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Document 61991CJ0072

Acórdão do Tribunal de 17 de Março de 1993.
Firma Sloman Neptun Schiffahrts AG contra Seebetriebsrat Bodo Ziesemer der Sloman Neptun Schiffahrts AG.
Pedidos de decisão prejudicial: Arbeitsgericht Bremen - Alemanha.
Artigos 92.º e 117.º do tratado CEE - Legislação nacional em matéria de navegação marítima - Emprego de marinheiros estrangeiros sem domicílio nem residência permanente na Républica Federal da Alemanha com condições de trabalho e de renumeração menos favoráveis que as dos marinheiros alemães.
Processos apensos C-72/91 e C-73/91.

European Court Reports 1993 I-00887

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1993:97

61991J0072

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 17 DE MARCO DE 1993. - FIRMA SLOMAN NEPTUN SCHIFFAHRTS AG CONTRA SEEBETRIEBSRAT BODO ZIESEMER DER SLOMAN NEPTUN SCHIFFAHRTS AG. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: ARBEITSGERICHT BREMEN - ALEMANHA. - ARTIGOS 92. E 117. DO TRATADO CEE - LEGISLACAO NACIONAL EM MATERIA DE NAVEGACAO MARITIMA - EMPREGO DE MARINHEIROS ESTRANGEIROS SEM DOMICILIO NEM RESIDENCIA FIXA NA REPUBLICA FEDERAL DA ALEMANHA EM CONDICOES DE TRABALHO E DE REMUNERACAO MENOS FAVORAVEIS DO QUE AS DOS MARINHEIROS ALEMAES. - PROCESSOS APENSOS C-72/91 E C-73/91.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-00887
Edição especial sueca página I-00047
Edição especial finlandesa página I-00047


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Auxílios concedidos pelos Estados ° Conceito ° Aplicação a empresas de navegação marítima de um regime que lhes permita submeter marinheiros nacionais de países terceiros sem domicílio nem residência no território nacional a condições de trabalho e de remuneração menos favoráveis que as aplicáveis aos nacionais ° Vantagem atribuída sem utilização de recursos públicos ° Exclusão

(Tratado CEE, artigo 92. , n. 1)

2. Política social ° Objectivos sociais ° Carácter programático ° Melhoramento das condições de vida e de trabalho ° Efeito directo ° Inexistência ° Respeito das competências dos Estados-membros ° Medidas nacionais de política social ° Controlo pelo Tribunal de Justiça ° Exclusão

(Tratado CEE, artigos 2. , 5. e 117. )

Sumário


1. A aplicação pelos Estados-membros, a navios mercantes matriculados nos seus registos internacionais da navegação marítima, de regimes que permitam submeter os contratos de trabalho de marinheiros originários de países terceiros, sem domicílio ou residência permanente no Estado-membro em causa, a condições de trabalho e remuneração não conformes com o direito desse Estado-membro e sensivelmente menos favoráveis do que as dos marinheiros que dele são nacionais, não constituem auxílios de Estado, na acepção do n. 1 do artigo 92. do Tratado.

Com efeito, tais regimes não tendem, pelas suas finalidade e estrutura geral, a criar vantagens que constituam encargos suplementares para o Estado ou os organismos mencionados, mas apenas a modificar em favor das empresas de navegação marítima o quadro no qual se estabelecem as relações contratuais entre aquelas empresas e os seus assalariados. As consequências daí resultantes, quer para a diferença da base de cálculo das quotizações sociais, referida pelo tribunal nacional, quer quanto a uma eventual perda de receitas fiscais imputável ao baixo nível das remunerações, invocada pela Comissão, são inerentes ao regime e não constituem uma forma de atribuir às empresas em causa determinada vantagem.

2. O carácter programático dos objectivos sociais enunciados no artigo 117. não implica que sejam desprovidos de qualquer efeito jurídico. Com efeito, constituem elementos importantes, nomeadamente, para a interpretação de outras disposições do Tratado e do direito comunitário derivado no domínio social. Contudo, a realização destes objectivos deve resultar de uma política social cuja definição cabe às autoridades competentes.

Consequentemente, nem as orientações gerais de política social definidas por cada Estado-membro, nem medidas particulares como as que são objecto do pedido prejudicial podem ser objecto de controlo jurisdicional quanto à sua conformidade com os objectivos sociais enunciados no artigo 117. do Tratado.

