Livro Verde: Assistência judiciária em matéria civil: problemas com que se deparam os litigantes em processos transfronteiras

1) OBJECTIVO

Verificar quais os obstáculos que impedem os cidadãos europeus implicados em processos judiciários num Estado-Membro estrangeiro de acederem à assistência judiciária. Explorar possíveis vias de reforma.

2) ACTO

Livre Verde da Comissão, de 9 de Fevereiro de 2000: Assistência judiciária em matéria civil: problemas com que se deparam os litigantes em processos transfronteiras [COM (2000 51 final - Não publicado no Jornal Oficial].

3) SÍNTESE

1. Ao incremento do exercício das liberdades consagradas no tratado, por parte quer de empresas quer de particulares (nomeadamente o direito à livre circulação de pessoas, bens e serviços), corresponde um aumento do número potencial de litígios além-fronteiras no seio da União Europeia.

2. Quando uma empresa ou um particular é ameaçado de acção judicial ou pretende intentar uma acção num Estado-Membro estrangeiro, pode ter necessidade de assistência judiciária sob diversas formas:

3. As liberdades consagradas no Tratado CE implicam que um cidadão deva poder intentar uma acção ou defender-se num tribunal de um Estado-Membro estrangeiro de forma idêntica à dos cidadãos desse Estado-Membro.

4. As diferenças fundamentais actualmente existentes entre os regimes de assistência judiciária dos Estados-Membros impedem o exercício deste direito.

5. Em alguns casos, um cidadão implicado num litígio num Estado-Membro estrangeiro tem de satisfazer requisitos de nacionalidade ou residência para poder beneficiar de assistência jurídica por parte do Estado-Membro em questão ou do seu Estado-Membro de origem. Noutros casos, os custos suplementares devidos ao carácter além-fronteiras de um litígio podem impedir o acesso ao sistema judiciário de outro Estado-Membro.

6. Para resolver esta situação, o Conselho Europeu, na reunião de Tampere, realizada em 15 e 16 de Outubro de 1999, convidou a Comissão a apresentar propostas tendo em vista a adopção de normas mínimas que assegurem um nível adequado de assistência jurídica em matéria de questões além-fronteiras em toda a União.

7. O Livro Verde sobre assistência judiciária em matéria civil constitui a primeira etapa para a realização deste objectivo.

Nele se analisam os obstáculos que impedem o acesso à assistência judiciária dos cidadãos envolvidos em processos judiciais num Estado-Membro estrangeiro e se exploram as vias possíveis de reforma. As partes interessadas são instadas a participar na discussão enviando, antes de 31 de Maio de 2000, comentários sobre as diferentes partes do Livro Verde.

8. Os obstáculos identificados pela Comissão prendem-se com o seguinte:

Elegibilidade em razão da pessoa

8. De uma forma geral, os Estados-Membros apenas concedem assistência judiciária relativamente a processos no seu território. Um cidadão envolvido num litígio num Estado-Membro estrangeiro deverá, pois, recorrer a esse Estado-Membro para obter assistência judiciária.

9. No entanto, há Estados-Membros que impõem requisitos de nacionalidade, de residência ou de presença no seu território para concederem esse tipo de assistência. O cidadão de além-fronteiras pode, pois, encontrar-se numa situação em que não tenha direito a assistência judiciária nem no seu país de origem nem no de acolhimento.

10. Uma tal situação parece estar em contradição com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que sugere que o beneficiário de um direito reconhecido pelo direito comunitário (incluindo um destinatário de serviços ou um cidadão que adquiriu bens além-fronteiras) tem direito ao mesmo tratamento que os cidadãos nacionais do país de acolhimento tanto no que respeita ao seu direito formal de intentar uma acção como às condições em que a referida acção pode ser intentada.

O artigo 12º do Tratado CE, que proíbe a discriminação com base na nacionalidade, é contrário a que se faça depender o exercício deste direito do local de residência do requerente ou da sua presença física no país em questão.

11. Para além dos acórdãos do Tribunal, não há textos claros que precisem as obrigações dos Estados-Membros a título do artigo 12º do Tratado CE.

Há convenções de âmbito internacional ou regional que contêm disposições ligadas à assistência judiciária, mas a sua aplicação não é suficientemente clara (como é o caso da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) ou não é assegurada, por não ter sido ratificada pela maior parte dos Estados-Membros (como é o caso da Convenção da Haia, de 1980, que visa facilitar o acesso internacional à justiça).

12. Para preencher este vazio jurídico, a Comissão considera que poderia ser útil os Estados-Membros terem a obrigação de, em textos disponíveis ao grande público, garantirem aos cidadãos comunitários o acesso à assistência judiciária. Esta obrigação poderia eventualmente estender-se aos cidadãos de países terceiros com residência num Estado-Membro.

