao direito disciplinar da função pública das Comunidades europeias, a ilicitude dos factos de que era acusado (princípio da «exceptio veritatis» - legítima defesa) ou a atenuar a sua natureza culposa.

43

A este respeito, o Tribunal recorda, a título preliminar, que, muito embora, nos termos do artigo 4.o, alínea 2, do Anexo IX do Estatuto, o funcionário arguido possa indicar testemunhas, compete todavia ao Conselho de Disciplina apreciar a pertinência dos testemunhos propostos em relação ao objecto do litígio e a necessidade de proceder à audição das testemunhas indicadas (acórdão Van Eick/Comissão, supracitado). No caso vertente, o Conselho de Disciplina recusou a audição das testemunhas indicadas pelo recorrente porque «o processo de que dispunha continha elementos suficientes - tanto sobre os factos de que o interessado é acusado como em apoio dos seus argumentos de defesa - para lhe permitir emitir um parecer fundamentado» e que, «ainda que lhe fornecesse informações complementares sobre determinados factos alegados por ‘Y’, o Conselho de Disciplina tem a convicção de que a audição das testemunhas nada podia trazer de decisivo para a apreciação global do comportamento de que o funcionário é acusado» (v., supra, n.o 6).

44

Para apreciar se, tendo em conta a disposição acima referida do Estatuto e a jurisprudência acima referida, o Conselho de Disciplina podia legalmente recusar a audição de testemunhas solicitada pelo recorrente, o Tribunal tomará em consideração as observações de 9 de Dezembro de 1991 (v., supra, n.o 6), em que o recorrente propôs ao Conselho de Disciplina convocar e interrogar determinadas pessoas sobre um determinado número de pontos respeitantes segundo ele, ao processo disciplinar em causa, e formulou as perguntas a fazer às testemunhas indicadas. O Tribunal considera, tal como o Conselho de Disciplina considerou, que seis destas perguntas (perguntas 1 a 5 e 8) diziam respeito a factos alheios ao objecto do processo disciplinar, na medida em que estavam relacionadas com pretensas ilegalidades cometidas no âmbito de um concurso de recrutamento de revisores, organizado pelo Tribunal de Justiça em 1988. As outras perguntas relacionavam-se, respectivamente, com certas irregularidades alegadas de um concurso de recrutamento de juristas-lingüistas (pergunta 11), com a qualidade do trabalho dos tradutores «free-lance» (pergunta 10), com certos comentários que o chefe de divisão do recorrente tinha contra este feito numa recepção privada em 1988 (pergunta 15), com as qualidades do chefe de divisão do recorrente (pergunta 14), com o comportamento e a carreira do recorrente na divisão onde exercia as suas funções (perguntas 9 e 13), com um incidente que ocorrera entre o recorrente e o chefe de divisão em Março de 1989 (pergunta 12), e com o testemunho de uma pessoa cujo gabinete era contíguo ao do recorrente, relativamente aos insultos que o chefe de divisão teria repetidas vezes contra ele proferido (pergunta 6).

45

Tidas em conta estas perguntas, o Tribunal considera que o Conselho de Disciplina não exerceu erradamente o poder de apreciação que lhe pertence na matéria ao considerar que, na medida em que o processo disciplinar continha elementos suficientes tanto sobre os factos de que o interessado é acusado como em apoio dos argumentos de defesa, essas perguntas eram desprovidas de pertinência ou supérfluas para a emissão do seu parecer.

46

O Tribunal verifica todavia que uma das perguntas propostas pelo recorrente dizia respeito ao testemunho de um funcionário do Tribunal de Justiça que ocupava o gabinete contíguo ao do chefe de divisão do recorrente, onde ocorreu a altercação de 7 de Fevereiro de 1991 (pergunta 7). O recorrente formulara essa pergunta nos seguintes termos: «O Sr. contou a ‘Y’ que, no dia 7 de Fevereiro de 1991, ouviu no corredor as acusações deste contra o Sr. M. Dado que o seu gabinete é contíguo ao do Sr. M., o que permite ouvir tudo, o que é que ouviu da discussão entre o Sr. M. e ‘Y’ que teve lugar no gabinete deste último? Concretamente, ouviu o Sr. M. tratar ‘Y’ de maluco e ouviu ameaçá-lo de ‘parto-te a cara’ ou ainda, dizer que este tinha reprovado no concurso para revisores de 1988?»

47

Deve realçar-se que na própria opinião do recorrido (v. réplica, p. 9) esta pergunta dizia efectivamente respeito aos factos imputados ao recorrente no âmbito do processo disciplinar contra ele instaurado.