Este carácter programático implica também que, se o melhoramento das condições de vida e de trabalho constitui uma das finalidades essenciais do Tratado, como o indicam os artigos 2. e 117. , os Estados-membros dispõem, a este respeito, de uma liberdade de decisão que impede o dever contido no artigo 5. do Tratado de dar origem a direitos dos particulares que os tribunais nacionais tenham o dever de salvaguardar.

Partes


Nos processos apensos C-72/91 e C-73/91,

que têm por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pelo Arbeitsgericht Bremen (República Federal da Alemanha), destinados a obter, nos litígios pendentes neste órgão jurisdicional entre

Sloman Neptun Schiffahrts AG

e

Seebetriebsrat Bodo Ziesemer der Sloman Neptun Schiffahrts AG,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 92. e 117. do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, C. N. Kakouris, G. C. Rodríguez Iglesias, M. Zuleeg e J. L. Murray, presidentes de secção, G. F. Mancini, R. Joliet, F. A. Schockweiler, J. C. Moitinho de Almeida, F. Grévisse e M. Díez de Velasco, juízes,

advogado-geral: M. Darmon

secretário: J.-G. Giraud

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação da Sloman Neptun Schiffahrts AG, recorrente no processo principal, por Hans-Georg Friedrichs, advogado no foro de Bremen,

° em representação do Governo alemão, por Ernst Roeder, Ministerialrat no Ministério dos Assuntos Económicos, e Joachim Karl, Regierungsdirektor no mesmo ministério, na qualidade de agentes

° em representação do Governo dinamarquês, por Joergen Molde, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

° em representação do Governo belga, por Louis van de Vel, director-geral no Ministério das Telecomunicações e Infra-estruturas, na qualidade de agente,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Ingolf Pernice, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da demandante no processo principal, do demandado no processo principal, representado por Juergen Maly, advogado no foro de Bremen, e pelo Professor Dr. Wolfgang Daeubler, professor em Dusslingen, do Governo dinamarquês, do Governo alemão, do Governo helénico, representado por Panagiotis Kamarinéas, consultor jurídico do Estado, na qualidade de agente, e da Comissão, na audiência de 7 de Janeiro de 1992,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 17 de Março de 1992,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Em dois despachos de 9 de Outubro de 1990, que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Fevereiro de 1991, o Arbeitsgericht Bremen submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, uma questão prejudicial sobre a interpretação dos artigos 92. e 117. do Tratado CEE.

2 Esta questão foi suscitada no quadro de dois litígios entre a Sloman Neptun Schiffahrts AG (a seguir "Sloman Neptun"), que explora uma empresa de armamento naval em Bremen, e a Seebetriebsrat, comissão de trabalhadores no sector de mar da Sloman Neptun (a seguir "Seebetriebsrat").

3 Resulta dos autos que, com base no artigo 99. da Betriebsverfassungsgesetz (lei sobre a organização das empresas), a Sloman Neptun solicitou o acordo da Seebetriebsrat para a contratação de um oficial radiotelegrafista filipino (processo C-72/92) e de cinco outros marinheiros, igualmente filipinos (processo C-73/91), para um dos navios que explora e tinha matriculado no Internationales Seeschiffahrtsregister, ISR (registo internacional da navegação marítima, a seguir "ISR"). O ISR foi criado pela Gesetz zur Einfuehrung eines zusaetzlichen Schiffregisters fuer Seeschiffe unter der Bundesflagge im internationalen Verkehr (lei sobre a criação de um registo suplementar de navios para navios com pavilhão federal nos transportes internacionais, a seguir "lei ISR"), de 23 de Março de 1989 (BGBl. I, p. 550).

4 De acordo com o n. 4 do § 21 da Flaggenrechtsgesetz (lei sobre o direito de pavilhão), inserido naquela lei pelo n. 2 do artigo 1. da lei ISR, foi acordado que os contratos de trabalho dos marinheiros em questão não se encontrariam submetidos ao direito alemão.

5 Nos termos daquela disposição:

"As relações de trabalho dos tripulantes de navios mercantes inscritos no Registo Internacional de Navios que não tenham domicílio ou residência permanente no território nacional não estão sujeitas à lei alemã, nos termos do artigo 30. da Einfuehrungsgesetz zum Buergerlichen Gesetzbuche (lei de introdução ao Código Civil), com salvaguarda da aplicação do direito comunitário, pelo simples facto de o navio ter pavilhão federal. Em caso de celebração, com sindicatos estrangeiros, de convenções colectivas de trabalho relativas às relações de trabalho referidas no primeiro período, estas só produzirão os efeitos referidos na Tarifvertragsgesetz (lei sobre convenções colectivas de trabalho) quando tiver sido acordada a competência dos tribunais alemães e a aplicação do direito alemão. As convenções colectivas de trabalho celebradas depois da entrada em vigor deste preceito só incidirão, em caso de dúvida, sobre as relações de trabalho referidas no primeiro período caso tal esteja expressamente previsto. O disposto não afecta a aplicação das normas de direito da segurança social alemão."