Elegibilidade substantiva

13. Pertencer-se a uma categoria susceptível de beneficiar de assistência judiciária (elegibilidade em razão da pessoa) não é condição suficiente para obter ajuda judiciária em outro Estado-Membro.

14. O requerente deve também provar ser substantivamente elegível, ou seja:

15. Os limites financeiros aplicados por alguns Estados-Membros para determinar o direito dos requerentes a uma ajuda judiciária não tomam em consideração os vários níveis de rendimento existentes nos Estados-Membros.

Por conseguinte, um requerente residente num país onde o custo de vida seja superior ao do país onde ocorre o litígio pode ser dissuadido de iniciar um processo além-fronteiras por se recear que não tenha direito a assistência judiciária no país de acolhimento.

Segundo a Comissão, estas situações discriminatórias poderiam ser evitadas aplicando-se aos critérios financeiros utilizados para o país do litígio uma "ponderação" que tivesse em consideração as diferenças do custo de vida nos dois países envolvidos.

16. Outro problema prende-se com a análise da legitimidade do recurso que constitui o objecto de um pedido de assistência judiciária. Na maioria dos Estados-Membros, esta análise baseia-se em critérios que envolvem uma grande margem subjectiva de apreciação.

A Comissão preconiza uma maior transparência a este respeito.

17. Quanto ao segundo aspecto da elegibilidade substantiva - condições que se prendem com o tipo de procedimento para o qual se solicita assistência judiciária - a Comissão lembra que alguns Estados-Membros excluem da assistência judiciária determinadas jurisdições (como os tribunais administrativos) ou determinados procedimentos (como as acções por difamação).

Custos suplementares por o litígio ser além-fronteiras

18. Os litigantes de além-fronteiras podem ser confrontados com vários custos suplementares decorrentes do facto de o litígio ser num país estrangeiro:

Deveria evitar-se que os custos adicionais entravem o acesso à justiça.

Dificuldades reais de acesso a um advogado qualificado

19. O litigante em processo além-fronteiras pode deparar-se com o dificílimo problema prático de encontrar efectivamente um advogado que possa tratar do seu caso nesse país - alguém que tenha experiência no domínio requerido e que possua uma língua comum.

20. A criação de uma base de dados que inventariasse os juristas poderia, segundo a Comissão, ajudar a resolver o problema.

Simultaneamente, poderiam designar-se advogados nacionais que fizessem parte de uma "rede" de correspondentes para um ou vários Estados-Membros.

Procedimentos técnicos

21. A par das outras questões mencionadas, os mecanismos para beneficiar de assistência judiciária no estrangeiro também podem constituir um obstáculo no acesso à justiça com que se depara o litigante em processos além-fronteiras.

22. Embora a maior parte dos Estados-Membros da União tenham ratificado o Acordo de 1977 do Conselho da Europa sobre a transmissão de requerimentos de assistência judiciária, conhecido em geral como o Acordo de Estrasburgo, é raro recorrer-se a ele por se ignorar quer a existência do direito de assistência judiciária no estrangeiro quer os procedimentos elaborados pela convenção.

23. Poderiam considerar-se duas soluções:

Informação e formação

24. Até agora, a informação sobre os direitos e os procedimentos em matéria de assistência judiciária visavam mais as autoridades nacionais do que aos cidadãos.

25. Desde o início de 2000, o site "Diálogo com os cidadãos", que inclui um guia sobre os direitos dos cidadãos no mercado único europeu, responde à necessidade de informação sobre as possibilidades de se obter ajuda em caso de dificuldade no exercício de direitos.

Existe também um guia de assistência judiciária e de informação jurídica no Espaço Económico Europeu, elaborado em 1995 e destinado, sobretudo, a juristas.

26. Recomenda-se a divulgação destes dois guias pelas autoridades nacionais.

Uma tal acção poderia ser completada por outras, destinas a fomentar a formação e a informação dos organismos públicos e das profissões implicadas na ajuda judiciária (advogados, juízes, agentes da ordem, serviços de imigração, etc), bem como em medidas de apoio destinadas aos advogados encarregados da assistência judiciária.

Reforma dos regimes nacionais de assistência judiciária e outros meios de garantir o acesso à justiça

27. Vários Estados-Membros estão a proceder a uma reflexão sobre as possibilidades de reforma do regime nacional de assistência judiciária. A Comissão considera que essas reformas não deverão vulnerar o objectivo de conseguir normas mínimas sobre assistência judiciária ao nível da União.

Acto

Datade entrada em vigor

Data limite de transposição nos Estados-Membros

Livro Verde da ComissãoCOM (2000) 51 final

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See also

Consultar igualmente:

Sítio "Liberdade, Segurança e Justiça" da Direcção-Geral JAI da Comissão Europeia:

Sítio "Liberdade, Segurança e Justiça" do Parlamento Europeu:

4) medidas de aplicação

5) trabalhos posteriores

Última modificação: 21.11.2003