Processo C-411/05
Félix Palacios de la Villa
contra
Cortefiel Servicios SA
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de lo Social n° 33 de Madrid)
«Directiva 2000/78/CE − Igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional − Alcance − Convenção colectiva que estipula a caducidade do vínculo laboral quando o trabalhador atinja a idade de 65 anos e beneficie de uma pensão de reforma − Discriminação relacionada com a idade − Justificação»
Conclusões do advogado‑geral J. Mazák apresentadas em 15 de Fevereiro de 2007
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 16 de Outubro de 2007
Sumário do acórdão
1. Política social – Igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional – Directiva 2000/78
[Directiva 2000/78 do Conselho, décimo quarto considerando, artigos 1.°, 2.°, n.os 1 e 2, alínea a), e 3.°, n.° 1, alínea c)]
2. Política social – Igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional – Directiva 2000/78
(Directiva 2000/78 do Conselho, artigos 2.°, n.° 1, e 6.°)
1. A Directiva 2000/78, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, como resulta quer do seu título e do seu preâmbulo quer do seu conteúdo e da sua finalidade, destina‑se a estabelecer um quadro geral para garantir a qualquer pessoa a igualdade de tratamento em matéria de emprego e actividade profissional, oferecendo‑lhe uma protecção eficaz contra as discriminações baseadas num dos fundamentos referidos no artigo 1.°, entre os quais figura a idade.
Segundo o seu décimo quarto considerando, a referida directiva não afecta as disposições nacionais que fixam as idades da reforma. No entanto, este considerando limita‑se a precisar que esta directiva não afecta a competência dos Estados‑Membros na determinação das idades de reforma e de modo nenhum se opõe à sua aplicação às medidas nacionais que regulam as condições de cessação de um contrato de trabalho quando se atinge a idade da reforma assim fixada.
Deste modo, uma legislação nacional segundo a qual o facto de o trabalhador atingir a idade para a reforma fixada por esta legislação implica a cessação do contrato de trabalho afecta a duração da relação de trabalho que une as partes e, mais em geral, o exercício, pelo trabalhador em causa, da sua actividade profissional, ao impedir a sua participação futura na vida activa. Consequentemente, deve considerar‑se que uma legislação desta natureza estabelece regras relativas às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2000/78 e impõe, de maneira directa, um tratamento menos favorável para os trabalhadores que tenham atingido esta idade relativamente a todas as outras pessoas no activo. Tal legislação cria, assim, uma diferença de tratamento baseada directamente na idade, tal como refere o artigo 2.°, n.os 1 e 2, alínea a), da referida directiva.
(cf. n.os 42, 44‑46, 51)
2. A proibição de toda e qualquer discriminação baseada na idade, como aplicada pela Directiva 2000/78, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional segundo a qual são consideradas válidas as cláusulas de reforma obrigatória que constam das convenções colectivas e que exigem, como únicas condições, que o trabalhador tenha atingido o limite de idade para a reforma, fixado em 65 anos pela legislação nacional, e que preencha os outros critérios em matéria de segurança social para ter direito a uma pensão de reforma no regime contributivo, desde que
– a referida medida, embora baseada na idade, seja objectiva e razoavelmente justificada, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo relativo à política de emprego e ao mercado de trabalho, e
– os meios utilizados para realizar esse objectivo de interesse geral não sejam inapropriados e desnecessários para esse efeito.
Efectivamente, por um lado, a referida legislação foi adoptada como parte da política nacional de promoção do emprego intergeracional e de regulação do mercado de trabalho, designadamente para efeitos de combate ao desemprego.
Ora, a legitimidade de tal objectivo de interesse geral não pode ser razoavelmente posta em causa, uma vez que a política do emprego e a situação do mercado de trabalho estão entre os objectivos expressamente enunciados no artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2000/78 e que, nos termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, primeiro travessão, UE e do artigo 2.° CE, a promoção de um elevado nível de emprego constitui uma das finalidades prosseguidas quer pela União Europeia quer pela Comunidade.
A este respeito, a simples circunstância de a disposição nacional em causa não fazer formalmente referência a um objectivo desta natureza não exclui automaticamente que possa ser justificada nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da mesma directiva, desde que outros elementos, extraídos do contexto geral da medida em causa, permitam a identificação do objectivo que lhe está subjacente, para efeitos do exercício da fiscalização jurisdicional quanto à sua justificação objectiva.
Por outro lado, embora, no estado actual do direito comunitário, os Estados‑Membros e, sendo caso disso, os parceiros sociais a nível nacional, disponham de um amplo poder de apreciação na escolha não só da prossecução de um determinado objectivo, entre outros, em matéria de política social e de emprego, mas também na definição das medidas susceptíveis de o realizar, incumbe às autoridades competentes dos Estados‑Membros achar o justo equilíbrio entre os diferentes interesses em presença, zelando para que as medidas nacionais previstas neste contexto não vão além do que é apropriado e necessário para atingir o objectivo legítimo prosseguido pelo Estado‑Membro em causa.
Ora, não é desrazoável as autoridades de um Estado‑Membro considerarem que a passagem obrigatória à reforma pelo facto de o trabalhador ter atingido o limite de idade previsto possa ser apropriada e necessária para atingir o objectivo legítimo invocado no âmbito da política nacional de emprego, e que consiste em promover o pleno emprego ao favorecer o acesso ao mercado de trabalho. Além disso, a referida medida não pode ser considerada excessivamente prejudicial para as pretensões legítimas dos trabalhadores obrigados a reformar‑se, uma vez que a legislação nacional relevante não se baseia apenas numa determinada idade, tendo também em consideração a circunstância de os interessados beneficiarem, no fim da sua carreira profissional, de uma compensação financeira através da concessão de uma pensão de reforma, cujo nível não se pode considerar desrazoável.