6 Tendo a Seebetriebsrat recusado o acordo para a contratação daqueles marinheiros, a Sloman Neptun pediu ao Arbeitsgericht Bremen que suprisse a falta daquele acordo. No decorrer do processo perante aquele tribunal a Seebetriebsrat argumentou que a disposição inserida pela lei ISR contraria, não só a Constituição, como ainda os artigos 92. e 117. do Tratado CEE, dado que permite contratar naturais de países terceiros com condições de remuneração e protecção social piores do que as de que beneficiam os marinheiros embarcados no âmbito das normas de direito alemão.

7 Entendendo ser necessária a interpretação dos referidos preceitos, o Arbeitsgericht Bremen suspendeu a instância e apresentou ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

"O facto de o n. 2 do artigo 1. da Gesetz zur Einfuehrung eines zusaetzlichen Schiffregisters fuer Seeschiffe unter der Bundesflagge im internationalen Verkehr (lei sobre a criação de um registo suplementar de navios para navios com pavilhão federal nos transportes internacionais) (Internationales Seeschiffahrtsregister ° registo internacional da navegação marítima ° ISR), de 23 de Março de 1989 (BGBl. I, p. 550), possibilitar que marinheiros estrangeiros sem domicílio ou residência permanente na República Federal da Alemanha não sejam abrangidos pelas convenções colectivas de trabalho alemãs, sendo assim contratados com 'soldos nacionais (Heimatlandheuer)' mais baixos e em condições de trabalho piores do que as de marinheiros alemães com funções equivalentes é compatível com os artigos 92. e 117. do Tratado CEE?"

8 Segundo o Governo alemão, o n. 4 do § 21 da lei sobre o direito do pavilhão foi criado para precisar, no domínio da navegação marítima, as regras enunciadas no n. 2 do artigo 30. da lei de introdução ao Código Civil, relativo às leis aplicáveis ao contrato de trabalho. Esta disposição destina-se a assegurar a competitividade dos navios de comércio alemães no plano internacional através da redução dos custos relativos ao pessoal.

9 O Governo alemão observa a este respeito que, de 1977 ao fim de 1987, a tonelagem dos navios de comércio sob pavilhão alemão passou de 9,3 milhões a 3,8 milhões de toneladas brutas de carga, e que, só em 1987, a frota comercial sob pavilhão alemão diminuiu em 11%. No início de 1988 aquela só ocupava 19 130 marinheiros, quando o seu número se elevava a 55 301 no início de 1971.

10 Para mais ampla exposição dos factos e do quadro jurídico dos litígios no processo principal, das observações escritas apresentadas ao Tribunal e da tramitação processual, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

11 Recorde-se a título liminar que, de acordo com jurisprudência constante (v., nomeadamente, o acórdão de 22 de Março de 1977, Steinike & Weinlig, 78/76, Recueil, p. 595, n. 9), ao organizar, no artigo 93. , o exame permanente e o controlo dos auxílios pela Comissão, o Tratado entende que o reconhecimento da eventual incompatibilidade de um auxílio com o mercado comum resulta, sob o controlo do Tribunal de Justiça, de um processo adequado, cuja execução é da responsabilidade da Comissão.

12 No mesmo acórdão, todavia, o Tribunal de Justiça declarou (n. 14) que podem ser interpostos perante os tribunais nacionais litígios que os levem a interpretar e aplicar o conceito de auxílio contido no artigo 92. , para decidir se determinada medida estatal, tomada sem ter em conta o processo de controlo prévio do n. 3 do artigo 93. , deve ou não ser submetida a este Tribunal.

13 Tendo em conta as considerações precedentes, deve considerar-se que a questão prejudicial tem por objectivo saber se devem ser considerados auxílios, na acepção do n. 1 do artigo 92. do Tratado, regimes em vigor nos Estados-membros, tal como o aplicável ao ISR, que permitam submeter os contratos de trabalho de marinheiros originários de países terceiros sem domicílio ou residência permanente no Estado-membro em causa a condições de trabalho e remuneração não conformes com o direito desse Estado-membro e sensivelmente menos favoráveis do que as dos marinheiros que dele são nacionais, e se o artigo 117. do Tratado obsta à aplicação de tais regimes.