48

O Tribunal sublinha que o Conselho de Disciplina, para afastar o testemunho em causa, considerou, para além das outras razões invocadas de maneira geral para justificar o indeferimento da prova testemunhal proposta pelo recorrente, que não era necessário investigar sobre este ponto, dado que, por um lado, as versões contraditórias das duas únicas pessoas presentes, a saber, o recorrente e o seu chefe de divisão tornavam impossível a reconstituição da sequência exacta dos factos e que, por outro lado, não era contestado que, no fim do incidente, no corredor, o recorrente acusara o seu chefe de divisão de ter cometido vários crimes de fraude ou corrupção, o que, na opinião do referido Conselho de Disciplina tornava supérflua uma investigação mais aprofundada, dada, além do mais, a natureza das acusações que resultam do resto do processo (v., supra, n.o 7). Cabe, por conseguinte examinar, se, com razão, o Conselho de Disciplina pôde afastar por esses fundamentos o testemunho de uma pessoa que ocupava o gabinete contíguo ao do chefe de divisão do recorrente e que dizia respeito, segundo o recorrente, às provocações e às intimidações de que teria sido objecto por parte do chefe de divisão aquando da altercação de 7 de Fevereiro de 1991.

49

Como resulta da fundamentação do indeferimento da audição da testemunha proposta, o Conselho de Disciplina fundou-se no facto, não contestado, que o recorrente aquando do incidente de 7 de Fevereiro de 1991, fizera publicamente e em voz alta as acusações acima referidas contra o chefe de divisão, bem como na natureza das acusações feitas contra o recorrente, tal como resultavam do resto do processo.

50

Tratando-se do primeiro fundamento do indeferimento do Conselho de Disciplina baseado na não contestação dos factos imputados ao recorrente, o Tribunal considera que o testemunho proposto por este dizia respeito não à questão de saber se tinha ou não proferido contra o chefe de divisão as acusações acima referidas, cuja materialidade ele próprio admite, mas aos factos que precederam imediatamente essas acusações ou que constituíram o conjunto das circunstâncias nas quais proferiu as afirmações em causa e, nomeadamente, às provocações e intimidações de que teria sido objecto por parte do chefe de divisão, factos que teriam assim constituído circunstâncias atenuantes a seu favor.

51

O Tribunal entende, por conseguinte, que se o carácter contraditório das versões dadas pelos dois principais protagonistas do incidente, a saber, o recorrente e o seu chefe de divisão, podia eventualmente constituir um motivo que tornava supérflua a acareação entre ambos, esse motivo não podia ser invocado pelo Conselho de Disciplina para pôr em dúvida a utilidade do testemunho duma pessoa que ocupava o gabinete contíguo ao do chefe de divisão do recorrente, onde o incidente se iniciara. Com efeito, um tal testemunho podia eventualmente permitir a reconstituição da sequência exacta dos factos que culminaram nas afirmações feitas pelo recorrente aquando do incidente de 7 de Fevereiro de 1991, cujo conhecimento poderia ter conduzido a uma apreciação, ou mesmo a uma qualificação diferente dessas afirmações.

52

Quanto ao segundo fundamento do indeferimento do pedido de audição de testemunhas proposto pelo recorrente, relativo à natureza das acusações feitas contra ele, as quais, segundo o Conselho de Disciplina, resultavam do resto do processo, o Tribunal considera que esse fundamento não podia justificar o indeferimento na medida em que as acusações diziam necessariamente respeito a factos distintos dos relacionados com o incidente de 7 de Fevereiro de 1991. Se, ao justificar assim a recusa de proceder à audição da testemunha proposta pelo recorrente, o Conselho de Disciplina se referiu implicitamente ao poder de apreciação e de avaliação global de que dispõe a autoridade disciplinar quanto à gravidade dos factos qualificados de falta disciplinar e quanto à escolha da sanção disciplinar, o Tribunal recorda que esse poder só pode ser exercido quando incide sobre todos os factos concretos e sobre as circunstâncias agravantes ou atenuantes próprias a cada caso (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 1987, F./Comissão, 403/85, Colect., p. 645, n.o 26, e o acórdão De Compte/Parlamento, supracitado, n.o 221), o que não se verifica no caso vertente uma vez que o Conselho de Disciplina não procedeu a uma investigação, antes da avaliação global sobre a realidade e a natureza dos factos e circunstâncias essenciais (v. o acórdão F./Comissão, supracitado, n.o 16) que, segundo o recorrente, teriam constituído circunstâncias atenuantes da sua responsabilidade pelo comportamento de 7 de Fevereiro de 1991. Daqui resulta que, por não ter procedido a uma investigação suficientemente completa que teria dado ao interessado todas as garantias exigidas pelo Estatuto (acórdão F./Comissão, supracitado, n.o 30) o Conselho de Disciplina não exerceu, com pleno conhecimento de causa, o poder de apreciação global de que dispõe a autoridade disciplinar na matéria.