(cf. n.os 53‑57, 62, 64, 68, 71‑73, 77, disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
16 de Outubro de 2007 (*)
«Directiva 2000/78/CE − Igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional − Alcance − Convenção colectiva que estipula a caducidade do vínculo laboral quando o trabalhador atinja a idade de 65 anos e beneficie de uma pensão de reforma − Discriminação relacionada com a idade − Justificação»
No processo C‑411/05,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Juzgado de lo Social n° 33 de Madrid (Espanha), por decisão de 14 de Novembro de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 22 de Novembro de 2005, no processo
Félix Palacios de la Villa
contra
Cortefiel Servicios SA,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),
composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Lenaerts e A. Tizzano, presidentes de secção, R. Schintgen (relator), J. N. Cunha Rodrigues, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, P. Lindh, J.‑C. Bonichot e T. von Danwitz, juízes,
advogado‑geral: J. Mazák,
secretário: M. Ferreira, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 21 de Novembro de 2006,
vistas as observações apresentadas:
– em representação de F. Palacios de la Villa, por P. Bernal de Pablo Blanco, Abogado,
– em representação do Cortefiel Servicios SA, por D. López González, Abogado,
– em representação do Governo espanhol, por M. Muñoz Pérez, na qualidade de agente,
– em representação da Irlanda, por D. J. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por N. Travers e F. O’Dubhghaill, BL, bem como por M. McLaughlin e por N. McCutcheon, solicitors,
– em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster e M. de Mol, bem como por P. P. J. van Ginneken, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo do Reino Unido, por R. Caudwell, na qualidade de agente, assistida por A. Dashwood, barrister,
– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J. Enegren e R. Vidal Puig, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de Fevereiro de 2007,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 13.° CE e dos artigos 2.°, n.° 1, e 6.° da Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional (JO L 303, p. 16).
2 Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe F. Palacios de la Villa à sua entidade patronal, Cortefiel Servicios SA (a seguir «Cortefiel»), a respeito da caducidade do seu contrato de trabalho por ter atingido o limite de idade, fixado em 65 anos pela legislação nacional, para a reforma obrigatória de um trabalhador.
Quadro jurídico
Legislação comunitária
3 A Directiva 2000/78 foi adoptada com base no artigo 13.° CE. O seu quarto, sexto, oitavo, nono, décimo primeiro a décimo quarto, vigésimo quinto e trigésimo sexto considerandos dispõem:
«(4) O direito das pessoas à igualdade perante a lei e à protecção contra a discriminação constitui um direito universal, reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, pelos pactos internacionais das Nações Unidas sobre os direitos civis e políticos e sobre os direitos económicos, sociais e culturais, e pela Convenção para a protecção dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais, de que todos os Estados‑Membros são signatários. A Convenção n.° 111 da Organização Internacional de Trabalho proíbe a discriminação em matéria de emprego e actividade profissional.
[…]
(6) A Carta Comunitária dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores reconhece a importância da luta contra todas as formas de discriminação, nomeadamente, a necessidade de tomar medidas adequadas em prol da integração social e económica das pessoas idosas e das pessoas deficientes.
[…]
(8) As Orientações para as Políticas de Emprego em 2000, aprovadas pelo Conselho Europeu de Helsínquia, de 10 e 11 de Dezembro de 1999, sublinham a necessidade de promover um mercado de trabalho favorável à inserção social, através da definição de um conjunto coerente de políticas destinadas a combater a discriminação de determinados grupos, como as pessoas deficientes, e realçam igualmente a necessidade de prestar especial atenção ao apoio aos trabalhadores mais velhos, para aumentar a sua participação na vida activa.
(9) O emprego e a actividade profissional são elementos importantes para garantir a igualdade de oportunidades para todos e muito contribuem para promover a plena participação dos cidadãos na vida económica, cultural e social, bem como o seu desenvolvimento pessoal.
[…]
(11) A discriminação baseada na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual pode comprometer a realização dos objectivos do Tratado CE, nomeadamente a promoção de um elevado nível de emprego e de protecção social, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social, a solidariedade e a livre circulação das pessoas.
(12) Para o efeito, devem ser proibidas em toda a Comunidade quaisquer formas de discriminação directa ou indirecta baseadas na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual, nos domínios abrangidos pela presente directiva. […]
(13) A presente directiva não é aplicável aos regimes de segurança social e de protecção social cujas regalias não sejam equiparadas a remuneração, na acepção dada a este termo para efeitos de aplicação do artigo 141.° do Tratado CE, nem aos pagamentos de qualquer espécie, efectuados pelo Estado, que tenham por objectivo o acesso ao emprego ou a manutenção no emprego.
(14) A presente directiva não afecta as disposições nacionais que fixam as idades da reforma.
[…]
(25) A proibição de discriminações relacionadas com a idade constitui um elemento essencial para atingir os objectivos estabelecidos pelas orientações para o emprego e encorajar a diversidade no emprego. Todavia, em determinadas circunstâncias, podem‑se justificar diferenças de tratamento com base na idade, que implicam a existência de disposições específicas que podem variar consoante a situação dos Estados‑Membros. Urge pois distinguir diferenças de tratamento justificadas, nomeadamente por objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e da formação profissional, de discriminações que devem ser proibidas.