Quanto à interpretação do artigo 92. do Tratado

14 O tribunal a quo considera que o regime em questão constitui um auxílio de Estado, na acepção do n. 1 do artigo 92. do Tratado, na medida em que permite a não aplicação parcial das disposições do direito do trabalho e do direito social alemães.

15 Invoca, a este respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o desagravamento parcial dos encargos sociais a cargo das empresas de dado sector industrial constitui um auxílio, na acepção do preceito citado, se se destinar a isentar parcialmente aquelas empresas dos encargos pecuniários resultantes da aplicação normal do sistema geral das contribuições obrigatórias impostas pela lei (acórdão de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, Recueil, p. 709). O regime em causa teria por efeito desonerar os armadores que registem navios no ISR de certos encargos pecuniários, nomeadamente de quotizações de segurança social mais elevadas, devidos em caso de emprego de marinheiros alemães.

16 Precisa também que a criação do ISR foi acompanhada da aprovação da Gesetz zur AEnderung von Vorschriften der See-Unfallversicherung in der Rentenversicherungsordnung (lei de alteração dos seguros de acidentes marítimos no Código de Pensões de Reforma, de 10 de Julho de 1989 (BGBl. I, p. 1383). De acordo com as disposições desta lei, os salários pagos a marinheiros cujo contrato de trabalho não se encontre submetido ao direito alemão não serão tomados em conta na fixação dos salários médios, para determinar as quotizações para a segurança social. Para aqueles marinheiros tais quotizações são calculadas em função das remunerações efectivamente pagas. Em consequência, os armadores em causa beneficiam de uma redução sensível dos respectivos encargos, pois não têm que pagar a diferença entre a quotização correspondente àquelas remunerações e a correspondente ao salário médio alemão.

17 A Comissão considera que todas as medidas, qualquer que seja a sua forma, que impliquem desagravamentos para um sector determinado que não faça parte de um sistema global, constituem auxílios de Estado, na acepção do n. 1 do artigo 92. do Tratado, ainda que tais medidas não sejam financiadas por fundos públicos. Tal resulta da interpretação literal da disposição citada, que distingue entre auxílios atribuídos pelo Estado e através de recursos estatais, por um lado, e da finalidade daquela disposição, por outro, que é expressão, em matéria de auxílios estatais, do princípio enunciado na alínea f) do artigo 3. do Tratado. Segundo a Comissão, a lei ISR, aprovada para tornar a navegação marítima alemã mais competitiva, através da atribuição de vantagens particulares, tem todos os elementos de um auxílio de Estado. De qualquer forma, a medida em questão é atribuída através de recursos estatais. Com efeito, o nível das remunerações fixadas em contratos não submetidos ao direito alemão implica a diminuição de receitas fiscais. Estes pontos de vista são partilhados pela Seebetriebsrat.

18 Saliente-se a este respeito que o n. 1 do artigo 92. do Tratado declara incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

19 Como foi decidido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 24 de Janeiro de 1978, Van Tiggele (82/77, Recueil, p. 25, n.os 24 e 25), só podem ser consideradas auxílios, na acepção do n. 1 do artigo 92. do Tratado, as vantagens atribuídas, directa ou indirectamente, através de recursos de Estado. Com efeito, resulta dos próprios termos daquela disposição e das regras de procedimento instituídas pelo artigo 93. do Tratado que as vantagens resultantes de fundos diversos dos recursos do Estado não estão compreendidas no campo de aplicação das disposições em causa. A distinção entre auxílios atribuídos pelo Estado e através de recursos do Estado destina-se a incluir no conceito de auxílio não só os auxílios atribuídos directamente pelo Estado como também os atribuídos por organismos públicos ou privados, designados ou instituídos pelo Estado.

20 É assim necessário verificar se as vantagens de regimes como o aplicável ao ISR devem ou não ser consideradas atribuídas através de recursos do Estado.

21 O regime em causa não tende, pelas suas finalidade e estrutura geral, a criar vantagens que constituam encargos suplementares para o Estado ou os organismos mencionados, mas apenas a modificar em favor das empresas de navegação marítima o quadro no qual se estabelecem as relações contratuais entre aquelas empresas e os seus assalariados. As consequências daí resultantes, quer para a diferença da base de cálculo das quotizações sociais, referida pelo tribunal nacional, quer quanto a uma eventual perda de receitas fiscais imputável ao baixo nível das remunerações, invocada pela Comissão, são inerentes ao regime e não constituem uma forma de atribuir às empresas em causa determinada vantagem.