53

Enfim, o carácter irregular da omissão do Conselho de Disciplina de proceder à audição da testemunha proposta pelo recorrente no que respeita ao incidente de 7 de Fevereiro de 1991 não pode ser afastado pelo facto de o Conselho de Disciplina ter admitido, de modo geral, a existência de circunstâncias atenuantes a favor do recorrente, ao mencionar a atitude de provocação por parte do chefe de divisão e ao considerar que certas alegações do recorrente, quanto ao funcionamento interno do serviço, não eram desprovidas de fundamento. Com efeito, se, ao admitir essas circunstâncias atenuantes a favor do recorrente o Conselho de Disciplina considerou que a responsabilidade deste era «fortemente atenuada» e se propôs, assim aplicar-lhe a sanção disciplinar de repreensão, não é de excluir que, após ter recolhido o testemunho proposto pelo recorrente o Conselho de Disciplina pudesse constatar que as provocações de que aquele fora objecto no incidente de 7 de Fevereiro de 1991 eram de uma natureza e de uma extensão tais que a sua responsabilidade neste incidente devia ser considerada ainda mais atenuada.

54

Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a proposta do Conselho de Disciplina, na medida em que foi formulada com base numa avaliação do conjunto das acusações consideradas contra o recorrente, e designadamente da acusação relativa ao seu comportamento no incidente de 7 de Fevereiro de 1991, interveio no seguimento de um processo irregular, por não ter sido efectuada uma investigação completa e circunstanciada e designadamente por não ter sido ouvida a testemunha pedida pelo recorrente.

55

Deve aliás realçar-se que foi sem dispor do testemunho em questão que a AIPN tomou, por seu lado, a decisão de 28 de Setembro de 1992, que aplica ao recorrente a sanção disciplinar controvertida. Além disso, embora o recorrente tenha invocado uma violação dos direitos de defesa, na sua reclamação de 11 de Janeiro de 1993, designadamente devido ao facto que, apesar do seu pedido, a testemunha do incidente de 7 de Fevereiro de 1991 não tinha sido ouvida, a AIPN, por decisão de 14 de Maio de 1993, indeferiu a reclamação do recorrente quanto a este ponto com o fundamento em que «No caso vertente, o Conselho de Disciplina considerou legitimamente que o processo continha elementos suficientes e que a audição das testemunhas nada podia trazer de decisivo para apreciar o comportamento do reclamante». Daqui resulta que a decisão de 28 de Setembro de 1992, bem como a decisão de 14 de Maio de 1993, que a confirmou pelo indeferimento da reclamação do recorrente, foram tomadas no seguimento de um processo irregular uma vez que não pode excluir-se que a audição da testemunha pedida pelo recorrente poderia ter conduzido à adopção de uma decisão que, pondo fim ao processo disciplinar, lhe poderia ter sido mais favorável (v. o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, Solvay/Comissão, T-30/91, Colect., p. II-1775, n.o 98).

56

Deve, por último acrescentar-se que, por decisão de 28 de Setembro de 1992, a AIPN não só aplicou ao recorrente uma sanção no seguimento de um processo disciplinar irregular, pelas razões referidas, como ainda agravou a sanção disciplinar proposta pelo Conselho de Disciplina. O Tribunal entende que a AIPN também não podia proceder a uma tal agravação da sanção disciplinar aplicada ao recorrente, por não dispor do testemunho proposto pelo recorrente quanto ao incidente de 7 de Fevereiro de 1991. Com efeito, se a AIPN dispunha, em princípio, do poder de proceder a uma apreciação do grau de atenuação da responsabilidade do recorrente, diferente da apreciação feita sobre este ponto pelo Conselho de Disciplina, bem como do poder de escolher em seguida a sanção disciplinar tida como adequada para punir as infracções disciplinares a ele imputadas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 1973, De Greef/Comissão, 46/72, Colect., p. 231, de 29 de Janeiro de 1985, F./Comissão, 228/83, Recueil, p. 275, e F./Comissão, supracitado, n.o 18; acórdão De Compte/Parlamento, supracitado, n.o 220) não é menos certo que a determinação, pela AIPN, da sanção a aplicar devia fundar-se numa avaliação global de todos os factos concretos e das circunstâncias agravantes ou atenuantes do caso vertente (acórdãos F./Comissão, supracitado, n.o 26, e De Compte/Parlamento, supracitado, n.o 221). Ora, na falta do testemunho relativo ao incidente de 7 de Fevereiro de 1991 proposto pelo recorrente, a AIPN, que considerou, na sua decisão de 28 de Setembro de 1992, que a atenuação da responsabilidade do recorrente, em virtude das provocações de que este tinha sido objecto, só podia ser «parcial», não dispunha de todos os elementos de facto necessários para determinar qual devia ser o grau desta atenuação parcial da responsabilidade, tendo em conta as circunstâncias atenuantes invocadas pelo recorrente relativamente ao incidente de 7 de Fevereiro de 1991. O Tribunal considera que, nestas condições, a AIPN não podia decidir agravar a sanção disciplinar aplicável ao recorrente.