[…]
(36) Os Estados‑Membros podem confiar aos parceiros sociais, a pedido conjunto destes, a aplicação da presente directiva no que se refere às disposições que são do âmbito de convenções colectivas, desde que sejam tomadas todas as disposições necessárias para que possam garantir, a todo o tempo, os resultados impostos pela presente directiva.»
4 Nos termos do seu artigo 1.°, a Directiva 2000/78 «tem por objecto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à actividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».
5 O artigo 2.° da Directiva 2000/78, intitulado «Conceito de discriminação», dispõe nos seus n.os 1 e 2, alínea a):
«1. Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°
2. Para efeitos do n.° 1:
a) Considera‑se que existe discriminação directa sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°, uma pessoa seja objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável.»
6 O artigo 3.° da referida directiva, intitulado «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.° 1:
«Dentro dos limites das competências atribuídas à Comunidade, a presente directiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no sector público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:
[…]
c) Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração;
[…]»
7 Nos termos do artigo 6.° da mesma directiva, intitulado «Justificação das diferenças de tratamento com base na idade»:
«1. Sem prejuízo do disposto no n.° 2 do artigo 2.°, os Estados‑Membros podem prever que as diferenças de tratamento com base na idade não constituam discriminação se forem objectiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo, incluindo objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objectivo sejam apropriados e necessários.
Essas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente:
a) O estabelecimento de condições especiais de acesso ao emprego e à formação profissional, de emprego e de trabalho, nomeadamente condições de despedimento e remuneração, para os jovens, os trabalhadores mais velhos e os que têm pessoas a cargo, a fim de favorecer a sua inserção profissional ou garantir a sua protecção;
b) A fixação de condições mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego;
c) A fixação de uma idade máxima de contratação, com base na formação exigida para o posto de trabalho em questão ou na necessidade de um período razoável de emprego antes da reforma.
2. Sem prejuízo do disposto no n.° 2 do artigo 2.°, os Estados‑Membros podem prever que não constitua discriminação baseada na idade a fixação, para os regimes profissionais de segurança social, de idades de adesão ou direito às prestações de reforma ou de invalidez, incluindo a fixação, para esses regimes, de idades diferentes para trabalhadores ou grupos ou categorias de trabalhadores, e a utilização, no mesmo âmbito, de critérios de idade nos cálculos actuariais, desde que tal não se traduza em discriminações baseadas no sexo.»
8 O artigo 8.° da Directiva 2000/78, intitulado «Requisitos mínimos», está redigido como segue:
«1. Os Estados‑Membros podem introduzir ou manter disposições relativas à protecção do princípio da igualdade de tratamento mais favoráveis do que as estabelecidas na presente directiva.
2. A aplicação da presente directiva não constituirá em caso algum motivo para uma redução do nível de protecção contra a discriminação que é já proporcionado nos Estados‑Membros nos domínios abrangidos pela presente directiva.»
9 O artigo 16.° da referida directiva, intitulado «Cumprimento», dispõe:
«Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que:
a) Sejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento;
b) Sejam ou possam ser declaradas nulas e sem efeito, ou revistas, as disposições contrárias ao princípio da igualdade de tratamento que figurem nos contratos ou convenções colectivas, nos regulamentos internos das empresas, bem como nos estatutos das profissões independentes e liberais e das organizações patronais e de trabalhadores.»
10 Nos termos do artigo 18.°, primeiro parágrafo, da Directiva 2000/78, os Estados‑Membros deviam adoptar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para lhe dar cumprimento, o mais tardar em 2 de Dezembro de 2003, ou podiam confiar aos parceiros sociais a sua execução, no que se refere às disposições que são do âmbito de convenções colectivas. No entanto, nesse caso, deviam assegurar que, o mais tardar em 2 de Dezembro de 2003, os parceiros sociais tivessem introduzido, por acordo, as disposições necessárias, devendo os Estados‑Membros em causa tomar as medidas necessárias para poderem garantir, a todo o tempo, os resultados impostos pela referida directiva. Além disso, deviam informar imediatamente a Comissão das Comunidades Europeias das referidas disposições.
Legislação nacional
11 De 1980 a 2001, o legislador espanhol utilizou o mecanismo da reforma obrigatória dos trabalhadores que tivessem atingido uma determinada idade, a fim de absorver o desemprego.
12 Assim, a quinta disposição adicional da Lei 8/1980, relativa ao Estatuto dos Trabalhadores (Ley 8/1980 del Estatuto de los Trabajadores), de 10 de Março de 1980, dispunha:
«A capacidade para trabalhar assim como a extinção dos contratos de trabalho terão o limite máximo de idade que o governo fixar em função das possibilidades da segurança social e do mercado de trabalho. De qualquer modo, a idade‑limite é fixada nos 69 anos, sem prejuízo de se poderem completar os períodos mínimos de seguro para a reforma.
Na negociação colectiva, poderão convencionar‑se livremente idades de reforma, sem prejuízo do disposto para este efeito em matéria de segurança social».
13 O Real Decreto Legislativo 1/1995, de 24 de Março de 1995 (BOE n.° 75, de 29 de Março de 1995, p. 9654), aprovou o texto alterado da Lei 8/1980, cuja décima disposição adicional (a seguir «décima disposição adicional») reproduz, no essencial, a quinta disposição adicional da referida lei, que permite a utilização da reforma obrigatória como instrumento da política de emprego.