22 Daqui resulta que regimes como o aplicável ao ISR não constituem auxílios de Estado, na acepção do n. 1 do artigo 92. do Tratado.

Quanto à interpretação do artigo 117. do Tratado

23 Segundo o tribunal a quo, o artigo 117. do Tratado não se limita a conter disposições programáticas, antes impondo aos Estados-membros a realização dos objectivos sociais e de livre concorrência da Comunidade. Entende assim que, nos termos daquele preceito, os Estados devem vigiar o afluxo de mão-de-obra de países terceiros, a fim de evitar "dumping salarial" e outras perturbações do mercado de trabalho, e adoptar medidas que permitam àquela mão-de-obra participar, quando empregada na Comunidade, no progresso social. Esta interpretação do artigo 117. é confirmada pelos objectivos prosseguidos pelos artigos 118. e 48. do Tratado. Ora, tais obrigações não são respeitadas pelas disposições em causa no processo principal.

24 O tribunal a quo, tal como a Seebetriebsrat, considera ainda que o artigo 5. do Tratado impede os Estados-membros de pôr em causa a protecção social existente. O melhoramento das condições de vida e de trabalho constitui uma das finalidades do Tratado, não podendo a sua realização ser posta em perigo por medidas tomadas pelos Estados-membros.

25 Observar-se-á a este respeito que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 15 de Junho de 1978, Defrenne, 149/77, Recueil, p. 1365, considerando 19, e de 29 de Setembro de 1987, Giménez Zaera, 126/86, Colect., p. 3697, n. 13), as disposições do artigo 11. do Tratado são de carácter essencialmente programático. Aquele artigo tem apenas objectivos sociais, cuja execução deve resultar da acção da Comunidade, da colaboração estreita entre os Estados-membros e do funcionamento do mercado comum.

26 É certo que o carácter programático dos objectivos sociais enunciados no artigo 117. não implica que sejam desprovidos de qualquer efeito jurídico. Com efeito, constituem elementos importantes, nomeadamente, para a interpretação de outras disposições do Tratado e do direito comunitário derivado no domínio social. Contudo, a realização destes objectivos deve resultar de uma política social cuja definição cabe às autoridades competentes (acórdão Giménez Zaera, já referido, n. 14).

27 Consequentemente, nem as orientações gerais de política social definidas por cada Estado-membro, nem medidas particulares como as que são objecto do pedido prejudicial podem ser objecto de controlo jurisdicional quanto à sua conformidade com os objectivos sociais enunciados no artigo 117. do Tratado.

28 Finalmente, se o melhoramento das condições de vida e de trabalho constitui uma das finalidades essenciais do Tratado, como o indicam os artigos 2. e 117. , os Estados-membros dispõem, a este respeito, de uma liberdade de decisão que impede o dever contido no artigo 5. do Tratado de dar origem a direitos dos particulares que os tribunais nacionais tenham o dever de salvaguardar.

29 Tendo em consideração o conjunto das considerações precedentes, deve responder-se ao órgão jurisdicional nacional que regimes como o aplicável ao ISR, que permitam submeter os contratos de trabalho de marinheiros originários de países terceiros sem domicílio ou residência permanente no Estado-membro em causa a condições de trabalho e remuneração não conformes com o direito desse Estado-membro e sensivelmente menos favoráveis de que as dos marinheiros que dele são nacionais, não constituem auxílios de Estado, na acepção do n. 1 do Tratado, e que o artigo 117. do Tratado não obsta à aplicação de tais regimes.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

30 As despesas efectuadas pelos Governos alemão, belga, dinamarquês e helénico e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Arbeitsgericht Bremen, por despachos de 9 de Outubro de 1990, declara:

Regimes como o aplicável ao ISR, que permitam submeter os contratos de trabalho de marinheiros originários de países terceiros sem domicílio ou residência permanente no Estado-membro em causa a condições de trabalho e remuneração não conformes com o direito desse Estado-membro e sensivelmente menos favoráveis de que as dos marinheiros que dele são nacionais, não constituem auxílios de Estado, na acepção do n. 1 do artigo 92. do Tratado, e o artigo 117. do Tratado não obsta à aplicação de tais regimes.

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