57

A este respeito, acrescenta-se que a instituição recorrida não pode sustentar que a sua própria apreciação do modo como as circunstâncias atenuantes a favor do recorrente deviam ser consideradas pôde validamente fundar-se na consideração que este teria podido utilizar mas não utilizou as vias jurídicas previstas no Estatuto, como o refere a decisão impugnada. Com efeito, uma tal omissão não devia implicar apenas uma atenuação parcial da responsabilidade do recorrente, mas, ao contrário, devia excluir qualquer circunstância atenuante a seu favor, pois era-lhe sempre possível recorrer às vias jurídicas previstas no Estatuto, quaisquer que tivessem sido as provocações de que fora objecto por parte dos seus superiores hierárquicos, no incidente de 7 de Fevereiro de 1991. Além disso, como o Tribunal acima referiu (v., supra, n.o 56), sem um conhecimento completo das circunstâncias do incidente de 7 de Fevereiro de 1991, a AIPN não podia apreciar a importância a ser dada ao facto que o recorrente não fizera uso das vias jurídicas previstas pelo Estatuto para reagir a um comportamento do chefe de divisão que, em sua opinião, o tinha instantaneamente colocado em situação de legítima defesa.

58

Tendo em conta o que precede e dado que, designadamente ao aplicar ao recorrente a sanção de suspensão de subida de escalão por dois anos, a AIPN não distinguiu entre o comportamento do recorrente aquando do incidente que o opôs ao seu superior hierárquico, em 7 de Fevereiro de 1991, e os outros factos tidos contra ele em conta como infracções disciplinares, pelo que essa sanção disciplinar deve ser considerada como punindo indistintamente o conjunto dos comportamentos incriminados, o Tribunal entende que a decisão impugnada deve ser anulada, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos invocados pelo recorrente e o seu pedido de medidas de organização do processo e de instrução.

Quanto ao pedido de indemnização

Exposição sumária dos argumentos das partes

59

O recorrente salienta que teve grandes ambições profissionais e que, desde o início da sua carreira profissional no Tribunal de Justiça, obteve mais títulos linguísticos do que qualquer outro colega da Direcção de Tradução. Censura o recorrido por não ter intervindo para obviar à situação, qualificada de escandalosa, de discriminação profissional e de destruição psicológica que considera ter sofrido da parte do superior hierárquico e por ter-lhe, por fim, aplicado uma sanção disciplinar no seguimento de um «processo» recheado de vícios e erros de direito.

60

Explica que, durante dois anos e meio que durou o processo disciplinar, sofreu depressões, perdeu oportunidades de promoção e de transferência para outras instituições, foi afectado nos seus estudos jurídicos, sofreu vexames, foi objecto de ameaças e intimidações veladas e a sua competência e equilíbrio mental foram seriamente postos em dúvida.

61

Na réplica, o recorrente alegou também que o processo disciplinar excedeu largamente os prazos previstos no artigo 7.o do Anexo IX do Estatuto e que, embora esses prazos não sejam peremptórios, o seu desrespeito determina a responsabilidade civil do recorrido pelos danos morais por ele sofridos.

62

O recorrente sustenta, assim, que a decisão impugnada lhe causou importantes danos morais. Embora considere que as ofensas à sua dignidade não podem ser quantificadas entende que esses danos se elevam ao montante simbólico de 1000000 BFR.

63

O recorrido sustenta que, como a decisão impugnada não se encontra viciada por qualquer ilegalidade, é de excluir a sua responsabilidade. Além disso o recorrente não teria provado ter sofrido qualquer dano moral, e a sua quantificação seria arbitrária, excessiva e estaria longe de ser um montante simbólico. Por fim, o recorrido considera que, em caso de anulação da decisão impugnada, essa anulação bastaria para reparar o dano moral alegado.