14 O Decreto‑Lei 5/2001, de 2 de Março de 2001, relativo às medidas urgentes de reforma do mercado de trabalho a fim de aumentar o emprego e melhorar a respectiva qualidade, confirmado pela Lei 12/2001, de 9 de Julho de 2001, revogou, com efeitos a partir de 11 de Julho de 2001, a décima disposição adicional.
15 O órgão jurisdicional de reenvio explica, a este propósito, que, devido à melhoria da situação económica, o legislador espanhol deixou de encarar a reforma obrigatória como um instrumento favorecedor da política de emprego, considerando que, de futuro, tal medida será um encargo para a segurança social, pelo que decidiu substituir a política de incentivo à reforma obrigatória por medidas destinadas a encorajar a aplicação de um sistema de reforma flexível.
16 Os artigos 4.° e 17.° da Lei 8/1980, na versão resultante da Lei 62/2003, de 30 de Dezembro de 2003, que estabelece medidas fiscais, administrativas e de ordem social (BOE n.° 313, de 31 de Dezembro de 2003, p. 46874, a seguir «Estatuto dos Trabalhadores»), que visa transpor a Directiva 2000/78 para a ordem jurídica espanhola e que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2004, tratam do princípio da não discriminação, designadamente, em razão da idade.
17 Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do Estatuto dos Trabalhadores:
«Os trabalhadores têm o direito, no âmbito da sua actividade profissional:
[…]
c) a não ser discriminados directa ou indirectamente no acesso ao emprego, ou uma vez empregados, por razões de sexo, estado civil, idade dentro dos limites fixados por esta lei, origem racial ou étnica, condição social, religião ou convicções, ideias políticas, orientação sexual, filiação ou não num sindicato, assim como em razão da língua, dentro do Estado espanhol. Também não podem ser discriminados por razões de deficiência sempre que estejam aptos para desempenhar o trabalho ou emprego em causa.
[…]»
18 O artigo 17.°, n.° 1, do Estatuto dos Trabalhadores dispõe:
«Serão nulas e sem efeito as disposições regulamentares, as cláusulas de convenções colectivas, os acordos individuais e as decisões unilaterais da entidade patronal que contenham discriminações directas ou indirectas desfavoráveis em razão da idade […]»
19 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a revogação da décima disposição adicional do Estatuto dos Trabalhadores deu lugar a numerosos litígios relativos à questão da validade das cláusulas de convenções colectivas que autorizam a reforma obrigatória dos trabalhadores.
20 Em consequência, o legislador espanhol adoptou a Lei 14/2005, de 1 de Julho de 2005, relativa às cláusulas das convenções colectivas respeitantes à idade normal de reforma (Ley 14/2005 sobre las cláusulas de los convenios colectivos referidas al cumplimiento de la edad ordinaria de jubilación, BOE n.° 157, de 2 de Julho de 2005, p. 23634), que entrou em vigor a 3 de Julho de 2005.
21 Esta última lei reintroduziu o mecanismo da reforma obrigatória, prevendo, no entanto, a este respeito, condições diferentes consoante se trate do seu regime definitivo ou do seu regime transitório.
22 Assim, no atinente às convenções colectivas celebradas após a entrada em vigor da referida lei, o seu artigo único repõe a décima disposição adicional nos seguintes termos:
«Nas convenções colectivas, poderão ser estabelecidas cláusulas que possibilitem a extinção do contrato de trabalho por o trabalhador ter atingido a idade normal de reforma fixada na regulamentação da segurança social, sempre que estejam preenchidos os seguintes requisitos:
a) Esta medida deverá estar ligada a objectivos coerentes com a política de emprego, expressos na convenção colectiva, tais como o aumento da estabilidade de emprego, a transformação de contratos a prazo em contratos sem termo, a sustentabilidade do emprego, a contratação de novos trabalhadores, ou a quaisquer outros que se destinem a melhorar a qualidade do emprego.
b) O trabalhador abrangido pela extinção do contrato de trabalho deverá ter cumprido o período mínimo de quotização ou um maior, se tal estiver estipulado na convenção colectiva, e cumprir os demais requisitos exigidos pela legislação de segurança social para ter direito à pensão de reforma no regime contributivo.»
23 Em contrapartida, quanto às convenções colectivas celebradas antes da entrada em vigor da Lei 14/2005, a sua disposição transitória única (a seguir «disposição transitória única») apenas impõe a segunda das duas condições enunciadas na disposição referida no número anterior, excluindo toda e qualquer referência à prossecução de um objectivo relativo à política de emprego.
24 Com efeito, a disposição transitória única está redigida como segue:
«As cláusulas das convenções colectivas celebradas anteriormente à entrada em vigor desta lei, em que se tenha estipulado a extinção do contrato de trabalho por o trabalhador ter atingido a idade normal de reforma, consideram‑se válidas sempre que o trabalhador abrangido tenha cumprido o período mínimo de quotização e preencha os demais requisitos exigidos pela legislação da segurança social para ter direito à pensão de reforma no regime contributivo.
O parágrafo anterior não se aplica às situações jurídicas tornadas definitivas antes da entrada em vigor da lei.»
25 As relações entre as partes no processo principal são regidas pela convenção colectiva relativa ao sector do comércio de têxteis da Comunidade Autónoma de Madrid (a seguir «convenção colectiva»).
26 A convenção colectiva foi celebrada em 10 de Março de 2005 e publicada em 26 de Maio seguinte. Nos termos do artigo 3.°, o seu período de validade estendia‑se até 31 de Dezembro de 2005. Uma vez que esta convenção é anterior à entrada em vigor da Lei 14/2005, é‑lhe aplicável a disposição transitória única.
27 Também o artigo 19.°, terceiro parágrafo, da convenção colectiva dispõe:
«Com o objectivo de fomentar o emprego, fica convencionado que a idade da reforma será aos sessenta e cinco anos, salvo se o trabalhador abrangido não tiver cumprido o período mínimo de descontos exigido para beneficiar da pensão de reforma, caso em que pode continuar a prestar serviço até completar esse período.»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
28 Resulta do processo enviado ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio que F. Palacios de la Villa, nascido em 3 de Fevereiro de 1940, trabalhou para a Cortefiel desde 17 de Agosto de 1981, na qualidade de director de organização.
29 Por carta de 18 de Julho de 2005, a Cortefiel notificou‑o da caducidade do seu contrato de trabalho, uma vez que ele tinha atingido a idade da reforma obrigatória prevista no artigo 19.°, terceiro parágrafo, da convenção colectiva e que, em 2 de Julho de 2005, tinha sido publicada a Lei 14/2005 que, na sua disposição transitória única, autorizava tal medida.
30 É pacífico que, na data em que a Cortefiel lhe notificou a caducidade do seu contrato de trabalho, F. Palácios de la Villa tinha cumprido os períodos de actividade necessários para beneficiar de uma pensão de reforma paga pela segurança social e correspondente a 100% da sua base de quotização, fixada em 2 347,78 EUR, sem prejuízo dos limites máximos previstos na legislação nacional.
31 Em 9 de Agosto de 2005, F. Palacios de la Villa, considerando que a referida notificação equivalia a um despedimento, intentou uma acção no Juzgado de lo Social n° 33 de Madrid. Nessa acção, pede que a medida de que foi objecto seja declarada nula e sem efeito, por violar os seus direitos fundamentais, mais particularmente o seu direito à não discriminação em razão da idade, assentando a referida medida na mera circunstância de ter atingido a idade de 65 anos.
32 A Cortefiel alega, em contrapartida, que a caducidade do contrato de trabalho de F. Palacio de la Villa é conforme ao artigo 19.°, terceiro parágrafo, da convenção colectiva e à disposição transitória única e que, por outro lado, não é incompatível com as exigências do direito comunitário.
33 O órgão jurisdicional de reenvio declara ter sérias dúvidas quanto à conformidade do primeiro parágrafo da disposição transitória única com o direito comunitário, na medida em que autoriza a manutenção das cláusulas de convenções colectivas existentes à data de entrada em vigor da Lei 14/2005, que estabelecem a reforma obrigatória dos trabalhadores, desde que estes últimos tenham atingido a idade prevista para a reforma e satisfaçam as outras condições exigidas pela legislação nacional em matéria de segurança social para terem direito a uma pensão de reforma no regime contributivo. Com efeito, esta disposição não exige que a caducidade do vínculo laboral devido a ter‑se atingido a idade da reforma seja motivada pela política em matéria de emprego conduzida pelo Estado‑Membro em causa, quando as convenções negociadas após a entrada em vigor da referida lei só possam conter cláusulas de reforma obrigatória se, além da condição relativa ao benefício de uma pensão concedida aos trabalhadores em causa, esta medida prosseguir objectivos, formulados na convenção colectiva, relacionados com a política nacional de emprego, tais como o aumento da estabilidade de emprego, a transformação de contratos a prazo em contratos sem termo, a sustentabilidade do emprego, a contratação de novos trabalhadores ou a melhoria da qualidade do emprego.
34 Nestas condições, em aplicação de uma mesma lei e nas mesmas circunstâncias económicas, os trabalhadores que tenham atingido a idade de 65 anos recebem um tratamento diferente devido, simplesmente, à circunstância de a convenção colectiva por que estão abrangidos se ter tornado aplicável antes ou depois da data de publicação da Lei 14/2005, a saber, em 2 de Julho de 2005, sendo certo que se esta convenção estivesse em vigor antes dessa data, não se tinham em conta as exigências da política de emprego, apesar de estas serem impostas pela Directiva 2000/78 cujo prazo de transposição terminou em 2 de Dezembro de 2003.
35 É certo que o artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78 autoriza uma excepção ao princípio da não discriminação em função da idade para fins da prossecução de certos objectivos legítimos, desde que os meios para os realizar sejam apropriados e necessários, e, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o regime definitivo previsto na décima disposição adicional é indubitavelmente susceptível de se incluir no referido artigo 6.°, n.° 1, já que exige a existência de uma ligação concreta entre a reforma dos trabalhadores e os objectivos legítimos em matéria de política do emprego.
36 Em contrapartida, o primeiro parágrafo da disposição transitória única não exige a existência de tal ligação e, por isso, não está em conformidade com as condições enunciadas no artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78. Aliás, a partir de 2001, a evolução do mercado de trabalho foi nitidamente favorável e a decisão do legislador espanhol de introduzir a referida disposição transitória, influenciada pelos parceiros sociais, apenas pretendeu alterar a jurisprudência do Tribunal Supremo. O Tribunal Constitucional, de resto, nunca admitiu que a negociação colectiva pudesse constituir em si uma justificação objectiva e razoável para a reforma obrigatória de um trabalhador que tenha atingido uma determinada idade.