Apreciação do Tribunal

64

O Tribunal recorda, a título preliminar, que no sistema de vias de recurso instaurado pelos artigos 90.o e 91.o do Estatuto, a acção de indemnização, que constitui uma via de direito autónoma relativamente ao recurso de anulação, não é admissível senão quando precedida de processo pré-contencioso em conformidade com as disposições do Estatuto. Este processo difere consoante o dano cuja reparação é pedida resulte de um acto que lhe cause prejuízo na acepção do artigo 90.o, n.o2, do Estatuto ou de um comportamento da administração desprovido de natureza decisória. No primeiro caso, cabe ao interessado apresentar, nos prazos estabelecidos, uma reclamação contra o acto em causa à autoridade investida do poder de nomeação. No segundo caso, pelo contrário, o processo administrativo começa pela introdução de um requerimento na acepção do artigo 90.o, n.o 1, do Estatuto, para obter uma indemnização e prossegue, sendo caso disso, com uma reclamação contra a decisão de indeferimento do requerimento (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho 1995, Ojha/Comissão, T-36/93, ColectFP, p. II-497).

65

O Tribunal verifica que o pedido do recorrente de indemnização dos danos morais pretensamente sofridos não foi precedido do processo pré-contencioso previsto nos artigos 90.o e 91.o do Estatuto.

66

Contudo, quando existe uma íntima conexão entre o recurso de anulação e a acção de indemnização, esta última é admissível como acessória do recurso de anulação sem que tenha de ser necessariamente precedida de um pedido do interessado convidando a AIPN a reparar o prejuízo pretensamente sofrido e de uma reclamação contra o indeferimento tácito ou expresso do pedido (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Julho de 1993, Camará Alloisio e o./Comissão, T-17/90, T-28/91 et T-17/92, Colect., p. II-841, e Ojha/Comissão, supracitado).

67

O Tribunal salienta que, no caso vertente, os danos morais cuja indemnização é pedida pelo recorrente decorrem, segundo este, por um lado, das pressões, ameaças e intimidações que teria sofrido por parte do chefe de divisão, bem como do facto que o recorrido não quis intervir para remediar esta situação de discriminação profissional e de destruição psicológica e, por outro lado, do facto que o processo disciplinar excedeu largamente o prazo previsto no artigo 7.o do Anexo IX do Estatuto.

68

Tratando-se dos danos morais pretensamente sofridos como resultado das pressões, ameaças e intimidações exercidas pelo chefe de divisão do recorrente, bem como da alegada abstenção da administração de a elas pôr termo, salienta-se que o pedido de indemnização não se relaciona com os danos resultantes de um só acto cuja anulação seria pedida no caso vertente mas com várias faltas e omissões pretensamente cometidas pela instituição recorrida (acórdão Camara Alloisio e o./Comissão, supracitado; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Dezembro de 1994, Ditterich/Comissão, T-79/92, ColectFP, p. II-907, e Schneider/Comissão, T-54/92, ColectFP, p. II-887). Assim, o processo administrativo que precede a introdução do pedido de indemnização devia imperativamente ter começado por um requerimento do recorrente convidando a AIPN a reparar os danos morais pretensamente sofridos.

69

Tratando-se dos danos morais pretensamente devidos à inobservância do prazo previsto no artigo 7.o do Anexo IX do Estatuto, o Tribunal verifica que embora esses danos estejam efectivamente directamente ligados ao recurso de anulação, na acepção da jurisprudência referida, não é menos certo que, tratando-se de um pedido apresentado pela primeira vez na réplica, em violação do artigo 48.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, deve ser indeferido como inadmissível (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Março de 1993, Blackman/Parlamento, T-33/89 e T-74/89, Colect., p. II-249).

70

Resulta do que precede que a acção de indemnização não foi introduzida nas condições previstas no Estatuto e que deve, em consequência, ser declarada inadmissível, em conformidade com a jurisprudência referida.

Quanto às despesas

71

Nos termos do artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrida decaído no essencial dos seus fundamentos cumpre condená-la nas despesas tendo em conta o pedido do recorrente.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA (Segunda Secção),

decide:

 

1)

A decisão do Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 1992, que aplicou ao recorrente a sanção disciplinar de suspensão de subida de escalão por dois anos, é anulada.

 

2)

E negado provimento ao recurso quanto ao mais.

 

3)

O Tribunal de Justiça é condenado nas despesas.

 

Kirschner

Bellamy

Kalogeropoulos

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Junho de 1996.

O secretário

H. Jung

O presidente

H. Kirschner


( *1 ) Língua do processo: português

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