37 O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que o artigo 13.° CE e o artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2000/78 constituem regras precisas e incondicionais que obrigam o juiz nacional, de acordo com o princípio do primado do direito comunitário, a afastar a aplicação do direito interno que lhe seja contrário, sendo esse o caso da disposição transitória única.
38 Aliás, no seu acórdão de 15 de Janeiro de 1998, Schöning‑Kougebetopoulou (C‑15/96, Colect., p. I‑47), o Tribunal de Justiça já declarou contrária ao direito comunitário uma cláusula de convenção colectiva por conter uma discriminação, considerando que o juiz nacional é assim obrigado, sem pedir ou esperar a eliminação prévia dessa cláusula pela negociação colectiva ou por qualquer outro procedimento, a aplicar aos membros do grupo desfavorecido por essa discriminação o mesmo regime de que beneficiam os outros trabalhadores.
39 Daí resulta que, se o direito comunitário vier a ser interpretado no sentido de que se opõe efectivamente à aplicação, ao caso em apreço, do primeiro parágrafo da disposição transitória única, o artigo 19.°, terceiro parágrafo, da convenção colectiva não terá fundamento legal e não poderá, por isso, aplicar‑se no processo principal.
40 Foi nestas condições que o Juzgado de lo Social n° 33 de Madrid decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:
«1) O princípio da igualdade de tratamento que impede qualquer discriminação em razão da idade, reconhecido pelo artigo 13.° CE e pelo artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2000/78, opõe‑se a uma lei nacional (em concreto, o [primeiro parágrafo] da disposição transitória única […]) que considera válidas as cláusulas de reforma obrigatória estabelecidas nas convenções colectivas, que exigem, como únicos requisitos, que o trabalhador tenha atingido a idade normal de reforma e preencha as condições estabelecidas na legislação do Estado espanhol em matéria de segurança social para ter direito à pensão de reforma na modalidade contributiva?
Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:
2) O princípio da igualdade de tratamento, que impede qualquer discriminação em razão da idade, reconhecido pelo artigo 13.° CE e pelo artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2000/78, obriga […] [o] juiz nacional a não aplicar a este caso o [primeiro parágrafo] da citada disposição transitória única […]?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
41 A fim de responder utilmente a esta questão, importa determinar, em primeiro lugar, se a Directiva 2000/78 se aplica a uma situação como a que é objecto do processo principal, e examinar, em segundo lugar e se for o caso, se e em que medida esta mesma directiva é susceptível de se opor a uma regulamentação como aquela a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio.
Quanto à aplicabilidade da Directiva 2000/78
42 Como resulta quer do seu título e do seu preâmbulo quer do seu conteúdo e da sua finalidade, a Directiva 2000/78 destina‑se a estabelecer um quadro geral para garantir a qualquer pessoa a igualdade de tratamento «em matéria de emprego e actividade profissional», oferecendo‑lhe uma protecção eficaz contra as discriminações baseadas num dos fundamentos referidos no artigo 1.°, entre os quais figura a idade.
43 Mais precisamente, resulta do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2000/78 que esta se aplica, no âmbito das competências reservadas à Comunidade, «a todas as pessoas […] no que diz respeito […] [à]s condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração».
44 É verdade que, segundo o seu décimo quarto considerando, a Directiva 2000/78 não afecta as disposições nacionais que fixam as idades da reforma. No entanto, este considerando limita‑se a precisar que a referida directiva não afecta a competência dos Estados‑Membros na determinação das idades de reforma e de modo nenhum se opõe à sua aplicação às medidas nacionais que regulam as condições de cessação de um contrato de trabalho quando se atinge a idade da reforma assim fixada.
45 Ora, a regulamentação em causa no processo principal, que considera válida a caducidade do vínculo laboral existente entre uma entidade patronal e um trabalhador desde que este atinja a idade de 65 anos, afecta a duração da relação de trabalho que une as partes e, mais em geral, o exercício, pelo trabalhador em causa, da sua actividade profissional, ao impedir a sua participação futura na vida activa.
46 Consequentemente, deve considerar‑se que uma legislação desta natureza estabelece regras relativas às «condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração», na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2000/78.
47 Nestas condições, a referida directiva é aplicável a uma situação como a que deu lugar ao litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio.
Quanto à interpretação dos artigos 2.° e 6.° da Directiva 2000/78
48 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a proibição de toda e qualquer discriminação baseada na idade, em matéria de condições de emprego e de actividade profissional, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, segundo a qual são consideradas válidas as cláusulas de reforma obrigatória que constam das convenções colectivas e que exigem, como únicas condições, que o trabalhador tenha atingido o limite de idade para a reforma, fixado em 65 anos pela legislação nacional, e que preencha os outros critérios em matéria de segurança social para ter direito a uma pensão de reforma no regime contributivo.
49 A este propósito, importa recordar, antes de mais, que, de acordo com o seu artigo 1.°, a Directiva 2000/78 tem por objecto combater, em matéria de emprego e de actividade profissional, certos tipos de discriminações, entre as quais figura a baseada na idade, com vista a pôr em prática o princípio da igualdade de tratamento nos Estados‑Membros.
50 Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2000/78, para efeitos desta última, entende‑se por «princípio da igualdade de tratamento» a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.° O artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da directiva precisa que, no que se refere à aplicação do seu n.° 1, há discriminação directa sempre que, por qualquer dos motivos referidos no seu artigo 1.°, uma pessoa é objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é dado a outra pessoa numa situação comparável.
51 Ora, deve considerar‑se que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, segundo a qual o facto de o trabalhador atingir a idade para a reforma fixada por esta legislação implica a cessação do contrato de trabalho, impõe, de maneira directa, um tratamento menos favorável para os trabalhadores que tenham atingido esta idade relativamente a todas as outras pessoas no activo. Tal legislação cria, assim, uma diferença de tratamento baseada directamente na idade, tal como refere o artigo 2.°, n.os 1 e 2, alínea a), da Directiva 2000/78.
52 Contudo, precisamente quanto às diferenças de tratamento com base na idade, resulta do artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da referida directiva que tais desigualdades não constituem uma discriminação proibida pelo seu artigo 2.°, «se forem objectiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo, incluindo objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objectivo sejam apropriados e necessários». O segundo parágrafo do mesmo número indica vários exemplos de diferenças de tratamento com as características mencionadas no primeiro parágrafo e, portanto, compatíveis com as exigências do direito comunitário.
53 No caso em apreço, importa observar que, como o advogado‑geral J. Mazák indicou no n.° 71 das suas conclusões, a disposição transitória única que permite a inclusão de cláusulas de reforma obrigatória nas convenções colectivas foi adoptada, por pressão dos parceiros sociais, como parte da política nacional de promoção do emprego intergeracional.
54 Na verdade, o órgão jurisdicional de reenvio salientou que a referida disposição não faz formalmente referência a um objectivo desta natureza.
55 Porém, esta circunstância não é, por si só, determinante.
56 Não se pode, com efeito, inferir do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78 que uma imprecisão da legislação nacional em causa, quanto ao objectivo prosseguido, tenha por efeito excluir automaticamente que essa legislação possa ser justificada nos termos desta disposição.
57 Na falta de tal precisão, importa, todavia, que outros elementos, extraídos do contexto geral da medida em causa, permitam a identificação do objectivo que lhe está subjacente, para efeitos do exercício da fiscalização jurisdicional quanto à sua legitimidade e ao carácter apropriado e necessário dos meios utilizados para pôr em prática esse objectivo.
58 No caso em apreço, resulta das explicações do órgão jurisdicional de reenvio que, em primeiro lugar, a reforma obrigatória dos trabalhadores que tenham atingido uma certa idade foi introduzida na legislação espanhola no decurso do ano de 1980, num contexto económico caracterizado por um nível de desemprego elevado, a fim de oferecer, no âmbito da política nacional de emprego, oportunidades no mercado de trabalho às pessoas à procura de emprego.
59 Em segundo lugar, tal objectivo era expressamente enunciado na décima disposição adicional.
60 Em terceiro lugar, após a revogação, em 2001, desta disposição adicional e na sequência da assinatura, pelo Governo espanhol e pelas organizações patronais e sindicais, da Declaração para o diálogo social 2004, relativa à competitividade, ao emprego estável e à coesão social, o legislador espanhol reintroduziu o mecanismo da reforma obrigatória através da Lei 14/2005. Ora, esta mesma lei tem por objectivo oferecer oportunidades no mercado de trabalho às pessoas à procura de emprego. O seu artigo único sujeita, assim, a possibilidade de estipular nas convenções colectivas cláusulas que permitam a caducidade do contrato de trabalho devido a ter‑se atingido a idade da reforma à condição de esta medida estar «ligada a objectivos coerentes com a política de emprego, expressos na convenção colectiva», tais como «a transformação de contratos a prazo em contratos sem termo, a sustentabilidade do emprego [ou] a contratação de novos trabalhadores».
61 Neste contexto, e tendo em conta vários litígios relativos ao destino a dar, após a revogação da décima disposição adicional, às cláusulas de reforma obrigatória constantes das convenções colectivas celebradas sob a égide da Lei 8/1980, quer na sua versão original quer na que foi aprovada pelo Real Decreto Legislativo 1/1995, e a insegurança jurídica daí resultante para os parceiros sociais, a disposição transitória única confirmou a possibilidade de fixar uma idade‑limite de reforma nos termos das referidas convenções colectivas.
62 Assim reinserida no seu contexto, a disposição transitória única pretende, portanto, regular o mercado nacional do emprego, designadamente, para travar o desemprego.
63 Esta apreciação é ainda apoiada pela circunstância de, no caso em apreço, o artigo 19.°, terceiro parágrafo, da convenção colectiva mencionar expressamente o «objectivo de fomentar o emprego» como objectivo da medida instituída pela disposição.
64 Ora, a legitimidade de tal objectivo de interesse geral não pode ser razoavelmente posta em causa, uma vez que a política do emprego e a situação do mercado de trabalho estão entre os objectivos expressamente enunciados no artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2000/78 e que, nos termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, primeiro travessão, UE e do artigo 2.° CE, a promoção de um elevado nível de emprego constitui uma das finalidades prosseguidas quer pela União Europeia quer pela Comunidade.
65 Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que a promoção da contratação constitui incontestavelmente um objectivo legítimo de política social ou de emprego dos Estados‑Membros (v., designadamente, acórdão de 11 de Janeiro de 2007, ITC, C‑208/05, Colect., p. I‑181, n.° 39), e esta apreciação deve obviamente aplicar‑se aos instrumentos da política do mercado de trabalho nacional destinados a melhorar as hipóteses de inserção na vida activa de certas categorias de trabalhadores.
66 Deve, portanto, considerar‑se que um objectivo da natureza do referido pela legislação em causa no processo principal justifica, em princípio, «objectiva e razoavelmente», «no quadro do direito nacional», como dispõe o artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2000/78, uma diferença de tratamento com base na idade, estabelecida pelos Estados‑Membros.
67 Há ainda que verificar, segundo os próprios termos da referida disposição, se os meios utilizados para realizar esse objectivo legítimo são «apropriados e necessários».
68 Neste contexto, importa recordar que, no estado actual do direito comunitário, os Estados‑Membros e, sendo caso disso, os parceiros sociais a nível nacional, dispõem de um amplo poder de apreciação na escolha não só da prossecução de um determinado objectivo, entre outros, em matéria de política social e de emprego, mas também na definição das medidas susceptíveis de o realizar (v., neste sentido, acórdão de 22 de Novembro de 2005, Mangold, C‑144/04, Colect., p. I‑9981, n.° 63).
69 Como resulta já da expressão «disposições específicas que podem variar consoante a situação dos Estados‑Membros», que consta do vigésimo quinto considerando da Directiva 2000/78, é o que acontece no atinente à opção que as autoridades nacionais em causa podem ser levadas a efectuar, em função de considerações de ordem política, económica, social, demográfica e/ou orçamental e tendo em conta a situação tal como se apresenta, concretamente, no mercado de trabalho de um Estado‑Membro determinado, de prolongar a vida activa dos trabalhadores ou, pelo contrário, de prever a reforma precoce destes últimos.
70 Por outro lado, as autoridades competentes a nível nacional, regional ou sectorial devem beneficiar da possibilidade de alterar os meios postos ao serviço de um objectivo legítimo de interesse geral, adaptando‑os, por exemplo, à evolução da situação do emprego no Estado‑Membro em causa. O facto de, no caso em apreço, a reforma obrigatória ter sido reintroduzida em Espanha, após ter sido aí abolida durante vários anos, é, pois, irrelevante.
71 Assim, incumbe às autoridades competentes dos Estados‑Membros achar o justo equilíbrio entre os diferentes interesses em presença. No entanto, importa garantir que as medidas nacionais previstas neste contexto não vão além do que é apropriado e necessário para atingir o objectivo prosseguido pelo Estado‑Membro em causa.
72 Ora, não é desrazoável as autoridades de um Estado‑Membro considerarem que uma medida como a que está em causa no processo principal possa ser apropriada e necessária para atingir o objectivo legítimo invocado no âmbito da política nacional de emprego, e que consiste em promover o pleno emprego ao favorecer o acesso ao mercado de trabalho.
73 De resto, a referida medida não pode ser considerada excessivamente prejudicial para as pretensões legítimas dos trabalhadores obrigados a reformar‑se por terem atingido o limite de idade previsto, uma vez que a legislação relevante não se baseia apenas numa determinada idade, tendo também em consideração a circunstância de os interessados beneficiarem, no fim da sua carreira profissional, de uma compensação financeira através da concessão de uma pensão de reforma, como a prevista no regime nacional em causa no processo principal, cujo nível não se pode considerar desrazoável.
74 De resto, a legislação nacional relevante abre aos parceiros sociais a faculdade de utilizar, através de convenções colectivas – e, logo, com uma flexibilidade não negligenciável –, a aplicação do mecanismo da reforma obrigatória, de modo a poder ter‑se devidamente em conta não só a situação global do mercado de trabalho em causa mas também as características próprias dos empregos em questão.
75 Face a estes elementos, não se pode legitimamente afirmar que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é incompatível com as exigências da Directiva 2000/78.
76 Tendo em conta a interpretação precedente da Directiva 2000/78, deixa de ser necessário que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre o artigo 13.° CE, também referido na primeira questão submetida e com base no qual foi adoptada essa directiva.
77 Perante todas as considerações expostas, importa responder à primeira questão colocada que a proibição de toda e qualquer discriminação baseada na idade, como aplicada pela Directiva 2000/78, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, segundo a qual são consideradas válidas as cláusulas de reforma obrigatória que constam das convenções colectivas e que exigem, como únicas condições, que o trabalhador tenha atingido o limite de idade para a reforma, fixado em 65 anos pela legislação nacional, e que preencha os outros critérios em matéria de segurança social para ter direito a uma pensão de reforma no regime contributivo, desde que
– a referida medida, embora baseada na idade, seja objectiva e razoavelmente justificada, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo relativo à política de emprego e ao mercado de trabalho, e
– os meios utilizados para realizar esse objectivo de interesse geral não sejam inapropriados e desnecessários para esse efeito.
Quanto à segunda questão
78 Tendo em atenção a resposta negativa dada à primeira questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, não há necessidade de o Tribunal se pronunciar sobre a segunda questão prejudicial.
Quanto às despesas
79 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:
A proibição de toda e qualquer discriminação baseada na idade, como aplicada pela Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, segundo a qual são consideradas válidas as cláusulas de reforma obrigatória que constam das convenções colectivas e que exigem, como únicas condições, que o trabalhador tenha atingido o limite de idade para a reforma, fixado em 65 anos pela legislação nacional, e que preencha os outros critérios em matéria de segurança social para ter direito a uma pensão de reforma no regime contributivo, desde que
– a referida medida, embora baseada na idade, seja objectiva e razoavelmente justificada, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo relativo à política de emprego e ao mercado de trabalho, e
– os meios utilizados para realizar esse objectivo de interesse geral não sejam inapropriados e desnecessários para esse efeito.
Assinaturas
* Língua do processo: espanhol.